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Artigo Original

Visão da equipe multiprofissional que assiste à pessoa com queimaduras em um hospital geral

View of the multiprofessional team that assists the person with burns in a general hospital

Daniele Ferreira Marçal1; Ana Luisa da Cruz Franciscon2; Alessandra Cavalcanti de Albuquerque e Souza3; Tanyse Galon4, Adriana Clemente Mendonça5; Raquel Pan6

DOI: 10.5935/2595-170X.20240010

RESUMO

OBJETIVO: Investigar a visão dos profissionais de saúde sobre o manejo da pessoa com queimaduras internada em um hospital geral.
MÉTODO: Estudo exploratório com análise qualitativa dos dados, desenvolvido por meio de entrevistas semiestruturadas com profissionais de saúde atuantes em um hospital terciário do interior de Minas Gerais. A coleta e análise dos dados foram realizadas concomitantemente. Foi utilizada a análise dedutiva para interpretação dos dados.
RESULTADOS: Participaram do estudo 19 profissionais, envolvendo enfermeiros e técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, médicos, nutricionistas, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e psicólogos. A maioria era do sexo feminino, a média de idade foi de 36,53 anos e o tempo de atuação na área foi de 6,7 anos. Foram elaboradas três categorias intituladas "Processos e procedimentos"; "Desafios e entraves" e "Melhorias na hospitalização e pós-hospitalização", que abordaram, respectivamente, profissionais da mesma área que divergem em autonomia, prescrição e protocolos; desalinhamento da equipe multidisciplinar, falta de profissionais, necessidade de prática colaborativa interprofissional, além de uma equipe multiprofissional especializada no atendimento ao indivíduo com queimaduras. Foram sugeridas a implementação de educação continuada e a criação de um ambulatório multidisciplinar para acompanhamento do paciente com queimaduras.
CONCLUSÕES: A comunicação, a interrelação e o alinhamento entre a equipe são de fundamental importância, assim como o acompanhamento multidisciplinar pós-internação. Além disso, é essencial a especialização dos profissionais para aprimorar o cuidado e o manejo de indivíduos com queimaduras.

Palavras-chave: Equipe de Assistência ao Paciente. Queimaduras. Terapêutica.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To investigate the view of health professionals on the management of burn survivors admitted to a general hospital.
METHODS: Exploratory study with qualitative data analysis, developed through semi-structured interviews with health professionals working in a tertiary hospital in the interior of Minas Gerais. Data collection and analysis were performed concomitantly. Deductive analysis was used to interpret the data.
RESULTS: 19 professionals participated in the study, including nurses and nursing technicians, physiotherapists, physicians, nutritionists, social workers, occupational therapists and psychologists. The majority were female, the average age was 36.53 years old and the time working in the area was 6.7 years. Three categories were created, entitled "Processes and procedures"; "Challenges and obstacles" and "Improvements in hospitalization and post-hospitalization", which addressed, respectively, professionals in the same area who differ in autonomy, prescription and protocols; misalignment of the multidisciplinary team, lack of professionals, need for interprofessional collaborative practice, in addition to a multiprofessional team specialized in caring for individuals with burns. The implementation of continuing education and the creation of a multidisciplinary outpatient clinic to monitor patients with burns were suggested.
CONCLUSIONS: Communication, interrelationship and alignment between the team are of fundamental importance, as is multidisciplinary post-hospitalization monitoring. Furthermore, it is essential for professionals to specialize in order to improve the care and management of individuals with burns..

Keywords: Patient Care Team. Burns. Therapeutics.

INTRODUÇÃO


Lesões decorrentes de queimaduras são frequentes e podem acarretar consequências graves, incluindo morbidade e mortalidade. Estas lesões podem variar em gravidade, resultando desde danos leves até situações críticas que culminam em óbito1,2.


De acordo com dados oficiais do Ministério da Saúde, aproximadamente 2 milhões de casos de queimaduras ocorrem anualmente, no Brasil, resultando em 2.500 mortes. Em 2022, entre janeiro e abril, foram registrados mais de 8.775 procedimentos hospitalares e 66.559 procedimentos ambulatoriais devido a queimaduras. As queimaduras são classificadas como a quinta lesão não fatal mais comum, com aumento de incidência em junho devido às comemorações culturais3,4.


