3093
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Fatores que influenciam na mortalidade em queimaduras graves

Factors influencing mortality in severe burns

Claudio Luciano Franck1; Fernanda Cristina Martins Figueredo2; Raquel Jardim de Melo3; Lucas Martins da Silva4; Rafael Martins Matioli5

RESUMO

INTRODUÇÃO: Queimaduras são lesões determinadas pela energia térmica da transferência de calor. Queimaduras graves persistem com elevada taxa de mortalidade e incidência, principalmente em países em desenvolvimento. Necessita-se reconhecer os fatores que influenciam o desfecho para o óbito ou a sobrevivência.
OBJETIVO: Evidenciar fatores que podem influenciar na mortalidade ou na chance de sobreviver às queimaduras graves. Analisar dados epidemiológicos, como idade, sexo e agente causal, características das queimaduras como agente, regiões, profundidade e extensão da superfície corporal queimada (SCQ), comorbidades e hábitos de vida, assim como a presença de disfunções orgânicas e sepse.
MÉTODO: Realizou-se um estudo retrospectivo quantitativo, analítico e observacional em dados de prontuários eletrônicos de queimados graves sob cuidados intensivos entre junho de 2013 e junho de 2018. Para a relação entre o óbito e variáveis categóricas, utilizou-se o teste Qui-quadrado e o teste de Wilcoxon-Mann-Whitney para variáveis numéricas.
RESULTADOS: Encontrou-se diferença estatisticamente relevante na idade (p=0,008) e na extensão de superfície corporal queimada (p=0,005) entre os pacientes que vieram ou não a óbito. Observou-se que a presença de comorbidades (p=0,02) e sepse (p=0,01), assim como de disfunções orgânicas isoladas, indicaram diferença na proporção de pacientes que faleceram e os que sobreviveram.
CONCLUSÃO: A presença de duas ou mais comorbidades, o diagnóstico de sepse e de disfunções orgânicas isoladas, como cardiovascular, respiratória, neurológica, hematológica e renal, são fatores que influenciam na mortalidade com relevância estatística e apresentam uma mediana de idade de 46 anos e 50% de SCQ.

Palavras-chave: Queimaduras. Mortalidade. Causas de Morte. Prognóstico.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Burns are defined by the thermal energy of heat transfer. Severe burns persist with a high mortality and incidence rate, especially in developing countries. It is necessary to recognize the factors that influence the outcome for death.
OBJECTIVE: To elucidate the factors that may result in mortality or the chance of surviving from severe burns. To analyze epidemiological data, such as age, sex and causal agent, characteristics of burns as a regional agent, depth and extent of the burned body surface, comorbidities and life habits, as well as the presence of organic disorders and sepsis.
METHODS: A retrospective investigation was carried out on electronic medical records of burned graves under intensive care between 2013 and 2018. For the relationship between death and categorical variables, the Chi-square test and the Wilcoxon-Mann-Whitney test were used for variables.
RESULTS: A statistically relevant difference was found in age (p=0.008) and in the extent of burned body surface area (p=0.005) between patients who died or not. It was observed that the presence of comorbidities (p=0.02) and sepsis (p=0.01), as well as isolated organic dysfunctions indicated a difference in the proportion of patients who died and those who survived.
CONCLUSION: The average age of 46 years, the average extension of burned body surface average of 50%, the presence of two or more comorbidities, the diagnosis of sepsis and isolated organic dysfunctions, such as cardiovascular, respiratory, neurological, hematological and renal are factors that influence mortality of severe burns.

Keywords: Burns. Mortality. Cause of Death. Prognosis.

INTRODUÇÃO

Queimaduras são lesões cutâneas ou em qualquer órgão determinadas pela energia térmica da transferência de calor, que causa destruição celular e tecidual. Geradas por um insulto isolado de calor, frio, eletricidade, radiação ou produtos químicos, que podem causar choque, desnutrição, hipermetabolismo, sepse, síndrome da resposta inflamatória sistêmica1,2, síndrome da angústia respiratória e disfunção de múltiplos órgãos3.

