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Artigo Original

Queimadura nos pés de pacientes diabéticos

Burns in feet of diabetic patients

Rafael C. Paccanaro1; Ricardo E. de Miranda1; Luiz Fernando Pinheiro2; José Augusto Calil3; Alfredo Gragnani4; Lydia Masako Ferreira5

RESUMO

Objetivo: Avaliar os casos de pacientes diabéticos com queimaduras em pés. Método: Realizada análise retrospectiva dos casos de internaçao por queimadura em pés diabéticos no Hospital do Servidor Público Municipal e Hospital Municipal Carmino Caricchio, entre janeiro de 2003 e dezembro de 2007. Resultados: Foram identificados 8 casos, representando 0,5% das internaçoes na unidade de tratamento de queimados. Todos foram acidentais por escaldo. Seis (75%) pacientes eram do sexo masculino e dois (25%) do sexo feminino. A idade média foi de 65,9 anos e mediana de 68,5 anos. Sete (87,5%) pacientes sofreram sua queimadura durante os meses de inverno e 1 (12,5%) durante a primavera. A superfície corpórea queimada (SCQ) variou de 0,5% a 8%, com média de 3,5% e mediana de 2,25%. O início do período de internaçao ocorreu em média 8,25 dias após do acidente que ocasionou a queimadura. A média de dias de internaçao foi de 21,1 dias e a mediana foi de 12,5 dias, sendo 2 pacientes internados em UTI. Um paciente faleceu. Sete (87,5%) pacientes receberam antibióticos pela via sistêmica. Procedimentos cirúrgicos foram necessários em 7 (87,5%) pacientes. Dois (25%) pacientes foram submetidos a amputaçao. Conclusoes: Queimaduras em pés de pacientes diabéticos determinaram a necessidade de procedimentos cirúrgicos e internaçao prolongada. Podem definir a necessidade de amputaçoes, podendo determinar o óbito, dependendo das condiçoes clínicas do paciente e da gravidade da queimadura. O fundamental é a prevençao desses acidentes.

Palavras-chave: Queimaduras. Pé. Diabetes mellitus.

ABSTRACT

Objective: To evaluate the cases of diabetic patients with burns on feet. Methods: Retrospective analysis of hospitalization for burns in diabetic feet at the Hospital do Servidor Público Municipal and Municipal Hospital Carmino Caricchio, between January 2003 and December 2007. Results: Eight cases were identified, representing 0.5% of admissions at the Unit for treatment of burns. All were for accidental scalding. Six (75%) patients were male and two (25%) females. The average age was 65.9 years and median of 68.5 years. Seven (87.5%) patients had their burn during the winter months and 1 (12.5%) during spring. The body surface area burned (SCQ) ranged from 0.5% to 8%, with an average of 3.5% and a median of 2.25%. The beginning of the period of hospitalization was on average 8.25 days after the accident which caused the burn. The average days of hospitalization was 21.1 days and median 12.5 days, and 2 patients hospitalized in ICU. One patient progressed to death. Seven (87.5%) patients received systemic antibiotics. Surgical procedures were necessary in 7 (87.5%) patients. Two (25%) patients were submitted to amputation. Conclusions: Burns in feet of diabetic patients determined the need for surgical procedures and prolonged hospitalization. May determine the need for amputation, and may determine the death depending on the clinical condition of the patient and the severity of the burn. The key is the prevention of such accidents.

Keywords: Burns. Foot. Diabetes mellitus.

Pacientes diabéticos vítimas de queimaduras apresentam maior índice de queimaduras nos pés em relaçao a nao diabéticos, sendo respectivamente de 68% e 14%1. Esse fato deve-se à neuropatia periférica, uma das principais complicaçoes, que muitos dos diabéticos desenvolvem ao longo da evoluçao de sua doença2. A neuropatia periférica diabética afeta principalmente as fibras sensoriais dos pés. Caracteriza-se por formigamento, dor e dormências que se agravam à noite3. A neuropatia é progressiva e para evitar sua evoluçao é necessário controle rígido da glicemia4. Para o tratamento dos sintomas pode ser utilizado ácido α-lipóico, antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes e técnicas de acupuntura5-8.

O diabetes mellitus atua nao só como fator de risco para queimaduras em extremidades como é fator de gravidade e complicaçoes. Pacientes diabéticos com queimaduras apresentam maior índice de sepse e infecçao da ferida da queimadura1. Feridas em diabéticos apresentam inibiçao da revascularizaçao e baixa expressao de fatores de crescimento em relaçao a queimaduras em nao diabéticos com prejuízo à cicatrizaçao9.

