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Artigo Original

Pesquisa-ação como estratégia para prevenção de lesão por pressão calcânea em pacientes com queimaduras

Action research as a strategy for preventing calcaneous pressure injury in patients with burns

Fernanda Lobo Tavares1; Cynthia Duarte Andrade2; Izabela Figueiredo de Sousa Honorato3

RESUMO

OBJETIVO: Comparar a prevalência de lesão por pressão (LP) calcânea em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva de um Centro de Referência de Queimados em Minas Gerais antes e após a ação educativa.
MÉTODO: Estudo descritivo com abordagem quanti-qualitativa desenvolvido por meio de pesquisa-ação baseada nas quatro etapas dinâmicas de planejamento descritas por Thiollent (diagnóstico situacional, planejamento, implementação e avaliação). Foram realizadas oficinas de sensibilização e pactuação de metas. Previamente à ação educativa (julho de 2019) e três meses após a ação (agosto, setembro e outubro de 2019), foram calculadas as prevalências pontuais mensais.
RESULTADOS: A ação educativa proporcionou a redução significativa da prevalência de LP em calcâneos de pacientes com queimaduras em 85,71% (77,7%-11,1%) em 3 meses. Durante o período da pesquisa, foram acompanhados 31 pacientes e 13 LP, sendo a maioria classificada como lesões tissulares profundas (38,4%) e inclassificáveis (15,3%). Dentre essas 13 LP, 46,3% são de estágios 1 e 2 e 53,7% são de espessura total.
CONCLUSÃO: A metodologia pesquisa-ação foi efetiva para reduzir a prevalência de LP calcâneas em pacientes queimados.

Palavras-chave: Lesão por Pressão. Calcâneo. Educação Continuada. Unidades de Queimados. Cuidados de Enfermagem.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To compare the prevalence of calcaneus pressure ulcer (PU) in patients admitted to the intensive care unit a Burn Reference Center in Minas Gerais before and after the educational action.
METHODS: Descriptive study with a quantitative and qualitative approach developed through action research based on the four dynamic planning steps described by Thiollent (situational diagnosis, planning, implementation and evaluation). Awareness-raising and goal-setting workshops were held. Previously the educational action (July 2019) and three months after the action (August, September and October 2019) the monthly prevalence rates were calculated.
RESULTS: The educational action provided a significant reduction in the prevalence of PU in calcaneus of patients with burns by 85.71% (77.7% - 11.1%) in 3 months. During the research period, 31 patients and 13 PU were followed up, most of them classified as deep tissue injuries (38.4%) and unclassifiable (15.3%). Among these 13 PU 46.3% are from stages 1 and 2 and 53.7% are of total thickness.
CONCLUSION: The action research methodology was effective in reducing the prevalence of calcaneus PU in burned patients.

Keywords: Pressure Ulcer. Calcaneus. Education, Continuing. Burn Units. Nursing Care.

INTRODUÇÃO

O Programa Nacional de Segurança do Paciente, instituído pela Portaria GM/MS n° 529/2013, propõe a implementação de ações que visam reduzir agravos causados aos pacientes através da assistência em saúde, promovendo um cuidado responsável, seguro e de qualidade por meio da execução de seis protocolos: identificação do paciente; comunicação eficaz entre os profissionais de saúde; prescrição e administração segura de medicamentos; cirurgia segura; higienização das mãos; redução do risco de quedas e de lesões por pressão (LP)1,2.

O NPIAP (National Pressure Injury Advisory Panel) consiste em um grupo norte-americano, formado por uma equipe multidisciplinar especializada em lesões, responsável por incentivar o ensino e pesquisa para gestão de LP. Esse grupo define as LP como sendo: "um dano localizado na pele e/ou tecidos moles subjacentes, geralmente sobre uma proeminência óssea ou relacionada ao uso de dispositivo médico ou a outro artefato combinada ao cisalhamento."3. O desenvolvimento de LP está relacionado a fatores extrínsecos, como pressão, cisalhamento e fricção, e fatores intrínsecos, como idade, peso, condição nutricional, incontinência urinária ou fecal, mobilidade reduzida, uso de medicamentos e comorbidades relacionadas (diabetes, hipertensão e doenças cardíacas)4.

As LP são consideradas indicadores de qualidade da assistência à saúde prestada ao paciente, gerando graves consequências quando constatadas. Estão associadas ao tempo prolongado de internação, maior custo hospitalar e aumento da morbidade por apresentar um risco elevado de infecção, reincidência, retardo na reabilitação motora e, em casos mais severos, podem predispor à amputação de membros. Além disso, são classificadas como evento adverso que pode ser evitado com medidas preventivas5.