A ressuscitação volêmica deve ser vigorosa, precoce e pela porcentagem corporal de áreas atingidas pelas queimaduras, levando-se em consideração as respostas fisiológicas. Os sobreviventes desta primeira fase enfrentarão uma perda de massa magra, inflamação crônica, hipermetabolismo e alterações imunológicas que predispõem infecções1. A mortalidade se relaciona à fibrinólise, agregação plaquetária e perda de proteínas4.

A mortalidade em função das queimaduras graves continua elevada. Anualmente, nos Estados Unidos acometem 1,1 milhão de pessoas e 45.000 necessitam hospitalização, com 4.500 óbitos5 e no contexto mundial esse número chega a 265.0006. Queimaduras são mais prevalentes em países de baixa e média renda. Em países ricos ocorrem, prevalentemente, em suas áreas onde há pobreza e infraestrutura precária7, muitas vezes decorrentes da desinformação e da distração5.

Queimaduras podem ser evitáveis na maioria das vezes, desta forma, deve-se investir em medidas preventivas5. No âmbito mundial, os gastos em saúde alcançam anualmente 25 bilhões de dólares8. Países em desenvolvimento sofrem com o custo e falta de profissionais especializados, limitando a assistência6. A alta incidência de queimaduras nesses países continua comprometendo a saúde pública9.

Mensura-se o resultado do tratamento das queimaduras graves pela mortalidade10. A pele protege o organismo como barreira física ao ambiente externo e pela coordenação imunológica11, além de manter a homeostase dos fluídos e temperatura12. Dificilmente, durante a vida, uma pessoa não será vítima de uma queimadura13, assim, o conhecimento do prognóstico pode direcionar recursos e expectativa de recuperação10, o que torna imprescindível a elaboração de preditores de mortalidade6 embasados em fatores que possam influenciar o desfecho.

Desta forma, o objetivo deste estudo foi analisar dados epidemiológicos, como idade e sexo, características das queimaduras, como agente causal, extensão, profundidade e regiões corporais atingidas, comorbidades e hábitos de vida, assim como a presença de disfunções orgânicas e sepse, com a intenção de evidenciar fatores que podem influenciar na mortalidade ou na chance de sobreviver ao trauma determinado por queimaduras graves em uma unidade de terapia intensiva de um hospital referência nesta modalidade assistencial.


MÉTODO

Este artigo científico é o resultado de uma investigação retrospectiva transversal quantitativa, analítica e observacional de informações coletadas em prontuários eletrônicos de pacientes queimados internados em uma unidade de terapia intensiva de um hospital universitário referência nesta modalidade assistencial entre junho de 2013 e junho de 2018, com o intuito de analisar dados que podem influenciar na mortalidade deste acometimento. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba, parecer número 2.369.240.

Dentre os prontuários, estão inclusos pacientes de ambos os sexos e sem limitações etárias. As informações foram coletadas e tabeladas, o que apontou os dados principais da internação. Foram coletados os seguintes dados do sistema de prontuário eletrônico do hospital: idade e sexo, agente causal e extensão da superfície corporal queimada (SCQ), assim como a presença queimaduras de 1°, 2° e 3° graus3, regiões corporais atingidas, comorbidades, disfunções orgânicas e sepse.

Esses dados foram convertidos em uma planilha no Microsoft Excel para realização de estudos estatísticos quanti e qualitativos, parciais, absolutos e comparativos de modo a atingir os objetivos do trabalho. A análise foi conduzida utilizando o software R de computação estatística, considerando sempre o nível de 5% de significância. Foram utilizados o teste Qui-quadrado e Wilcoxon-Mann-Whitney para a análise bivariada, e o modelo estimado foi um modelo linear generalizado de resposta binomial com função de ligação logística. Realizou-se análise bivariada, sendo considerado como desfecho de interesse o óbito e sua correlação com as variáveis disponíveis. A relação entre o óbito e variáveis categóricas foi calculada utilizando o teste Qui-quadrado, e no caso de variáveis numéricas usando o teste de Wilcoxon-Mann-Whitney.

