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Artigo Original

Análise epidemiológica da mão queimada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Epidemiological analysis of the burned hand in the Clinics Hospital, Medical School of São Paulo University

Rita Narikawa1; Dimas André Michelski2; Patrícia Yuko Hiraki3; Thiago Ueda4; Hugo Alberto Nakamoto5; Paulo Tuma Jr.6; Marcus Castro Ferreira7

RESUMO

A mao é uma parte do corpo frequentemente acometida em pacientes queimados. Sua alta incidência é reconhecida no mundo todo, assim como o grande impacto na qualidade de vida dos pacientes. Por muitas vezes, seu tratamento é postergado pela presença de graves condiçoes clínicas associadas. Nesse artigo, os autores relatam as características epidemiológicas dos pacientes internados na Divisao de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo (Sao Paulo, Brasil), destacando a importância da mao queimada na populaçao economicamente ativa e sua associaçao com o grande queimado, dificultando o seu tratamento.

Palavras-chave: Queimaduras. Mãos. Epidemiologia.

ABSTRACT

The hand is one region from the human body frequently affected in burnt injuried patients. Its high incidence is not only worldwide recognized, but also its great impact in patients' quality of life. For many times, its treatment is put off by the presence of associated severe clinical conditions. Here, we report the epidemiological data of inpatient cases from Plastic Surgery and Burn Division, Clinics Hospital, Medical School of Sao Paulo University (Sao Paulo, Brazil), highlighting the importance of the burned hand in the economically active population and its association with major burnt patient, complicating its management.

Keywords: Burn. Hand. Epidemiology.

No mundo, entre 50 a 80% dos pacientes vítimas de queimaduras apresentam acometimento das maos1,2. Esta regiao representa menos de 6% da superfície corpórea, mas sua lesao pode levar a um comprometimento funcional de cerca de 57% do paciente3. Desta forma, a presença de queimadura nas maos consiste no fator específico com maior impacto no retorno desses pacientes ao trabalho4, pois, apesar de nao ser relevante na mortalidade, o acometimento das maos dificulta ainda mais a reintegraçao do paciente à sociedade e o retorno à vida profissional após a alta hospitalar5.

A forma e a estética devem ser consideradas juntamente com a funçao durante o tratamento, visto que, uma mao com aspecto estético razoável é desejável, mas uma mao funcional é essencial para a vida do paciente. Muitas vezes, o tratamento adequado é negligenciado na fase aguda, devido à presença de lesoes associadas e à necessidade de cuidados clínicos intensivos. Contudo, sabe-se que o sucesso para a reabilitaçao funcional da mao depende de tratamento precoce e adequado.

O presente estudo tem como objetivo apresentar as características epidemiológicas dos pacientes portadores de queimaduras em maos, internados na Divisao de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo (HC-FMUSP).


MÉTODO

Foi realizado um estudo retrospectivo dos prontuários dos pacientes internados na Divisao de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, durante período de março de 2008 a março de 2009.

Todos os pacientes eram originários do Estado de Sao Paulo, atendidos primariamente no Pronto Socorro de Cirurgia do HCFMUSP ou encaminhados de outros serviços.

Foram avaliados os seguintes fatores: sexo, idade, agente etiológico, extensao da superfície corpórea queimada e realizaçao de procedimentos cirúrgicos.


RESULTADOS

No período mencionado, foram analisadas 192 internaçoes, sendo que 35 pacientes foram excluídos devido à presença de informaçoes contraditórias ou à impossibilidade de obtençao de seus prontuários.

Dentre os pacientes internados, um total de 157, observou-se a presença de queimadura de mao em 55,4% dos casos. Dentre esses pacientes, houve prevalência de indivíduos do sexo masculino (73,5%).

Quanto à faixa etária, a média de idade foi de 31 anos, sendo que 49,4% dos pacientes tinham de 25 a 49 anos (Tabela 1). Apenas 12,6% dos pacientes eram crianças, com média de idade de 3,6 anos.




A etiologia predominante foi chama (41,4%), seguida por explosao (25,3%), trauma elétrico (13,8%), escaldo (10,3%) e contato (9,2%) (Figura 1).


Figura 1 - Etiologia das queimaduras de mao.



A superfície corpórea média queimada (SCQ) foi de 24,9%, sendo que 38% dos pacientes apresentavam SCQ maior que 20%.

Dentre os pacientes estudados, 50 foram submetidos a procedimentos cirúrgicos nas maos. Desses, 54% tiveram as áreas de queimaduras enxertadas, 40% foram submetidos apenas a limpeza cirúrgica e 6% necessitaram de retalhos locais para cobertura (Figura 2). Dois pacientes necessitaram de amputaçao, uma realizada em nível mais distal (quarto quirodáctilo) e outra, ao nível transumeral associada à desarticulaçao contralateral.


Figura 2 - Procedimentos cirúrgicos realizados nos pacientes com queimadura de mao.



Dentre os pacientes com queimadura de maos, 51,7% foram inicialmente internados em unidade de terapia intensiva, representando 83,8% de todas as internaçoes desse tipo no período estudado. Os demais pacientes foram atendidos na enfermaria.

Dentre todos os pacientes internados, 22 foram a óbito. Todos apresentavam queimaduras em maos.


DISCUSSAO

Em nosso estudo, a maioria dos pacientes internados apresentou queimadura de maos. Na literatura mundial, também há alta incidência desse tipo de lesao nos pacientes admitidos em centros de queimados6,7.