Sobre a ocorrência de LP no âmbito nacional, estudos mostram uma prevalência de 10,1% a 90,7% e incidência que varia entre 22% e 59,5% em estados como Espírito Santo e Ceará, respectivamente. Dados internacionais revelam prevalência de 1,8% em um hospital nos Estados Unidos (EUA)6-10.

Apesar de ser pouco descrita, a ocorrência de LP é comum entre os pacientes queimados internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), pelo fato de que essas lesões estarem fortemente associadas com a gravidade da queimadura e com a superfície corporal queimada (SCQ)11.

Uma revisão retrospectiva de prontuários realizada em um centro de tratamento de queimados no estado da Pensilvânia, nos EUA, possibilitou a análise de fatores de risco que predispõem o paciente vítima de queimadura ao desenvolvimento de LP, como a necessidade de ventilação mecânica em um período superior a 24 horas, alteração na perfusão e oxigenação dos tecidos, alteração da sensibilidade devido ao uso de sedativos, insuficiência renal, anemia, desnutrição e imobilidade11.

O aparecimento de LP é frequentemente observado em regiões onde há proeminências ósseas, todavia, os calcâneos apresentam maior vulnerabilidade por ser uma região composta basicamente de tecido adiposo e derme9. O calcâneo possui resistência às forças de tensão, contudo, a permanência do paciente em decúbito dorsal por longos períodos permite que todo o peso do membro inferior seja sustentado pelos calcâneos, criando uma área de grande pressão entre o suprimento vascular do tecido adiposo e a tuberosidade calcânea, predispondo o membro à ulceração e necrose9.

O principal tratamento das LP de calcâneo nos estágios 1 e 2 concentram-se na descompressão e tratamento adequado das feridas9,12. Em estágios mais avançados, como 3 e 4, ou inclassificável, pode ser indicado tratamento cirúrgico, como desbridamento de tecidos desvitalizados, calcanectomia parcial ou total, revascularização arterial e uso de retalhos epidérmicos12. Quando o procedimento cirúrgico não é eficaz, a amputação pode ser necessária como opção de tratamento para prevenir a evolução da isquemia e/ou processo infeccioso já presente no membro, normalmente observado em casos muito avançados e com mau prognóstico9,12.

A Wound, Ostomy and Continence Nurse Society afirma a importância da prevenção de LP em hospitais, enfatizando a relevância dessa prática em unidades de terapia intensiva, por meio da implementação de protocolos baseados em evidência, que sejam executados durante admissão do paciente com a identificação do seu risco para adquirir essas lesões13.

Embora haja evidências claras a respeito do custo-efetividade da prevenção se comparada ao tratamento, as medidas preventivas não são amplamente adotadas. Além disso, não há relatos na literatura brasileira sobre incidência de LP em pacientes queimados internados em UTI. Considerando que uma ação educativa direcionada para prevenção de LP em calcâneos pode mobilizar os profissionais para uma prática reflexiva e qualificar a assistência prestada aos pacientes internados, torna-se relevante a realização dessa pesquisa.

O objetivo desse estudo é comparar a prevalência de LP calcânea em pacientes internados em UTI de um Centro de Referência de Queimados em Minas Gerais antes e após a ação educativa.


MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem quanti-qualitativo desenvolvido por meio de pesquisa-ação, descrita por Thiollent14 como um modelo de pesquisa associada à resolução de problemas identificados no ambiente de trabalho por meio da participação ativa dos pesquisadores e participantes na construção de medidas resolutivas, seguindo as quatro etapas: diagnóstico situacional, planejamento, implementação e avaliação.

O hospital de escolha para desenvolver a ação educativa compõe a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). O estudo foi desenvolvido em um Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) considerado um centro de alta complexidade e referência para o atendimento desse tipo de trauma, conforme a Portaria de Consolidação n° 3, de 28 de setembro de 2017. A UTI desse CTQ é composta por nove leitos destinados à internação de pacientes adultos vítimas de queimaduras, com potencial para apresentar complicações graves.

As variáveis do estudo foram: frequência absoluta de LP calcâneas, profundidade dessas LP, conforme a classificação da NPIAP (2019) e prevalência pontual geral de LP calcâneas em pacientes queimados.

Empregou-se o método de pesquisa-ação no estudo baseado nas quatro etapas dinâmicas de planejamento descritas por Thiollent14: diagnóstico situacional, planejamento, implementação das atividades e avaliação.

Diagnóstico situacional: a partir da observação da realidade e compreensão da dinâmica e rotinas dessa UTI, foram investigadas as ações da rotina profissional que contribuem para o aumento e redução de LP calcâneas.

