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Artigo Original

Avaliação da autoestima de crianças e adolescentes sobreviventes de queimaduras após alta hospitalar

Evaluation of self-esteem of children and adolescents survivors of burn after hospital discharge

Larissa Milena Santiago dos Santos Gonçalves; Cláudia Fonsêca de Lima; Douglas Roberto de Sena Lins

DOI: 10.5935/2595-170X.20240009

RESUMO

INTRODUÇÃO: As queimaduras são lesões na pele, sendo as crianças mais propensas devido à sua curiosidade. Cicatrizes resultantes de queimaduras profundas podem causar sequelas físicas, funcionais e emocionais.
OBJETIVO: Avaliar a autoestima de crianças e adolescentes sobreviventes de queimadura após a alta hospitalar.
MÉTODO: Estudo observacional, analítico, do tipo transversal e de caráter quantitativo. A pesquisa foi realizada no Ambulatório de Reabilitação de um hospital público de referência na assistência ao paciente vítima de queimaduras. Para a coleta de dados socioclínicos demográficos, utilizou-se um questionário de perguntas fechadas elaborado pelas pesquisadoras e para avaliar a autoestima, a Escala de autoestima de Rosenberg.
RESULTADOS: A amostra foi composta por 21 participantes, sendo 76,2% do sexo feminino. Foi identificado que 52,4% das crianças e adolescentes apresentaram autoestima elevada, e que as crianças entre 7 e 12 anos apresentavam autoestima mais elevada (p-valor=0,012) em comparação com os adolescentes; foi detectado ainda que crianças e adolescentes com renda mais alta possuíam autoestima mais elevada (p-valor=0,006) se comparadas com os participantes de renda familiar mais baixa, e que crianças e adolescentes sem alterações de pigmentação possuem autoestima mais elevada do que as demais (p-valor=0,047).
CONCLUSÕES: A pesquisa constatou que a maioria dos sobreviventes de queimaduras tiveram autoestima elevada, idade entre 7 e 12 anos, maior renda familiar e sexo masculino foram correlacionados níveis elevados de autoestima, enquanto alteração de pigmentação associou-se a autoestima mais baixa.

Palavras-chave: Queimaduras. Autoimagem. Criança. Adolescente.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Burns are injuries to the skin, and children are more prone to them due to their curiosity. Scars resulting from deep burns can cause physical, functional and emotional consequences.
OBJECTIVE: To evaluate the self-esteem of children and adolescent burn survivors after hospital discharge.
METHODS: Observational, analytical, cross-sectional and quantitative study. A survey was carried out in the Rehabilitation outpatient clinic of a public reference hospital for assistance to patients suffering from burns. To collect socio-clinical demographic data, a questionnaire with closed questions was used by the researchers and to assess self-esteem, the Rosenberg Self-Esteem Scale.
RESULTS: The sample consisted of 21 participants, 76.2% of whom were female. It was identified that 52.4% of children and adolescents had high self-esteem, and that children between 7 and 12 years old demonstrated higher self-esteem (p-value=0.012) compared to adolescents; it was also detected that children and adolescents with higher income had higher self-esteem (p-value=0.006) compared to participants with lower family income, and that children and adolescents without pigmentation changes had higher self-esteem than the others (p-value=0.047).
CONCLUSIONS: A survey found that the majority of burn survivors had high self-esteem, age between 7 and 12 years, higher family income and male sex were correlated with high levels of self-esteem, while changes in pigmentation were associated with lower self-esteem.

Keywords: Burns. Self Concept. Child. Adolescent.

INTRODUÇÃO


A queimadura é um traumatismo, associado a uma lesão tegumentar e que pode causar traumas, parciais ou totais, na pele e seus anexos. As causas habituais associadas a essas lesões podem ser de origem térmica, química, elétrica ou radioativa, e é classificada em até três graus, baseado na profundidade1-4.


