André Oliveira Paggiaro
DOI: 10.5935/2595-170X.20230014
A membrana amniótica (âmnion) é a mais interna das membranas fetais, sendo histologicamente muito semelhante à pele humana. Quando aplicada sobre uma ferida, forma uma barreira contra a invasão bacteriana, reduz a perda de fluidos corpóreos e proteínas, diminui a dor e aporta fatores de crescimento e moduladores da cicatrização ao leito da lesão. Com todas essas vantagens, esse tecido tem sido utilizado como um biomaterial de regeneração tecidual em diversas situações clínicas como: queimaduras, pé diabético, úlceras venosas, doenças oftalmológicas, áreas doadoras de enxerto de pele, entre outras1.
Em comparação à pele alógena, o transplante de âmnion apresenta algumas facilidades. A grande quantidade de partos cesáreas e a facilidade de aceitação da doação pelas parturientes permitem que o número de doadoras seja consideravelmente maior do que a pele. A menor taxa de contaminação e a facilidade de processamento reduzem os custos de produção. Dessa maneira, a membrana amniótica poderia ser uma alternativa para suprir a escassez crônica de pele alógena no país, principalmente para queimaduras extensas de segundo grau.
Apesar de todas essas vantagens, o Brasil persiste sem uma legislação específica para a regulamentação do uso terapêutico das membranas amnióticas e, consequentemente, sem um mecanismo de financiamento pelo Sistema Único de Saúde para que os Bancos de Tecidos (BT) brasileiros possam captar, processar, armazenar e distribuir âmnion. Dessa forma, a falta de recursos financeiros inviabiliza a produção de membrana amniótica no país.
Desde o fatídico incêndio na boate KISS, em 2013, sabe-se dos efeitos positivos que a membrana amniótica pode ter no tratamento de queimaduras. Naquela tragédia, os estoques de pele alógena do Brasil não foram suficientes para suprir a demanda do momento. Diversos países da América do Sul forneceram tecido ao Brasil, entre eles, Argentina e Uruguai, que enviaram pele alógena e, em maior quantidade, membrana amniótica. Os resultados clínicos foram excelentes, animando a comunidade médica nacional quanto à possiblidade de produção do biomaterial em nosso território.
Porém, não foi o que ocorreu. Desde 2013, convivemos com o fato de nossos vizinhos utilizarem âmnion, enquanto os BTs brasileiros não conseguem processar o material, mesmo com domínio da técnica de produção. Em 2010, por exemplo, o grupo de pesquisa do Banco de Tecidos de Tecidos do ICHC (BT-ICHC) publicou um estudo na Revista Brasileira de Queimaduras descrevendo toda a padronização para processamento de membranas amnióticas gliceroladas2. A partir de então, esse mesmo Banco segue preparando membrana amniótica para uso oftalmológico. Apenas em 2023, foram realizados 27 transplantes de âmnion para tratamento de lesões em córnea com material distribuído pelo BT-ICHC. Entretanto, como não existe ressarcimento financeiro dos custos de preparo, fica inviável disponibilizar o material para uso em queimados, pois a quantidade de tecido necessário seria muito maior, acarretando em um prejuízo que inviabilizaria o funcionamento do BT.
Diante desse cenário, ficam as seguintes indagações: Quando venceremos os entraves políticos, econômicos e burocráticos para regulamentar o Transplante de Membrana Amniótica? Até quando o Brasil vai permanecer sem âmnion para tratar pacientes queimados?
REFERÊNCIAS
1. Gajiwala K, Lobo Gajiwala A. Use of Banked Tissue in Plastic Surgery. Cell Tissue Bank. 2003;4(2-4):141-6. DOI: 10.1023/B:CATB.0000007023.85139.c5
2. Paggiaro AO, Mathor MB, Carvalho VF, Pólo E, Herson MR, Ferreira MC. Estabelecimento de protocolo de glicerolação de membranas amnióticas para uso como curativo biológico. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(1):2-6.