Planejamento: foram realizadas ações educativas com a equipe de profissionais por meio de duas oficinas pedagógicas e construção de um painel de estratégias preventivas. Os critérios de inclusão dos profissionais de enfermagem foram: ser integrante da equipe de saúde da UTI de Queimados que atua diretamente na assistência. Foram excluídos do estudo aqueles que estavam de férias ou afastados do trabalho durante o período do estudo. Os critérios de inclusão dos pacientes foram: possuir LP calcânea(s) no período do estudo.

Implementação das atividades: dentre as estratégias relacionadas no painel construído, foram selecionadas aquelas que poderiam ser efetivadas em curto, médio e longo prazo. A validação prática dessas estratégias foi feita com as lideranças identificadas na segunda oficina.

Avaliação: A prevalência de LP calcâneas foi mensurada entre os pacientes internados na UTI de queimados antes do estudo e mensalmente (3 meses) após realizada a ação educativa. Além disso, os participantes do estudo expressaram suas facilidades e dificuldades durante a implementação das estratégias pactuadas.

A ação educativa, realizada pela pesquisadora principal, ocorreu do dia 1 de julho de 2019 a 31 de outubro de 2019, totalizando uma carga horária de 3 horas/dia, com a participação de 22 colaboradores.

Na primeira oficina, para abordar a sensibilização, a equipe foi dividida em grupos. Foram dispostos em uma mesa alguns envelopes contendo figuras de bonecos em diferentes posições anatômicas, sendo elas: decúbito lateral, sentado em cima de uma das pernas, sentado em um colchonete com pernas cruzadas, sentado em um colchonete com pernas esticadas, com pescoço hiperestendido, sem a utilização de almofadas, coxins ou travesseiros.

Após a distribuição das figuras, solicitamos que cada participante permanecesse imóvel, na posição demonstrada na figura, por cerca de 1 minuto. Concomitante a esse momento, foram levantados os problemas enfrentados na unidade com relação à LP em calcâneos e apresentamos a prevalência dessas lesões na UTI de queimados.

Logo após apresentar os dados, foram simuladas estratégias preventivas que podem ser adotadas para garantir conforto e prevenir LP calcâneas, reduzindo a pressão, fricção e cisalhamento. A participação da equipe foi estimulada e as trocas de experiências e saberes previamente adquiridos que contextualizaram a oficina e enriqueceram os resultados alcançados.

Na segunda oficina foram discutidas as estratégias (elencadas na primeira oficina), a relevância científica/prática e os desafios que permeiam o tema "prevenção de LP calcâneas", bem como suas potenciais consequências físicas, infecciosas e estéticas para o paciente. Foi construído, juntamente com os profissionais, um painel com as estratégias apontadas. Durante a realização desta oficina, a pesquisadora principal e identificou as lideranças, ou seja, pessoas influentes para disseminar a cultura preventiva nessa UTI durante implementação.

A efetividade dessa ação educativa foi avaliada comparando esses dados de prevalência. Optou-se pela utilização da prevalência pontual nesse estudo, por representar os casos existentes em um determinado momento (em um único dia), antes e após 3 meses da ação educativa.

Para o cálculo da prevalência, foi utilizada a seguinte fórmula:

Prevalência = n° total de pessoas com LP / total acumulado da população sob risco de adquirir LP,

que representa os casos existentes na população e os fatores condicionantes que afetam diretamente a saúde do indivíduo. Além disso, foram descritas as estratégias preventivas, ressaltadas durante o treinamento, estratégias pactuadas, prevalências pontuais e características clínicas das LP avaliadas.

O estudo respeitou os aspectos éticos estabelecidos na Resolução n° 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da FHEMIG, parecer número 3.635.620.

A intervenção apresentou risco mínimo tanto para os pacientes quanto para os profissionais. Contudo, os participantes assinaram o Termo Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para os pacientes, foi solicitada a dispensa do TCLE considerando que foram preservados a privacidade e o sigilo dos dados, garantido o anonimato dos sujeitos e assegurado que as informações obtidas na pesquisa foram utilizadas somente para o projeto vinculado.


RESULTADOS

A ação educativa proporcionou a redução da prevalência de LP em calcâneos de pacientes com queimaduras, de 77,7% para 11,1% em 3 meses. Do total de LP avaliadas, a maioria (53,7%) foi classificada como lesão tissular profunda.