As principais causas dessas lesões, na infância e adolescência, em especial nas crianças em idade pré-escolar, são os acidentes com líquidos aquecidos, ocorridos em sua maioria no ambiente domiciliar. Na maioria das vezes, essas lesões são superficiais, geralmente muito extensas, ocasionando acometimento em várias partes do corpo do indivíduo. Outrossim, as crianças na fase pré-escolar são mais acometidas, devido à curiosidade intensa ao explorar o ambiente. Além disso, crianças do sexo masculino são mais atingidas, devido a certos riscos em algumas brincadeiras, estando mais expostas a possíveis acidentes em comparação às do sexo feminino5-7.


Dependendo do grau e da profundidade da lesão, as vítimas precisam ser hospitalizadas, a fim de receberem cuidados de uma equipe multidisciplinar. A hospitalização, por sua vez, faz com que elas se sintam fragilizadas, além de contribuir para o afastamento das suas atividades escolares e de vida diária8.


As cicatrizes ocasionadas pelas lesões mais profundas podem contribuir para o desenvolvimento de sequelas físicas, funcionais e emocionais e alguns indivíduos podem mudar completamente sua forma de se relacionar com o ambiente e as pessoas. Sua nova aparência não mais permite que estejam inseridos no padrão estético atribuído pela sociedade, e que alicia olhares preconceituosos e críticos de familiares, amigos e até de pessoas estranhas, ocasionando sofrimento psíquico9.


É no decorrer da infância, que compreende o intervalo desde o nascimento até o início da puberdade, que um indivíduo inicia o desenvolvimento de sua autoestima e vários fatores podem contribuir para sua formação, dentre eles, a sua aparência física. Preocupações com a aparência física, durante esse período da vida, podem comprometer negativamente a autoestima e contribuir para doenças psicopatológicas em idades avançadas10.


Na adolescência, fase de muitas mudanças biopsicossociais, tais como, regras de comportamento, valores e amizades, a autoestima continua a se desenvolver, enquanto o adolescente se encontra em busca de sua inclusão na sociedade, aumentando seus níveis de autoconhecimento e de compreensão de alguns fatos da vida. Nesse momento, a imagem corporal tem uma grande relevância, em consequência das mídias sociais e da idolatria da beleza que definem um padrão estético, e a presença de cicatrizes pode atuar como um grande fator de risco para a insatisfação corporal e a consequente baixa de autoestima11.


Tendo em vista estas considerações, o presente estudo tem por objetivo avaliar a autoestima de adolescentes e crianças sobreviventes de queimaduras após a alta hospitalar, visando contribuir para a ampliação do conhecimento acerca das possíveis influências psicossociais que a lesão por queimadura pode causar na autoestima de indivíduos nestas faixas etárias.


MÉTODO


A pesquisa está vinculada à Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), à Escola de Saúde e de Ciências da Vida e ao curso de Fisioterapia. Faz parte do projeto de pesquisa intitulado "Avaliação e reabilitação de pessoas sobreviventes de queimaduras e seus cuidadores", com o número de CAAE: 56615622.3.0000.5206, já aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em seres humanos, com número de parecer: 5.334.024, e é pertencente ao grupo de pesquisa Fisioterapia baseada em evidências.


Trata-se de uma pesquisa observacional, analítica, do tipo transversal e de caráter quantitativo, que foi realizada no período de setembro de 2022 a abril de 2023, no ambulatório de Reabilitação de um hospital público que é referência na assistência ao paciente vítima de queimaduras, localizado na cidade do Recife, em Pernambuco. A pesquisa foi desenvolvida com crianças e adolescentes que sofreram queimaduras e foi estimada uma amostra, por conveniência, de 30 voluntários, de acordo com a demanda do serviço.


Foram incluídos voluntários de ambos os sexos, na faixa etária de 7 a 18 anos, que estavam em acompanhamento no ambulatório de reabilitação do referido hospital no período da coleta de dados, sendo excluídos os voluntários que apresentavam cicatrizes, amputações, lesões neurológicas e do aparelho locomotor não decorrentes da queimadura ou doenças crônicas anteriores à queimadura.


Após consultar os prontuários dos pacientes do ambulatório de reabilitação do referido hospital, o pesquisador contatou os pais/responsáveis dos prováveis voluntários para convidá-los a participarem da pesquisa informando os objetivos e procedimentos de coleta dos dados.