Estes valores e informações foram transcritos em para uma planilha eletrônica em Excel e ao final realizaram-se as análises estatísticas quanti e qualitativas, parciais, absolutas e comparativas de modo a atingir os objetivos do trabalho, e relacionaram-se as informações encontradas com artigos publicados na literatura.


RESULTADOS

Foram coletados dados referentes a 141 pacientes queimados atendidos nas Unidades de Terapia Intensiva do Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, em Curitiba, PR, no período de junho de 2013 a junho de 2018, incluindo variáveis demográficas, variáveis relacionadas ao hospital e internamento, variáveis clínicas e variáveis relacionadas às características das queimaduras. A amostra foi então dividida em dois grupos de acordo com o desfecho final - 61 pacientes foram a óbito (43%) e 80 pacientes tiveram alta (56%).

Observou-se p-valores abaixo do níveis de 5% de significância para as variáveis: idade, extensão e profundidade da SCQ, número de comorbidades, sepse, complicações cardiovasculares, respiratórias, neurológicas, hematológicas e renais. Para as variáveis idade e extensão da SCQ, este p-valor significativo indica que existe diferença significativa na idade e no valor da SCQ dos pacientes que vieram ou não a óbito. Para as demais variáveis, o p-valor significativo indica que existe diferença na proporção de pacientes em que a característica se manifesta entre os pacientes que faleceram e os que sobreviveram.

O Quadro 1 apresenta as medidas resumo e resultado dos testes realizados. Variáveis categóricas estão representadas pelos percentuais, enquanto as variáveis numéricas, como idade e porcentagem de SCQ, estão representadas pela mediana e 1° Quartil; 3° Quartil entre parênteses.




Conforme mostra o Quadro 1, foram avaliadas, nesta pesquisa, queimaduras com extensão maior que 29,25% da SCQ; 69,51% do sexo masculino e 30,49% feminino. Aponta que 59,18% dos pacientes do sexo masculino e 51,16% do sexo feminino sobreviveram, uma diferença sem relevância estatística (p=0,48).

Em relação à idade, a mediana de idade foi 46 anos quando o desfecho foi o óbito, enquanto para os pacientes que sobreviveram a mediana de idade foi de 34 anos. Percebe-se uma diferença de 11 anos de idade mais avançada no grupo com desfecho do óbito. O desfecho do óbito quando relacionado à idade demonstrou diferença estatística relevante (p=0,008).

Conforme demonstra o Gráfico 1, a mediana de idade de 34 anos do grupo que sobreviveu é semelhante ao primeiro quartil do grupo que teve como desfecho o óbito, enquanto seu primeiro quartil demonstra ser 10,25 anos mais jovem. Os terceiros quartis se assemelharam com idades de 56 anos no grupo do óbito e 54 anos no grupo que recebeu alta, mas a dispersão do quartis foi maior no grupo que recebeu alta.


Gráfico 1 - Idade e os desfechos.
Nota: A mediana de idade dos que sobreviveram foi 34 anos e dos que foram a óbito 46 anos.
A mediana é representada pela linha (____) entre o 1° e 3° quartis.
Fonte: Autores (2020).



Em relação à causa das queimaduras, o Quadro 1 mostra que as queimaduras geradas pelo fogo foram o mecanismo trauma mais frequente (75%), com uma diferença na proporção de desfechos entre os que faleceram e os que sobreviveram (p=0,051). Conforme o Gráfico 2, a mortalidade encontrada nas queimaduras elétricas foi de 16,7%, nas queimaduras por fogo 46,7%, e por líquidos quentes 50%, apontando uma chance maior de óbito nas queimaduras por esta última causa.


Gráfico 2 - Causa da queimadura e desfechos.
Fonte: Autores (2020).



Verifica-se que a extensão da superfície corporal acometida por queimaduras influencia na mortalidade dos pacientes queimados.