Durante as oficinas, foram levantadas como estratégias para prevenção de LP calcâneos:


• Inspeção e avaliação da condição da pele dos calcâneos (hidratação, posicionamento e integridade cutânea); à admissão e diariamente;

• Elevação dos calcâneos;

• Disponibilização de enxoval (cobertores e lençóis) em quantidades suficientes;

• Uso do colchão pneumático;

• Uso de coxins confeccionados com retalhos de colchão piramidal como auxílio para elevação e mudança de posição;

• Número de profissionais conforme a gravidade e demandas do pacientes;

• Uso de cobertura hidrocelular de espuma de poliuretano;

• Protocolo de sedação e analgesia.


Previamente à ação educativa (julho de 2019) e três meses após a ação (agosto, setembro e outubro de 2019), foram calculadas as prevalências pontuais mensais. No período de acompanhamento, houve redução de 85,71% (77,7%-11,1%) e prevalência total de 33,3% (Tabela 1).




Durante o período da pesquisa, foram acompanhados 31 pacientes e 13 LP. Conforme a classificação do NPIAP (2019), a maioria das dessas LP foram classificadas como lesões tissulares profundas (38,4%) e inclassificáveis (15,3%). Dentre essas 13 LP, 46,3% são de espessura parcial e 53,7% são de espessura total (Tabela 2).




As estratégias levantadas durante a ação educativa se mostraram efetivas na prevenção de LP calcânea e foram reforçadas durante o período do estudo.


DISCUSSÃO

Embora sejam desconhecidos os dados de prevalência de LP em pacientes queimados, a enfermagem, juntamente com a equipe multidisciplinar, confere um papel crucial na prevenção dessas lesões. A ação educativa possibilitou a construção de conhecimento e resolução de problemas através da pactuação de metas.

A NPIAP9 descreve a importância de identificar o paciente com risco de desenvolver uma LP. No Brasil a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) através da Portaria N° 2.095, de 24 de setembro de 2013, que aprova os Protocolos Básicos para a Segurança do paciente, tornou obrigatória a aplicação da Escala de Braden para predizer esse risco de desenvolvimento de LP logo à admissão e diariamente10.

A Escala de Braden é uma ferramenta composta por seis subescalas: percepção sensorial, umidade, atividade, mobilidade, nutrição e fricção/cisalhamento. As cinco primeiras subescalas são pontuadas de 1 a 4 e sexta, referente à fricção e ao cisalhamento, é pontuada de 1 a 3. A soma das pontuações pode variar de 6 a 23, sendo os escores mais baixos relacionados ao maior risco de desenvolvimento de LP10,15.

Os achados deste estudo foram discutidos com base nas recomendações da NIPAP, que são reconhecidas e adotadas mundialmente. Foi utilizada a mesma linha metodológica observada em estudos de pesquisa-ação que obtiveram resultados favoráveis, 3 meses para implementações de estratégias de curto e médio prazo por meio de avaliação mensal das práticas propostas16 e a exposição desses dados como feedback para os profissionais visualizarem seu progresso16.

Os resultados apresentados nesse estudo revelaram que 53,7% das LP calcâneas identificadas nos pacientes queimados são de espessura total, conforme a classificação da NPIAP9. Essas lesões demandam procedimentos invasivos como desbridamentos, calcanectomia parcial ou total, revascularização arterial e uso de retalhos epidérmicos. Quando essas opções não apresentam resultado satisfatório, a amputação de membros é indicada para prevenção de infecções e processos isquêmicos, aumentando o índice de morbimortalidade10,12.

Nessa pesquisa a ação educativa se mostrou eficiente, com a redução da prevalência de 77,7% para 11,1% em 3 meses (85% de redução da prevalência). Em 2012, um estudo realizado na UTI do Centro Médico Bon Secours Maryview, localizado no EUA (Ports-mouth, Virgínia) entre junho de 2012 e setembro de 2013, teve como objetivo a redução de LP em regiões sacrais, que representavam maior prevalência nessa unidade, por meio da prevenção. Foi utilizada a escala de Braden para definir aqueles que apresentavam alto risco de desenvolver uma LP e mensurada uma prevalência pontual. A equipe foi treinada e após 6 meses uma nova prevalência pontual foi realizada. Como resultados, em 17 leitos que compõem a UTI estudada, inicialmente 9 pacientes apresentavam LP, e após 6 meses da utilização de medidas de prevenção nenhuma LP foi observada13.Um estudo realizado por meio de revisão integrativa da literatura relata a importância do enfermeiro na avaliação e gerenciamento da dor em pacientes queimados, atuando juntamente com a equipe multiprofissional na adoção de medidas farmacológicas e não farmacológicas17.

