Alex Souza1; Manoel Ferreira Júnior2; Shirley Freitas3; Giovanna Bueno4; Gabriela Albuquerque Souza5; Thuany Medeiros6; Leopoldo Barbosa7; José Silva Júnior8
DOI: 10.5935/2595-170X.20230012
RESUMO
OBJETIVOS: Determinar os fatores associados ao transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e verificar a correlação com a qualidade de vida (QV) em mulheres com queimaduras profundas.
MÉTODO: Estudo de corte transversal, realizado em um hospital de referência para queimados na Região Nordeste do Brasil. Foram incluídas 50 mulheres adultas com mais de 20 anos, que sofreram queimaduras profundas e estavam em tratamento ambulatorial de reabilitação. Foram aplicados os questionários das variáveis sociodemográficas e clínicas e instrumentos para verificar a QV, Burn Specific Health Scale-Revised-BSHS-R, e o TEPT, o Impact of Event Scale-IES. Para análise estatística, foi usado o teste t de Student e também os modelos de regressão linear simples e múltipla.
RESULTADOS: Observou-se uma média do escore IES menor estatisticamente quando o índice de massa corporal < 30kg/m2 e maior quando a renda familiar mensal <1 salário-mínimo, o tempo de fisioterapia < 6 meses e diante da necessidade de utilização de órtese. Exceto o domínio de habilidades funcionais simples do questionário BSHS-R, para os demais domínios, incluindo o somatório total, encontrou-se uma correlação positiva entre os escore do IES e do BSHS-R.
CONCLUSÕES: Obesidade, baixa renda familiar, menor tempo de fisioterapia e necessidade de uso de órtese, além da pior qualidade de vida, foram os fatores associados ao TEPT em mulheres com queimaduras profundas, sugerindo necessidade de políticas públicas específicas para essa população.
Palavras-chave: Queimaduras. Mulheres. Qualidade de Vida. Reabilitação. Transtornos de Estresse Pós-Traumáticos.
ABSTRACT
OBJECTIVES: To determine factors associated with post-traumatic stress disorder (PTSD) and actively check with quality of life (QoL) in women with deep burns.
METHODS: Cross-sectional study, carried out in a reference hospital for burns in the northeast region of Brazil. Fifty adult women over 20 years old who had suffered deep burns and were undergoing outpatient rehabilitation treatment were included. The experimental variables of sociodemographic and clinical variables and instruments were applied to verify QoL, Burn Specific Health Scale-Revised-BSHS-R, and PTSD, Impact of Event Scale-IES. For statistical analysis, Students t test was used, as well as simple and multiple linear regression models.
RESULTS: A statistically lower average IES score was observed when the body mass index < 30kg/m2 and higher when the monthly family income < 1 minimum wage, the time of physiotherapy < 6 months and in view of the need to use an orthosis. Except for the simple skills domain of the BSHS-R, for the other domains, including the total sum, a positive correlation was found between the IES and BSHS-R scores.
CONCLUSIONS: Obesity, low family income, shorter physiotherapy time and the need to use an orthosis, in addition to a worse quality of life, were factors associated with PTSD in women with deep burns, suggesting the need for specific public policies for this population.
Keywords: Burns. Women. Quality of Life. Rehabilitation. Stress Disorders, Post-Traumatic.
INTRODUÇÃO
As queimaduras são um tipo de lesão específica que varia de acordo com o agente traumático, extensão corporal e espessura de tecido acometido. São o quarto tipo mais comum de trauma no mundo, podendo trazer graves consequências. Embora a maioria das queimaduras sejam pequenas e de baixa mortalidade, as queimaduras maiores, mesmo as de espessura parcial, necessitam de cuidados especializados devido à alta mortalidade e por levar a resultados desfigurantes, como cicatrizes hipertróficas, queloides e contraturas1.
Tanto as consequências físicas quanto o evento que ocasionou a queimadura podem causar complicações psíquicas que repercutem de forma negativa no âmbito social, financeiro e sexual dos pacientes. Segundo estudos, aproximadamente 1/3 das vítimas de queimaduras estão expostas a níveis moderados a graves de desenvolver problemas psicológicos e sociais2 e, dentre elas, as mulheres que sobreviveram a graves queimaduras têm maiores chances de desenvolver problemas psíquicos2.
