1435
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Queimadura pediátrica: fatores associados a sequelas físicas em crianças queimadas atendidas no Hospital Infantil Joana de Gusmão

Pediatric burns: factors associated with physical sequelae in burned children admitted to the Hospital Infantil Joana de Gusmão

Claudia Nami Yoda1; Dilmar Francisco Leonardi2; Rodrigo Feijó3

RESUMO

INTRODUÇAO: Em crianças, as queimaduras sao lesoes frequentes causadas pelo contato e/ou exposiçao a substâncias aquecidas como gases, sólidos e líquidos, injúria por eletricidade, lesao por agentes químicos ou radiaçao. A ruptura da integridade da pele pode resultar em uma cascata de eventos que culmina na deposiçao de matriz rica em colágeno, ou seja, a sequela.
OBJETIVO: Identificar os fatores associados a sequelas físicas em crianças queimadas atendidas no Hospital Infantil Joana de Gusmao.
MÉTODO: Trata-se de um estudo de delineamento transversal analítico. A coleta de dados foi obtida por meio do preenchimento de uma planilha desenvolvida pela pesquisadora. Foram avaliados 186 prontuários. A análise foi feita posteriormente pelo programa software SPSS 16.0 e utilizou-se o teste do qui-quadrado (Χ2) ou prova exata de Fisher para os resultados, o nível de significância estabelecido foi de p<0,05.
RESULTADOS: Da amostra obtida, 56% dos pacientes eram pré-escolares e 58,07% do sexo masculino. O líquido escaldado contribuiu para 64% dos casos e o álcool 27%. Pacientes com queimaduras em áreas especiais representaram 61% das vítimas e a maioria (48,92%) dos pacientes tiveram até 10% da SCQ. Dos 186 prontuários analisados, 38% cursaram com lesao de 3ºgrau e 39% com cicatrizaçao patológica. O antibiótico foi prescrito para 59% dos pacientes e o encaminhamento para outros especialistas foi necessário em 26% dos casos.
CONCLUSAO: Fatores como a área corporal queimada, a profundidade da lesao, o uso de malha compressiva, a prescriçao de antibióticos e o tipo de alta estao, de forma estatisticamente significativa, associados ao desenvolvimento de sequelas físicas.

Palavras-chave: Queimaduras. Fatores de Risco. Criança.

ABSTRACT

INTRODUCTION: In children, burns are common injuries caused by contact and / or exposure to heated substances, such as gas, solid and scalded liquid, injury by electricity, damage by chemicals and radiation. The disruption of the integrity of the skin may result in a cascade of events leading to the deposition of collagen-rich matrix, in other words, the sequel.
OBJECTIVE: To identify factors associated with physical sequelae in burned children treated at Hospital Infantil Joana de Gusmao.
METHOD: This is a cross-sectional analytical study. The data was gathered by filling information in a worksheet developed by the researcher. 186 records were evaluated. The analysis was subsequently performed by SPSS 16.0 software and after applying the chi-square (Χ2) or Fisher exact test for the results, the level of significance was p <0.05.
RESULTS: From the sample obtained, 56% of patients were pre-schools and 58.07% male. The scalded liquid contributed to 64% and alcohol 27% of the cases. Patients with burns in special areas accounted for 61% of the victims and the majority (48.92%) of patients until to 10% of BSA. Of the 186 records analyzed, 38% were afflicted with third-degree injury and 39% with pathological scarring. The antibiotic was prescribed for 59% of patients and referrals to other specialists were necessary in 26% of cases.
CONCLUSION: Factors such as burned body surface area, the depth of the lesion, the use of mesh compression, the prescription of antibiotics and the type of discharge are statistically significantly associated with the development of physical sequel.

Keywords: Burns. Risk Factors. Child.

As queimaduras sao as lesoes mais frequentes entre os pacientes pediátricos. Essas ocorrem no tecido orgânico devido ao contato e/ou exposiçao a substâncias aquecidas como gases, sólidos e líquidos, injúria por eletricidade, lesao por agentes químicos ou radiaçao1-3.