Pacientes queimados apresentam maior predisposição para apresentar LP por conforme SCQ e a profundidade da queimadura13. Contudo, os calcâneos representam uma área de fácil prevenção de lesões, uma vez que a elevação dos calcâneos é uma medida considerada padrão ouro e raramente são contraindicadas9,10.

Além da predição de risco, é importante realizar, durante a manipulação do paciente, a avaliação da condição da pele (hiperemia reativa, edema, marca de memória de dispositivos de assistência, temperatura local) à procura de áreas de sofrimento e a divulgação interdisciplinar dessas informações com a finalidade de se instalar a cultura preventiva10,15.

As recomendações padrão ouro acerca da prevenção de LP no calcâneo consistem na sua elevação e flutuação com manutenção dos joelhos levemente fletidos, evitando hiperextensão e obstrução da veia poplítea9,10.

Outras medidas recomendadas pela NPIAP9, que não foram elencadas durante a oficina, são uso de botas de espuma ou de ar insuflado para realizar essa suspensão dos calcâneos.

A exposição à umidade é um dos fatores que são avaliados na escala de Braden que predispõe o paciente ao risco de desenvolver uma LP. Conforme a classificação descrita pela Sociedade Brasileira de Queimaduras18, as queimaduras de 2° grau apresentam grande quantidade de exsudato, havendo a necessidade de distribuição do enxoval de forma suficiente para garantir trocas frequentes e evitar umidade excessiva9,10.

A utilização de colchões especializados foi uma das estratégias elencadas durante a oficina. A NPIAP9 ressalta que o colchão deve assegurar a redistribuição de peso, reduzir a fricção e cisalhamento e manter o microclima ideal.

Um ensaio clínico randomizado realizado com 2029 pacientes nos anos de 2013 a 2016 comparou o uso de colchões com alternância de pressão e colchões de espuma de alta densidade por 30 dias, e não houve diferença entre os grupos19. Logo, ambas as tecnologias são recomendadas pela NPIAP9 para prevenir LP em geral.

A adequação do número de profissionais conforme a demanda e gravidade do paciente foi um dos pontos destacados durante a oficina.

O paciente queimado está exposto a alto risco de infecção, dependendo da porcentagem da SCQ e o processo inflamatório disseminado, desenvolvendo alterações cardiovasculares e pulmonares que agravam as condições clínicas desse paciente. Além disso, representam uma alta demanda de cuidados pela equipe de enfermagem, na troca diária de curativos, nos cuidados com a higiene corporal e preparo do paciente para procedimentos pré e pós-cirúrgicos9,11,12.

No que se refere à prevenção de LP calcânea utilizando curativo hidrocelular de espuma de poliuretano multicamada, em uma análise randomizada de 219 pacientes internados em UTI, o grupo de intervenção apresentou menos LP calcânea do que o grupo controle, reduzindo cerca de 10% a incidência de LP em região sacral e calcâneos, relacionados à diminuição do atrito da pele com a superfície e controle da umidade no local20. A NPIAP recomenda o uso de coberturas de espuma multicamadas para prevenção de LP calcâneas associado com a elevação dos calcâneos. O curativo deve apresentar um tamanho adequado; garantir o microclima adequado e ser de fácil aplicação e remoção para avaliação diária9.

A agitação do paciente e recusa ou resistência à mudança de decúbito relacionadas à dor é um fator dificultador para adoção de medidas preventivas. Por isso, a importância de instituir um protocolo de sedação e analgesia como estratégia. O manejo da dor em pacientes queimados de queimadura representa um desafio para a equipe multidisciplinar, pois a dor repercute com manifestações psicológicas, fisiopatológicas e bioquímicas no paciente17.

Uma das limitações desse estudo foi a impossibilidade de realizar o treinamento com a equipe interdisciplinar. Somente os profissionais da enfermagem participaram, todavia, fica claro que a gestão de LP é objeto de atenção de todas as disciplinas.


CONCLUSÃO

A metodologia pesquisa-ação foi efetiva para reduzir a prevalência de LP calcâneas em pacientes queimados. A participação dos profissionais possibilitou melhores resultados, construção de novos conceitos e quebra de paradigmas, permitindo melhor adesão às metas pactuadas e mudança da realidade das LP calcâneas nesta UTI. A aplicabilidade desse método e estratégias pode ser extrapolada para outros ambientes de cuidado com a finalidade de compartilhar conhecimentos e qualificar a assistência prestada ao paciente.


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Recebido em 2 de Setembro de 2020.
Aceito em 19 de Julho de 2021.

Local de realização do trabalho: Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), Residência Multiprofissional, Belo Horizonte, MG, Brasil

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver


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