823
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Prevenção de queimaduras: avaliação do conhecimento sobre prevenção de queimaduras em usuários das unidades de saúde de Curitiba

Prevention of burns: evaluation of knowledge about prevention of burns in users of Curitiba health facilities

Milka L. Takejima1; Robson F. B. Netto1; Bruna L. Toebe2; Marianne A. Andretta2; Manoel A. Prestes3; José L. Takaki4

RESUMO

Introduçao: As queimaduras sao importantes causas de limitaçoes e sequelas, constituindo um grande problema de saúde pública no Brasil. Mesmo com o advento de novas técnicas de reparo, a abordagem que produz melhores resultados e que possui a melhor relaçao custo-benefício ainda é a prevençao. Objetivo: O presente estudo visa avaliar os conhecimentos relativos à prevençao de queimaduras da populaçao que aguarda consulta nos Centros Municipais de Urgências Médicas de Curitiba. Método: Estudo prospectivo realizado por meio de entrevista, com questionário sobre prevençao de queimaduras. As informaçoes foram coletadas entre pacientes durante o período de março a junho de 2010. Resultados: Foram entrevistadas 776 pessoas que aguardavam atendimento médico por outro motivo que nao a queimadura. A maioria era do sexo feminino, sendo que 84,57% tinham entre 20 e 59 anos. Cerca de 39,30% já haviam tido episódio de queimadura e 45,87% ficaram com algum tipo de sequela. As crianças frequentavam a cozinha no horário de preparo dos alimentos em 34,66% das casas, sendo que apenas 16,36% dos entrevistados afirmaram possuir algum tipo de material de prevençao domiciliar contra queimaduras. Somente 26,67% dos entrevistados demonstraram saber o que fazer no caso de uma queimadura, 31,44% dos pacientes receberam alguma informaçao decorrente de campanhas públicas e apenas 2,44% obtiveram algum dado sobre queimadura enquanto aguardava atendimento na Unidade de Saúde. Conclusao: Apesar da eficácia das açoes preventivas ser conhecida, os pacientes nao recebem informaçoes sobre queimaduras nem mesmo nas unidades de saúde, como os Centros Municipais de Urgências Médicas de Curitiba.

Palavras-chave: Queimaduras. Queimaduras/prevenção & controle. Prevenção de acidentes.

ABSTRACT

Introduction: Burn injuries are an important cause of limitations, sequels and a public health problem in Brazil. Although there is an increase in both burn repairing techniques, prevention still deliver the best results and holds the best cost-benefit. Objective: This study aims to assess the knowledge regarding burn injuries prevention of the patients waiting treatment at the County Medical Emergency Centers in Curitiba. Methods: as conducted a prospective study by interviewing questionnaire on prevention of burns. Information was collected from patients during the period from March to June 2010. Results: It was interviewed 776 people waiting for medical reason other than the burn. Most were female and age range was between 20 and 59 in 84.57%. About 39.30% had an episode of burning and 45.87% got some kind of sequel. The children attend the kitchen during the food preparation in 34.66% of the houses and only 16.36% reported having some type of material to prevent burns. Around 26.67% got information about what to do in case of a burn, 31.44% of patients received some information from the public campaigns and only 2.44% had any information about burn while waiting for medical care. Conclusion: Despite health effectiveness of preventive actions to be known, patients received no information about burns even in health facilities as the Emergency medical center in Curitiba.

Keywords: Burns. Burns/prevention & control. Accident prevention.

As queimaduras constituem um grave problema na saúde pública brasileira. Além do grande número de mortes que causa todos os anos no Brasil e das sequelas físicas e psicológicas que deixa em suas vítimas, a queimadura é altamente onerosa para a saúde pública.

Segundo a Organizaçao Mundial da Saúde (OMS), as queimaduras sao responsáveis por aproximadamente 300.000 mortes por ano em todo mundo. Nos Estados Unidos, o custo do tratamento hospitalar na unidade de queimados varia entre 3000 a 5000 dólares por dia, sendo esse valor corresponde a aproximadamente 23% do custo total do tratamento1.

No Brasil, estima-se que ocorram por volta de 1.000.000 de acidentes com queimaduras por ano2, sendo que a maioria (79%) acontece dentro do ambiente domiciliar3. Em Curitiba, o Hospital Universitário Evangélico (HUEC) realizou 4341 atendimentos a queimados no ano de 2007. Destes, 598 pacientes foram internados pelo Sistema Unico de Saúde (SUS) devido à gravidade das queimaduras, sem contar as outras inúmeras hospitalizaçoes posteriores, para reparo das sequelas.