A incidência global de pacientes pediátricos que sofrem queimaduras e sao hospitalizados ainda nao é bem estabelecida. É conhecido, porém, que as crianças representam aproximadamente dois terços dos pacientes queimados. No Brasil, segundo Rossi et al.4, foram investigadas as circunstâncias da ocorrência de queimaduras em menores de 12 anos, concluindo que 50% das crianças abaixo de 3 anos de idade haviam sofrido lesoes por escaldaduras. A cozinha e o quintal foram identificados como os lugares que mais frequentemente (84,6%) ocorreram as queimaduras, estando pelo menos um dos pais presente ao local do acidente em 80,7% dos casos5. Werneck et al.6, ao avaliar fatores de risco para queimaduras, constataram que crianças que viviam em condiçoes de aglomeraçao, que nao eram primogênitos, com maes gestantes e famílias em novas residências, tiveram chance maior para queimar-se.

Nas crianças, as queimaduras apresentam uma gravidade maior, proporcionalmente à mesma lesao que ocorre em adultos. A relaçao com a etiologia da queimadura, a profundidade corporal que esta atinge, a superfície, bem como o volume intravascular da criança cursam com consequências e respostas metabólicas intensas em praticamente todos os órgaos e sistemas, tais como renal, adrenal, cardiovascular, musculo esquelético, hematológicos e gastrointestinais1,7.

A lesao da queimadura tem suas respostas inflamatórias conforme a intensidade do insulto no organismo, bem como a profundidade e o local da regiao atingida. Portanto, pode-se dividir uma área queimada em três zonas distintas: (a) a zona de coagulaçao, localizada centralmente a lesao; (b) a zona de estase, circundando a de coagulaçao com reduçao marcante da perfusao tecidual e, por fim, (c) a zona de hiperemia, sendo a camada mais externa com tendência natural a recuperaçao completa2,8.

As alteraçoes fisiopatológicas podem ser observadas em cinco períodos, conforme as zonas apresentadas: no primeiro período, há a formaçao de edema local, com pico de incidência entre 1 a 3 horas após o insulto inicial, devido à vasodilataçao, aumento da pressao osmótica intersticial pela degradaçao das fibras de colágeno e hialuronato e pela permeabilidade vascular alterada; o segundo período é marcado pela reduçao da perfusao do tecido, que cursa com isquemia tecidual e por fim necrose; o terceiro período é marcado pela adesao de plaquetas e leucócitos à superfície das células endoteliais lesadas, cursando com hemostasia e trombose local; o quarto período cursa com o aumento da perfusao tecidual para a manutençao das necessidades metabólicas e defesa do local e, por fim, o quinto período caracteriza-se por colonizaçao/infecçao da área queimada, destacando-se alguns patógenos, que podem ganhar a corrente sanguínea após procedimentos cirúrgicos como desbridamentos, resultando em sepse ou síndrome do choque tóxico8,9.

A gravidade da queimadura, como citado anteriormente, depende da extensao e da profundidade acometida. Na criança, outros fatores, porém, sao de importância decisiva para o prognóstico como a idade (abaixo de 48 meses), o agente causador, o tempo de exposiçao ao agente, as queimaduras de determinadas regioes (como face, genitais, maos e pés), as comorbidades associadas, os problemas médicos ou cirúrgicos simultâneos, a lesao inalatória associada e o acometimento de mais de 30% do corpo2.

O tratamento específico para as crianças queimadas é dado em dois segmentos distintos, divididos em tratamento de lesao de espessura parcial ou espessura total. Nas de espessura parcial, compreendidas como 1º e 2º grau (atingindo epiderme e derme), a conduta é basicamente expectante, esperando-se a reepitelizaçao a partir dos anexos dérmicos, em que nenhum produto tópico pode acelerar o processo de cicatrizaçao; cabendo ao médico no primeiro atendimento realizar a anamnese, a analgesia do paciente, verificar imunizaçao antitetânica, limpar a superfície, fazer um curativo primário nao aderente com gaze vaselinada e aspirar as bolhas íntegras com uma agulha fina estéril, mantendo-se a epiderme como uma cobertura biológica à derme queimada.

