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Artigo de Revisao

Infecções em queimaduras: revisão

Infections in burns: a review

Felipe Ladeira de Oliveira1; Maria Cristina do Valle Freitas Serra2

RESUMO

Foi realizada revisao sobre infecçoes das feridas de pacientes queimados. Constatou-se grande gama de informaçoes acerca do tema, possibilitando explorar as diversas patologias e suas principais manifestaçoes, demonstrando a importância inicial exercida pela tríade: lesao tecidual, moléculas expostas na superfície da lesao e posterior colonizaçao por microrganismos, dos quais os mais frequentes sao: S. aureus, P. aeruginosa, A. baumannii, Cândida sp e os Zigomicetos. Apesar do crescente progresso da pesquisa no que diz respeito ao tratamento de pacientes queimados, as infecçoes ainda permanecem como um obstáculo a ser superado completamente e representam uma das principais causas de óbito do queimado.

Palavras-chave: Queimaduras. Infecção. Microbiologia.

ABSTRACT

Review article of the major skin infections in burn patients. There was a wide range of information on the subject allowing explore various pathologies and its main characteristics, demonstrating the importance exercised by the triad: tissue destroyed by burns, molecules exposed on the surface of the lesion and subsequent colonization by microorganisms, which the most common are: S. aureus, P. aeruginosa, A. baumannii, Candida sp and Zygomycetes. Conclusion: Despite the growing research and modernization process with regard to treatment of burn patients, infections still remain as an obstacle to be overcome completely and represent one of the leading causes of death in burned patients.

Keywords: Burns. Infection. Microbiology.

Nos últimos 50 anos, as taxas de mortalidade envolvendo grandes queimados reduziram dramaticamente devido à expansao do conhecimento que envolve a fisiopatologia da injúria térmica e suas consequências sistêmicas, avanços na tecnologia médica e melhoria nas técnicas cirúrgicas1-3. Apesar destes fatos a favor do tratamento de grandes queimados, estes ainda sao muito suscetíveis ao desenvolvimento de infecçoes secundárias, visto que em pacientes com mais de 40% da área corporal queimada 75% das mortes estao correlacionadas com infecçao das feridas em grandes queimados ou outras complicaçoes infecciosas4,5.

Estudos feitos na Europa e no Brasil corroboram o alto risco de infecçao que os grandes queimados estao expostos: em um estudo realizado na Turquia, a taxa de complicaçoes infecciosas em queimados foi de 28,6% ou 14,9 infecçoes por 1000 pacientes-dias6, enquanto que a taxa de letalidade em pacientes que têm complicaçoes infecciosas é de 27,8%6. No Brasil, Santucci et al.7 relataram que 175 (55%) de um total de 320 pacientes internados na Unidade de Queimaduras do Hospital das Clínicas da Universidade de Sao Paulo desenvolveram infecçao. Os principais sítios de infecçao foram: a corrente sanguínea, em 49% dos pacientes internados, a ferida resultante da queimadura em 21% e o pulmao em 14%.

A destruiçao da pele representa a perda da primeira barreira frente à agressao de microrganismos externos e existência de necrose, por sua vez tal evento destrutivo fornece um ambiente adequado para o crescimento microbiano e posterior invasao. Ainda é válido destacar outros fatores favorecedores de complicaçoes infecciosas em tais pacientes: disfunçao importante do sistema imune, possibilidade de translocaçao gastrointestinal, prolongada hospitalizaçao, procedimentos diagnósticos e terapêutica invasiva8,9. Desta forma, os tecidos encontram-se desvitalizados, o suprimento de oxigênio está reduzido e existem no meio proteínas degradadas. Além disso, a obstruçao vascular por lesao térmica dos vasos dificulta a chegada de antibióticos e de componentes celulares do sistema imune à área queimada10.

Esta revisao possui enfoque no ponto de vista microbiológico e dermatológico, ao abordar os principais agentes responsáveis pelas infecçoes das feridas cutâneas em grandes queimados.

