1076
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Protocolo de padronização do perfil infeccioso de crianças internadas na unidade de queimados

Protocol standardization of infectious profile of children hospitalized in the burn unit

Stella Maris de Carvalho1; Isabela Aparecida Kuhnen2; Maurício José Lopes Pereima3

RESUMO

OBJETIVO: Analisar crianças vítimas de queimaduras internadas em unidade de referência no Hospital Infantil Joana de Gusmao para estabelecer a porcentagem de incidência de infecçao nestes pacientes.
MÉTODO: Análise de prontuários de pacientes internados na Unidade de Queimados de maneira prospectiva, de março a agosto de 2012, estabelecendo grupos de estudo e controle.
RESULTADOS: A maioria dos pacientes era do sexo masculino, com idade entre 2 e 6 anos, procedentes da Grande Florianópolis e a água quente foi o principal agente da queimadura. A SCQ variou entre 10% e 20% com lesoes de 2º grau; 48,27% evoluíram com critério para Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) (febre, alteraçao de leucograma e alteraçoes da frequência cardíaca e respiratória), porém, com o tratamento realizado, nao evoluíram para DMOS primária, sepse e DMOS secundária, sendo que 51,71% dos pacientes nao evoluíram para SIRS.
CONCLUSOES: Nao houve óbitos na populaçao atendida, mostrando a efetividade do tratamento realizado nesta unidade de referência.

Palavras-chave: Queimaduras. Unidades de Queimaduras. Criança. Infecção.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze children burn victims hospitalized in a referral to the Children's Hospital Joana de Gusmao, to establish the percentage of incidence of infection in these patients.
METHODS: Medical records of patients admitted to the Burns Unit of prospectively from March to August 2012, establishing study groups and control.
RESULTS: Medical records, the majority of patients were male aged between 2 and 6 years-old, coming from Florianópolis and hot water was the main agent of the burn. The SCQ varied between 10% and 20% with 2nd degree injuries and no deaths occurred; 48.27% developed criteria for systemic inflammatory response syndrome, SIRS (fever, change in WBC and changes in heart rate and respiratory rate), but with the kind of treatment did not develop MODS primary, secondary SEPSIS and DMOS, and 51.71% of patients did not develop SIRS.
CONCLUSIONS: There were no deaths in the population served, showing the effectiveness of the treatment in this reference unit.

Keywords: Burns. Burn Units. Child. Infection.

A queimadura, tao antiga quanto o próprio fogo, é a lesao tecidual resultante da exposiçao a chamas ou líquidos, contato com objetos quentes, exposiçao a substâncias químicas ácidas ou álcalis, radiaçao ou contato com corrente elétrica1-2.

É uma das agressoes mais graves que um ser humano pode ser exposto, pois, além dos problemas físicos que podem levar à morte, existem outros problemas de ordem psicológica e social associados3. Seu tratamento é prolongado, doloroso e estressante, de alto custo e com resultados frequentemente insatisfatórios, tanto do ponto de vista funcional como estético3,4.

Quando esta lesao afeta crianças, a gravidade é ainda maior devido, principalmente, à maior área corporal em relaçao ao seu peso, à fragilidade tecidual, imaturidade imunológica, menor volume circulante intravascular e também repercussao psicológica e social de trauma. Uma vez atingida, a criança, dependendo da gravidade da lesao, pode ter sua vida parcial ou até totalmente comprometida, já que as sequelas envolvem um conteúdo estético e funcional, em muitos casos determinantes para uma para sua imagem corporal.

No Brasil, os dados sobre as lesoes por queimaduras sao escassos. Estima-se que ocorram em torno de 1.000.000 de acidentes por ano, sendo que 100.000 pacientes procurarao atendimento hospitalar e, destes, cerca de 2.500 pacientes irao falecer direta ou indiretamente de suas lesoes5.

Ainda no Brasil, as causas externas sao responsáveis por 19,5% da mortalidade na faixa etária até a adolescência e, no grupo etário de 5 a 19 anos, é a principal causa de morte1. As estatísticas epidemiológicas disponíveis mostram que o trauma por queimaduras é a 2ª causa de morte em crianças abaixo de 6 anos, perdendo apenas para o trauma por acidentes automobilísticos.