No período de janeiro de 2015 a dezembro de 2019, o Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo (HC-UFTM) recebeu aproximadamente 138 internações de adultos por queimaduras, sendo 64,50% do sexo masculino, com idade média geral de 32,63 anos. A causa mais comum de queimaduras foi a escaldadura, seguida por lesões térmicas, com média de 15% da superfície corporal queimada. Entre os casos, 60,86% apresentaram queimaduras de 2º grau e 31,88% sofreram queimaduras de 3º grau. A área corporal mais acometida foi o membro superior direito, seguido do membro superior esquerdo. Entre os indivíduos acometidos, 9 pacientes foram a óbito e 126 permaneceram em acompanhamento ambulatorial5.


Outro estudo desenvolvido no mesmo hospital descreveu o perfil de atendimentos de crianças e adolescentes vítimas de queimaduras, no período de 2008 a 2018. Foram admitidos 79 pacientes, sendo 64,6% do sexo masculino, com predominância de crianças menores de 5 anos (62,02%). A maioria dos pacientes (94,9%) permaneceu internada. Em relação à extensão das queimaduras, 62,0% das vítimas apresentaram mais de 10% da superfície corporal queimada. Além disso, 57% sofreram queimaduras de 2º grau, sendo a causa mais comum as escaldaduras, responsáveis por 58,2% dos casos6.


O tratamento do indivíduo com queimaduras exige uma equipe multidisciplinar devido à complexidade do trauma, na qual cada profissional possui um papel fundamental. A pandemia de COVID-19 evidenciou um grande impacto na saúde e, durante esse período, as equipes de saúde enfrentaram desafios devido ao histórico do país de investimento em terceirização da saúde. Isso contribuiu para o desarranjo multiprofissional voltado para garantir a integralidade da atenção aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS)7.


A equipe indispensável recomendada para o tratamento de pacientes com queimaduras inclui médicos, enfermeiros e fisioterapeutas. Além disso, terapeutas ocupacionais, farmacêuticos e nutricionistas são essenciais para o seguimento do cuidado do indivíduo8.


Dada importância do tema, o objetivo deste estudo foi investigar a visão dos profissionais de saúde sobre o manejo da pessoa com queimaduras internada em um hospital geral.


MÉTODO


Este é um estudo exploratório com análise qualitativa dos dados, na qual se utilizam dados narrativos que podem ser obtidos por meio de conversas com os participantes, observações sobre seu comportamento ou registros narrativos9.


Como critério de inclusão, foram entrevistados profissionais de saúde que, em algum momento de suas carreiras, atenderam pessoas com queimaduras no HC-UFTM, em Uberaba-MG, durante o período de internação e que demonstraram disponibilidade no momento do convite. As lotações selecionadas para as entrevistas foram a Clínica Cirúrgica e a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), setores com maior frequência de atendimento a pacientes adultos com queimaduras.


Os critérios de exclusão foram: profissionais que estavam em afastamento do trabalho e aqueles que não puderam ser contatados após duas tentativas.


A coleta foi realizada no HC-UFTM durante o horário de trabalho, em turnos distintos, de acordo com a disponibilidade dos profissionais e das entrevistadoras, e sem a presença de outros profissionais. Após o convite ao profissional e seu aceite, ele foi orientado a responder a um formulário on-line que incluía a formalização do aceite, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com informações sobre as gravações e a pesquisa, além de uma ficha de caracterização para a coleta de informações como endereço eletrônico de contato, sexo, idade, estado civil, escolaridade, profissão, tempo de formação, tempo de serviço no hospital e lotação, antes de ser entrevistado.


Além disso, o roteiro da entrevista incluiu questões para o registro das narrativas sobre: (a) os processos e procedimentos de cuidado e manejo das pessoas com queimaduras realizados no HC-UFTM pelo profissional participante; (b) os facilitadores e dificultadores percebidos pelo profissional participante durante as ações de cuidado e no ambiente hospitalar; e (c) as sugestões de possíveis melhorias indicadas pelo profissional para o atendimento a este grupo de pessoas.


A coleta e análise dos dados foram realizadas concomitantemente durante o mês de setembro de 2023. Duas autoras foram treinadas pelas docentes com três reuniões no período de um mês, que foram importantes para a elaboração do roteiro, instruções sobre gravações e padronização das perguntas. Além disso, foram realizadas cinco entrevistas piloto para alinhar os detalhes das entrevistas.


As entrevistas foram gravadas usando o gravador de voz dos celulares das entrevistadoras e transcritas pelas mesmas. As anotações de campo foram feitas logo após as entrevistas. Três autoras leram individualmente as transcrições e fizeram a discussão para esclarecer eventuais dúvidas com uma quarta autora. Foram realizadas reuniões semanais para realização da análise concomitante à coleta de dados. Foram analisadas pontualmente as relações de autonomia, comunicação, infraestrutura, dinâmica do atendimento e acompanhamento dos sobreviventes de queimaduras.


