RESUMO
Por muitos anos, as queimaduras vêm sendo tratadas com diferentes produtos a base de prata: inicialmente com a soluçao de nitrato de prata 0,5%, seguindo os cremes com sulfadiazina de prata, e, atualmente, os curativos com gaze, rayon ou membranas de celulose, entre outros, impregnados com prata nas suas mais diferentes formas, como ionizada, micronizada ou nanocristalina, que representam a evoluçao dessa modalidade terapêutica.
Palavras-chave:
Queimaduras. Curativos. Sulfadiazina de Prata.
ABSTRACT
For many years burns have been treated with different products made of silver, initially with the solution of silver nitrate 0.5%, following the creams with silver sulfadiazine, and currently, the gauze dressings, rayon or membranes cellulose, among others, with silver impregnated in its different forms such as ionized or micronized nanocrystalline representing the evolution of this therapeutic modality.
Keywords:
Burns. Dressings. Silver Sulfadiazine.
As queimaduras se constituem em um dos maiores traumas a que um ser humano pode ser exposto, com uma resposta metabólica e inflamatória intensa que se perpetua e amplifica com o tecido queimado. Causadas por trauma, elas sao definidas como uma injúria frequente, comum e grave na pele ou em outro tecido orgânico, caracterizadas por uma condiçao aguda e crônica debilitante, que levam a importante morbidade e mortalidade. Sao acompanhadas de dor intensa e frequentemente prolongada, que gera sofrimento nao só para o paciente, como para toda sua família e comunidade em que vive
1-3. Os fatores que levam à ocorrência de queimaduras sao variados - algumas ou todas as células da pele ou de outros tecidos sao destruídas por substâncias quentes (líquidos ou sólidos), radiaçao, radioatividade, eletricidade, fricçao ou contato com produtos químicos
2.
A gravidade das queimaduras depende de vários fatores como temperatura do agente térmico, tempo de exposiçao, tipo de agente e seu calor específico que determinam graus variados de profundidade da lesao e a área de superfície corporal queimada. Assim, as queimaduras podem ser classificadas quanto ao seu mecanismo de lesao, grau, profundidade, área corporal acometida, regiao ou parte do corpo afetada e sua extensao. Queimaduras de primeiro grau ou de espessura parcial superficial sao aquelas que acometem a epiderme e resultam em uma simples resposta inflamatória. Sao tipicamente causadas pela exposiçao aos raios solares, ou por contato nao prolongado com substâncias quentes. Sua cicatrizaçao se dá em uma semana sem mudanças na coloraçao, espessura ou textura da pele e normalmente nao tem repercussoes sistêmicas
2,4-7.
As lesoes de segundo grau ou de espessura parcial profunda sao decorrentes de uma lesao que ultrapassa a epiderme e atinge a derme. Entretanto, nao evoluem para destruiçao de todos os elementos da pele, sendo encontrados anexos dérmicos na profundidade da derme que garantem a reepitelizaçao pela proliferaçao e migraçao de queratinócitos a partir da membrana basal da junçao epiderme e derme que revestem também os anexos dérmicos na profundidade. Suas principais características sao a manutençao da sensibilidade tátil, devido à preservaçao de nociceptores; a presença da umidade pelo aumento local da permeabilidade vascular desencadeada nao só pela lesao física da queimadura, mas pela ativaçao da cascata de mediadores imunes e inflamatórios, com liberaçao principalmente histamina, bradicina, derivados do ácido aracdônicos e interleucinas que promovem um aumento da permeabilidade capilar com saída de líquidos do espaço intravascular com a formaçao de edema e acúmulo de líquidos sob uma epiderme intacta, formando flictenas ou bolhas; retorno rápido do preenchimento capilar e coloraçao rósea, pela presença de plexo vascular dérmico que se localiza na profundidade da derme e que nao foi lesado, com permeabilidade aumentada.
Assim como as queimaduras superficiais, estas podem ter cicatrizaçao espontânea se nao houver complicaçoes pele pelo processo conhecido como reepitelizaçao e naquelas mais profundas pelo mecanismo de contraçao associado, a partir dos bordos da ferida, pela metaplasia de fibroblastos em miofibroblastos e a consequente retraçao dos bordos
2,4-7.