O Quadro 1 evidencia que a mediana do grupo que foi a óbito apresentava um comprometimento de 50% da SCQ, enquanto a mediana de SCQ comprometida no grupo que recebeu alta foi de 40% (p=0,005), o que sugere uma relação direta entre a mortalidade e a extensão de pele acometida.

Quanto à profundidade das queimaduras, observou-se o desfecho pela avaliação da presença de queimaduras de 1°, 2° e 3° graus, sem levar em consideração a presença de mais de uma profundidade em conjunto. O Quadro 1 demonstra que a simples presença de queimaduras de 3° grau denota maior prevalência de óbito (p=0,07). Quando aplicados estes valores à razão das chances, os pacientes com queimadura de 3° grau apresentam chance de óbito 4,29 vezes maior do que os pacientes que apresentam queimaduras de 1° e 2° graus. Observa-se no Gráfico 3 que 74,1% dos pacientes com ausência de queimaduras de 3° grau sobreviveram, enquanto 25,9% foram a óbito; além disso, 47,4% dos pacientes com queimaduras de 3° grau faleceram.


Gráfico 3 - Queimaduras de 3º grau e os desfechos.
Fonte: Autores (2020).



Observa-se, no Quadro 1, que as queimaduras em dorso ocorreram em 26,24% dos casos estudados e demonstra sua presença em 34,43% dos casos do grupo que foi a óbito e em 20% dos casos do grupo que recebeu alta. A presença ou ausência de queimaduras em dorso representa a maior diferença de desfechos entre os grupos em comparação com qualquer outra área corporal queimada (p=0,08). No Gráfico 4, percebe-se que 38,5% dos pacientes que não apresentaram queimaduras em dorso receberam alta e 56,8% foram a óbito.


Gráfico 4 - Queimaduras em dorso e os desfechos.
Fonte: Autores (2020).



Em relação às comorbidades encontradas na pesquisa, observa-se o seguinte no Quadro 1.

A maioria dos pacientes assistidos na Unidade de Terapia Intensiva (52%) não tinha história de doenças prévias e, dentre os hábitos, evidencia-se no Quadro 1 como o mais frequente o etilismo (13,47%) e entre as comorbidades os problemas cardiovasculares (11,34%), porém não houve diferença no desfecho quando comparadas isoladamente (p=0,61). Todavia, demonstra-se que a associação de duas ou mais comorbidades determina uma diferença estatística (p=0,02) entre os desfechos dos pacientes que sobreviveram (18%) ou que faleceram (27%).

Em relação às disfunções orgânicas e sepse durante o período de internamento encontradas na pesquisa, observa-se o seguinte no Quadro 1.

Conforme demonstra o Quadro 1, diagnosticou-se sepse em 37,5% dos pacientes durante a evolução do internamento. No grupo que foi a óbito sua detecção ocorreu em 50,82% dos casos, enquanto no grupo que sobreviveu detectou-se em 27,5%. Desta forma, sua presença expressiva no grupo de óbito determinou uma significância estatística (p <0,01).

O Quadro 1 evidencia que a disfunções orgânicas ocorreram nesta ordem de frequência: cardiovascular (68,79%), seguida pela respiratória (48,93%), renal (39%), hematológica (31,91%), neurológica (14,89%) e gastrointestinal (6,38%) de todos os casos. Exceto a disfunção gastrointestinal, a presença isoladamente determinou um aumento no desfecho para o óbito com relevância estatística, com p<001 nas disfunções cardiovascular, respiratória, neurológica e renal, e p=0,02 para a disfunção hematológica.

As variáveis do Quadro 1 com p<0,1 foram incluídas nas próximas análises em modelo de regressão logística, com a intenção de estimar os efeitos de cada covariável ajustado pelo efeito das demais, ou seja, o efeito das covariáveis conjuntamente. Utilizou-se o algoritmo de seleção de variáveis Stepwise para chegar ao melhor modelo para os dados utilizados.

A razão de chance da variável idade, pelo modelo de regressão logística, foi estimada em 1,045. Desta forma, a cada unidade de aumento na idade do paciente, a chance do óbito aumenta 4,5%.