Suscetibilidade individual e indicadores de infecçao

Analisando os dois extremos de faixas etárias, ou seja, crianças muito jovens e idosos, ambos possuem risco maior de desfechos clínicos negativos se comparados às demais faixas etárias11,12. Adultos obesos e aqueles que possuem outras comorbidades, como, por exemplo, diabetes, detêm maiores taxas de morbidade e mortalidade13. Pacientes infectados pelo HIV parecem adquirir maiores complicaçoes, devido às infecçoes e ao retardo no mecanismo de cicatrizaçao das feridas cutâneas14,15.

Sinais clínicos sugestivos de infecçao da ferida em grandes queimados que constituem um estágio fundamental no diagnóstico inicial merecem ser citados, pois necessitam de atençao especial: progressao de necrose parcial para necrose total acompanhada por mudança na coloraçao da ferida, coloraçao esverdeada do tecido subcutâneo, coloraçao violácea e edema nas bordas da ferida e escara hemorrágica ou escara de separaçao rápida16.

Fontes de microrganismos e consideraçoes gerais sobre os patógenos

As fontes de microganismos podem ser: endógenas (flora normal do paciente) ou exógena (proveniente do ambiente ou do próprio cuidado médico individual). Organismos associados a infecçoes em pacientes queimados incluem gram-positivos, gram-negativos e, até mesmo, fungos. Apesar do consenso quanto aos tipos de patógenos, ainda existe certo conflito na literatura sobre o tipo de bactéria que predomina na primeira semana de internaçao. O predomínio de bactérias Gram-negativas (55,7%) na primeira semana de internaçao em relaçao às bactérias Gram-positivas (40,3%) foi observado por Nasser et al.17. Depois da primeira semana, essa predominância de Gram-negativas (72,7%) se torna mais evidente em relaçao às bactérias Gram-positivas (22,7%). Um estudo brasileiro, no entanto, encontrou predomínio de S. aureus na primeira semana de internaçao, e de P. aeruginosa a partir da terceira semana18.

Caso o fechamento da ferida seja demorado e o paciente seja colonizado e haja necessidade de tratamento com antibióticos de largo espectro, tais organismos iniciais podem ser substituídos por fungos e bactérias com maior resistência, dentre os quais se destacam e merecem atençao especial: methicillin-resistant Staphylococcus aureus (MRSA), e gram-negativos, como a Pseudomonas aeruginosa. Gram-negativos sao responsáveis por causar infecçoes graves em pacientes queimados e estao associados com aumento em 50% nas taxas de mortalidade previstas para pacientes com bacteremia se comparados àqueles sem bacteremia19.

Microrganismos fúngicos, especialmente espécies de Cândida, e outros como Aspergillus e Mucor estao associados a graves infecçoes em pacientes queimados20. Infecçoes virais, como herpes simples e herpes zoster, raramente complicam feridas de queimados21.

S. aureus e MRSA

Sao cocos gram positivos produtores de catalase, importante fator de virulência, pois degrada H2O2 em O2 e H2O, sendo que o H2O2 é microbicida e sua degradaçao limita a habilidade dos neutrófilos para eliminar. Libera também produtos danosos que destroem a matriz extracelular, cuja integridade é essencial para cicatrizaçao da ferida em queimados.

Historicamente, o Estreptococo Beta Hemolítico do grupo A foi a causa mais frequente de infecçao de feridas cutânea em grandes queimados e também de infecçoes sistêmicas22. O uso de penicilina alterou o espectro dos patógenos gram positivos, fazendo com que o S. aureus se tornasse o gram positivo mais comum na colonizaçao inicial da ferida em queimaduras extensas10,18.

Em queimaduras extensas, o S. aureus tem sido a maior causa de morbidade e morte23. A ruptura da barreira normal da pele e o estado de imunocomprometimento fazem queimaduras extensas um alvo fácil de colonizaçao. Em adiçao a este fato, hospitalizaçao e antibioticoterapia prolongadas sao fatores de risco para o desenvolvimento de colonizaçao e infecçao por MRSA23. O S. aureus penetra na pele e invade o subcutâneo adjacente nao atingido diretamente pela queimadura, formando abscessos com espessamento das paredes que obstruem as defesas do hospedeiro e prejudicam a terapia antibiótica, levando a uma possível disseminaçao hematogênica da infecçao10.