Foi utilizada a análise de dados dedutiva para interpretação dos dados, seguindo as etapas de codificação aberta, criação de categorias e abstração10.


O presente estudo utilizou o guia Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ), abrangendo os três domínios: caracterização e qualificação da equipe de pesquisa, desenho do estudo e análise dos resultados11. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do HC-UFTM (CAAE 68407723.2.0000.5154, sob parecer número 6.137.499).


RESULTADOS


Participaram do estudo 19 profissionais, envolvendo quatro enfermeiros (21,05%) e três técnicos de enfermagem (15,78%), três médicos (15,78%), três nutricionistas (15,78%), dois fisioterapeutas (10,52%), dois psicólogos (10,52%), um assistente social (5,26%) e um terapeuta ocupacional (5,26%).


Evidenciou-se o predomínio de participantes do sexo feminino (63,17%), a maior força de trabalho oferecida pela equipe de enfermagem (36,84%) e o nível de escolaridade mais comum sendo a pós-graduação (68,42%). O tempo médio de formação dos entrevistados foi de 13,16 anos e o tempo médio de serviço no hospital foi de 6,7 anos. A duração média das entrevistas foi de 20 minutos e 24 segundos.


Foram elaboradas três categorias, intituladas "Processos e procedimentos"; "Desafios e entraves"; e "Melhorias na hospitalização e pós-hospitalização".


Processos e procedimentos


Profissionais da mesma área divergiram em autonomia, prescrição e protocolos. Foi observado que muitos profissionais não possuem conhecimento da existência de um protocolo para o cuidado com o sobrevivente de queimaduras na instituição. Também foi evidenciada a ausência de educação continuada para capacitação adequada e a sobrecarga de trabalho dos profissionais que atendem rotineiramente os pacientes.



"[...] a gente acaba seguindo a conduta do médico, embora a gente veja que a ferida (es)tá precisando de alguma outra coisa." (E1)


"[...] se eu tivesse autonomia de prescrever, eu preciso ir ao médico, sugerir, e eles acatarem." (E8)


"[...] mas a questão do posicionamento que poderia prevenir contraturas e deformidades, a gente não consegue trabalhar nesse sentido, a gente não tem autonomia nisso." (E17)


"Mas dizer exatamente que eu sei como lidar, desde o começo até o fim, através do protocolo, não tenho esse conhecimento." (E3)


"A gente precisa de protocolos... Pra gente saber como é que a gente vai lidar, como é que a gente vai... Qual caminho seguir, né? Qual o papel de cada pessoa, de cada membro dessa equipe. O que é esperado de cada profissional, de cada atuação." (E10)


"Hum. Acho que não, não tenho certeza. Se tem (protocolo), não é muito divulgado pra gente, não." (E19)


"Tem até que ver, checar essa questão do protocolo que eu te falei... Eu escutei falar que tinha esse protocolo recente, mas eu não sei se ele (es)tá em uso, se ele foi aprovado e tudo mais. A gente precisa correr atrás para ver se isso existe mesmo, como é que (es)tá [...]." (E18)



Diante dessas condições, a maioria dos profissionais afirmou desconhecer a existência de um protocolo de cuidados para pacientes com queimaduras na instituição. Também foi evidenciada a ausência de educação continuada para capacitação adequada, além da sobrecarga de trabalho dos profissionais que atendem rotineiramente esses pacientes. Observou-se que a equipe de enfermagem se destacou como a principal força de trabalho.


Foi observado que, apesar das diferentes profissões terem competência para o cuidado embasada na lei do exercício profissional de cada uma, há uma supremacia da classe médica.


Desafios e entraves


Essa categoria evidenciou que todos os atendimentos dependem da atuação médica para serem executados, sendo necessário que o profissional de medicina realize constantes prescrições para a continuidade dos tratamentos. Nota-se também o desalinhamento da equipe multidisciplinar, falta de profissionais e materiais, e a necessidade de uma prática colaborativa interprofissional, além de uma equipe multiprofissional especializada no atendimento ao indivíduo com queimaduras.