A queimadura tem sido identificada como um grande problema de saúde pública em vários países em desenvolvimento6,7 como China8, India 9, Ira7, Egito10, Argentina11,12, Venezuela. Em geral, nesses locais há fatores de risco que contribuem para ocorrência de queimadura acidental, tais como moradias precárias, baixa escolaridade, habitaçoes superlotadas, fogareiros para cozinha no chao de casa e carência de campanhas de educaçao públicas7. No Vietna, cerca de 50% dos pacientes internados por queimaduras sao crianças6. Nos EUA, por ano, aproximadamente 2.000.000 de pessoas sao vítimas de queimaduras. Dessas, 100.000 sao hospitalizadas e 7.800 vao a óbito13. Dos 100.000 indivíduos hospitalizados, 40% sao crianças menores de 15 anos e, 21% requerem tratamento intensivo13,14. A cada ano, 2.500 crianças morrem em consequência de danos causados por queimaduras e 10.000 sofrem incapacidade permanente13.

A pele, estrutura mais atingida na queimadura, é o maior órgao do corpo humano, variando em área de 0,25 m2 nos recém-nascidos, 1,8 m2 nos adultos. Consiste em duas camadas: a epiderme e a derme. As células mais externas da epiderme sao células mortas queratinizadas, que agem como uma barreira protetora contra o ambiente. A segunda camada, mais espessa, é a derme, composta, principalmente, de tecido conjuntivo fibroso e que contém vasos sanguíneos e nervos, assim como os anexos epiteliais de funçao especializada15 .

A pele limita o meio interno e sua manutençao é essencial para a homeostase do organismo16.

As queimaduras podem ser classificadas de acordo com sua profundidade ou extensao. Quanto à profundidade, as lesoes podem ser divididas em: lesoes de primeiro, segundo e terceiro grau10 (Anexo 1), ou em lesoes superficiais parciais, profundas parciais e de espessura total7.

Nas queimaduras de 1º grau ou superficiais apenas a epiderme é envolvida16-18. Caracterizam-se por eritema e alteraçoes microscópicas menores16,18. A dor é o principal sintoma e geralmente se resolve em 48 -72 horas15. Em 5 a 10 dias, o epitélio lesado se desprende em pequenas escamas, nao deixando cicatrizes residuais. As causas mais comuns sao exposiçao à luz solar e rápida exposiçao à água quente15,18.

Nas queimaduras de 2º grau, a epiderme e parte da derme sao destruídas, mas os anexos cutâneos sao poupados, a partir das quais pode ocorrer a reepitelizaçao16,18. De acordo com a profundidade, podem ser subclassificadas como de espessura parcial superficial ou profunda15.

As queimaduras de espessura parcial superficial caracterizam-se frequentemente pela formaçao de vesículas, que continuam a aumentar de tamanho no período pós-queimadura e sao consequentes à alteraçao da permeabilidade capilar causada pela liberaçao de aminas vasoativas15.

As queimaduras de espessura parcial profunda têm uma aparência avermelhada ou uma camada de derme nao viável aderida firmemente ao tecido viável remanescente15 e podem evoluir para lesoes de espessura total19.

Finalmente, nas queimaduras de 3º grau, ou de espessura total, toda a espessura da derme é destruída e tem uma característica branca e cérea15,16. Quando causada por exposiçao prolongada, com envolvimento do tecido adiposo subjacente, podem ser marrons, vermelhos escuros ou negros. Os achados diagnósticos das queimaduras de espessura total sao ausência de sensaçao da pele queimada, ausência de preenchimento capilar e uma textura de couro15. A resoluçao ocorre apenas por crescimento do epitélio e a partir das margens da ferida ou por enxerto de pele das áreas nao queimadas do corpo16,18.

Um diagnóstico preciso da extensao e profundidade é essencial tanto para o tratamento como para fazer o diagnóstico. Muitos métodos podem ajudar o médico a determinar a extensao da queimadura, todavia, o esquema de Lund & Browder20 (Anexo 2) é o mais adequado para a populaçao pediátrica, por relacionar a superfície corporal com a idade.

A morbidade e a mortalidade aumentam diretamente com a extensao e profundidade da queimadura18,19. A extensao é a principal característica da queimadura a ser considerada na mortalidade na fase aguda6,21, sendo que, acima de 30% de superfície corporal queimada (SCQ), o índice de mortalidade aumenta significativamente.

É importante lembrar, também, que as lesoes decorrentes de trauma térmico provocam alteraçoes em todos os órgaos. As queimaduras estao associadas a alteraçoes anatômicas, psicológicas, endócrinas e imunológicas, as quais requerem cuidado especializado22.

O primeiro atendimento ao paciente queimado constitui a parte mais importante do tratamento. Além de evitar e ou reverter os efeitos da hipovolemia causados pelas mudanças no aumento da permeabilidade vascular, ele evita que as lesoes de espessura parcial evoluam para lesoes de espessura total, que comprometeriam o resultado final, estético e funcional da área queimada1. O atendimento inicial segue o protocolo ABCDEF do trauma9. Após a abordagem inicial ao paciente, o trauma da área queimada torna-se prioridade e tem como objetivo reconstruir o tecido de revestimento, seja pela reepitelizaçao a partir dos anexos dérmicos nas queimaduras de 1º e 2º graus, seja pela remoçao de tecido necrótico e cobertura nas lesoes de 3º grau6.