Dentre as condições de sofrimento psicológico que podem acometer essas vítimas, encontra-se o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), o qual consiste em lembranças recorrentes intrusivas ao evento traumático opressivo, através de sonhos e de pensamentos durante a vigília, evitação persistente de correlatos ao trauma, bem como embotamento de respostas a esses indicadores e hiperexitação persistente. Estes sintomas possuem duração mínima de um mês e podem ter início em até seis meses após o evento traumático3.
A literatura indica que as taxas de TEPT também são maiores em mulheres, e isso acontece porque a incidência de queimaduras faciais é maior entre esse gênero, levando à desfiguração física em uma sociedade que valoriza certos padrões de aparência2.
A qualidade de vida (QV) em pacientes com queimaduras, baseada no estado geral de saúde e nas mudanças sofridas no aspecto físico, psicológico e funcional, é uma variável importante, que tem influência, especialmente, no processo de reabilitação da ferida. Pelo fato de o evento da queimadura afetar drasticamente diversos níveis da vida dos indivíduos, costuma se relatar, nestas vítimas, uma baixa QV.
Assim como o TEPT, a QV também está associada a prejuízos generalizados no bem-estar dos pacientes. Dentre todas as desordens psiquiátricas, o TEPT fica atrás apenas da depressão no que diz respeito à redução da QV, e quando não tratado, pode se tornar crônico, com um impacto duradouro na questão social, ocupacional e familiar4.
Mulheres com queimaduras profundas, portanto, além de terem sua qualidade de vida reduzida pela existência da própria lesão, possuem, ainda, maiores chances de desenvolver TEPT e, dessa forma, têm seu bem-estar global ainda mais prejudicado. Sendo assim, o objetivo do presente estudo consiste em determinar os fatores associados ao TEPT em mulheres com queimaduras profundas, além de correlacionar com os domínios do questionário para QV.
MÉTODO
Foi realizado um estudo de corte transversal e analítico com mulheres assistidas no ambulatório de reabilitação do Hospital da Restauração (HR), Recife, PE, Região Nordeste do Brasil, no período entre agosto de 2017 e maio de 2018.
Foram incluídas mulheres com idade superior a 20 anos, entre o 6º e 12º dia do ciclo menstrual, apresentando queimaduras profundas em qualquer região do corpo e realizando reabilitação motora. As mulheres com lesões do aparelho locomotor e sistema tegumentar e disfunções neuromotoras, visuais, auditivas, cognitivas ou psiquiátricas prévias à queimadura foram excluídas.
A queimadura profunda foi definida como uma lesão com consequências imediatas e tardias, atingindo as camadas mais profundas do sistema tegumentar, a camada reticular da derme. Essas podem incluir: feridas de queimadura de segundo grau, que atingem as camadas basais da derme; as lesões de terceiro grau, que atingem a pele, tendões, músculos, nervos e ossos; e de quarto grau, que são caracterizadas por uma carbonização do membro ou outras regiões do corpo, geralmente causadas por eletricidade.
As pacientes consecutivamente elegíveis e que aceitaram participar da pesquisa foram encaminhadas para a coleta de dados após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Inicialmente, foram entrevistadas individualmente utilizando um formulário contendo questões objetivas, elaborado pelos pesquisadores e, em seguida, submetidas ao exame clínico para avaliação da força de preensão palmar (dinamometria) e a amplitude de movimento articular (goniometria) das pacientes.
A variável dependente foi o transtorno de estresse pós-traumático, enquanto as variáveis independentes foram: sociodemográficos, como idade em anos, índice de massa corporal em kg/m2 (IMC), raça/cor da pele, estado civil, anos de estudo, renda familiar mensal, religião e situação atual de trabalho; clínicas, como o tempo da lesão e da fisioterapia, localização da lesão, cicatrização hiperplásica, aderência/retração cicatricial, brida cicatricial, comprometimento motor, força de preensão palmar, cirurgias realizadas, anormalidades osteoarticulares e desbridamento; e a qualidade de vida. Para caracterização da amostra, foram utilizadas as variáveis idade, raça/cor, estado civil, escolaridade, renda familiar mensal, religião, localização da lesão e tempo da lesão e da fisioterapia.