Já as queimaduras de terceiro grau ou de espessura total sao aquelas em que há lesao de todos os elementos da pele, incluindo epiderme, derme, tecido celular subcutâneo, com destruiçao de folículos pilosos, glândulas sudoríparas e sebáceas receptores para dor e da coagulaçao do plexo vascular. Como resultado da destruiçao das camadas da pele, as feridas nao se regeneram, pois os anexos dérmicos e sua reserva epitelial estao destruídos e, portanto, necessitam de algum tipo de cobertura cutânea, usualmente enxerto cutâneo pele autólogo
2,4-7.
Dessa forma, diferentes tipos de queimaduras com diferentes profundidades requerem tratamentos específicos voltados para a fisiopatologia de cada caso para restauraçao do tecido de revestimento de forma a minimizar consequências funcionais e estéticas. Esse tratamento das queimaduras vem evoluindo ao longo dos anos e tem se desenvolvido muito nas últimas décadas
2,8. Em 1940, nos Estados Unidos, 50% das crianças com queimaduras envolvendo mais de 30% da superfície corporal total iam a óbito. Em 2000, um estudo feito no mesmo país, identificou a reduçao de óbitos em crianças com queimaduras envolvendo até 59% da superfície corporal total
2. Esta evoluçao no tratamento das queimaduras nos últimos anos se deve a diversos fatores como o aprimoramento de pesquisas na área; desenvolvimento de técnicas cirúrgicas para a fase aguda; o melhor conhecimento da fisiopatologia da queimadura e o uso de curativos biológicos e semibiológicos matrizes de regeneraçao dérmica, que mudaram positivamente o prognóstico dos pacientes
8,9.
EVOLUÇAO DA PRATA NO DAS QUEIMADURAS DE 2ºGRAU OU ESPESSURA PARCIAL Nas queimaduras de segundo grau ou de espessura parcial, os princípios do tratamento se baseiam na reepitelizaçao do tecido de revestimento a partir da reserva epitelial dos anexos dérmicos localizados no bulbo capilar onde estao presentes inclusive células tronco epiteliais. O princípio básico é nao agredir mais a pele, ou seja, propiciar um ambiente adequado para a reepitelizaçao, preferencialmente estéril, úmido e protegido do contato com o meio externo para a restauraçao do epitélio estratificado de queratinócitos a partir da membrana basal
8.
Além da resposta fisiológica, o controle de micro-organismos no leito da ferida favorece a cicatrizaçao, uma vez que a presença e a proliferaçao de bactérias e fungos em feridas agudas podem rapidamente contaminar e retardar o processo de cicatrizaçao. Concentraçoes elevadas de bactérias competem com as células do hospedeiro por nutrientes e oxigênio, além de liberar toxinas que lesam as células. Sistemicamente, a infecçao bacteriana eleva os níveis séricos de citoquinas e metaloproteases na matriz extracelular, diminuiçao de fatores de crescimento, de quimiotaxia e fagocitose, que tem efeitos adversos na cicatrizaçao de feridas. Como consequência da infecçao local, ocorre a morte tissular, aumento do tamanho da ferida, hipóxia, oclusao vascular, isquemia e gangrena e necrose tecidual
10 .
Assim, após os cuidados gerais no atendimento inicial ao paciente queimado, a atençao deve ser voltada ao tratamento tópico da ferida, com escarotomias, se necessário, e limpeza da superfície queimada, debridamento e remoçao de flictenas rotas, se for o caso, e aplicaçao de curativos, cujo componente primário deve oferecer condiçoes ideais para a reepitelizaçao, que também deve permitir ser inspecionada a ferida a cada 48 horas para avaliar o processo de cicatrizaçao e aparecimento de infecçoes
8. Atualmente, para as queimaduras de espessura parcial, a escolha dos curativos e a aplicaçao de antimicrobiano tópico variam entre os centros de queimados em todo mundo, dependendo da disponibilidade tecnológica e econômica de cada país
11,12.