As queimaduras causam vários problemas sociais e financeiros relativos ao trabalho (afastamento, aposentadorias, reabilitaçoes). Afetam também psicologicamente os pacientes e seus familiares, nao só pelas inúmeras deformidades físicas, mas também pelo longo tempo de internamento que muitas vezes requer.

A prevençao é a arma mais importante para diminuir o número de acidentes e mortes relacionados às queimaduras. A divulgaçao de medidas preventivas e orientaçao da populaçao por meio de campanhas educacionais é fundamental e de responsabilidade das equipes de saúde e do poder público.

No Brasil, até o ano de 2001 nao se fazia uma campanha de prevençao de modo bem estruturado de âmbito estadual e tao pouco federal4. Em 1999, foi criado o Dia Nacional do Queimado, 6 de junho, devido a sua proximidade com as festas juninas, quando há aumento no número de acidentes. Segundo Kirschbaum, todo acidente pode ser evitado5. Acreditamos que a implantaçao de programas educativos poderia reduzir a incidência de queimaduras. Dessa forma, os resultados deste estudo podem alertar as autoridades de saúde pública quanto à implantaçao de açoes de prevençao de queimaduras. Os pacientes e seus familiares podem participar do planejamento de estratégias de mudanças, cobrando açoes por parte das equipes de saúde e governamentais; além de difundir as orientaçoes de queimaduras aprendidas para seus familiares e na comunidade.


MÉTODO

Realizou-se um estudo prospectivo por meio de entrevista a pacientes que aguardavam consulta médica por outras queixas clínicas que nao queimaduras nos Centros Municipais de Urgências Médicas (CMUM) de vários bairros de Curitiba, no período de março a junho de 2010. Foi confeccionado um questionário (Figura 1) avaliando o grau de conhecimento dos entrevistados em relaçao à prevençao de queimaduras, além de outras questoes a respeito dos ocupantes da casa e sobre a presença de agentes causais dentro do domicílio. Foi avaliado também se os pacientes já haviam obtido algum tipo informaçao dentro dos CMUM de Curitiba sobre prevençao de queimaduras (Figura 2).


Figura 1 - Questionário realizado nos pacientes do CMUM.


Figura 2 - Instalaçoes do CMUM com televisores e sem cartazes educativos.



RESULTADOS

Foram entrevistadas 776 pessoas que aguardavam consulta. A grande maioria era do sexo feminino (70,87%). Cerca de 80% tinham entre 20 e 59 anos e quase 93% moravam com mais de duas pessoas na residência. Mais da metade (55,79%) possuía crianças até 12 anos no domicílio e 16,49% moravam com pessoas com mais de 60 anos (Figura 3).


Figura 3 - Perfil dos pacientes entrevistados no CMUM.



Em relaçao a agentes causais comuns de queimaduras, 52% dos entrevistados afirmaram usar álcool como produto para limpeza e 48,45% o utilizavam como combustível para iniciar fogueira.

No ambiente domiciliar, 34,66% dos entrevistados relataram que as crianças frequentam a cozinha no horário de preparo dos alimentos. Somente 16,36% possuíam algum tipo de material de prevençao domiciliar, como protetores de tomada.

Quase 40% dos entrevistados já haviam tido um episódio de queimadura, sendo que destes, 45,87% afirmaram ter permanecido com algum tipo de sequela. Cerca de 34,66% apresentavam histórico de algum tipo de acidente durante o trabalho.

Apenas 26,67% demonstraram saber o que fazer no caso de uma queimadura. Em relaçao à prevençao, somente 31,44% dos pacientes afirmaram ter tido alguma informaçao decorrente de campanhas públicas e apenas 2,44% obtiveram foram informados enquanto aguardavam atendimento nos Centros Municipais de Urgências Médicas (CMUM) (Figura 4).


Figura 4 - Perfil dos pacientes entrevistados no CMUM.



DISCUSSAO

As campanhas de prevençao para inúmeras doenças sao a melhor forma de combatê-las e diminuir suas vítimas. Do mesmo modo, a reduçao das mortes e internamentos causados pelas queimaduras depende de uma populaçao mais informada a respeito de como evitar situaçoes que possam levar a este problema.

Dos 776 entrevistados, 52% admitiram usar álcool ou outro líquido combustível para limpeza ou iniciar fogueira. Isto se deve em grande parte pela questao cultural, principalmente nos países subdesenvolvidos. Estudos demonstram que o grande responsável pelas queimaduras ocasionadas por inflamáveis é mesmo o álcool6,7. De acordo com Smith8, o álcool contribuiu para 40% das mortes por fogo nas residências.