Vale ressaltar também que a retirada do líquido bolhoso remove os mediadores inflamatórios presentes, minimizando a dor e evitando um aprofundamento da lesao. De outro modo, o tratamento de queimadura parcial profunda e espessura total, caracterizada como 3º grau, nao é possível a reepitelizaçao através dos anexos dérmicos, sendo necessária a desvitalizaçao e, posteriormente, a enxertia de pele ou cobertura cutânea. Nesses casos, o paciente sempre deve receber uma reposiçao hídrica para que haja volume sanguíneo adequado na circulaçao. Além disso, o tecido queimado deve ser tratado com balneoterapia diária com clorexidina 1% e uso de agentes antimicrobianos como sulfadiazina de prata ou cério para evitar a proliferaçao bacteriana. A remoçao do tecido queimado é realizada pela excisao tangencial, a partir das 48 horas pós-queimadura, e consiste na retirada do tecido queimado em camadas sequenciais até que haja derme viável ou que se atinja o tecido subcutâneo. A técnica pode ser feita com dermátomo e a cobertura cutânea se faz no mesmo tempo cirúrgico. Após a remoçao do tecido necrótico, a área excisada necessita ser coberta imediatamente por enxertos de pele autólogo, por matrizes de regeneraçao dérmica ou por substitutos dérmicos temporários, como pele oriunda de bancos de tecidos ou de origem animal2,10-12.

Seja qual for o tratamento indicado para a queimadura, a ruptura da integridade da pele desencadeia o processo de cicatrizaçao, numa sequência contínua e orquestrada de eventos complexos que levam à regeneraçao, reconstituiçao e restauraçao proporcional da capacidade regenerativa da mesma, por meio de uma fase inflamatória, uma proliferativa e uma de remodelaçao. Esses eventos se sobrepoem a fim de restaurar o tecido por completo10,13,14.

Na maioria dos casos, as queimaduras nao causam cicatrizes e/ou sequelas importantes ao indivíduo. Entretanto, cicatrizes patológicas podem se desenvolver, determinando alteraçoes psicossociais, como alteraçao na marcha, no déficit de desenvolvimento, na fala, na interaçao com outras pessoas, entre outros14,15.

A sequela é o resultado de uma lesao que inicia com uma cascata de eventos que culmina na deposiçao de matriz rica em colágeno. Vários sistemas sao ativados para produzir e liberar fatores locais que controlarao o sangramento, a neovascularizaçao, a deposiçao de colágeno e de matriz extracelular. Durante vários meses, esta matriz é estabilizada e na cicatriz fisiológica observa-se uma melhora em relaçao à textura, a cor, a firmeza e a resistência. O tecido cicatricial é uma massa de colágeno relativamente acelular e avascular que reestabelece a funçao, a continuidade e a resistência tecidual.

Sua constituiçao é desorganizada, visto que o colágeno recém-sintetizado tende a ser mais fino, mais compacto, determinando uma regiao de menor resistência. Esse processo estabiliza-se dentro de um prazo variável de 6 a 9 meses, deixando uma cicatriz amolecida, macia e pálida, que representa um máximo de 70% a 80% da resistência tensional da pele nao lesada e, obviamente, sem jamais reconstituir a sofisticaçao da pele nao lesada14; porém, este processo nao ocorre em cicatrizaçoes patológicas, resultando, entao, em sequelas.

Cicatrizes hipertróficas, queloides e retraçao cicatricial sao desordens fibroproliferativas características que cursam com deposiçao excessiva e desordenada de proteínas da matriz extracelular após as fases de inflamaçao, de proliferaçao e de remodelaçao.

As cicatrizes hipertróficas sao tipicamente elevadas, de coloraçao vermelha ou rósea intensa, pruriginosas, endurecidas, dolorosas, confinadas aos limites originais da lesao, com início após 6 a 8 semanas e sofrerao regressao pelo menos parcialmente entre 12 e 24 meses. A cicatriz queloide, desenvolve-se após 1 ano de epitelizaçao e em nenhum momento regride, podendo invadir tecidos vizinhos nao lesados originalmente, e apresenta crescimento mais lento, porém, sem definiçao para pausa. E as contraturas geralmente envolvem a circunferência das articulaçoes2,14.