Para a causas que determinaram as queimaduras, utilizou-se como referência a elétrica. A razão de chances estimada para as queimaduras causadas pelo fogo foi de 10,875. Assim, os pacientes com queimadura causada por fogo têm uma chance de óbito quase 11 vezes maiores que os pacientes com queimadura elétrica. Estimou-se a razão de chances para queimaduras por líquidos quentes em 14,8, o que indica que os pacientes com queimaduras geradas por líquidos quentes têm quase 15 vezes mais chance de óbito do que pacientes com queimadura elétrica. A chance de óbito para pacientes com queimadura causada por líquidos quentes é 36% maior que a chance de óbito dos pacientes com queimadura causada por fogo.

A razão de chances para o valor de SCQ foi estimada em 1,033, indicando que, a cada unidade de aumento no valor de SCQ, a chance de óbito aumenta 3,3%, ou seja, a cada acréscimo de 1% de SC aumenta 3,3% na chance de óbito.

Estimou-se a razão de chances para presença de queimadura de 3° grau em 4,296, indicando que pacientes com queimaduras de 3° grau têm chance de óbito 4,29 vezes ou 329% maior que a chance de pacientes sem queimaduras de 3° grau. A razão de chances para presença de complicações renais foi estimada em 4,010, ou seja, pacientes com complicações renais têm chance de óbito aproximadamente 300% maior que a chance de pacientes sem complicações renais.


DISCUSSÃO

Evidenciou-se uma taxa de mortalidade maior em mulheres (48,83%) e menor em homens (40,81%), concordante com outra pesquisa, na qual encontrou-se uma taxa de mortalidade maior no sexo feminino, porém mais acentuada (58,5%) e semelhante nos homens (41%), em avaliações de queimaduras maiores que 30% da superfície corporal5.

Considerando a idade, demonstrou-se nesta pesquisa uma mediana de idade de 46 anos para os pacientes que não sobreviveram e 34 anos para os que sobreviveram, o que denotou relevância estatística em acordo com outro estudo, que observou a interferência da faixa etária com idades médias menores, 37 anos no grupo que não sobreviveu e 23 anos no grupo que sobreviveu14, o que sugere que quanto maior a idade eleva-se a chance de óbito e, pela regressão logística, a cada unidade de aumento na idade do paciente, a chance do óbito aumenta em 4,5%.

Sugere-se que extensão da SCQ como um fator que influencia diretamente a mortalidade e devido à disfunção imunológica pela perda da pele, deixando o organismo suscetível a infecções com maior potencial de evoluir para sepse6. A gravidade das queimaduras relaciona-se linearmente à extensão da SCQ, prediz prognóstico, intervenções cirúrgicas agressivas e precocidade de antimicrobianos15. Nesta pesquisa, evidenciou-se uma mediana de comprometimento de 50% da SCQ com óbito como desfecho e uma mediana de 40% da SCQ nos pacientes que sobreviveram. Desta forma, evidenciou relevância estatística concordante com outro estudo, que demonstrou que a chance de óbito é diretamente proporcional à extensão de pele atingida14, salientando a SCQ atingida considerada no grupo que sobreviveu menor do que nesta pesquisa (11,7%) e semelhante no grupo que não sobreviveu (47,5%).

Considera-se grande queimado quando SCQ atinge uma área maior que 26% de 1° e 2° graus ou quando atingem mais que 10% da SCQ de 3° grau, que podem agravar quando estão associadas a disfunções orgânicas e infecção16. A porcentagem da SCQ é diretamente proporcional à mortalidade5,6, como nesta pesquisa, que sugere que a cada acréscimo de 1% de SCQ há um aumento de 3,3% na chance de óbito.

A região mais atingida foram os membros superiores (71%), seguidos pela face (66,6%) e tórax (61,7%), membros inferiores (51,2%), enquanto a região menos atingida foi o períneo (9,9%), dados coincidentes com outra pesquisa em relação à região mais atingida, que foram os membros superiores (62%) e a região menos atingida, que foi o períneo (9,6%), porém divergente na segunda região mais atingida: os membros inferiores (49%)17.