Nas queimaduras 3º grau ou de espessura total, onde os anexos dérmicos foram perdidos, é necessária a remoçao dos tecidos desvitalizados e a posterior enxertia de pele ou outra cobertura dérmica. A excisao tangencial consiste na remoçao de tecido queimado em camadas sequenciais até que haja derme viável ou que se atinja o tecido subcutâneo. Pode ser feita com dermátomo ou faca e a cobertura cutânea se faz no mesmo tempo cirúrgico22.

A excisao tangencial pode ser classificada em precoce ou tardia. É considerada precoce quando realizada até sete dias após a queimadura e tardia quando realizado depois disto23. O procedimento precoce parece reduzir a perda de sangue, uma vez que o tecido queimado é removido antes que se forme o tecido de granulaçao24,25. Suas complicaçoes ocorrem principalmente em queimaduras extensas e sao decorrentes da perda de sangue tanto da área queimada quanto dos sítios doadores26, e da infecçao da área enxertada24,27.

No período pós-queimadura imediato, ocorre uma perda de líquidos e proteínas intravasculares pelos capilares termicamente lesados, devido a grandes lacunas entre as células endoteliais15, levando ao extravasamento de água, eletrólitos e proteínas de pequeno peso molecular (albumina) para o espaço intersticial e para o meio externo (normalmente 15 ml m2h)16. Há uma consequente formaçao de edema com aumento progressivo nas primeiras 48 horas após a lesao. A partir deste período, há o retorno do líquido aos vasos24,27. Acontece também um hipermetabolismo caracterizado por aumento das necessidades calóricas, que chegam a quase o dobro do nível basal nos pacientes com superfície corporal queimada superior a 40%15,28.

Na criança, a perda de eletrólitos de plasma exige uma reposiçao rápida e eficiente, o mais precoce possível, porque sua superfície corporal é maior em relaçao ao seu peso, possui volume circulante menor e sua pele é mais fina e tende a queimaduras profundas e graves16,23.

As queimaduras causadas por inalaçao de fumaça, eletricidade ou produtos químicos devem, além do tratamento inicial da lesao, receber tratamento específico de acordo com o agente23,29. O tratamento imediato é importante porque reverte as três complicaçoes iniciais da queimadura: o choque hipovolêmico, a isquemia mesentérica e o aprofundamento da lesao30.

O tratamento local das lesoes é outro importante componente do tratamento das queimaduras, pois as feridas iniciam e mantêm as desordens e provocam sequelas estéticas e funcionais31. Deve-se proporcionar um ambiente tao asséptico quanto possível e realizar curativos oclusivos, que aumentam a razao de epitelizaçao e diminuem a dor15,31.

Os objetivos, no tratamento das queimaduras de espessura total, sao os de evitar infecçoes invasivas, remover o tecido morto e cobrir de pele a ferida o mais cedo possível15.

O tratamento cirúrgico é realizado com debridamento, remoçao de tecido queimado e enxertia de pele autógena15. Quando as lesoes sao muito extensas (mais de 30% de SCQ), pode-se utilizar substitutos de pele como, por exemplo, o suíno, como BIOBRANE, ou material sintético, como INTEGRA. Esse último consiste em um material bilaminar composto de lâmina extensa de silicone (Silastic) e uma interna de colágeno e sulfato de condroitina, permitindo cobrir grandes extensoes de pele29.

Com a ressuscitaçao vigorosa, a morbidade por choque e subsequente falência renal como complicaçoes da queimadura se tornam uma curiosidade histórica.

Após a queimadura, todos os pacientes desenvolveram processos variados de SIRS, sendo que alguns podem evoluir para SEPSE, DMOS primária ou secundária.

O primeiro impacto, após a perda da primeira linha de defesa, a pele, ocorrerá uma inflamaçao local, definida como uma resposta celular e humoral de início rápido, que pode ser amplificada e se autocontrolar. No processo inflamatório sao ativados o complemento, as cininas, as cascatas de coagulaçao e a cascata fibrinolítica, que interagem como fagócitos e células endoteliais no intuito de recuperar a lesao.

Ao ter uma extensa área de pele destruída, grande quantidade de fluído tecidual subescara, rico em endotoxina, é absorvido e o organismo do paciente grande queimado perde o controle do processo inflamatório, que se amplifica e desenvolve uma reaçao sistêmica que caracteriza a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS). O paciente apresenta hipertermia, leucocitose com neutrofilia, taquicardia e taquipneia.