Segundo Silva et al.9, os idosos correspondem a 10% dos casos de queimaduras, sendo que crianças e idosos sao os grupos que apresentam maior mortalidade, porém os idosos sao os que apresentam a mais alta taxa de mortalidade relativa. Mais da metade dos pacientes que participaram da pesquisa tinha em casa uma pessoa de até 12 anos ou acima de 60 anos, sendo a primeira e a última faixas etárias as que apresentam a mais alta taxa de mortalidade10.

No caso das crianças, quase 35% dos entrevistados relataram que permitem a presença dos menores durante a preparaçao das refeiçoes, demonstrando que a maioria dos acidentes acontece na presença de adultos11, conforme dados da literatura mundial. Estudos demonstram que as queimaduras domiciliares pediátricas constituem uma das principais causas evitáveis de queimaduras12. Tarnowski e Brown13 referem que as queimaduras estao entre as lesoes da infância mais dolorosas, contribuindo para maior quantidade de dias de hospitalizaçao do que qualquer outro tipo de lesao.

Para a prevençao das queimaduras em crianças, Mukerji et al.14 recomendam: crianças nao devem ter acesso a eletrodomésticos, fósforo e isqueiro; nao devem entrar na cozinha e, se houver necessidade, precisam ser continuamente supervisionadas; adultos nao devem lidar com líquidos quentes e, ao mesmo tempo, cuidar de lactentes. No banheiro, a água quente, no balde ou na banheira, representa risco para a criança, a qual nunca pode ficar desacompanhada. Deve-se conferir a temperatura da água antes do banho. Durante as refeiçoes, os alimentos devem ser colocados no centro e nao se devem usar toalhas. As crianças nao devem ter acesso a fios, linhas elétricas, tomadas e interruptores. Devem-se colocar protetores nas tomadas. Estas recomendaçoes demonstram que mudanças simples no cotidiano das crianças e também dos adultos podem evitar graves acidentes.

Além dos traumas físicos, as queimaduras causam problemas psicológicos muitas vezes irreversíveis. Segundo Medeiros et al.15, ferimentos por queimaduras sao considerados um acontecimento traumático suficientemente grave para ser classificado como um evento estressor na etiologia do Transtorno de Estresse Pós- Traumático (TEPT).

Um dos dados mais alarmantes deste estudo foi demonstrar que apenas 3% dos entrevistados obtiveram algum tipo de informaçao sobre queimaduras nas unidades do CMUM ou seja, mesmo estando em contato com um serviço de saúde a populaçao nao tem acesso a campanhas educativas. Estudos apontam que, no Brasil, a maioria dos acidentes por queimaduras poderia ser prevenida, mas que programas de prevençao desse tipo de acidente sao escassos16.

Rossi et al.16 observaram que, tanto no ambiente doméstico quanto no trabalho, a falta de atençao e a realizaçao de atividades de risco sao situaçoes que contribuíram para a ocorrência de grande parte dos acidentes. No domicílio, outros fatores que contribuem para a ocorrência de queimaduras sao o desconhecimento quanto às situaçoes de riscos para acidentes e a negligência17. Os resultados do nosso estudo demonstram a necessidade da implementaçao de programas educativos, visando à prevençao de queimaduras, principalmente no domicilio, onde ocorre a maior parte dos acidentes. Já em relaçao ao ambiente de trabalho, é necessário o cumprimento dos direitos trabalhistas, proporcionando ambiente livre de riscos aos trabalhadores, equipamentos de proteçao individuais e cursos de especializaçao profissionais.

Quanto à veiculaçao de açoes educativas para promoçao da saúde, a televisao tem sido considerada o melhor meio de transmitir informaçoes aos familiares e pacientes18. Durante as entrevistas, observamos as estruturas das unidades dos CMUM e percebemos que estas possuem meios de divulgar informaçoes através de seus televisores (Figura 2) e folders ou durante as consultas médicas e de enfermagem.


CONCLUSAO

As campanhas educacionais sao de extrema importância para diminuir o número de mortes e acidentes relacionados a queimaduras. Apesar do grande ônus que este problema traz todos os anos à Saúde Pública, há pouco investimento do governo em campanhas visando à prevençao deste tipo de acidente. A implantaçao de programas de promoçao a saúde, muitas vezes, é realizada de forma simples, com orientaçoes aos pais e cuidadores, mas que tem grande poder de modificar o número de acidentes relacionados às queimaduras. Os CMUMs de Curitiba possuem estrutura para passar mais informaçoes a seus pacientes enquanto aguardam atendimento, seja durante as consultas ou através de recursos visuais (televisores ou cartazes), mas isto nao está sendo realizado.