Assim, o melhor método para evitar queimaduras é a prevençao, principalmente no que diz respeito ao âmbito pediátrico, com medidas de educaçao e conscientizaçao da populaçao16. Porém, o fator prevençao torna-se ainda mais difícil no Brasil, pois o álcool líquido é vendido livremente em nosso país, resultando em 20% do total de queimados, ou seja, o primeiro lugar no mundo por queimaduras causadas por esse agente inflamável2,16,17.

Nos Estados Unidos, aproximadamente 4 bilhoes de dólares sao gastos em tratamento para sequelas. Como o Brasil é um país em desenvolvimento, em nível educacional/populacional e com investimento financeiro baixo em centros especializados, tem nas sequelas as consequências das queimaduras18.

Sendo assim, o conhecimento dos fatores associados à fisiopatologia que resultam em sequelas é de fundamental importância para o prognóstico dos pacientes. Adicionalmente, em nosso país, os baixos investimentos em estudos científicos, a falta de tratamentos modernos acessíveis a todos e a comercializaçao de álcool líquido contribuem para a formaçao das queimaduras.

Portanto, este estudo tem como objetivo avaliar quais os fatores associados às sequelas físicas na populaçao pediátrica.


MÉTODO

Estudo de delineamento transversal com caráter analítico. A coleta de dados foi realizada no Hospital Infantil Joana de Gusmao (HIJG), localizado em Florianópolis, Santa Catarina, associado à Secretária Estadual da Saúde, com uma área de 22.000 m2 e dividido nas unidades de internaçao: A (Adolescente e Apartamento), B, C, D, E, HDC, Berçário, Emergência Interna, Isolamento, Oncologia, Ortopedia, Queimados, UTI Geral e UTI Neonatal19.

A populaçao alvo deste estudo foram prontuários de pacientes hospitalizados para tratamento de queimaduras ou sequelas, atendidos no HIJG no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2010, de 0 e 10 anos de idade, de ambos os sexos e qualquer procedência. A amostra foi calculada no programa OpenEpi versao 2 com os seguintes parâmetros: populaçao total de 373 pacientes com queimaduras atendidos no HIJG de 0 a 10 anos. A amostragem foi realizada com nível de confiança bimodal de 95%, com uma força de 80% com prevalência do desfecho desconhecida de 50% e limite de confiança de 5%, e intervalo de confiança de 95%, adicionando 10% de perdas e por fim, totalizando 186 prontuários de pacientes queimados.


RESULTADOS

Os fatores associados a sequelas por queimaduras que apresentaram significância estatística sao demonstrados na Tabela 1.




As demais variáveis que foram investigadas e analisadas, como faixa etária, sexo, agente causador e regiao afetada nao inferiram nos resultados significativos nesse estudo.


DISCUSSAO

As queimaduras sao lesoes de gravidade importante e que podem resultar em sequelas físicas e/ou psíquicas. Quando se trata da populaçao pediátrica, a mesma torna-se mais importante ainda, pois suas complicaçoes implicam em, mesmo que o indivíduo nao venha a óbito, sequelas que o acompanharao pelo resto da vida, fato este agravado se ocorrer em idade precoce15,17,20.

O presente trabalho revisou casos de internaçao do período de janeiro de 2009 a dezembro de 2010. A populaçao estudada apresentou média de idade 5,01 anos, com desvio padrao de ± 3,42, corroborando, assim, com a literatura17,20. A bibliografia demonstra resultados semelhantes em relaçao à idade encontrada, conforme dados obtidos por Weedon & Potterton15, uma vez que em seu estudo 80% dos queimados apresentavam idade abaixo de 8 anos.

A maioria da populaçao queimada é representada pelo gênero masculino20-22 e esse quadro mantém-se inalterado também para o âmbito pediátrico, como demonstrado no presente estudo. A prevalência maior desse sexo sobre o feminino também foi observada em outros estudos, como descrito por Martins et al.23, que acredita que este fator possa estar ligado ao comportamento de cada sexo, a maior liberdade dada aos meninos e por estes apresentarem atividades mais perigosas em suas brincadeiras recreativas.