Para a coleta dos dados, foi utilizado um questionário com perguntas fechadas e abertas sobre os dados sociodemográficos (idade, sexo, escolaridade dos pais e voluntários, local de moradia) e os dados do perfil clínico (agente etiológico, mecanismo de lesão, data da alta hospitalar, data do início do tratamento ambulatorial, se realizou algum procedimento cirúrgico).


Os pais/responsáveis pela criança/adolescente responderam a esse questionário através de uma entrevista presencial com o pesquisador. Em seguida, o voluntário foi avaliado através de um exame físico para verificação da área corporal queimada, profundidade da lesão, se houve cicatrizes patológicas e/ou presença de alteração de pigmentação e a autoestima foi avaliada através da Escala de Autoestima de Rosenberg12,13.


A Escala de Autoestima de Rosenberg é um questionário que avalia a autoestima global e é constituída por dez perguntas relacionadas a sentimentos de autoaceitação e autoestima. Cinco das dez perguntas se referem à autoimagem ou ao autovalor positivos e as demais estão relacionadas à autoimagem negativa ou autodepreciação. Desta forma, os itens 1, 3, 4, 7, e 10 são expressos positivamente, e os itens 2, 5, 6, 8, 9, negativamente. A resposta dos itens positivos recebe uma contagem de 4 (concordo totalmente) a 1 (discordo totalmente), enquanto as afirmações negativas são pontuadas no sentido contrário, ou seja, de 1 (concordo totalmente) a 4 (discordo totalmente). O somatório das dez perguntas forma o escore da escala, cujo total varia de 10 a 40, sendo a pontuação máxima maior que 31 pontos, a média entre 21 a 30 pontos e a baixa, menor que 20 pontos12,13.


Os pais/responsáveis que aceitaram participar da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para pais, e as crianças e os adolescentes assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE). Foi garantido o direito de desistência a qualquer momento, sem prejuízos para o tratamento do (a) mesmo (a), assim como o sigilo absoluto da identidade dos participantes, ao serem divulgados os resultados da pesquisa.


Após a coleta, os dados foram armazenados em um banco de dados do programa Excel e, posteriormente, foi realizada uma análise descritiva para expor os resultados obtidos. A apresentação e distribuição das variáveis mensuradas foi feita através de tabelas ou gráficos. Para o cálculo dos percentuais das variáveis que apresentaram múltiplas respostas, foi utilizado o total de casos e por essa razão, para essas variáveis, a soma ultrapassa 100%. Inicialmente, foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov para testar a suposição de normalidade das variáveis envolvidas no estudo. A prevalência de autoestima, segundo a escala de Rosenberg, foi estimada juntamente com seus intervalos com 95% de confiabilidade. Para verificar a existência de associação entre a classificação da escala de Rosenberg e as características sociodemográficas e socioclínicas, foi aplicado o teste Qui-quadrado ou exato de Fisher, quando necessário. E, para a análise comparativa dos escores da escala de autoestima de Rosenberg segundo características clínicas e sociodemográficas, foram aplicados os testes não-paramétricos de Mann-Whitney ou de Kruskal- Wallis. Todas as conclusões foram tomadas ao nível de significância de 5%.


RESULTADOS


A amostra em estudo foi composta por 21 crianças e adolescentes vítimas de queimaduras, que foram avaliados quanto à autoestima após a alta hospitalar, na faixa etária de 7 a 18 anos, sendo a maioria com idades variando de 7 a 12 anos (76,2%), do sexo feminino (52,4%), residentes na Região Metropolitana do Recife (52,4%), cursando o ensino fundamental 1 (57,1%) e com renda familiar de até R$1.380,60 (71,4%), conforme exposto na Tabela 1.