REFERENCIAS

1. World Health Organization. Facts about injuries: burn. Disponível em: www.who.int/mipfiles/2014/burns1.pdf. Acesso em 30/08/2010

2. Serra MCVF, Crisóstomo MR, Bastos P. Burns in children and adolescents: analysis of 1.302 cases. 11st Quadrennial Congress of the International Society for Burn Injuries. Seattle, Aug. 2002.

3. Gomes DR, Cunha L, Vogel I. Análise de 2.450 queimados. Boletim Científico da Sociedade Brasileira de Queimaduras. Rio de Janeiro: 2000;1(4):7.

4. Araújo AS. Campanha de prevençao de queimados. In: Maciel E, Serra MC, eds. Tratado de queimaduras. Sao Paulo:Atheneu;2006. p.407-20.

5. Kirschbaum SM. Prevenión de las quemaduras. In: Quemaduras y cirurgía plástica de sus secuelas. Barcelona:Salvat;1979. p.326-9.

6. Pereima MJL, Mignoni ISP, Bernz LM, Schweitzer CM, Souza JA, Araujo EJ, et al. Análise da incidência e da gravidade de queimaduras por álcool em crianças no período de 2001 a 2006: impacto da Resoluçao 46. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(2):51-9.

7. Conde CMY, Barral CM, Gonçalves CM, Respeita EMZ, Cúgola EA, Daroda LSL, et al. Epidemiologia das queimaduras no Hospital Universitário - UFJF no período entre jan/1994 e jul/2004. Rev Med Minas Gerais. 2006;16(2):79-83.

8. Fire deaths and injuries: fact sheet. Disponível em: http://www.cdc.gov/ncipc/factsheets/fire.htm. Acesso: 27/06/2008.

9. Silva GPF, Olegario NB, Pinheiro AMRS, Bastos VPD. Estudo epidemiológico dos pacientes idosos queimados no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Instituto Doutor José Frota do município de Fortaleza-CE, no período de 2004 a 2008. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(1):7-10.

10. Araújo SA. Infecçao no paciente queimado. In: Lima Jr EM, Serra MCVF, eds. Tratado de queimaduras. Sao Paulo:Atheneu;2004. p.149-58.

11. Serra MCVF. A criança queimada. In: Gomes DR, Serra MCVF, Pellon MA, eds. Queimaduras. 1ª ed. Rio de Janeiro:Revinter;1995. p.63-74.

12. Mariani U. Queimaduras. In: Marcondes E, ed. Pediatria básica. 8ª ed. Sao Paulo:Sarvier;1991. p.866-70.

13. Tarnowski KJ, Brown RT. Pediatric burns. In: Roberts MC, eds. Handbook of pediatric psychology. 2nd ed. New York:Guilford Press;1995. p.446-62.

14. Mukerji G, Chamania S, Patidar GP, Gupta S. Epidemiology of pediatric burns in Indore, India. Burns. 2001;27(1):33-8.

15. Medeiros LG, Kristensen CHA, Rosa MM. Estresse pós-traumático em pacientes vítimas de queimaduras: uma revisao da literatura. Aletheia. 2009,29:177-89.

16. Rossi LA, Ferreira E, Costa ECFB, Bergamasco EC, Camargo C. Prevençao de queimaduras: percepçao de pacientes e de seus familiares. Rev Latino-Am Enfermagem. 2003,11(1):36-42

17. Duggan D, Quine S. Burn injuries and characteristics of burn patients in New South Wales, Australia. Burns. 1995;21(2):83-9.

18. Rossi LA, Braga EC, Barruffini RC, Carvalho EC. Childhood burn injuries: circumstances of occurrences and their prevention in Ribeirao Preto, Brazil. Burns. 1998;24(5):416-9.










1. Médico especializando em Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil.
2. Acadêmica de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
3. Preceptor do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil.
4. Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil.

Correspondência:
Milka Lie Takejima
Rua Martin Afonso, 1181, apto 702 - Mercês
Curitiba, PR, Brasil - CEP: 80430-100
E-mail: mtakejima@yahoo.com.br

Artigo recebido: 28/4/2011
Artigo aceito: 15/8/2011

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil.

© 2024 Todos os Direitos Reservados