As queimaduras por escaldadura (64%) corresponderam a um maior número de acidentes observados neste estudos, a exemplo do estudo realizado por Tavares & Horas21, no qual os líquidos superaquecidos corresponderam a 59% dos casos das vítimas atendidas no seguimento ambulatorial. Nesse estudo, o álcool correspondeu como o segundo agente de maior causa para queimaduras (27%), enfatizando o quadro em que o Brasil apresenta-se com estatísticas de primeiro lugar em queimaduras desse tipo, cabendo, assim, ressaltar o quao importante seria a mudança na legislaçao brasileira para a proibiçao da venda indiscriminada de álcool líquido4,20,24.

As áreas consideradas especiais sao assim denominadas por apresentar maior risco de contaminaçao, maior frouxidao do tecido, maior complexidade anátomo-funcional e, principalmente, por serem sujeitas a maior formaçao de sequelas25. Nesse estudo, essas áreas corresponderam a 61% dos casos, porém, este dado nao mostrou-se significativo, com p= 0,262.

Em relaçao à superfície corporal queimada (SCQ), a maior distribuiçao encontra-se em até 10% de superfície atingida (48,92%), seguida por até 20% (34,41%). Em outras palavras, a maioria dos queimados é de extensao pequena a moderada, assim como no estudo de Rossi et al.4, no qual 62,5% dos pacientes apresentavam queimaduras até 20% da SCQ. Tal achado revelase de importância quando demonstra que todos os pacientes com SCQ acima de 40,1% tiveram sequelas, ou seja, a associaçao entre a extensao da queimadura com cicatrizaçao patológica mostrou-se estatisticamente significativa (p=0,001). Diante desse fato, quanto maior a área queimada, maior será a complexidade da lesao e do tratamento, levando, inclusive, muitos pacientes à morte se a área compreendida for maior que 40% da SCQ2,26.

Das crianças que sofreram lesao de 3º grau, aproximadamente 60% apresentaram algum tipo de sequela. Sendo assim, este fator corrobora a literatura indicando que as sequelas têm maior prevalência sobre pacientes que sofreram agressao de maior profundidade (p=0,001), uma vez que essas lesoes apresentam difícil cicatrizaçao20,23,25,27,28.

Vale ressaltar que no grupo com lesao de maior grau, dois casos sofreram queimaduras por agentes químicos e resultaram em cicatrizaçao patológica. Mesmo que esses agentes nao apareçam com frequência importante nesse estudo (2%), sua presença indicou gravidade, visto que as lesoes em questao causadas pelo álcali (soda cáustica) possuem pior prognóstico, pois o ânion hidróxido saponifica os ácidos gordurosos das membranas celulares, levando à morte celular e possibilitando, assim, a penetraçao mais profunda do tecido29,30.

O uso da malha foi necessário em aproximadamente 40% dos pacientes estudados e, desses, 71,2% desenvolveram algum tipo de sequela. Esse achado apresentou significância estatística quando relacionado ao desfecho (p=0,001). Tal fato pode ser atribuído à descontinuidade do tratamento ou falha na terapia compressiva, já que o seu uso tem caráter preventivo para o desenvolvimento de cicatrizaçao patológica31.

Deve-se enfatizar que o desenvolvimento de sequela nao pode ser simplesmente atribuído à ruptura do tratamento de compressao. Outros fatores podem contribuir para o seu aparecimento e, entre eles, pode-se citar a infecçao. Portanto, o uso do antibiótico para o tratamento ou a prevençao de infecçoes mostrou-se também fortemente associado ao desfecho (p=0,001), nao por apresentar propriedades terapêuticas para a prevençao, mas pelo fato do seu uso estar ligado a grandes áreas queimadas, ao maior grau da lesao e à profilaxia em procedimentos cirúrgicos em pacientes com cicatriz patológica32, em outras palavras, associado à gravidade do caso.

O elo entre a fisioterapia e a queimadura é bem estabelecido pela literatura. A fisioterapia tem por objetivo aliviar a dor da queimadura, por meio de atividades motoras que facilitam o retorno venoso, reduzindo o edema e, consequentemente, a algia. Além disso, a interaçao da equipe de fisioterapeutas associada ao corpo médico é de vital importância para a recuperaçao do paciente, uma vez que, paralelamente ao alívio da sintomatologia da queimadura, esses profissionais avaliam alteraçoes respiratórias devido à limitaçao de movimentos causadas pelas mesmas22,24.