Queimaduras em pés diabéticos ocorrem em sua maioria em ambientes domésticos, especialmente por falta de informaçoes sobre a doença por parte dos pacientes e familiares, quanto ao uso de água ou compressas quentes como meio de tratamento dos sintomas da neuropatia periférica10-12. Devido a essa etiologia, esse tipo de queimadura pode apresentar distribuiçao sazonal, sendo o inverno o período de maior incidência de escaldo em pés diabéticos1.

Conhecer a epidemiologia dos casos de pacientes diabéticos com queimaduras nos pés nos permite criar condiçoes de elaborar medidas preventivas e melhor conduçao desse tipo de queimadura.


MÉTODO

Realizada análise retrospectiva dos casos de internaçao por queimadura em pés diabéticos na Unidade de Tratamento de Queimaduras (UTQ) do Hospital Municipal Carmino Caricchio e no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital do Servidor Público Municipal, durante o período de 5 anos, entre janeiro de 2003 e dezembro de 2007. Os casos foram analisados quanto a idade, gênero, data, tipo de diabetes e tratamento do diabetes, superfície corpórea queimada, uso de antibióticos, dias de internaçao hospitalar e tratamento da queimadura.


RESULTADOS

Foram identificados 8 casos de internaçao por queimaduras em pés diabéticos, representando 0,5% das 1545 internaçoes na Unidade durante o período do estudo. Todos os pacientes sofreram a queimadura acidentalmente e, em todos os casos, o agente etiológico foi o escaldo, ou seja, líquidos superaquecidos. Seis (75%) pacientes eram do sexo masculino e dois (25%) do sexo feminino. A idade dos pacientes variou de 45 anos a 84 anos, sendo a média de 65,9 anos e mediana de 68,5 anos.

Todos os pacientes eram diabéticos do tipo II, sendo que 5 (62,5%) faziam uso de insulina NPH e 3 (37,5%) realizavam tratamento com hipoglicemiantes orais. Sete (87,5%) pacientes sofreram sua queimadura durante os meses de inverno e 1 (12,5%) durante a primavera (Figura 1).


Figura 1 - Distribuiçao dos acidentes com escaldo quanto aos meses do ano.



A superfície corpórea queimada (SCQ) variou de 0,5% a 8%, com média de 3,5% e mediana de 2,25%, todos pacientes apresentando queimadura de 3º grau ou de espessura total. O início do período de internaçao ocorreu após 2 a 20 dias do acidente que ocasionou a queimadura, com média de 8,25 dias e mediana de 5 dias. Apenas 1 (12,5%) paciente teve sua internaçao na fase aguda da queimadura, ou seja, logo após o acidente, e sendo este também o único óbito do grupo (Figura 2). O paciente que faleceu apresentava 8% da SCQ em pés e múltiplas comorbidades associadas, evoluindo com descompensaçao diabética de difícil resoluçao, instalaçao e agravamento de insuficiência renal, infecçao pulmonar, choque séptico e óbito. A média de dias de internaçao foi de 21,1 dias e a mediana foi de 12,5 dias, sendo que 2 (25%) pacientes necessitaram de internaçao em unidade de tratamento intensivo (Figura 3).


Figura 2 - Distribuiçao dos pacientes quanto à evoluçao.


Figura 3 - Distribuiçao dos pacientes quanto ao local de internaçao.



Sete (87,5%) pacientes receberam antibióticos pela via sistêmica para controle de infecçao durante a internaçao. O tempo de utilizaçao dos antibióticos variou de 10 a 56 dias (Tabela 1). Procedimentos operatórios foram necessários em 7 (87,5%) doentes e todos foram realizados entre o sexto e o décimo terceiro dia após a internaçao, além do tratamento clínico e controle dos níveis glicêmicos (Figura 4). O único paciente que nao foi submetido a nenhum procedimento cirúrgico apresentava queimadura em coto de amputaçao prévia de antepé, calcâneo e planta do pé esquerdo, nao envolvendo, portanto, nenhum dedo ou pele do dorso do pé como nos demais casos. Este paciente foi tratado com curativos realizados ambulatorialmente, evoluindo com úlcera crônica nao cicatrizada até 18 meses após a alta. Seis (86%) pacientes foram submetidos a desbridamento cirúrgico e enxertia, sendo que destes, 2 (33%) foram enxertados no mesmo ato cirúrgico do desbridamento e 4 (66%) num segundo tempo. Dois (25%) pacientes foram submetidos a amputaçao, sendo um após desbridamento e enxertia de pele com insucesso e um como procedimento primário (Figura 5).




Figura 4 - Distribuiçao dos pacientes quanto à realizaçao de procedimentos operatórios.