A infecçao seria o segundo impacto pró-inflamatório, apresentando novamente elevaçao dos mediadores inflamatórios e respectivas alteraçoes clínicas. O paciente agrava o seu quadro clínico, apresentando elevaçao mantida da temperatura corporal ou hipotermia, elevaçao do número de leucócitos e da neutrofilia, e formas jovens no sangue periférico.

A principal morbidade de uma grande queimadura, agora, resulta dos efeitos multissistêmicos decorrentes da sepse32. A incidência de sepse após as lesoes por queimaduras está relacionada ao tamanho e profundidade da queimadura, além da idade do paciente. Outros fatores também favorecem a sepse no queimado, como a imunossupressao decorrente da lesao térmica, a possibilidade de translocaçao bacteriana gastrointestinal, a internaçao prolongada e o uso inadequado dos antimicrobianos, levando ao surgimento de bactérias com multirresistência antimicrobiana. O uso de cateteres, sonda e tubos, ou seja, procedimentos invasivos e terapêuticos que acabam alterando as defesas naturais de hospedeiro contra a infecçao, também contribui para o desenvolvimento de sepse no paciente queimado33.

O tecido necrótico é rodeado por tecido lesado e edemaciado, mantido a uma temperatura de 37ºC, provendo excelentes condiçoes para o crescimento de microorganismos. A populaçao microbiana imediatamente subsequente à queimadura é esparsa e composta principalmente por bactérias gram +, que geralmente produzem infecçao superficial localizada. Com o passar do tempo, após o 5º dia da queimadura, há a colonizaçao por bactéria gram -. Os metabólitos destas bactérias aumentam o potencial de invasao e o rápido espalhamento da infecçao. A bacteremia, que consiste na dissimulaçao de agentes infecciosos pela corrente sanguínea, é uma situaçao delicada quando diagnosticada no paciente queimado em regime de internaçao hospitalar34. Dependendo da sua gravidade fisiopatológica, as condiçoes para o tratamento sao dificultadas, prolongando seu tempo de internaçao. Sintomas como temperatura corporal acima de 38ºC ou abaixo de 36ºC, leucócitos totais acima de 12.000 cel m3 ou abaixo de 4.000 cel m3 ou taxa de bastonetes acima de 10%, taquicardia, hipotensao e oligúria devem ser observados com atençao, pois representam suspeita desse tipo de infecçao33,35,36.

Vários estudos demonstram que o Staphilococcus aureus é um dos principais patógenos encontrados em mostras de sangue de pacientes queimados com bacteremia, com letalidade de aproximadamente 30%. Essa estimativa aumenta para 45% quando a espécie é a de S. aureus resistente à oxacilina33,35,37.

O risco dos pacientes e profissionais presentes no setor de queimados é potencializado dentro do ambiente hospitalar, onde devem ser suavizados os princípios básicos de higiene e sanitizaçao de maos e instrumentos utilizados no processo de cuidar do paciente. O ambiente hospitalar apresenta uma grande variedade de riscos aos pacientes queimados, principalmente às vítimas de alto grau.

O controle das principais infecçoes que acometem queimados hospitalizados é importante para que as açoes na ordem de prevençao sejam tomadas, diminuindo o risco de complicaçoes e, até mesmo, de sepse bacteriana35. A morbidade dentre os pacientes queimados ainda representa preocupaçao, já que ocupa o 3º lugar na escala das principais causas de morte acidental. Sabe-se que a sepse representa o principal desafio enfrentado num setor de pacientes queimados é a maior causa de morte entre os mesmos33,35. Altos investimentos públicos e ou privados na aquisiçao de medicamentos e no desenvolvimento de novas técnicas para tratamento de pacientes queimados sao realizados para o controle efetivo das infecçoes em queimaduras38,39. Fatores como a vigilância microbiológica, o diagnóstico precoce e a indicaçao e uso correto de antibióticos, podem reduzir a taxa de mortalidade dentre os pacientes queimados que venham a sofrer uma septicemia.

O objetivo deste trabalho é analisar crianças vítimas de queimaduras internadas em unidade de referência no Hospital Infantil Joana de Gusmao para estabelecer a porcentagem de incidência de infecçao nestes pacientes.


MÉTODO

Foram analisados pacientes internados na Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmao, em Florianópolis, SC, (HIJG) de maneira prospectiva, no período de março a agosto de 2012, estabelecendo-se dois grupos: controle (formado por pacientes que tiveram o diagnóstico de SIRS, porém com hemograma normal e sem identificaçao do foco infeccioso) e estudo (formado por pacientes que tiveram o diagnóstico de SIRS, com hemograma alterado e identificaçao de foco infeccioso.).