A QV e o nível do TEPT foram avaliados mediante a versão brasileira do questionário Burn Specific Health Scale-Revised (BSHS-R)5 e do Impact of Event Scale (IES)6, respectivamente. O BSHS-R é composto por 31 tópicos divididos em seis domínios (habilidades funcionais simples, trabalho, sensibilidade ao calor, relações interpessoais, afeto/imagem corporal e regime de tratamento). Cada item apresenta cinco alternativas, pontuando de um a cinco, tendo pontuação total entre 31 a 155, sendo quanto maior a pontuação pior o estado de saúde da paciente5. O IES-R pode ser utilizado na fase aguda, crônica ou tardia dos sintomas, sendo composto de 22 itens distribuídos em três subdivisões (evitação, intrusão e hiperestimulação)6.
Para realizar a goniometria, foi utilizado um goniômetro analógico (C GARCI - CARCI Indústria e Comércio de Aparelhos Cirúrgicos e Ortopédicos Ltda, Bauru, SP, Brasil), seguindo os índices de normalidade descritos no manual de goniometria e medição de ângulos articulares7. O comprometimento da amplitude de movimento foi caracterizado quando o grau da articulação era menor do que o descrito no manual para cada articulação, sendo quanto menor o grau maior a dificuldade de movimento7.
A mensuração foi realizada, segundo a técnica descrita no manual da goniometria7. Inicialmente, localizava-se o ponto anatômico da articulação, localizando o eixo do instrumento e posicionando a barra fixa, enquanto se seguia com a barra móvel do instrumento o movimento articular realizado pelo paciente7. O exame foi realizado em todas as articulações dos membros superiores e inferiores em ambos os lados por um pesquisador especializado, sendo a aferição da medida do ângulo articular realizada quando apresentava comprometimento articular, em uma ou mais articulações.
A dinamometria foi realizada segundo as recomendações da American Society of Hand Therapists (ASHT)8, utilizando o método da força de preensão palmar, pois seus valores podem estimar o estado geral da força com precisão e confiabilidade. O dispositivo utilizado foi um dinamômetro digital, referência 1001 (SAEHAN, Seul, Coreia do Sul). As mulheres estavam entre o 6º e o 12º dia do ciclo menstrual, para minimizar as alterações hormonais e, consequentemente, evitar variações na força de preensão palmar9. O exame foi realizado pelo mesmo pesquisador especializado, no período vespertino, sob incentivo verbal e visual, garantindo esforço máximo durante a tarefa. A mensuração foi realizada, no mínimo, por três avaliações em cada mão, sendo registrada a média dos valores8.
A força de preensão palmar preservada na mulher foi considerada segundo os valores de normalidade, nas mãos direita e esquerda, pela idade da paciente. Assim, entre 20 e 44 anos, era normal quando a média da força se encontrava maior do que 31,37kg/F, na mão direita, e 29,05kg/F, na mão esquerda; entre 45 e 64 anos, quando maior do que 23,50kg/F, na direita, e 21,69kg/F, na esquerda; e acima de 64 anos, quando maior do que 20,55kg/F, na mão direita, e 19,03kg/F, na mão esquerda9.
Para o cálculo da amostra, foi utilizado o programa OpenEpi 3,01 (Atlanta, GA, EUA), considerando a média do escore no domínio da capacidade funcional do BSHS-R de 74 e desvio padrão (DP) de 26, quando o tempo de tratamento foi entre 4 e 6 meses, e de 87 com DP de 16, quando o tempo de tratamento foi entre 9 e 12 meses7. Assim, para um intervalo de confiança de 80% e um poder de 80%, 50 mulheres eram necessárias.