Portanto, quanto maior a complexidade da queimadura, maior a chance de sequelas e maior a necessidade de uma equipe multidisciplinar. Nesse estudo, a relaçao entre cicatrizaçao patológica associada a outros especialistas mostra-se clara e significativa (p=0,001), pois dos 46 pacientes encaminhados à fisioterapia, 50% aproximadamente apresentavam cicatrizaçao anormal.

Embora a coleta de dados tenha sido dificultada muitas vezes pelo grande conteúdo dos prontuários devido ao longo período de internaçao, o preenchimento do questionário préestabelecido foi facilitado devido à organizaçao dos mesmos pela equipe multidisciplinar, possibilitando, assim, traçar um perfil dos pacientes queimados com sequelas atendidos no HIJG. O Brasil carece de dados estatísticos sobre queimaduras e, ao delinear o perfil dessas crianças, podemos colaborar com o direcionamento de programas preventivos a esse público, por serem justamente os mais acometidos.


CONCLUSAO

Em crianças, fatores como a área corporal queimada, a profundidade da lesao, o uso de malha compressiva, a prescriçao de antibióticos e o tipo de alta estao, de forma estatisticamente significativa, associados ao desenvolvimento de sequelas físicas. O delineamento do perfil dessas crianças pode ser útil para o direcionamento de programas preventivos.


REFERENCIAS

1. Xin W, Yin Z, Qin Z, Jian L, Tanuseputro P, Gomez M, et al. Characteristics of 1494 pediatric burn patients in Shanghai. Burns. 2006;32(5):613-8.

2. Pereima M. Particularidades de Queimaduras em Crianças. In: Lima Junior EML, Novaes FN, Piccolo N, Serra MCVF. Tratado de Queimaduras no Paciente Agudo. 2a Ed. Sao Paulo: Atheneu; 2009. p.509-19.

3. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Associaçao Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. Projeto Diretrizes. 2008; p.1-14.

4. Rossi LA, Barruffini Rde C, Garcia TR, Chianca TC. Burns: characteristics of cases treated in a teaching hospital in Ribeirao Preto (Sao Paulo), Brazil. Rev Panam Salud Publica. 1998;4(6):401-4.

5. Eney S. Epidemiologia das Queimaduras na América Latina. In: Lima Junior EML, Novaes FN, Piccolo N, Serra MCVF. Tratado de Queimaduras no Paciente Agudo. 2a Ed. Sao Paulo: Atheneu; 2009. p.27-49.

6. Werneck GL, Reichenheim ME. Paediatric burns and associated risk factors in Rio de Janeiro, Brazil. Burns. 1997;23(6):478-83.

7. Burd A, Yuen C. A global study of hospitalized paediatric burn patients. Burns. 2005;31(4):432-8.

8. Quan L, Morita R, Kawakami S. Toxic shock syndrome toxin-1 (TSST-1) antibody levels in Japanese children. Burns. 2010;36(5):716-21.

9. Vale ECS. Primeiro atendimento em queimaduras: a abordagem do dermatologista. An Bras Dermatol. 2005;80(1):9-19.

10. Zeitlin RE, Järnberg J, Somppi EJ, Sundell B. Long-term functional sequelae after paediatric burns. Burns. 1998;24(1):3-6.

11. Pitanguy I, Gontijo de Amorim NF, Radwanski HN, Lintz JE. Repeated expansion in burn sequela. Burns. 2002;28(5):494-9.

12. Mustoe TA. Scars and keloids. BMJ. 2004;328(7452):1329-30.

13. Haverstock BD. Hypertrophic scars and keloids. Clin Podiatr Med Surg. 2001;18(1):147-59.

14. Piccolo M, Piccolo N, Daher R, Daher S. Cicatrizaçao e Cicatrizes. In: Lima Junior EML, Novaes FN, Piccolo N, Serra MCVF. Tratado de Queimaduras no Paciente Agudo. 2a Ed. Sao Paulo: Atheneu; 2009. p.591-607.

15. Weedon M, Potterton J. Socio-economic and clinical factors predictive of paediatric quality of life post burn. Burns. 2011;37(4):572-9.