Os prontuários dos 29 pacientes foram analisados de acordo com o sexo, idade, procedência, intervalo entre o acidente e o atendimento, local de ocorrência da queimadura, superfície corporal queimada, grau da lesao e ocorrência de óbito.

O diagnóstico clínico de SIRS, infecçao e SEPSE foi avaliado por meio de exames de PCR, hemocultura e ou cultura de pele, bem como com o uso de análise estatística dos resultados.


RESULTADOS

A maioria dos pacientes era do sexo masculino com idade entre 2 e 6 anos, procedentes da Grande Florianópolis e a água quente foi o principal agente da queimadura. A SCQ variou entre 10% e 20% com lesoes de 2º grau e nao houve óbitos. A idade, sexo, local (intra ou extradomicílio) da queimadura, superfície corporal queimada, causas das queimaduras, grau das lesoes, tratamento realizado e evoluçao clínica podem ser observados nas tabelas a seguir (Tabelas 1 a 11).
























A maioria das crianças avaliadas, internadas na unidade de queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmao, é de meninos (51,72 %), com idade entre 2 e 6 anos, procedentes da Grande Florianópolis, cujo intervalo entre o acidente e o atendimento no hospital de referência (HIJG), foi menor que 8 horas. A água quente foi o principal agente da queimadura. A área de SCQ variou entre 10% e 20% (55,17%) com uma frequência de 86,02% das lesoes de 2º grau.

Na análise dos dados, 34,48% dos pacientes foram submetidos à enxertia, 48,27% realizaram debridamento e 13,79% foram submetidos à excisao tangencial. 48,27% dos pacientes evoluíram com critérios para SIRS (febre, alteraçao de leucograma e alteraçao de frequência cardíaca e respiratória); em contrapartida, 51,71% dos pacientes nao evoluíram para SIRS. Nao houve óbito em nossa casuística.


DISCUSSAO

A queimadura é uma das agressoes mais graves que um ser humano pode ser exposto, e nao deve ser considerada como um evento fortuito. Os estudos epidemiológicos sobre queimaduras em crianças fornecem informaçoes vitais para o desenvolvimento de estratégias que visam à diminuiçao de sua frequência e a identificaçao dos fatores envolvidos na sua ocorrência40.

Neste estudo, inicialmente foi analisado o sexo das crianças queimadas, com maior incidência no sexo masculino (51,72%), fato este também observado na literatura pesquisada15,16,24,25,27,41. Este dado pode ser atribuído à maior disposiçao dos meninos para brincadeiras e atividades de maior risco e, portanto, maior exposiçao aos agentes causadores de queimaduras42,43.

Com relaçao à idade, a faixa etária em envolvendo os pré-escolares foi a mais acometida nesta casuística (44,82%), seguida pelos lactentes (31,03%), fato este coincidente com a literatura6,24,27,41,44.

As crianças menores sao as mais afetadas, pelo seu desenvolvimento maturativo, curiosidade, e falta e autocuidado, sendo mais vulneráveis e dependentes da atençao dos adultos.

Em relaçao à procedência, o maior número de pacientes (31,03%) veio da Grande Florianópolis, fato este esperado, pois a unidade de queimados do HIJG, situada em Florianópolis, é referência para o tratamento deste tipo de lesao25,45,46.

Quanto ao local do acidente, a maioria dos pacientes (79,3%) queimou-se em casa, sendo que 72,41% destes ocorreram na cozinha, conforme também consta na literatura 5,6,12,23,25,27,40,44.

Este dado pode estar relacionado ao fato de as crianças, principalmente abaixo de 6 anos (faixa etária mais acometida neste estudo), permanecerem diariamente a maior parte do tempo em casa e muitas vezes na cozinha, que revela-se o local onde os agentes térmicos estao mais disponíveis ao seu alcance40. Muitas vezes, esse risco pode ser agravado nas famílias de baixo poder socioeconômico, em que as crianças sao mantidas sozinhas em casa6, ou quando a mae tem um novo filho, e naquelas que habitam moradias precárias, sem energia elétrica, que congregam materiais inflamáveis para utilizaçao em lamparinas e fogoes improvisados, que facilitam a ocorrência de incêndios, provocando queimaduras por chamas diretas e atingindo principalmente crianças menores de 3 anos.

Quando analisado o agente agressor, os líquidos aquecidos foram os mais frequentes (48,24%) (Tabela 6). Esse padrao coincide com a literatura pesquisada, em que vários trabalhos relatam um predomínio das lesoes por escaldamento5,6,19,20,25,27,31,41.