Importante lembrar que uma das fontes seria o próprio paciente carreador de S. aureus prévio à queimadura, já que faz parte da flora transitória de até um terço da populaçao geral, tendo como principais sítios reservatórios: vestíbulo nasal (35%) e a regiao perineal (20%) e, menos frequentemente, a regiao umbilical, axilar e interpododáctila24.

A secreçao da toxina 1 da síndrome do choque tóxico causa a síndrome do choque tóxico, doença aguda e multisistêmica que pode surgir como complicaçao qualquer infecçao estafilocócica (pele, faringe, vagina). Inicialmente: quadro clínico branco que se confunde com virose. Pródromos acompanhados de inicial envolvimento dermatológico. Duas semanas depois há nova erupçao cutânea maculopapulo eritematosa e pruriginosa que resolve com descamaçao característica, especialmente das palmas e plantas. Pode haver choque circulatório grave, com mortalidade em torno de 7%, sendo comuns vômitos, diarreia, comprometimento muscular, hepático, renal, do sistema nervoso central, insuficiência respiratória, púrpura trombocitopênica25. O diagnóstico é clínico e o tratamento realizado com antibióticos e suporte hidroeletrolítico. Outras manifestaçoes cutâneas muito freqüentes sao os abscessos, acompanhados ou nao de celulite.

Terapia antibiótica para o S. aureus tem sido um desafio devido ao aparecimento da resistência aos medicamentos. Normalmente a combinaçao da vancomicina com outros antibióticos ou o seu uso em monoterapia tem sido o tratamento de escolha para infecçao pelo MRSA. Porém, no momento, nenhuma classe de antibiótico é uniformemente efetiva contra o S. aureus26.

Gram-negativos relevantes

Os microrganismos gram-negativos também continuam sendo uma causa importante de infecçoes graves em grandes queimados. Em um estudo recente feito em unidades de atendimento a queimados nos Estados Unidos27, 44% das unidades identificaram a P. aeruginosa como sendo o Gram-negativo mais prevalente, seguido pelo Acinetobacter baumanniie e Enterococcus spp. A P. aeruginosa possui predileçao por ambientes quentes e úmidos criados em uma ferida, sendo mais um patógeno que representa um desafio importante no tratamento de pacientes queimados28.

Feridas infectadas por P. aeruginosa, inicialmente, sao localizadas e superficiais, com secreçao purulenta esverdeada e odor doce e pode se espalhar para tecidos profundos rapidamente e causar sepse, resultante em taxas substanciais de mortalidade29. De forma geral, devemos suspeitar de superinfecçao por P. aeruginosa quando há uma descoloraçao violácea, marrom escura ou enegrecida da escara, acompanhada por sua rápida separaçao e necrose hemorrágica no tecido subjacente29.

Uma séria complicaçao da infecçao invasiva por P. aeruginosa é a ectima gangrenosa, que clinicamente se inicia com uma mácula, pápula ou placa inflamatória de cor avermelhada, edematosa e dolorosa, que em cerca 24-48 horas se transforma em bolha hemorrágica, vesícula ou pústula ou nódulo de borda inflamatória estreita. Após o rompimento das bolhas, resta uma úlcera necrótica recoberta por uma crosta escura cercada por uma zona de coloraçao clara e um anel externo de cor púrpura e elevado, muito infiltrado ao toque30. A localizaçao preferencial da ectima gangrenosa é na regiao perianal e axilar, mas pode ocorrer em qualquer localizaçao30.