Para a análise estatística, os dados categóricos foram resumidos por frequências absolutas e percentuais, e os dados numéricos, por meio de médias e desvio padrão (DP). Uma análise univariada foi realizada usando o teste t de Student para comparar a média do escore do IES-R, segundo as variáveis independentes, todas dicotomizadas. Posteriormente, com as variáveis independentes com p≤0,20 na análise univariada, foi construído um modelo inicial de regressão linear múltipla, do qual, mediante a aplicação do método purposeful selection, derivou-se o modelo múltiplo final constituído apenas das variáveis independentes com valor de p<0,05.
A correlação entre o escore do questionário IES e os domínios do BSHS-R foi feita por meio do coeficiente de correlação de Spearman. Em todas as análises, um nível de significância de 0,05 foi adotado e o software Stata 12.1 SE (StataCorp, College Station, TX) foi utilizado.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira – IMIP (CAAE: 69678717.9.0000.5201), sob parecer número 2.181.293, de 21 de julho de 2017, e do Hospital da Restauração (CAAE: 69678717.9.3001.5198), sob parecer número 2.400.454, de 27 de novembro de 2017. Todas as pacientes concordaram e assinaram o TCLE, sendo respeitada a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS
Foram elegíveis 51 mulheres com queimaduras profundas, no entanto, uma foi excluída devido a déficits cognitivos. Destas, a maioria das mulheres apresentou idade maior que 34 anos (n=36; 72%), cor da pele negra ou parda (n=31; 62%) e sem companheiro (n=32; 64%). O membro superior direito – MSD (n=31; 62%) e tórax (n=30; 60%) foram as regiões mais acometidas, com a maioria apresentando tempo de lesão menor que 7 meses (n=26; 52%) e de acompanhamento fisioterápico menor que 4 meses (n=26; 52%) (Tabela 1). Destaca-se que o escore do IES-R apresentou uma média de 54,0±20,3 e o escore geral do BSHS-R teve média de 93,3±25,0.
Na análise univariada, as médias dos escores do IES das variáveis sociodemográficas e clínicas foram estatisticamente maiores, quando o IMC era ≥ 30 kg/m2 (62,5±13,2 x 50,7±21,8; p=0,025), escolaridade ≤ 9 anos (60,4±13,6 x 47,6±24,0, p=0,026), renda familiar mensal ≤ 1 salário mínimo (59,3±14,4 x 46,7±25,1, p=0,048) e os tempos de lesão (59,7±15,7 x 47,8±23,2, p=0,041) e de fisioterapia (60,2±15,3 x 45,4±23,5, p=0,016) eram ≤ 6 meses (Tabela 2).
Em relação à análise de regressão linear múltipla para avaliação dos fatores associados ao TEPT, observou-se uma média do escore do IES menor estatisticamente, quando o IMC foi < 30 kg/m2, e maior, quando a renda familiar mensal foi ≤ 1 salário-mínimo, tempo de fisioterapia ≤ 6 meses e diante da necessidade de utilização de órtese (Tabela 3).
Avaliando-se a correlação entre os escores dos questionários IES e BSHS-R, observou-se que, exceto o domínio de habilidades funcionais simples do questionário BSHS-R, todos os demais, incluindo o escore total, mostraram uma correlação positiva, estatisticamente significante, com o escore do questionário IES (Tabela 4).
DISCUSSÃO
Nosso estudo observou que a obesidade, renda familiar mensal menor ou igual a um salário-mínimo, tempo de fisioterapia menor ou igual a seis meses e necessidade de utilização de órtese foram associados ao TEPT, avaliados pelo IES. Houve ainda uma correlação positiva entre os escores do IES e do BSHS-R, ou seja, quanto maior o IES, maior o BSHS-R, sugerindo associação do TEPT e pior qualidade de vida em mulheres com queimaduras profundas em reabilitação fisioterapêutica.