"Um dificultador grande que eu acho é ficar esperando o momento que o médico pode, que nem sempre é o melhor momento para enfermagem [...]." (E1)


"O sistema (eletrônico) não permite que a gente faça a prescrição dietética, apesar dela ser uma atribuição, uma premissa da nutrição. Mas a gente não consegue. Então, o que a gente faz? A gente faz a evolução no AGHU com a prescrição que a gente gostaria quanto à conduta, e aí a gente pede para o médico fazer essa... Colocar no sistema para a gente." (E10)


"A gente vai no paciente que o médico fez a prescrição." (E13)


"Quando ele está na UTI, aí é o intensivista e a equipe da UTI que prescreve e a gente vai, pode continuar fazendo as trocas de curativo, acompanhando, porém, a prescrição, propriamente dita, é do intensivista junto com os residentes da UTI. A gente pode até discutir a prescrição, dar nossas ideias, mas quem faz a prescrição, assina e carimba são eles, quando estão na UTI.  Não só da plástica, mas com todas as outras especialidades." (E18)


"Falta de material, né?. Esses curativos de longa permanência, que ajudam muito o paciente, porque ele pode trocar esses curativos por uma semana, então não precisa ficar sedando o paciente, porque é muito doloroso, não precisa ficar aplicando medicações, morfina, fentanil e vários outros sedativos. Isso aí é um dos grandes problemas, assim, que eu acho que falta no hospital escola." (E6)


"O paciente atrasar o banho, às vezes o banho tem que ser feito só de tarde, no fim da tarde. Então, ele vai exceder o prazo que o curativo tem que ficar. Por falta de recurso humano, por falta de gente para auxiliar no curativo." (E19)



Essa categoria evidencia a dependência dos atendimentos às prescrições médicas para a continuidade dos cuidados, ressaltando a centralidade do médico nas decisões, mesmo em condutas que poderiam ser realizadas por outros profissionais, como o curativo, que é competência da equipe de enfermagem. Além disso, mostra o desalinhamento da equipe multiprofissional, com falta de integração e apoio entre os profissionais, além da falta ou inadequação de recursos humanos e materiais. Isso revela a necessidade de uma prática colaborativa interprofissional e de uma equipe especializada no atendimento a pessoas com queimaduras.


Melhorias na hospitalização e pós-hospitalização


Os entrevistados trouxeram sugestões de melhorias durante a hospitalização e no seguimento do paciente após a internação. Foram sugeridas a implementação da educação continuada e a criação de um ambulatório multidisciplinar para acompanhamento do paciente com queimaduras no pós-alta.



"Eu acho que precisaria de uma enfermaria ou uma ala própria 'pra' queimado." (E11)


"Treinamento, educação permanente, porque eu 'tô' aqui na instituição já vai fazer nove anos, aqui na clínica cirúrgica em si, seis anos, e nunca passei por um treinamento de paciente queimado, para qualquer tipo de cuidado para paciente queimado. Então, assim, todo mundo que entra aqui aprende com o mais antigo, a gente vai repassando a técnica, os cuidados e, assim, o pessoal novo vai aprendendo, assim como eu aprendi quando eu cheguei aqui também." (E1)


"É sim interessante e fundamental, até em alguns casos, porque as sequelas, as cicatrizes, podem afetar muito a parte psicológica." (E5)


"Pois é, tinha que ser um multiprofissional, pra avaliar a nutrição desse paciente, o psicológico, porque um grande queimado, ele, às vezes, ele mesmo tenta, é uma tentativa, como já teve vários. É. o médico, o enfermeiro, tem que ser multiprofissional mesmo, não tem como ser só quem cuida da ferida, tem que cuidar do paciente em si." (E11)


"[...] acho que se a gente conseguisse uma equipe multi, nossa, seria lindo, né? Porque a gente iria conseguir fazer a orientação, né?" (E17)



Por fim, foram relatadas sugestões de melhorias tanto durante a hospitalização quanto no acompanhamento pós-alta dos pacientes com queimaduras. As sugestões incluíram a melhoria da comunicação em equipe, a criação de uma enfermaria específica para pacientes com queimaduras, a implementação de um ambulatório multidisciplinar e, principalmente, a necessidade de educação continuada e treinamento específico para melhorar a qualidade do cuidado prestado.


DISCUSSÃO


O papel da equipe multiprofissional no atendimento ao paciente com queimaduras é de extrema importância devido à complexidade do trauma. Dessa forma, torna-se necessário contar com uma equipe base composta por esses profissionais para oferecer um atendimento ideal12. O paciente que sofreu queimaduras pode permanecer internado por um longo período, o que aumenta o risco de morte ou de adquirir comorbidades devido à lesão de pele. Por isso, é necessária uma assistência multiprofissional a esse paciente8.