A água quente foi o agente mais comum, seguida pelo café (Tabela 7). Ainda foi observado que a maioria dos acidentes com líquido aquecido ocorreram na cozinha (72,41%) (Tabela 4), sugerindo que o preparo de alimentos e bebidas quentes constitui uma situaçao de risco para a ocorrência de queimaduras, principalmente entre crianças com idade abaixo de 6 anos.

Em crianças com idade acima de 6 anos, houve predomínio de queimaduras por substâncias inflamáveis (34,47%) (Tabela 8), sendo o álcool o agente responsável pela maior parte dos acidentes (13,79%). Segundo Mukerji et al.9, isto se deve ao fato de que à medida que as crianças crescem, elas tornam-se mais curiosas e aventureiras, correndo ao redor de fogueiras, brincando com fósforos e isqueiros, aumentando dessa forma a incidência de queimaduras por substâncias inflamáveis e chama. As crianças em idade escolar foram as mais atingidas por agentes inflamáveis e os acidentes parecem estar relacionados a brincadeiras com estes materiais. Pensando nas medidas preventivas destes acidentes, deve-se reforçar a necessidade da nao comercializaçao deste produto em líquido, substituindo-o pela apresentaçao em gel, apoiando a iniciativa governamental feita no país.

As queimaduras elétricas acometeram apenas 3,44% do total das crianças (Tabela 9). Esta frequência é semelhante à literatura, que varia de 0 a 14%,18,25,27,40,45.

O trauma elétrico apresenta lesoes peculiares à transmissao da corrente pelos tecidos, habitualmente profundos, como ossos, tendoes e nervos. Queimaduras locais ocorrem nos pontos de entrada e saída da pele. Sua prevençao é importante por se tratarem da principal causa de sequelas de invalidez permanentes por amputaçao de segmentos corporais24,46.

Nesta casuística, a maioria dos pacientes (55,17%) (Tabela 5) apresentou queimaduras atingindo uma extensao superior a 10% da superfície corporal, estando de acordo com os critérios de internaçao de HIJG. Todavia, a ocorrência de um número significativo (34,48%) de pacientes com SCQ abaixo de 10%, pode ser justificada pelo predomínio de queimaduras de 3º grau ou pela localizaçao corpórea, que também constituem critérios de internaçao de crianças (Tabela 6). Quanto ao grau de lesao, houve predomínio das lesoes de 2º grau (86, 20%) (Tabela 10), fato este que deve estar relacionado ao agente da queimadura.

O total de pacientes submetidos a debridamentos, enxertias e excisoes tangenciais foi de 14,10 e 4, respectivamente (Tabela 11), sendo que a maioria das crianças internadas nao necessitou de tais procedimentos (67,41%), principalmente devido ao predomínio de queimadura de espessura parcial, cujo tratamento consiste de curativos biológicos e semibiológicos.

A queimadura apresenta um risco vital proporcional à extensao e profundidade da lesao, sendo a infecçao ainda considerada a maior causa de morbidade e mortalidade conhecida no paciente grande queimado que sobrevive à fase inicial do choque hipovolêmico.

No tratamento do paciente queimado é importante poder fazer o diagnóstico e tratar dentro das primeiras 6 horas do desencadeamento do quadro, seja qual for sua extensao e profundidade para evitar a Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS). Valores anormais de temperatura, funçao cardíaca, funçao respiratória e contagem leucocitária sao manifestaçoes de síndrome da resposta inflamatória sistêmica.

Na análise dos resultados do presente trabalho, observamos que a SIRS está presente em 48%, ou seja, a cascata de mediadores imunes e inflamatórios estava alterada.

A resposta inflamatória é benéfica e o objetivo é a opsocupaçao e fagocitose do antígeno e dos tecidos desvitalizados. Entretanto, quando o tecido queimado nao é removido, esta resposta inflamatória pode ser amplificada, desenvolvendo em alguns casos uma Disfunçao de Múltiplos Orgaos e Sistema (DMOS) primária que, entretanto, nao foi observada neste trabalho.

Quando esta SIRS se associa com um diagnóstico clínico ou laboratorial de infecçao, está caracterizada a sepse, que se nao tratada pode evoluir para DMOS secundária. Em nosso trabalho, observamos que 14 pacientes apresentaram diagnóstico clínico de sepse, entretanto, nao houve evoluçao para DMOS secundária, uma vez que o tratamento foi efetivo.


CONCLUSAO

Em nossa casuística nao houve óbitos na populaçao atendida, mostrando a efetividade do tratamento realizado nesta unidade de referência, que é compatível com o perfil epidemiológico de queimadura em crianças.