Existem múltiplos aspectos físicos, psicológicos e sociais que impactam a qualidade de vida de pessoas queimadas. Dor, limitações físicas, estigmas, ansiedade e estresse pós-traumático podem estar presentes. Em estudo qualitativo, desenvolvido na Coreia do Sul, descreveu-se que pacientes sobreviventes de queimadura profunda enfrentam dificuldades em relação à sintomatologia, como dor na ferida, distúrbios do sono, anormalidades cicatriciais, bem como alto impacto financeiro10. Em consonância com esses achados, um estudo transversal realizado em pacientes queimados do Brasil observou que, entre os problemas relacionados à saúde, o acidente com queimaduras é uma das principais causas de desordem socioeconômica, física, estética e psicológica11.
Sabe-se, ainda, que, entre os fatores que aumentam o risco de desenvolver TEPT em pacientes com queimadura, destacam-se a percepção de ameaça à vida e a baixa satisfação com o acompanhamento médico12, além de gênero, tipo do evento, atribuição de culpa, consumo de álcool13, baixo nível econômico14 e área da superfície queimada14.
Em nosso estudo, evidenciou-se que o escore do IES-R, do nível do TEPT, obteve média de 54,0±20,3, considerada alta, visto que as respostas das subescalas variam a pontuação total entre zero e 88 pontos. Heydarikhayat et al.15, em análise de ensaio clínico randomizado, demonstraram que 25,5% dos participantes foram encaminhados ao psicólogo e, destes, 4,8% necessitaram de internação de emergência em departamento psiquiátrico. Além disso, Wiechman et al.16 relataram que, dos pacientes queimados, aproximadamente 21% a 33% estão sob risco de desenvolver TEPT em 3-6 meses após o evento.
Ressalta-se que há certa dificuldade em identificar com precisão o TEPT13,17. Estudo de revisão sistemática sugeriu que isso ocorre devido à interação entre múltiplas variáveis sociodemográficas e diferenças individuais. Entretanto, o foco da triagem dos sintomas deve ser direcionado ao reconhecimento de sintomas intrusivos13.
Por meio de um questionário, nos primeiros cuidados para avaliar pensamentos intrusivos, como evitação, hipervigilância e dissociação, foram investigadas reações de estresse agudo e de TEPT em um grupo de 292 pacientes queimados em um centro de referência de queimados americano. O resultado foi positivo em 24% pacientes. Queimaduras profundas e na extremidade superior, internação na UTI e cirurgia foram mais significativos na amostra que respondeu afirmativamente a todas as questões do instrumento de avaliação12.
Como já abordado por Novelli et al.18, o gênero feminino é mais propenso ao impacto psicológico após o evento traumático causado por queimaduras, pois são as mais prevalentes entre os acidentes domésticos e porque tendem a uma maior preocupação com a desfiguração estética pós-queimadura profunda. Coube ao nosso estudo elencar os fatores relacionados ao TEPT nesta população, apresentando valor significativamente estatístico maior quando a renda familiar mensal era menor ou igual a um salário-mínimo, o tempo de fisioterapia menor ou igual a seis meses e diante da necessidade de utilização de órtese. Esses fatores estão relacionados diretamente ao perfil socioeconômico deficitário, acesso precário aos serviços de reabilitação, bem como da gravidade dos eventos, necessitando, por vezes, de uso de órteses.
Quando avaliada a qualidade de vida dos pacientes incluídos no estudo, o escore geral de QV apresentou média de 93,3±25,0, avaliada como alta, visto que a soma de todos os domínios do questionário totaliza entre 31 e 155. Em nosso estudo, quanto à correlação entre o TEPT e a QV, observou-se que, excetuando-se o domínio de habilidade funcionais simples do questionário BSHS-R, todos os demais, incluindo o escore total, apontaram para uma correlação positiva, estatisticamente significante, com o escore do questionário IES, corroborando com o estudo de Rocha et al.3, que analisou a QV em pacientes queimados no Distrito Federal, capital do Brasil.