Embora o HC-UFTM conte com grande parte da equipe recomendada, observa-se uma falha ou um desconhecimento por parte de profissionais de outras áreas no que se refere à comunicação sobre cada paciente. Para que uma unidade hospitalar seja classificada como Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) e receba os incentivos correspondentes, é necessário contar com uma equipe multidisciplinar considerada essencial. Essa equipe deve incluir cirurgiões gerais e plásticos, intensivistas, pediatras e plantonistas, além de fisioterapeutas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos, fonoaudiólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e pedagogos na pediatria13.


O estado de Minas Gerais é pioneiro na criação da linha de cuidado de queimaduras no Brasil. A Resolução nº 9.074, da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, define as regras para o financiamento do projeto de estruturação dos Centros de Tratamento de Queimados (CTQs) de porte II e III, estabelecendo as especificações mínimas de equipamentos e infraestrutura que as instituições devem adquirir para oferecer um tratamento adequado14.


Este estudo também observou que a maioria dos participantes são do gênero feminino. Em algumas carreiras, como nutrição, serviço social e fonoaudiologia, mais de 90% dos profissionais são mulheres. Na enfermagem e psicologia, esse percentual é de aproximadamente 80%15. Um estudo apontou que, a partir de 2024, as mulheres passarão a representar a maioria dos médicos no Brasil16.


Evidenciou-se a falta de autonomia dos profissionais, mesmo em situações que não necessitam de autorização médica para prescrições, o que indica que os atendimentos ainda estão centrados nos médicos, com pouca interlocução entre os membros da equipe multidisciplinar. A equipe multidisciplinar oferece um tratamento individualizado para o sobrevivente de queimaduras, atendendo às suas necessidades para salvar a vida do paciente e desempenhando um papel fundamental na sua reabilitação17.


Um estudo mostrou a importância das competências organizacionais de gestão e processos comunicacionais como essenciais para o manejo adequado da pessoa com queimaduras. O estudo destacou a comunicação efetiva, a tomada de decisão compartilhada e os aspectos gerenciais como facilitadores de protocolos para os diferentes estágios do tratamento, na padronização dos cuidados e na capacitação contínua da equipe18.


A educação continuada é uma estratégia para suprir as necessidades das pessoas com queimaduras, auxiliando no atendimento específico e especializado, o que reduz os riscos e aumenta a eficácia do tratamento17. Entretanto, fatores como a alta demanda de trabalho dos profissionais, principalmente da equipe de enfermagem, resultam em baixa adesão a esses planos. Além disso, a resistência à mudança cultural, alta rotatividade de profissionais e falta de motivação, somadas à dificuldade de sensibilizar os profissionais, dificultam a participação nase atividades propostas19.


O estudo apontou a necessidade de seguimento desses pacientes, o que já é dado na literatura científica. Um estudo mostrou a importância do acompanhamento pós-internação hospitalar de pacientes com queimaduras, evidenciando como os danos físicos, as habilidades e as capacidades funcionais impactam na qualidade de vida desses pacientes, além de influenciarem aspectos emocionais e relações interpessoais. Os resultados relataram que as sequelas e limitações físicas e psíquicas reduzem a qualidade de vida dessas pessoas após a queimadura, ressaltando a necessidade de um acompanhamento adequado para minimizar os danos causados pelo trauma20.


Este estudo apresentou algumas limitações, sendo desenvolvido apenas em um hospital geral. Isso pode levar a resultados diferentes em comparação com aqueles obtidos em CTQs.


CONCLUSÕES


Os resultados deste estudo destacam a importância de focar na formação e capacitação da equipe multiprofissional, bem como na melhoria da infraestrutura, para garantir que os pacientes recebam um cuidado de alta qualidade. A valorização dos profissionais de saúde, aliada a uma gestão horizontal, em que as decisões são tomadas de forma colaborativa, é essencial para que possam desempenhar suas funções com autonomia, impactando positivamente na recuperação e na qualidade de vida das pessoas internadas por queimaduras.


A comunicação, a interrelação e o alinhamento entre a equipe são de fundamental importância, assim como o acompanhamento multidisciplinar pós-internação. Além disso, é essencial a especialização dos profissionais para aprimorar o cuidado e o manejo de indivíduos com queimaduras. É fundamental que os profissionais tenham autonomia para desempenhar suas funções dentro de suas áreas, com foco na tomada de decisão compartilhada pela equipe, sem a presença de hierarquias presentes nos hospitais públicos brasileiros.


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Recebido em 12 de Outubro de 2024.
Aceito em 24 de Outubro de 2024.

Local de realização do trabalho: Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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