16. Maghsoudi H, Samnia N. Etiology and outcome of pediatric burns in Tabriz, Iran. Burns. 2005;31(6):721-5.

17. Mendes CA, Sá DM, Padovese SM, Cruvinel SS. Estudo epidemiológico de queimaduras atendidas nas Unidades de Atendimento Integrado de Uberlândia-MG entre 2000 a 2005. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):18-22.

18. Herson MR, Teixeira Neto N, Paggiaro AO, Carvalho VF, Machado LCC, Ueda T, et al. Estudo epidemiológico das sequelas de queimaduras: 12 anos de experiência da Unidade de Queimaduras da Divisao de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(3):82-6.

19. Hospital Infantil Joana de Gusmao. Florianópolis [acesso em junho de 2011]. Disponível em: http://www.saude.sc.gov.br/hijg/

20. Albuquerque MLL, Silva GPF, Diniz DMSM, Figuei redo AMF, Câmara TMS, Bastos VPD. Análise dos pacientes queimados com sequelas motoras em um hospital de referência na cidade de Fortaleza-CE. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(3):89-94.

21. Tavares CS, Hora EC. Caracterizaçao das vítimas de queimaduras em seguimento ambulatorial. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(4):119-23.

22. Laporte GA, Leonardi DF. Transtorno de estresse pós-traumático em pacientes com sequelas de queimaduras. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(3):105-14.

23. Martins CBG, Andrade SM. Queimaduras em crianças e adolescentes: análise da morbidade hospitalar e mortalidade. Acta Paul Enferm. 2007;20(4):464-9.

24. Vana LPM, Fontana C, Ferreira MC. Algoritmo de tratamento cirúrgico do paciente com sequela de queimadura. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(2):45-9.

25. Dornelas MT, Ferreira APR, Cazarim DB. Tratamento das queimaduras em áreas especiais. HU Rev. 2009;35(2):119-26.

26. Bernz LM, Mignoni ISP, Pereima MJL, Souza JA, Araújo EJ, Feijó R. Análise das causas de óbitos de crianças queimadas no Hospital Infantil Joana de Gusmao, no período de 1991 a 2008. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):9-13.

27. Oliveira C, Arruda AM, Filho GCR, Santos L, Anbar RA. Tratamento cirúrgico de retraçoes axilares e mento-torácica com zetaplastia. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(1):213-6.

28. Pereima MJL, Capella MR, Goldberg P, Quaresma ER, Araújo EJ, Souza JA, et al. Uso de matrizes dérmicas no tratamento de queimaduras em crianças: análise de 11 casos. Arq Cat Med. 2005;34(1):38-46.

29. Castellano AGD, Moreira H, Zago RJ, Milicovsky FS. Avaliaçao Epidemiológica dos pacientes vítimas de queimaduras ocular pelo agente químico cal no Serviço de Oftalmologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba. Arq Bras Oftalmol. 2002;65(3):311-4.

30. Leonardi D, Nazário N. Queimaduras especiais: Elétricas e Químicas. Queimaduras Atendimento pré-hospitalar. Palhoça: Ed. Unisul; 2012. p.31-48.

31. Munguba M, Vicentini C. Terapia Ocupacional. In: Lima Junior EML, Novaes FN, Piccolo N, Serra MCVF. Tratado de Queimaduras no Paciente Agudo. 2a Ed. Sao Paulo: Atheneu; 2009. p.257-80.

32. Costa DM, Abrantes MM, Lamounier JA, Lemos ATO. Estudo descritivo de queimaduras em crianças e adolescentes. J Pediatr (Rio de J). 1999;75(3):181-6.










1. Acadêmica do curso de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Palhoça, SC, Brasil
2. Cirurgiao Plástico, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Mestrado e Doutorado, ambos pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre Fundaçao Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS. Professor de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Palhoça, SC, Brasil
3. Cirurgiao Pediatra e preceptor da Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmao, Florianópolis, SC, Brasil

Correspondência:
Claudia Nani Yoda
Rua Sanhaçu, 27
Palhoça, SC, Brasil - CEP 88137-160
E-mail: claudiayoda@yahoo.com.br

Artigo recebido: 25/5/2013
Artigo aceito: 23/6/2013

Trabalho realizado no Hospital Infantil Joana de Gusmao, Florianópolis, SC, Brasil.

© 2024 Todos os Direitos Reservados