Nesse universo de curativos para tratamento de feridas em geral, o uso da prata no tratamento como agente antimicrobiano vem sendo utilizado para desinfecçao desde a idade antiga, com referências da civilizaçao grega utilizando moedas de prata associada à conservaçao de água e líquidos armazenados; a partir do século XVII, a prata passou a ser utilizada terapeuticamente para o tratamento de feridas e diversas doenças como conjuntives, úlceras e outras doenças infectocontagiosas. A prata é biologicamente ativa na sua forma solúvel de Ag+ ou Ag0 clusters, que é a forma iônica da prata presente no nitrato de prata, sulfadiazina de prata e outros curativos com combinados com prata
13. Assim, por muitos anos as queimaduras vêm sendo tratadas com diferentes produtos a base de prata: inicialmente com a soluçao de nitrato de prata 0,5%, seguindo os cremes com sulfadiazina de prata, e, atualmente, os curativos com gaze, rayon ou membranas de celulose, entre outros, impregnados com prata nas suas mais diferentes formas, como ionizada, micronizada ou nanocristalina, que representam a evoluçao dessa modalidade terapêutica
11,14. Dessa forma, ao longo do tempo, estas diversas formas de preparaçoes contendo prata vêm sendo utilizadas para o tratamento de queimaduras e mesmo com os antibióticos tendo tomado espaço durante a Segunda Guerra Mundial para tratamento de infecçoes e queimaduras, logo caíram em desuso devido à alta resistência bacteriana, e a prata passou a ser o tratamento de escolha para cicatrizaçao de feridas e tratamento de queimaduras em todo o mundo
15-17.
Inicialmente, a prata foi utilizada em sua forma elementar sólida (ex. fio de prata) para prevenir infecçoes, enquanto soluçoes de sais de prata (ex. nitrato de prata) foram utilizadas para limpar feridas. Mais recentemente, surgiram cremes e pomadas combinando a prata com agentes antibióticos, como a sulfadiazina de prata descrita por Fox
18.
O primeiro agente a ser introduzido no manejo das queimaduras em 1960 foi nitrato de prata (AgNO
3) por Moyer e Monafo na forma de soluçao de nitrato de prata a 0,5%, seguido pela sulfadiazina de prata (Ag-SD), em 1968. O AgNO
3 é menos utilizado na atualidade, porém, a Ag-SD tem sido uma importante parte do manejo das queimaduras há muitos anos
18,19.
O AgNO
3 é a soluçao de sal de prata mais popular para o tratamento tópico de queimaduras. Porém, quando as suas concentraçoes excedem 1%, este pode ser tóxico para os tecidos e para a ferida. Além disso, a utilizaçao do nitrato de prata parece promover atraso na cicatrizaçao quando comparado com outros tipos de tratamento. O AgNO
3 possui alta concentraçao de prata, mas nao tem atividade residual e por isso necessita de frequentes aplicaçoes - mais que 12 vezes por dia, o que pode levar a manifestaçoes sistêmicas decorrentes da sua absorçao
20 .
No final da década de 60, Fox introduziu o creme de sulfadiazina de prata (Ag-SD) para tratamento de queimaduras, que revolucionou essa conduta terapêutica com reduçao significativa da incidência de infecçao e sepse nesses pacientes
13.
A Ag-SD é a combinaçao do AgNO
3 com sulfadiazina, um agente antibiótico que age na parede bacteriana, e é utilizada para o tratamento tópico de queimaduras e possui uma atividade antimicrobiana bastante ampla. É bactericida para uma grande variedade de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, bem como algumas espécies de fungos (
Pseudomonas aeruginosa,
Staphylococcus aureus, algumas espécies de Proteus, Klebsiella, Enterobacter e
Candida albicans). Sua atividade antimicrobiana é mediada pela reaçao do íon prata com o DNA microbiano, o que impede a replicaçao bacteriana. Além disso, age sobre a membrana e parede celulares, promovendo o enfraquecimento destas, com consequente rompimento da célula por efeito da pressao osmótica
15,17,20,21.