REFERENCIAS

1. Baracat ECE, Paraschin K, Nogueira RJN, Reis MC, Fraga AMA, Sperotto G. Acidentes com crianças e sua evoluçao na regiao de Campinas, SP. J Pediatr. 2000;76(5):368-74.

2. Pires RAJ. Análise de 781 crianças com queimaduras internadas no Hospital Infantil Joana de Gusmao - Florianópolis-SC [trabalho de conclusao de curso]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, Curso de Medicina; 2004.

3. Rossi LA, Barruffini RCP, Garcia TR, Chianca TCM. Queimaduras: características dos casos tratados em um hospital escola em Ribeirao Preto (SP), Brasil. Rev Panam Salud Publica. 1998;4(6):401-4.

4. Leonardi DF, Weber FA, Vasconcellos PS, Laporte GA. Estudo epidemiológico retrospectivo de queimaduras em crianças no Estado do Rio Grande do Sul - Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2002;2(1):10-4.

5. Dino RG, Serra MC, Macieira L. Condutas atuais em queimaduras. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p.1-3.

6. Nguyen NL, Gun RT, Sparnon AL, Ryan P. The importance of initial management: a case series of childhood burns in Vietnam. Burns. 2002;28(2):167-72.

7. Panjeshahin MR, Lari AR, Talei A, Shamsnia J, Alaghehbandan R. Epidemiology and mortality of burns in the South West of Iran. Burns. 2001;27(3):219-26.

8. Jie X, Baoren C. Mortality rates among 5321 patients with burns admitted to a burn unit in China: 1980-1998. Burns. 2003,29(23):239-45.

9. Mukerji G, Chamania S, Patidar GP, Gupta S. Epidemiology of paediatric burns in Indore, India. Burns. 2001;27(1):33-8.

10. El-Badawy A, Mabrouk AR. Epidemiology of childhood burns in the burn unit of Ain Shams University in Cairo, Egypt. Burns. 1998;24(8):728-32.

11. Zori E, Schnaiderman D. Evaluación de los niños internados por quemaduras en el Hospital de Bariloche. Arch Argent Pediatr. 2000;98(3):171-4.

12. Schnniderman D, Zori E. Quemaduras en la infancia: Epidemiología y prevención en Bariloche. Arch Argent Pediatr. 2002;100(4):289-93.

13. Sharp RJ. Burns. In: Ashcroft KW, Murphy JP, Sharp RJ, Sigalet DL, Snyder CL, editors. Pediatric Surgery. Philadelphia: WB Saunders; 2000. p.159-72.

14. Joseph KE, Adams CD, Goldfarb IW, Slater H. Parental correlates of unintentional burn injuries in infancy and early childhood. Burns. 2002;28(5):455-63.

15. Demling RH, Way LW. Queimaduras e outras lesoes térmicas. In: Way LW, editor. Cirurgia: diagnóstico e tratamento. 9a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1993. p.170-80.

16. Mariani U. Queimadiras. In: Marcondes E, editor. Pediatria Básica. 8a ed. Sao Paulo: Sarvier; 1991. p.866-70.

17. Jackson DM. The diagnosis of the depth of burning. Br J Surg. 1953;40:(164):588-96.

18. Hervin JT, Antoon AY. Queimaduras. In: Nelson WE, Behrman RE, Kliegman RM. Arvin AM. Tratado de Pediatria. 14a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1992. p.208-13.

19. Wassermann D. Critères de gravité des brûlures. Épidemiologie, prévention, organisation de la prise en charge. Pathol Biol. 2002;50:65-73.

20. Lund CC, Browder NC. Skin estimation of areas of burns. Surg Gynecol Obstet. 1944. 79:352-8

21. Sheridan RL, Schnitzer JJ. Management of the high-risk pediatric burn patient. J Pediatr Surg. 2001;36(8):1308-12.

22. Pérez R, Freitez M, Castañeda E, Betancourt J, Asilda M, Rivas C, et al. Epidemiologia de las quemaduras em pacientes ingresados al departamento de pediatría Augustin Zubillaga. Hospital Antonio Maria Pineda. Bol Med Postgrado. 2002;18(4):172-6.

23. Araújo EJ, Goldberg P, Quaresma ER, Pereima MJ, Montoya AM, Schaerez CA, et al. Atendimento imediato à criança queimada. Arq Cat Med. 1988;17(2):85-7.

24. Russo AC. Consideraçoes gerais sobre queimaduras. In: Netto AC. Clínica cirúrgica. 4a ed. Sao Paulo: Sarvier; 1994. V1. p 216-20.