Na Tabela 2, destaca-se que, nesta amostra, o agente etiológico mais comum foram os líquidos inflamáveis (38,1%), a área corporal mais atingida foram os membros superiores (76,2%), as lesões de 2º grau profundo foram as mais prevalentes (85,7%) e que, das cicatrizes patológicas, a cicatriz hipertrófica e o queloide foram as mais presentes (71,4%). Também foi identificado que poucos participantes apresentavam lesão nervosa, fratura ou deformidades osteoarticulares decorrentes da lesão (14,3%) e tinham sofrido a lesão há menos de um ano (28,6%), no entanto, a maioria realizava tratamento de fisioterapia (85,7%), e tinha retornado às escolas (90,5%) e todos conseguiam brincar.



Com relação à autoestima, identificou-se que pouco mais da metade dos participantes da pesquisa (52,4%) apresentaram autoestima elevada, um pouco menos da metade (42,9%) apresentou autoestima média e um percentual bem pequeno (4,8%) apresentou autoestima baixa, conforme exposto na Figura 1.



Na presente pesquisa, ao serem analisadas as respostas aos itens do questionário de autoestima de Rosenberg, percebe-se que, mesmo com toda dor e sofrimento que a queimadura provoca, a maioria das crianças e adolescentes participantes estão conseguindo preservar uma autopercepção positiva, uma vez que a maioria delas concordou ou concordou totalmente com 3 das 5 expressões positivas e discordou ou discordou totalmente de 2 das 5 expressões negativas contidas no questionário.


Nesse sentido foi identificado que 85,7% das crianças e adolescentes sentem que são pessoas de valor, 80,9% acham que são capazes de fazer as coisas tão bem quanto a maioria das pessoas, 95,2% estão satisfeitos consigo, 80,9% não se sentem inúteis e 57,1% acham que têm muito do que se orgulhar.


Entretanto, também foi identificado um percentual desses participantes com autoestima média e baixa, o que se deve ao fato de ter sido identificado que a grande maioria acredita que não prestam para nada (80,9%) e acham que são um fracasso (85,7%) e, pouco mais da metade, não tem uma atitude positiva em relação a si mesmas (61,9%), acreditam que não podem ter mais respeito por si mesmas (52,3%) e acham que não têm boas qualidades (52,3%).


Na Tabela 3, que apresenta a correlação entre características sociodemográficas e classificação da autoestima, foram verificadas associações estatisticamente significantes com as variáveis faixa etária e renda familiar. Assim, podemos afirmar, ao nível de significância de 5%, que as crianças entre 7 e 12 anos apresentavam autoestima mais elevada (p-valor=0,012) em comparação com os mais velhos e que as crianças e adolescentes com renda mais alta possuíam autoestima mais elevada (p-valor=0,006) se comparados com os participantes de renda familiar mais baixa.



Na Tabela 4 foram verificadas associações significativas da autoestima com a ocorrência de alterações de pigmentação. Assim, podemos afirmar que as crianças e adolescentes sem alterações de pigmentação possuem autoestima mais elevada que as demais (p-valor=0,047).



Na Tabela 5 foram verificadas associações significantes da autoestima com as variáveis sexo e faixa etária. Dessa forma, podemos afirmar que o escore de Rosenberg foi mais elevado (indicando maior autoestima) entre as crianças do sexo masculino (p-valor=0,051) e entre as que tinham idades entre 7 e 12 anos (p-valor=0,004).



DISCUSSÃO


No presente estudo, foi identificado que a maioria dos participantes (52,4%) apresentava autoestima elevada. Resultados semelhantes foram apontados em uma pesquisa desenvolvida por Caetano et al.13, na qual foi utilizada a mesma escala para avaliar a autoestima de crianças e adolescentes, de ambos os sexos, com a faixa etária de 6 a 18 anos, realizada no ambulatório da unidade de queimados, localizado na região metropolitana do Recife, com pacientes que sofreram queimaduras, sendo identificado que a maioria também apresentava autoestima elevada.


Caetano et al.13, ao identificarem pouco comprometimento de autoestima em sua pesquisa, sugeriram que as crianças e adolescentes da amostra revelaram presença de confiança, capacidade para enfrentar os desafios e crença em suas competências, fatores que estariam contribuindo para o desenvolvimento da autoestima em níveis altos dos participantes avaliados.