Por fim, nossos resultados mostraram que os pacientes, principalmente do gênero feminino, precisam de suporte multidisciplinar em saúde por muitos meses após a alta hospitalar. Como exposto por Heydarikhayat et al.15, o acompanhamento psicológico/psiquiátrico em longo prazo é capaz de diminuir o impacto causado na esfera psíquica dos pacientes. Outra estratégia recente, utilizada por Rouzfarakh et al.19, consiste na educação para reabilitação pós-alta hospitalar de pacientes queimadas por meio das redes sociais, com resultados significativos na melhora da QV e sendo uma metodologia importante em situações que exijam distanciamento social, como em casos de pandemias.
Um estudo observou que, após 3 anos de um desastre, 16,8% de um grupo de 125 adultos taiwaneses sobreviventes de queimaduras ainda apresentaram TEPT e 8,8% depressão. A média de idade do incidente foi 22,4 anos, a maioria (62,4%) era de mulheres com superfície corporal média queimada de 51,6%. Sintomas de evitação e menor enfrentamento foram suficientes para predizer maiores sintomas de TEPT e/ou depressão pós-queimadura. O estudo comparou apenas a variável gênero, pois a maioria dos participantes eram adultos jovens e universitários. Por outro lado, estilos de enfrentamento da evitação e apoio social foram importantes para o ajustamento psicossocial e crescimento pós-traumático após a queimadura, sendo o enfrentamento da evitação o único preditor significativo de sintomas do TEPT e de depressão pós-queimadura17.
Apesar de variações em relação às taxas de incidência, que podem ser resultantes da não uniformidade dos instrumentos de avaliação, tanto pacientes vítimas de queimadura quanto os familiares são suscetíveis a TEPT14,20. Sintomas de TEPT foram reportados por 30% dos parceiros de queimados e os sintomas agudos foram relacionados à percepção de ameaça à vida e níveis mais altos de raiva, culpa e ruminação de pensamento. Ao longo do tempo, os sintomas diminuíram, chegando a taxas de 4% após 18 meses da queimadura. Entretanto, vale ressaltar que aos 18 meses pós-queimadura, os níveis mais elevados de sintomas de TEPT foram relacionados a sintomas de TEPT agudos e queimaduras mais graves20.
Adultos chineses e seus familiares apresentaram critérios positivos para TEPT em 42% e 51%, respectivamente. Idade entre 45 e 55 anos, baixa condição econômica, maior área de superfície queimada, tempo mais longo do incidente da queimadura previram positivamente o TEPT dos pacientes e as mulheres apresentaram maior risco14.
Algumas limitações devem ser consideradas: o nosso estudo considerou apenas mulheres e com queimaduras profundas e isso limita a generalização desses achados para pessoas queimadas em geral. Esse ponto, no entanto, pode ter pouca influência na prevalência de sintomas de TEPT em pessoas com queimaduras profundas quando se consideram os nossos achados e os da literatura, sendo de grande importância a realização de estudos específicos na população feminina.
Para além desse aspecto, sugere-se um maior enfoque do ponto de vista de saúde pública e políticas públicas que forneçam com maior efetividade suporte socioeconômico, acesso aos serviços de reabilitação multiprofissionais, considerando a necessidade do suporte fisioterápico e psicológico, bem como campanhas de conscientização para prevenção de queimaduras. Programas de suporte psicológico e psiquiátrico podem favorecer a identificação precoce de sintomas intrusivos e de evitação, contribuindo para desenvolver melhores estratégias de tratamento do TEPT, bem como fornecer suporte adequado a outras condições de saúde mental e impactar positivamente a qualidade de vida.
CONCLUSÕES
Em mulheres com queimaduras profundas, obesidade, baixa renda familiar, menor tempo de fisioterapia e necessidade de uso de órtese, além da pior qualidade de vida, foram fatores associados ao TEPT.
Dessa forma, é importante a atuação precoce, ainda no início do tratamento fisioterápico, favorecendo uma melhor qualidade de vida desses pacientes, os quais podem diminuir o TEPT. Novos estudos são necessários para avaliar estratégias direcionadas a essa finalidade, particularmente em mulheres.
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Recebido em
29 de Abril de 2023.
Aceito em
30 de Dezembro de 2023.
Local de realização do trabalho: Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), Centro de Atenção à Mulher; Hospital da Restauração, Recife, PE, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.