25. Mukadam S, Gilles EE. Unusual inflicted hot oil burns in a 7-year-old. Burns. 2002;29(1):83-6.

26. Salas I, Silva C, Ruiz F, Rubio E, Astorquiza G, Perales C, et al. Importância y características de las quemaduras em um servicio de urgência pediátrico. Rev Chil Pediatr. 1989;60(6):362-7.

27. Mondragon P. Tratamiento de las quemaduras. Bol Med Hosp Infant Mex. 1999;56(8):459-70.

28. Pereira CT, Herndon DN. The pharmacologic modulation of the hypermetabolic response to burns. Adv Surg. 2005;39:245-61.

29. Barret JP, Herndon DN. Avances y tendencias en el tratamiento de niños con quemaduras. Act Ped Mex. 1999;20(1):34-8.

30. Pereima MJL, Capella M, Goldberg P, Quaresma ER, Araújo EJ, Souza JA. Importância do primeiro atendimento em queimaduras. Arq Cat Med. 2001;31(3-4):20-6.

31. Dhennin C. Traitement local des brûlures. Pathol Biol (Paris). 2002;50(2):109-17.

32. Anlatici R, Ozerdem OR, Dalay C, Kesiktaş E, Acartürk S, Seydaoğlu G. A retrospective analysis of 1083 Turkish patients with serious burns. Part 2: burn care, survival and mortality. Burns. 2002;28(3):239-43.

33. Pruitt BA Jr, McManus AT. The changing epidemiology of infection in burn patients. World J Sung. 1992;16(1):57-67.

34. Veronesi R, Focaccia R. Tratado de infectologia. 3a Ed. Sao Paulo: Atheneu; 2006.

35. Macedo JLS, Rosa SC, Macedo KCS, Castro C. Fatores de risco da sepse em pacientes queimados. Rev Col Bras Cir. 2005;32(4):173-7.

36. Guilarde AO, Turchi MD, Martelli CMT, Primo MGB, Batista LJA. Bacteremias em pacientes internados em hospital universitário. Rev Assoc Med Bras. 2007;53(1):34-8.

37. Moreira M, Medeiros ACC, Pignatari SB, Wey SB, Cardo DM. Efeito da infecçao hospitalar da corrente sanguínea por Staphylococcus aureus resistente à oxacilina sobre a letalidade e o tempo de hospitalizaçao. Rev Assoc Med Bras. 1998;44(4):263-8.

38. Rossi LA, Ferreira E, Costa ECFB, Bergamasco EC, Camargo C. Prevençao de queimaduras: percepçao de pacientes e de seus familiares. Rev Latino-Am Enferm. 2003;11(1):36-42.

39. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Secretaria de Atençao à Saúde. Glossário temático: economia da saúde/Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Departamento de Economia da Saúde, Investimentos e Desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.

40. Laloë V. Epidemiology and mortality of burns in a general hospital of Eastern Sri Lanka. Burns. 2002;28(8):778-81.

41. Pereima MJL, Leal M, Capella MR, Goldberg P, Quaresma ER, Araújo EJ, et al. Análise de 573 crianças com queimaduras internadas no Hospital Infantil Joana de Gusmao. Rev Bras Queimaduras. 2001;1(1):41-8.

42. Singh NP, Goyal R, Manchanda V, Das S, Kaur I, Talwar V. Changing trends in bacteriology of burns in the burns unit, Delhi, India. Burns. 2003;29(2):129-32.

43. Saavedra RO, Contreras CN, Cortés LP, Cornejo EA. Quemaduras em niños por volcamiento de cocina. Rev Chil Pediatr. 2001;72(2):121-7.

44. Mercier C, Blond MH. Enquête épidémiologique française sur la brûlure de l'enfant de 0 à 5 ans. Arch Pédiatr. 1995;2(10):949-56.

45. Pitkanen J, Al-Qattan MM. Epidemiology of domestic chemical burns in Saudi Arabia. Burns. 2001;27(4):376-8.

46. Vindenes H, Bjerknes R. Microbial colonization of large wounds. Burns. 1995;21(8):575-9.










1. Enfermeira-Chefe do Hospital Infantil Joana de Gusmao. Florianópolis, SC, Brasil
2. Médica. Hospital Infantil Joana de Gusmao. Florianópolis, SC, Brasil
3. Cirurgiao Pediátrico e chefe da Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmao. Florianópolis, SC, Brasil

Correspondência:
Stella Maris de Carvalho
R. Rui Barbosa, 152 - Agronômica
Florianópolis , SC, Brasil - CEP 88025-301
E-mail: stellamcarvalho@hotmail.com

Artigo recebido: 2/4/2013
Artigo aceito: 25/5/2012

Trabalho realizado no Hospital Infantil Joana de Gusmao, Florianópolis, SC, Brasil.

© 2024 Todos os Direitos Reservados