A faixa etária que compreendeu a maior parte dos pacientes internados com queimaduras em maos foi de 25 a 49 anos. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), esta é a faixa etária que concentra a maior parte da populaçao brasileira economicamente ativa (PEA)8. Associa-se a isso o fato de que o sexo masculino, que também constitui a maior parte da PEA, é predominante nestes pacientes (Tabela 2).




Cerca de 27% das internaçoes eram de pacientes pertencentes à faixa etária de 0 a 10 anos. Sabe-se que, em crianças, o acometimento das maos está associado à recuperaçao mais lenta das atividades habituais e à maior dificuldade para realizaçao de movimentos finos e brincadeiras9.

A chama foi identificada como o principal agente etiológico, diferentemente do que ocorre com o restante dos pacientes queimados, nos quais a principal causa é o escaldo10. O trauma elétrico foi responsável pela queimadura das maos de 11 pacientes hospitalizados. O único paciente que nao teve esse tipo de lesao foi uma criança de 1 ano e 11 meses, internada por queimadura oral após mordedura de fio elétrico.

Sabe-se que o trauma elétrico de alta tensao é extremamente grave e constitui a principal causa de amputaçao nos centros de queimados11,12. A taxa chega a 73%7,13. Na presente análise, os dois pacientes submetidos à amputaçao tiveram como fator causal a queimadura elétrica.

O tratamento das queimaduras em maos requer uma equipe multidisciplinar de cirurgioes, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e psicólogos. É imprescindível que o tratamento seja precoce e agressivo, para que a funçao da mao queimada seja restabelecida.

Na maior parte dos casos, o tratamento cirúrgico consiste em enxertia de pele, mas lesoes profundas que resultem em exposiçao de tendoes, ossos, vasos e nervos podem exigir reconstruçao com retalhos locais ou microcirúrgicos. Os retalhos microcirúrgicos sao utilizados quando nao há opçao de retalho local disponível devido à extensao da queimadura ou em locais com características especiais, como ocorre nas extremidades, onde há pouco tecido local14.

Em nosso estudo, a maioria dos pacientes foi submetida a excisao tangencial e enxertia de pele, enquanto uma minoria teve a necessidade de realizaçao de retalhos locais.

Independente da opçao cirúrgica de tratamento, a fisioterapia, o uso de splints e a compressao elástica desempenham um papel importante na otimizaçao do resultado final15,16.

Fica evidente na nossa análise, a alta incidência de queimadura de mao em pacientes com grande superfície corpórea queimada. Logo depois da profundidade da lesao, a funçao da mao é um dos fatores preditivos mais importantes da qualidade física de vida nestes pacientes17. No entanto, sabe-se que os pacientes com queimaduras extensas frequentemente apresentam permanência prolongada em unidade de terapia intensiva, o que pode atrasar o tratamento definitivo, dificultando a prevençao de sequelas funcionais.


CONCLUSAO

A mao queimada constitui um desafio para o cirurgiao plástico. A sequela provocada pela queimadura acarreta limitaçao funcional tanto para o paciente adulto quanto para as crianças, com repercussoes na vida cotidiana e no trabalho, prejudicando a qualidade de vida. Nesse estudo, assim como na literatura, fica evidente a alta incidência de queimadura de mao em nosso meio, afetando a maior parcela da populaçao brasileira economicamente ativa. Isso demonstra a necessidade de tratamento apropriado, tanto para minimizar sequelas estéticas como para que o paciente recupere funçao adequada, possibilitando retorno precoce às atividades habituais.


REFERENCIAS

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2. Voulliaume D, Mojallal A, Comparin JP, Foyatier JL. Severe hand burns and flaps: indications. Ann Chir Plast Esthet. 2005;50(4):314-9.

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5. Kamolz LP, Kitzinger HB, Karle B, Frey M. The treatment of hand burns. Burns. 2009;35(3):327-37.

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7. Chien WC, Pai L, Lin CC, Chen HC. Epidemiology of hospitalized burns patients in Taiwan. Burns. 2003;29(6):582-8.

8. Dados Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (IPEA), Boletim de Mercado de Trabalho de 2002-2009.

9. Dodd AR, Nelson-Mooney K, Greenhalgh DG, Beckett LA, Li Y, Palmieri TL. The effect of hand burns on quality of life in children. J Burn Care Res. 2010;31(3):414-22.

10. De-Souza DA, Marchesan WG, Greene LJ. Epidemiological data and mortality rate of patients hospitalized with burns in Brazil. Burns. 1998;24(5):433-8.

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16. Anzarut A, Chen M, Shankowsky H, Tredget EE. Quality-of-life and outcome predictors following massive burn injury. Plast Reconstr Surg. 2005;116(3):791-7.










1. Médica Residente da Divisao de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo (HC-FMUSP), Sao Paulo, SP, Brasil.
2. Médico Assistente Mestre da Divisao de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, Sao Paulo, SP, Brasil.
3. Cirurgia Plástica, ex-residente da Divisao de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, Sao Paulo, SP, Brasil.
4. Médico Residente de Cirurgia Geral do HC-FMUSP, Sao Paulo, SP, Brasil.
5. Médico Assistente Mestre da Divisao de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, Sao Paulo, SP, Brasil.
6. Médico Assistente Doutor da Divisao de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, Sao Paulo, SP, Brasil.
7. Professor Titular da Divisao de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, Sao Paulo, SP, Brasil.

Correspondência:
Rita Narikawa
Rua Artur de Azevedo, 142, apto 52 - Cerqueira César
Sao Paulo, SP, Brasil - CEP: 05404-014
E-mail: rnarikawa@gmail.com

Artigo recebido: 12/6/2011
Artigo aceito: 23/8/2011

Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, SP, Brasil.

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