Atualmente, é comercializada na forma de 1% de creme ou suspensao aquosa, sendo um dos primeiros tratamentos mais utilizados nos centros de queimados em todo o mundo
15,17,21. Porém, a Ag-SD possui uma curta açao e requer reaplicaçao pelo menos diariamente
18. A atividade residual da Ag-SD também é menor, porém, tem vantagem sobre o nitrato de prata, já que pode ser aplicada apenas duas vezes ao dia
20. A combinaçao de Ag-SD com nitrato de cério foi introduzida para aumentar a eficácia do tratamento, prevenindo ou retardando o crescimento de bactérias Gram negativas em pacientes com queimaduras que atingem mais de 50% da superfície corporal; a associaçao do cério à sulfadiazina tem sido descrita por apresentar, além dos efeitos antibacterianos, um efeito imunomodulador pelo bloqueio de complexos imunes produzidos pelo tecido queimados que induzem a diferentes graus de hipoperfusao tecidual
16.
Recentemente, entretanto, outras preparaçoes com prata vêm ganhando mais espaço no tratamento de queimaduras, visando principalmente uma atividade bactericida mais duradoura no leito da ferida e menor toxicidade para as células lesadas na queimadura, mas com capacidade de recuperaçao (zona de estase e zona de hipeemia). Este novo tipo de tratamento se deve a diversos fatores, como a resistência aumentada de bactérias por antibióticos e desenvolvimento de tecnologia polimérica, resultando em um grande número de curativos contendo prata disponíveis no mercado
15. Os curativos sao tipicamente compostos de uma cadeia polimérica impregnada com sal ou metal de prata e apresentam grande espectro antimicrobiano contra bactérias Gram positivas e Gram negativas
17,22-24.
A grande inovaçao destes novos produtos para o tratamento de queimaduras é o simples fato de que a prata é incorporada no curativo ao invés de ser aplicada como um sal separado, composto ou soluçao
20. Ions de prata sao eficientes contra um grande espectro de bactérias, fungos e vírus, incluindo várias bactérias resistentes a antibióticos, como
Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) e
Enterococo resistente à vancomicina (VRE)
18,25. Estudo realizado na Austrália mostrou que os curativos de prata proporcionam o melhor tratamento para prevenir infecçoes e, consequentemente, sao a melhor escolha para reduzir os riscos de sepse e síndrome do choque tóxico
11.
Ao escolher um curativo contendo prata, devem-se levar em consideraçao as características do curativo e a liberaçao de prata pelo curativo
20. O curativo antimicrobiano ideal deve possuir diversos atributos, incluindo prover um ambiente úmido para aumentar a cicatrizaçao e um amplo espectro antimicrobiano, com baixo potencial de resistência. O curativo deve ainda ter baixa toxicidade, açao rápida, nao provocar irritaçao ou sensibilizaçao, nao promover aderências e ser efetivo mesmo na presença de importante exsudato
26,27.
CURATIVOS IMPREGNADOS COM PRATA
Acticoatr (Fabricante: Smith-Nephew) (Figura 1) O Acticoat
r , curativo de prata nanocristalina, foi desenvolvido com a proposta de superar as deficiências dos curativos de prata tradicionais
15,28. Foi introduzido no final da década de 1990 com o objetivo de ser um curativo de prata com barreira antimicrobiana, usado principalmente para o manejo de feridas causadas por queimaduras, úlceras e enxertos de doadores e receptores
15.
Este curativo consiste de duas camadas de rede de polietileno de alta densidade e uma camada de gaze de poliéster entre elas. O topo do curativo é de coloraçao azulada e sua base é de cor prata metálica. A camada externa de prata tem como objetivo oferecer proteçao antimicrobiana, enquanto a parte interna ajuda a manter um ambiente úmido. A forma nao carregada da prata nanocristalina reage muito mais lentamente com o cloreto e, portanto, persiste por mais tempo nas lesoes.