Considera-se como regiões de queimaduras graves o rosto, mãos, pés, genitália, períneo ou grandes articulações e lesão inalatória6. Diferentemente, nesta pesquisa observou-se que o dorso é região corporal que quando atingida mais se relaciona com o óbito pela simples constatação de sua presença corroborando sua gravidade, o que denota a necessidade de aprofundar estudos em relação às áreas acometidas e em especial ao dorso para verificar os motivos que geram o desfecho.

Além da extensão, a profundidade também determina a gravidade das queimaduras e corresponde ao comprometimento tecidual entre a epiderme até os ossos18. No presente estudo manteve-se esta mesma concepção, pois percebeu-se que a presença de queimaduras de 3° grau relaciona-se mais com o desfecho de óbito e estima-se uma chance de óbito 4,29 vezes maior do que em pacientes sem queimaduras de 3° grau.

O diagnóstico de sepse durante o internamento ocorreu em 37,58% dos pacientes e sua presença entre os pacientes que faleceram foi de 50,82%, enquanto no grupo que sobreviveu foi de 27,5%, demonstrando que sua associação influencia na mortalidade. Observou-se mortalidade de 50% nos pacientes diagnosticados com sepse19, enquanto nesta pesquisa a proporção elevou-se para 58,49%. A mortalidade aumentou para 68,7% nos casos de choque séptico19, ou seja, quando relaciona-se a sepse às disfunções orgânicas.

Nesta pesquisa, avaliou-se a presença de disfunções orgânicas, como cardiovascular, respiratória, renal, hematológica ou neurológica, e evidenciou-se que são capazes de influenciar na mortalidade com relevância estatística mesmo isoladamente. A maioria dos óbitos são decorrentes de infecções e disfunção múltipla de órgãos20. A disfunção respiratória mostrou-se mais frequente17, diferentemente desta pesquisa que evidenciou a disfunção cardiovascular como a mais frequente (68,7%), mas em contrapartida houve uma semelhança percentual em relação à sepse, nesta pesquisa encontrou-se 37,5% e na outra 38,8%17.

Em queimaduras que comprometem 50% da SCQ, demonstrou-se haver uma influência relevante das comorbidades na mortalidade em todas as faixas etárias. A idade superior a 65 anos mitigou o efeito da relação com as comorbidades, pela maior relação com a própria fragilidade e mortalidade elevada10. A associação de múltiplas comorbidades aumenta em até quatro vezes a taxa de mortalidade5. Nesta pesquisa, evidenciou-se relevante a associação de duas ou mais comorbidades e o óbito como desfecho.


CONCLUSÃO

Na análise das variáveis epidemiológicas, características das queimaduras, condições prévias de saúde e a própria evolução durante a terapêutica evidenciou-se que a presença de duas ou mais comorbidades, o diagnóstico de sepse e de disfunções orgânicas isoladas, como cardiovascular, respiratória, neurológica, hematológica e renal, são fatores que influenciam na mortalidade com relevância estatística e apresentam uma mediana de idade de 46 anos e 50% de SCQ.

Aponta-se como agravantes a presença de queimaduras de 3° grau, queimaduras em dorso e queimaduras por líquidos quentes, mas serão necessários mais estudos para indicar se há relevância e para compreender seus motivos e relações, assim como para a validação de escores prognósticos e fatores preditores que influenciam na mortalidade das queimaduras graves.


REFERÊNCIAS

1. Rowan MP, Cancio LC, Elster EA, Burmeister DM, Rose LF, Natesan S, et al. Burn wound healing and treatment: review and advancements. Crit Care. 2015:19:243.

2. Rice PL Jr, Orgill DP. Assessment and classification of burn injury. UpToDate; 2019. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/assessment-and-classification-of-burn-injury

3. Jeschke MG, Pinto R, Kraft R, Nathens AB, Finnerty CC, Gamelli RL, Gibram NS, et al.; Inflammation and the Host Response to Injury Collaborative Research Program. Morbidity and survival probability in burn patients in modern burn care. Crit Care Med. 2015;43(4):808-15.