Figura 5 - Pré-operatório (A e B) e pós-operatório (C e D) de paciente com escaldo no pé esquerdo. A: Visao anterior dos dedos e antepé; B: Visao posterior dos dedos e antepé; C: Visao anterior com amputaçao de falanges distais do 4º e 3º dedos do pé esquerdo; D: Visao posterior.



DISCUSSAO

A queimadura em pés de diabético representa uma pequena parcela do número de internaçoes envolvendo em sua maioria a populaçao geriátrica; como relatado na literatura acomete em sua grande maioria a populaçao masculina13, no entanto, nao foi encontrada nenhuma justificativa para essa predominância de gênero. A despeito do pequeno segmento corpóreo acometido, em média de 3,5% da SCQ, tratamento cirúrgico e internaçao prolongada podem ser necessários.

Como descrito na literatura, a queda da temperatura observada nos meses de inverno - nao tao rigoroso em nosso país - pode ter tido influência no aumento do número de casos, provavelmente por um aumento dos sintomas da neuropatia periférica, como a dor e o formigamento e sua necessidade por aliviá-los com imersoes e compressas aquecidas, esquecendo-se de que a mesma neuropatia determina a diminuiçao da sensibilidade táctil, dolorosa e térmica da regiao distal dos membros, especialmente os pés.

O que se observa é que a queimadura da fase aguda nao representa o dano real ao tecido, que tem tendência a se aprofundar e evoluir com necrose durante sua delimitaçao, daí a internaçao tardia, com média de 8,25 dias, em 7 dos 8 casos.

A internaçao em leitos de UTI se fez necessária em 2 pacientes que apresentavam SCQ de apenas 7% e 8%, porém comorbidades importantes associadas ao diabetes mellitus, como insuficiência renal e cardíaca, foram determinantes para possibilitar cuidados e controles rigorosos que a situaçao clínica indicava.

Os pés, como mencionado anteriormente, sao a principal regiao anatômica acometida por queimaduras em pacientes diabéticos (68%), em decorrência da associaçao com a neuropatia periférica e com a cultura de realizar escalda-pés como método de limpeza e tratamento de vários sintomas, como lesoes entre os dedos, formigamentos e dores localizadas. Em sua grande maioria sao provocados por desinformaçao em relaçao aos cuidados que a neuropatia periférica exige e em ambientes domésticos.

Esse artigo tem como objetivo maior a recomendaçao a todos os profissionais que têm contato direto ou indireto com esse tipo de paciente e que todos ressaltem e repitam com frequência para os pacientes, seus familiares ou seus cuidadores a importância de testar sempre a temperatura da água no antebraço de pessoa sem presença de doenças que alterem a sensibilidade da pele.


CONCLUSAO

Queimaduras em pés de pacientes diabéticos determinaram a necessidade de procedimentos cirúrgicos e internaçao prolongada. Podem definir sequelas, havendo em alguns casos a necessidade de amputaçoes, podendo determinar o óbito dependendo das condiçoes clínicas do paciente e da gravidade da queimadura. O fundamental é a prevençao desses acidentes, com orientaçao médica adequada e campanhas principalmente nos meses de inverno.


AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem em especial aos pacientes e seus responsáveis que permitiram a realizaçao desse levantamento, aos responsáveis técnicos da unidade de tratamento de queimaduras do Hospital Municipal do Tatuapé, Dra. Maria de Lourdes Gonçalves e Dr. Vitor Buaride, por permitirem esse levantamento durante o estágio dos residentes do Serviço de Cirurgia Plástica do HSPM, e também a todos os funcionários da UTQ.


REFERENCIAS

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3. Goldman L, Bennett JC. Cecil Tratado de Medicina Interna. 21ª ed. vol. 2. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan;2001. p.1428.

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9. Lin C, Qiao L, Zhang P, Chen GX, Xu JJ, Yang N, et al. Comparison of the burn wound and diabetic ulcer wound. Zhonghua Shao Shang Za Zhi. 2007;23(5):339-41.

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1. Residente de Cirurgia Plástica do Hospital do Servidor Público Municipal de Sao Paulo.
2. Médico Assistente da Unidade de Tratamento de Queimaduras do Hospital Municipal do Tatuapé.
3. Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital do Servidor Público Municipal de Sao Paulo.
4. Professor Afiliado da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de Sao Paulo.
5. Professora Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de Sao Paulo.

Correspondência:
Alfredo Gragnani
Rua Napoleao de Barros, 715 - 4º andar - Vila Clementino
Sao Paulo, SP, Brasil - CEP 04024-002
E-mail: alfredogf@ig.com.br

Recebido em: 19/1/2009
Aceito em: 27/2/2009

Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Municipal de Sao Paulo, Hospital Municipal do Tatuapé e Universidade Federal Sao Paulo, Sao Paulo, SP.

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