Estudos
in vitro confirmam a liberaçao sustentada da prata, fazendo com que esta dure por alguns dias
14. Estudo realizado na Itália mostrou que apesar dos fabricantes sugerirem que o tempo máximo de aplicaçao do Acticoat
r seja de 3 dias, o curativo continua a liberar prata por mais tempo, mesmo que seja em uma frequência menor. Após 3 dias, a maioria da prata ainda está presente e é eliminada quando o curativo é trocado
17. Diversos estudos comprovam que o curativo promove a cicatrizaçao da ferida, reduzindo a inflamaçao e facilitando a primeira fase de cicatrizaçao
11,29,30.
O efeito antimicrobiano do Acticoat
r , assim como o da sulfadiazina de prata, tem como parte influenciar a cadeia respiratória ao nível do citocromo e interromper o transporte de elétrons através dos íons de prata neles contidos. O Acticoat
r se mostra mais efetivo e com duraçao prolongada quando comparado aos curativos de prata tradicionais. É efetivo contra diversas bactérias, fungos e vírus
28,31.
A prata nanocristalina apresenta diversas vantagens em relaçao a outros curativos de prata. Entre elas, estao o maior
clearance de bactérias, facilidade em sua utilizaçao, melhor cicatrizaçao e liberaçao prolongada da prata, permitindo trocas de curativos menos frequentes, menos dor para o paciente e efeito antimicrobiano mais potente e duradouro
11,15,17,28,30-33. Outra grande vantagem é a diminuiçao da frequência do principal efeito colateral associado ao uso da prata tópica: a descoloraçao azulada da pele. Com o uso deste curativo, o desenvolvimento deste efeito colateral é raro e quando acontece é geralmente transitório
17,34,35. Isto, combinado com níveis baixos de toxicidade fazem do Acticoat
r, apesar de seu alto custo, um possível curativo ideal e seguro para as feridas decorrentes de queimaduras
15,28,31,32.
Esse tipo de curativo tem sido rotineiramente utilizado na Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmao com todas as vantagens descritas acima, entretanto, necessita de um curativo secundário para absorver secreçoes e exsudatos da ferida que, muitas vezes, necessita de trocas frequentes, embora sem necessidade de troca do curativo primário em contato com a ferida.
Mepilex Agr (Fabricante: Mölnlycke Health Care) (Figura2) Outro curativo atualmente utilizado para o tratamento de queimaduras de 2ºgrau é o Mepilex
r. Esse curativo além do íon de prata apresenta uma nova tecnologia, chamada de Safetac, que confere ao curativo uma fina camada de silicone adesiva, nao aderente, que tende a manter o ferimento hidratado, sem lesar os tecidos em regeneraçao. A hidrataçao do ferimento facilita o manuseio do paciente, principalmente nas trocas, além de manter um ambiente úmido, que sabidamente é ideal para o processo de cicatrizaçao
36,37. Além disso, o Mepilex
r tem açao antimicrobiana rápida e duradoura de íons de prata. A combinaçao destas características permite o controle da dor e da infecçao simultaneamente
37.
Uma revisao de evidências clínicas relacionadas à tecnologia Safetac demonstra que ela apresenta diversos benefícios quando incorporada ao curativo Mepilex
r. Esta tecnologia pode ser utilizada para prevenir traumas relacionados ao curativo, minimizar a dor e controlar o exsudato quando utilizado em variados tipos de feridas e lesoes de pele
37. O efeito de vedaçao inibe o movimento do exsudato da ferida para a área ao redor, ajudando a prevenir a maceraçao. O fato do curativo nao aderir ao leito da ferida faz com que a remoçao do curativo seja atraumática e, portanto, evita a dor nas trocas de curativos e também prejuízos no processo de cicatrizaçao. A reduçao da dor pode diminuir a necessidade do uso de analgésicos ou antidepressivos no momento das trocas de curativos
37.
O componente de prata do Mepilex Ag
r demonstra um efeito antimicrobiano em um grande espectro de agentes patogênicos, incluindo cepas resistentes a antibióticos. A rapidez com que o efeito antimicrobiano é atingido e o fato de que este efeito é mantido ajuda a minimizar o risco de resistência bacteriana e permite maior tempo entre as trocas de curativos
37 .