Responsável por 11 a 13% dos casos, o Acinetobacter baumannii possui uma grande importância nos últimos anos, devido à sua grande capacidade em adquirir mecanismos de resistência às diferentes classes de antibióticos e à sua grande aptidao em sobreviver e se adaptar a condiçoes adversas. Em pacientes com infecçao da ferida por A. baumanni, 46% desenvolvem infecçao da corrente sanguínea e destes, 38% acabam indo a óbito31.

Infecçoes fúngicas

Entre 1979 e 2000, a taxa de sepse atribuída aos fungos em unidades de terapia de queimados triplicou32. Por sua vez, a Candida spp. é a causa mais comum de sepse fúngica33. Infecçoes fúngicas oportunistas ocorrem em tais pacientes devido á situaçao imunológica alterada e comprometida do hospedeiro. Pacientes com APACHE II que excede 10 ou em uso de ventilaçao mecânica por mais de 48 horas sao mais suscetíveis a infecçoes fúngicas34. O fator mais importante para colonizaçao fúngica é a imunossupressao causada pela própria queimadura, já que linfócitos T, células natural killer e fagocitose sao requerimentos para combater a colonizaçao e infecçao profunda34.

Cândida nao albicans, como por exemplo, C. tropicalis, C. parapsilosis, C. krusei, e C. glabrata também sao outras espécies responsáveis pelas infecçoes cirúrgicas em grandes queimados34. Outros fungos podem ser encontrados em feridas de pacientes queimados, como por exemplo, Aspergillus, Fusarium, e Mucormycosis. Importante destacar que a infecçao por Fusarium em feridas de queimaduras extensas é rara35, assim como em imunocompetentes e geralmente envolve história de diálise ou infecçao ocular35.

As mucormicoses pertencem a um grupo heterogêneo de infecçoes fúngicas causadas por agentes oportunistas; os Zigomicetos ordem mucorales (responsáveis pelas mucormicoses) que compreende nove gêneros, sendo os principais: Rhizopus spp., Mucor spp., Rhizomucor spp. e Absidia spp. A mucormicose é mais comum em pacientes em cetoacidose diabética ou com diabete mal controlada, em quimioterapia por doença linfoproliferativa (leucemia ou linfoma) ou outra neoplasia, sob corticoterapia, nos pós-transplantados de órgaos sólidos (principalmente transplantes renais), grandes queimados, pacientes com hemocromatose e mesmo em pacientes sem fator predisponente aparente36-38. Há preferência pela invasao dos vasos sanguíneos, causando trombose e infarto, sendo que, em algumas vezes, o processo estende-se para pele e todo o nariz é destruído. Cérebro e pulmoes também podem ser afetados39.


CONCLUSAO

Apesar do crescente processo de pesquisa e modernizaçao no que diz respeito ao tratamento de pacientes queimados, as infecçoes ainda permanecem como um obstáculo a ser superado completamente e representam umas das principais causas de óbito do paciente queimado. Portanto, é de vital importância a compreensao das diferentes manifestaçoes nos processos infecciosos, já que a pele nao-íntegra é a principal porta de entrada dos microrganismos.


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1. Interno do Décimo Primeiro período da Faculdade de Medicina Gama Filho, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Chefe do Centro de Tratamento de Queimado Adulto (CTQ-A) do Hospital Municipal Souza Aguiar, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Coordenadora Clínica do Centro de Tratamento de Queimado (CTQ) do Hospital Federal do Andaraí, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Professora do Internato (Módulo Queimaduras) da Universidade Gama Filho, Instrutora do Curso Nacional de Normatizaçao ao Atendimento do Queimado (CNNAQ) da Sociedade Brasileira de Queimaduras e Curso ABIQ da FELAQ.

Correspondência:
Felipe Ladeira de Oliveira
Rua Conselheiro Autran, 35, apto 805 - Vila Isabel
Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP: 20551-060
E-mail: oliveiraflmed@gmail.com

Artigo recebido: 3/5/2011
Artigo aceito: 11/7/2011

Trabalho realizado no Centro de Tratamento de Queimado Adulto (CTQ-A) do Hospital Municipal Souza Aguiar, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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