Apesar da queimadura ser uma alteração que provoca o aparecimento de desordens físicas e psicológicas, essa lesão parece não ter causado comprometimentos na autoestima de pouco mais da metade das crianças e adolescentes entrevistados e comprometeu medianamente a autoestima dos demais. Tais resultados podem estar relacionados com a área corporal queimada, uma vez que há uma menor quantidade de pacientes (42,9%) com queimaduras na face e a maioria apresentou queimaduras em áreas menos expostas, ocasionando menor desconforto emocional nos indivíduos. Adicionalmente, a ausência de lesão nervosa, fratura ou deformidade osteoarticular decorrente da lesão por queimadura na maioria dos pesquisados também são fatores que podem ter contribuído para tais resultados.


Três fatores podem justificar os resultados relacionados à faixa etária e um deles pode estar atrelado ao fato de termos dois terços da amostra composto por crianças de, no máximo, 12 anos. Outro fato foi perceber, durante a entrevista com os voluntários, que não houve dificuldades para as crianças responderem o questionário de autoestima, no entanto, os adolescentes, ao responderem as perguntas de autoimagem negativa ou autodepreciação do mesmo questionário, mudavam o tom de voz, e ao falarem da sua rotina antes da queimadura, expressavam um sentimento de tristeza ao relatarem que antes conseguiam realizar suas atividades com mais eficiência.


O terceiro fato a ser considerado é que, com as alterações estéticas ocorridas na pele após a queimadura, os adolescentes relataram dificuldades ao retomar os relacionamentos com amigos e familiares, podendo ser uma possível causa das menores pontuações no escore de autoestima nesses voluntários.


De acordo com Barros et al.14, a autoestima é constituída por opiniões positivas e negativas que uma pessoa desenvolve em relação a si mesma, e está intimamente relacionada com a imagem corporal, que, por sua vez, caracteriza-se pela percepção que uma pessoa tem de seu próprio corpo e de como é vista pelo outro. Desta forma, uma pessoa que não tenha uma boa autoimagem corporal tende a ter baixos níveis de autoestima.


Além disso, conforme as afirmações de Oliveira & Machado11, a adolescência é uma fase do desenvolvimento que se caracteriza por várias mudanças biopsicossociais e tal fato acarreta as chamadas 'crises da adolescência', sendo a insatisfação com a autoimagem responsável por uma destas crises, uma vez que vivemos em uma sociedade forjada por padrões de imagem corporal perfeita. Nesse momento, diante da constante pressão das mídias sociais, o adolescente tende a dar muita importância à sua imagem corporal, e isso influencia fortemente na sua própria identidade.


Notou-se uma correlação positiva entre altos níveis de autoestima e maior nível de renda familiar. Vale ressaltar que um indivíduo com queimaduras após alta hospitalar precisa de cuidados de uma equipe de saúde especializada e de aquisição de medicações e produtos de alto custo, como vestes compressivas, placas de silicone, órteses funcionais ou de posicionamento, dentre outros recursos da tecnologia assistiva, para favorecer um processo cicatricial mais harmonioso.


Desta forma, crianças e adolescentes inseridas em um ambiente familiar, no qual os pais/responsáveis tenham uma renda familiar suficiente para custear, tanto o transporte da criança/adolescente com um cuidador quanto os cuidados ambulatoriais de reabilitação tendem a realizar um tratamento mais adequado e, consequentemente, traz consigo benefícios que ajudam no enfrentamento dos desafios físicos e emocionais inerentes a este tipo de lesão. Para Marques et al.15, deve-se considerar ainda que o tratamento de fisioterapia especializada, iniciado logo após a alta hospitalar, promove uma melhor qualidade de tecido cicatricial e, consequentemente, uma melhor imagem corporal, o que pode estar favorecendo a autoestima desses pacientes.


O tecido cutâneo é o maior órgão do ser humano, reveste externamente todo o nosso corpo, nos apresentando para o mundo e, portanto, pode ser considerado como um órgão de comunicação social. Desta forma, observa-se que qualquer modificação na pele pode vir a alterar a autoestima pelos olhares críticos de si mesmo e da sociedade, principalmente quando essa alteração se concentra em áreas corporais visíveis.