Um estudo realizado no Brasil, na cidade de Sao Paulo, comparou o Mepilex
r com um curativo tradicional de rayon e sugeriu que o Mepilex
r é um curativo benéfico, especialmente na faixa etária pediátrica. Entre as explicaçoes para este fato estao a diminuiçao do desconforto nas trocas, a diminuiçao da dor e a epitelizaçao em um prazo de 7 dias
36. Outros estudos indicam que o Mepilex Ag
r é um curativo seguro e eficaz para ser utilizado em diferentes tipos de ferimentos decorrentes de queimaduras
37 .
Também temos utilizado esse curativo na Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmao em Florianópolis e a experiência inicial tem revelado este tipo de curativo como uma interface delicada e nao traumática ao tecido queimado, além de permitir a absorçao de exsudatos e secreçoes na esponja de poliuretano já incorporada ao curativo que dispensa o uso de curativos secundários ou outros apósitos para absorçao de líquidos.
Aquacel Agr (Fabricante: ConvaTec) (Figura 3) Aquacel
r Ag também é um curativo tópico retentor de umidade, que pode liberar prata por até 14 dias. Tem em sua composiçao hidrofibra com 1,2% de prata que também dispensa o uso de curativos secundários para a absorçao de exsudatos e outras secreçoes. Muitos estudos demonstraram uma importante atividade antimicrobiana deste curativo contra patógenos, incluindo microrganismos aeróbios e anaeróbios, fungos e bactérias resistentes a antibióticos
26,38,39. Curativos de retençao de umidade provam ser eficazes no manejo de queimaduras de espessura parcial, já que promovem um ambiente propício para a cicatrizaçao da ferida, reduzem a perda de água e ajudam a reduzir a dor
38,40. O fechamento da ferida é adquirido rapidamente com o uso de Aquacel Ag
r , reduzindo, assim, nao só o custo de possíveis cirurgias, como também os efeitos adversos de anestesias
38 .
Uma das desvantagens deste curativo é a dificuldade em observar a condiçao da ferida. Porém, o Aquacel Ag
r nao é um curativo completamente oclusivo. Estudo realizado em Taiwan sugere que a aplicaçao de Aquacel Ag
r na ferida limpa em condiçoes estéreis e a frequente observaçao das condiçoes da ferida sao os fatores mais importantes para o declínio das taxas de infecçoes. O mesmo estudo sugere também que o tratamento precoce com curativo de Aquacel Ag
r melhora o prognóstico do paciente e leva a melhores resultados. O curativo apresenta vantagens como disponibilidade, boa aderência, conforto do paciente e facilidade na aplicaçao
38.
Um estudo realizado no Egito comparou a eficácia de um curativo úmido aberto (MEBO) e do Aquacel
r Ag, curativo úmido fechado, em pacientes com queimaduras de espessura parcial. Foi relatado que os pacientes que utilizaram o Aquacel
r Ag tiveram melhor eficácia no controle da infecçao, melhor aderência à ferida, aceleraçao da cicatrizaçao e maior conforto
41 .
Outro estudo nacional realizado no Hospital Sao Camilo / Santa Casa na cidade de Itu, no Estado de Sao Paulo, no ambulatório de curativos de queimados, durante o período de julho 2009 a setembro 2010, comparou o uso de Aquacel
r com sulfadiazina de prata analisando o tempo necessário para a reepitelizaçao (tempo de cura) e a análise de custos dos materiais ao final do tratamento. Os resultados obtidos mostraram que nao há diferenças significativas entre o tempo necessário para que ocorra a reepitelizaçao (cicatrizaçao) quando os dois procedimentos curativos foram utilizados. No entanto, apesar dos procedimentos apresentarem um mesmo resultado final em relaçao ao tempo de resoluçao da queimadura, a análise dos custos finais dos mesmos apresentou uma significativa diferença, mesmo considerando que o custo inicial seja maior com o Aquacel Ag
r13 .