4. Oryan A, Alemzadeh E, Moshiri A. Burn wound healing: present concepts, treatment strategies and future directions. J Wound Care. 2017;26(1):5-19.

5. Güldogan CE, Kendirci M, Gündogdu E, Yastı AÇ. Analysis of factors associated with mortality in major burn patients. Turk J Surg. 2018;35(3):155-64.

6. Lip HTC, Idris MAM, Imran FH, Azmah TN, Huei TJ, Thomas M. Predictors of mortality and validation of burn mortality prognostic scores in a Malaysian burns intensive care unit. BMC Emerg Med. 2019;19(1):66.

7. Peck MD. Epidemiology of Burn Injuries Globally. Up-to-date Literature review current through. UpToDate; 2020. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/epidemiology-of-burn-injuries-globally?search=Epidemiology%20of%20Burn%20Injuries%20Globally&source=search_result&selectedTitle=1~150&usage_type=default&display_rank=1

8. Dreifke MB, Jayasuriya AA, Jayasuriya AC. Current wound healing procedures and potential care. Mater Sci Eng C Mater Biol Appl. 2015;48:651-62.

9. Sadeghian F, Saeedi Moghaddam S, Saadat S, Niloofar P, Rezaei N, Amirzade-Iranaq MH, et al. The trend of burn mortality in Iran-A study of fire, heat and hot substancerelated fatal injuries from 1990 to 2015. Burns. 2019;45(1):228-40.

10. Knowlin L, Stanford L, Moore D, Cairns B, Charles A. The measured effect magnitude of co-morbidities on burn injury mortality. Burns. 2016;42(7):1433-8.

11. Lund AW, Medler TR, Leachman SA, Coussens LM. Lymphatic Vessels, Inflammation, and Immunity in Skin Cancer. Cancer Discov. 2016;6(1):22-35.

12. Sorg H, Tilkorn DJ, Hager S, Hauser J, Mirastschijski U. Skin Wound Healing: An Update on the Current Knowledge and Concepts. Eur Surg Res. 2017;58(1-2):81-94.

13. Franck CL, Ribas-Filho JM, Senegaglia AC, Graf RM, Leite LMBl. A complexidade cicatricial em queimaduras e a possibilidade da terapia com células-tronco derivadas do tecido adiposo: revisão. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(2):111-6.

14. Macedo JLS, Santos JB. Predictive factors of mortality in burn patients. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 2007;49(6):365-70.

15. Coutinho JGV, Anami V, Alves TO, Rossatto PA, Martins JIS, Sanches LN, et al. Estudo de incidência de sepse e fatores prognósticos em pacientes queimados. Rev Bras Queimaduras. 2015;14(3):193-7.

16. Queiroz JHM, Barreto KL, Lima JS. Crianças vítimas de queimaduras hospitalizadas em centro de referência de Fortaleza-Ceará em 2017. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(1):23-6.

17. Silva JAC, Vendramin FS, Martins MM, Lima AVM, Cunha LM, Borborema CLP. Epidemiologic profiles, major complications, and mortality rate at a burn treatment center in the Amazon. Rev Bras Cir Plást. 2018;33(1):104-9.

18. Nascimento SB, Soares LSS, Areda CA, Saavedra PAE, Leal JVO, Adorno J, et al. Perfil dos pacientes hospitalizados na unidade de queimados de um hospital de referência de Brasília. Rev Bras Queimaduras. 2015;14(3):211-7.

19. Neiverth A, Prim LR, Franck CL, Nisihara R. Sepsis in Burned Adult Patients: Study of Serie of Cases in Brazil. J Burn Care Res. 2020;41(4):900-4.

20. Rose LF, Chan RK. The Burn Wound Microenvironment. Adv Wound Care (New Rochelle). 2016;5(3):106-18.









Recebido em 29 de Setembro de 2020.
Aceito em 21 de Junho de 2021.

Local de realização do trabalho: Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver


© 2024 Todos os Direitos Reservados