A esse respeito, Jesus et al.9, através de uma revisão de literatura sobre a autoestima de pessoas com transtornos de pele, concluíram que indivíduos com distúrbios na pele podem evoluir com disfunções psicológicas intensas, tais como sentimentos de rejeição e de vergonha, e comportamento de isolamento, favorecendo assim a diminuição da autoimagem associada a mudanças do aspecto físico. Além disso, os indivíduos ficam expostos ao meio social, sendo a sua imagem corporal comprometida devido aos olhares preconceituosos e comparações com indivíduos que apresentam pele íntegra e saudável, contribuindo assim para uma baixa autoestima.


Ressalta-se que nas bases de dados pesquisadas, a partir dos descritores do estudo, não foram identificadas pesquisas que avaliassem a correlação entre autoestima e alterações de pigmentação em crianças e adolescentes até 18 anos, sobreviventes de queimaduras. No entanto, foi identificada a pesquisa de Caltran16, que avaliou a validade de constructo da escala de satisfação com a aparência e utilizou a escala de Rosenberg para correlacionar a satisfação da aparência com a autoestima. A pesquisa, realizada no ambulatório de uma unidade de queimados na cidade de São Paulo, em indivíduos maiores de 18 anos, detectou que as alterações de pigmentação estavam associadas a baixa autoestima nos indivíduos avaliados, principalmente quando a alteração se concentrava em áreas corporais visíveis, não cobertas pelas vestimentas.


Em relação à predominância do sexo e a autoestima, foi observado que o escore de Rosenberg foi mais elevado no sexo masculino. Tais resultados, possivelmente, estão relacionados com a cobrança excessiva que o sexo feminino tem com a imagem corporal e os padrões de beleza pré-determinados pela sociedade, e o mesmo não acontece no sexo oposto. No estudo de Fortes et al.17, que discutiram sobre o corpo de adolescentes do sexo feminino e tiveram como objetivo avaliar a influência da autoestima na insatisfação corporal, os autores descrevem que há alterações na imagem corporal devido ao desagrado com aparência do próprio corpo, sendo a mídia a principal responsável por idolatrar corpos perfeitos, fator esse que contribui para gerar sentimentos negativos em relação a si mesma e com a sua aparência física.


CONCLUSÕES


A maioria dos sobreviventes de queimaduras desta amostra, alguns meses após a alta hospitalar, apresentaram níveis elevados de autoestima. Observou-se que estar na faixa etária de 7 a 12 anos, ter maior renda familiar e ser do sexo masculino foram variáveis correlacionadas com altos níveis de autoestima, e presença de alterações de pigmentação nas cicatrizes foi correlacionada com baixos níveis de autoestima e tais resultados foram estatisticamente significativos.


O pequeno tamanho da amostra não nos permite generalizar os resultados, mas aponta para a necessidade de propor estratégias preventivas e educacionais nas escolas. Cada paciente queimado lidará de forma diferente, por isso, é de suma importância o apoio psicológico direcionado às vítimas de queimaduras e seus familiares, oferecendo suporte emocional, para fortalecer as perspectivas positivas em relação a si, favorecendo para a ressignificação da vida pós-trauma sofrido e contribuindo para aceitação da sua imagem corporal, consequentemente, uma melhor autoestima.


Sugere-se que outras pesquisas que avaliem autoestima sejam realizadas com essa população, através de estudos transversais e longitudinais prospectivos, com uma maior quantidade de voluntários, para que sejam identificados os fatores de risco e os impactos da queimadura na autoestima desses sobreviventes, para possibilitar a elaboração de políticas públicas para prevenção e tratamento da saúde emocional/mental destes pacientes e favorecer a elaboração de condutas relevantes da equipe de saúde.


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Recebido em 31 de Maio de 2024.
Aceito em 24 de Outubro de 2024.

Local de realização do trabalho: Hospital da Restauração, Ambulatório de Reabilitação, Recife, PE, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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