Actisorbr (Fabricante: Systagenix)(Figura 4) O Actisorb
r é uma cobertura antimicrobiana que combina o uso de carvao ativado com prata, constituído por um invólucro de nylon de tecido nao poroso com uma camada de carvao ativado impregnado com prata a uma concentraçao de 33 mg/cm
2. O uso de carvao ativado tem a propriedade de aumentar a capacidade absortiva do curativo secundário e a sua associaçao com íons de prata um efeito bactericida que aprisiona as bactérias e as destrói no curativo e nao por liberaçao no leito da ferida, o que, teoricamente, pode minimizar os efeitos citotóxicos sobre células normais. Esse tipo de curativo apresenta como característica diferencial, além do controle da infecçao pela liberaçao de íons de prata e a absorçao de exsudatos, a combinaçao com carvao ativado que absorve bioprodutos bacterianos como sulfeto de hidrogênio, responsável pelo odor desse tipo de feridas
42,43.
Biatain AG (Fabricante Coloplast) (Figura 5) Os curativos da linha Biatain com prata e com ibuprofeno incorporam, além do agente antimicrobiano incorporado com prata, analgésico com ibuprofeno, que sao liberados de forma contínua, na medida em que o exsudato é absorvido, devido a uma tecnologia de absorçao do curativo secundário que permite a absorçao vertical do exsudato, evitando a saturaçao da espuma. Essas espumas ou almofadas sao compostas por três camadas sobrepostas, sendo uma central de hidropolímero, que se expande delicadamente à medida que absorve o exsudato, e duas outras, formadas por tecido nao aderente, o que evita agressao aos tecidos na remoçao.
Tem a sua principal indicaçao em feridas muito exudativas, pois, além da capacidade absortiva, mantém um ambiente úmido que favorece o processo de cicatrizaçao e nao requer cobertura secundária.
Por ser um curativo novo no mercado, nao dispoe ainda de literatura baseada em evidências sendo a maioria das publicaçoes de apresentaçoes em congressos e relatos de casos, que necessita, portanto, de mais avaliaçoes para incorporaçao na prática clínica diária
43,44.
CONCLUSAO Os curativos que incorporam a prata como modalidade terapêutica nas suas diversas apresentaçoes se constituem na nova geraçao de tratamento de queimaduras de 2º grau, um novo paradigma. Além dos curativos citados nesse artigo, novas marcas e produtos têm chegado ao mercado brasileiro, com incorporaçoes tecnológicas com soluçoes engenhosas e criativas para o tratamento do paciente queimado. Esses curativos, ao manter um efeito bactericida prolongado, permitem que as feridas se mantenham estéreis, úmidas e, principalmente, sem necessidade de trocas frequentes, que, sabidamente, retardam o processo de cicatrizaçao pela remoçao de queratinócitos que migraram a partir da membrana basal da epiderme junto com o curativo. Os componentes assessórios desses curativos, como interfaces delicadas, nao traumáticas e nao aderentes ao leito da ferida e esponjas absorventes de exsudato dispensam o uso de curativos secundários e também incorporam novas tecnologias que tendem a se tornar o padrao para o tratamento dessas feridas, como a sulfadiazina de prata foi durante décadas. Além disso, a popularizaçao do seu uso associado a poucas trocas de curativos durante o processo de cicatrizaçao que se estende por 21 a 28 dias tornam economicamente viáveis estas novas modalidades terapêuticas.
CONFLITO DE INTERESSES Os autores declaram nao ter relaçoes econômicas, patrocínios ou consultorias na elaboraçao desse artigo com as marcas comerciais citadas.
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1. Acadêmica do Curso de Graduaçao em Medicina da Universidade do Sul Catarinense, Florianópolis, SC
2. Médico da Unidade de Pronto Atendimento da Prefeitura Municipal de Biguaçú, SC
3. Cirurgiao Pediatra e Chefe da Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmao, Florianópolis, SC. Professor Associado III do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de Santa Catarina
Correspondência:
Maurício José Lopes Pereima
Rua Rui Barbosa, 152 - Agronômica
Florianópolis - SC -Brasil - CEP: 88025-301
E-mail:
mauriciopereima@hotmail.com Artigo recebido: 30/1/2013
Artigo aceito: 20/4/2013
Trabalho realizado no Hospital Infantil Joana de Gusmao, Florianópolis, SC, Brasil.