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Relato de Caso

Aplicação de terapia por pressão negativa adaptada em lesão por queimadura no norte do Brasil: Relato de caso

Application of low cost negative pressure therapy in burn injury in northern Brazil: Case report

Brenda Ramos de Souza1; Alizandra Mendonça Reis2; Andréia de Nazaré dos Santos Matos3; Leonardo Ramos Nicolau da Costa4; Anderson Bentes de Lima5

RESUMO

OBJETIVO: Relatar um caso clínico ocorrido em um Centro de Referência de Tratamento de Queimados, submetido a terapia por pressão negativa (TPN) adaptada com materiais hospitalares durante o período de internação, visando a cicatrização mais eficaz da lesão.
RELATO DE CASO: Paciente de 47 anos de idade, sexo masculino, vítima de queimadura por descarga elétrica, apresentando lesão em pé direito, região submetida há 16 dias de tratamento por TPN adaptada, tendo como resultado a cicatrização da lesão sem necessidade de enxertia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A aplicação de TPN adaptada demonstrou ser um importante alicerce na cicatrização da lesão, permitindo como resultados a redução da planimetria da lesão, aumento do tecido de granulação, redução do esfacelo, além da aproximação das bordas.

Palavras-chave: Queimaduras. Terapêutica. Ferimentos e Lesões. Tratamento de Ferimentos com Pressão Negativa.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To report a clinical case that occurred in Reference Center for Burn Treatment, submitted to negative pressure therapy (NPT) adapted with hospital materials during the period of hospitalization, aiming at a more effective wound healing.
CASE REPORT: 47-year-old male patient, victim of burns caused by electrical discharge, presenting a lesion in the right foot, region submitted to 16 days of treatment with adapted NPT, resulting in healing of the lesion without the need for grafting.
FINAL CONSIDERATIONS: the application of adapted npt proved to be an important foundation in the healing of the lesion, resulting in a reduction in the planimetry of the lesion, an increase in granulation tissue, a reduction in slough, in addition to approximation of the edges.

Keywords: Burns. Therapeutics. Wounds and Injuries. Negative-Pressure Wound Therapy.

INTRODUÇÃO

Queimaduras estão em quarto lugar no ranking de traumas que mais acontecem no mundo, ficando atrás dos acidentes de trânsito, quedas e violência interpessoal. Trata-se de um problema de saúde pública de grande impacto mundial, principalmente quando se leva em consideração sua elevada morbimortalidade1.

No Brasil, estima-se que ocorram anualmente cerca de 1.000.000 de acidentes por queimadura. Destes, 100.000 precisarão de assistência hospitalar, enquanto outros 2.500 irão a óbito, por consequência direta ou indireta de suas lesões. A maioria dos casos estão na faixa etária de 20 a 39 anos, independentemente do sexo2,3.

Em razão da gravidade das lesões causadas por queimaduras, diversos fatores devem ser levados em consideração na avaliação, com o objetivo de definir uma terapêutica adequada às manifestações locais e sistêmicas que a queimadura pode possuir. Ao mesmo tempo, surgem diversos tipos de curativos e coberturas que podem acelerar o processo de cicatrização e reduzir a incidência de infecção. Dentre eles, temos a terapia por pressão negativa (TPN)2.

A TPN, também conhecida como curativo a vácuo (VAC), é descrita na literatura desde a década de 1980, quando surgiu como uma nova tecnologia para o tratamento de feridas complexas, com objetivo de acelerar o processo de cicatrização de feridas aplicando em meio úmido uma pressão subatmosférica, monitorada e localizada4.

Os benefícios da aplicação da técnica de TPN em queimaduras têm sido comumente relatados em pesquisas principalmente em feridas crônicas, traumáticas e cavitárias por favorecer o aumento de tecido de granulação, a redução de infecção e processos inflamatórios como edema intersticial, remoção dos debris e o excesso de líquidos5.

Ainda que haja disponibilidade no mercado de produtos industriais específicos para a realização do curativo por TPN, sabe-se que o preço de sua aplicação ainda é alto, fazendo com que terapias e curativos adaptados utilizando materiais hospitalares tenham ganhado espaço, principalmente pelos efeitos positivos compatíveis com os produtos comerciais4,6. Dessa forma, o objetivo deste estudo é relatar o caso de um usuário internado no Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência (HMUE), em Ananindeua, PA, submetido a TPN adaptada com materiais hospitalares durante o período de internação e seus resultados positivos.


RELATO DE CASO

Paciente, 47 anos de idade, sexo masculino, brasileiro, proveniente de Parauapebas, no estado do Pará. Deu entrada no pronto-atendimento em dezembro de 2019 sendo vítima de descarga elétrica acidental com presença de queimaduras de espessura total (terceiro grau) em face, carbonização (quarto grau) em pé esquerdo e espessura total (terceiro grau)6 em pé direito, com exposição de tecidos nobres (tendões e metatarsos), correspondendo a aproximadamente 15% da superfície corporal queimada, negou alergias e comorbidades.

Foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulto, encaminhado para o UTI do CTQ onde ficou durante 3 dias, e depois foi transferido para a enfermaria para dar continuidade ao tratamento das lesões. No dia 27 de janeiro de 2020, durante a visita multiprofissional, foi definida a instalação de curativo por TPN adaptada na região plantar do pé direito, com objetivo de reduzir a extensão e profundidade da lesão e favorecer a cicatrização até a resolução do caso.

O protocolo de avaliação de feridas considerou a utilização de uma única câmera fotográfica de celular, registro a uma distância de 34 cm, seguida da planimetria anatômica com a medição em comprimento, largura e profundidade. Para aplicação da terapia, utilizou-se pressão subatmosférica de 125 mmHg em todas as aplicações, de acordo com o preconizado pela literatura científica.

Para realização da TPN, foram utilizados materiais disponíveis no próprio hospital para sua realização, que compreenderam vacuômetro, rolo filme transparente, compressas de gazes algodonas estéreis, gazes estéreis, lâmina de bisturi número 23, sonda de aspiração de tamanho médio e fenestrada de acordo com a lesão. A evolução dos resultados de cada curativo em relação à planimetria pode ser vista no Gráfico 1.


Gráfico 1 - Resultado da relação de planimetria anatômica (comprimento, largura e profundidade), desde a lesão inicial até o último resultado do curativo com terapia por pressão negativa (TPN), Ananindeua-PA, 2020.



Antes da aplicação de TPN, a lesão apresentava planimetria de 9 cm de comprimento por 6,5 cm de largura e 4 cm de profundidade, com bordas irregulares, tecido de granulação em cerca 40%, sendo as demais áreas com esfacelos aderidos e espaçados.

Na primeira troca (após 5 dias da primeira instalação) a lesão apresentou redução em 11,1% da lesão em comprimento, 23,1% de largura e 15% redução em profundidade, as bordas mantiveram-se irregulares, com moderada exsudação sero-hemática e tríade inflamatória com calor, rubor e edema. Depois, foram aplicados mais quatro curativos por TPN, que corresponderam a um total de 16 dias de tratamento, com troca regular de 3 a 5 dias de acordo com a transudação e exsudação e com supervisão diária do membro afetado.

Na última troca, foi possível obter a redução definitiva da lesão, a mesma diminuiu para 5,5 cm de comprimento (38,9% de redução), 3,5 cm de largura (46,2% de redução) e 2 cm de profundidade (50% de redução), além da redução do exsudato, que ficou restrita ao centro, conforme previsto pelo posicionamento da sonda (Quadro 1). O tecido apresentou cerca de 80% de granulação e moderada quantidade de esfacelo. A evolução da epitelização pode ser ilustrada pela Figura 1.


Figura 1 - Evolução da lesão após aplicação de terapia por pressão negativa (TPN) com materiais de baixo custo, Ananindeua-PA, 2020.



Em conjunto com a equipe multiprofissional e respeitando o desejo da família e do usuário, iniciou-se o processo de desospitalização do mesmo, sendo necessária a interrupção do curativo por TPN e o acompanhamento da lesão com curativos biológicos. O usuário manteve acompanhamento on-line, com orientações de curativos até sua cicatrização completa no dia 25 de maio de 2020 (Figura 2), sem necessidade de intervenção cirúrgica. O mesmo não teve retorno ambulatorial em virtude da pandemia por COVID-19.


Figura 2 - Resultado da cicatrização da lesão, após aplicação de terapia por pressão negativa (TPN) e curativos biológicos, Ananindeua-PA, 25 de maio, 2020.



DISCUSSÃO

Os cuidados de pacientes vítimas de queimadura são um desafio na prática clínica, principalmente pelo teor de criticidade que as lesões apresentam. Neste sentido, a TPN tem se tornado grande aliada em queimaduras, permitindo estimular tecido de granulação, reforço de enxertos, remoção do exsudato, redução do risco de infecção, além de contribuir para menor tempo gasto em curativos pela enfermagem7.

Apesar de seus benefícios comprovadamente explicados por ensaios clínicos, existem, ainda, contraindicações que devem ser observadas em feridas agudas. As contraindicações mais aceitas do ponto vista científico são presença de tecido necrótico, infecção invasiva maciça, exposição óssea e sangramento ativo no local, sendo este último relacionado à dificuldade no controle da pressão aplicada no local ou falhas técnicas de sua aplicação8.

Em uma meta-análise realizada com publicações até o ano de 2020, apesar do número limitado de estudos clínicos-randomizados, os pesquisadores encontraram elevada significância na correlação da TPN com a cicatrização de queimaduras, redução da taxa de infecção e, consequentemente, a melhor adesão dos enxertos. Os autores relataram que o uso da TPN em queimaduras é seguro desde que aplicada em condições adequadas nas lesões9.

Após a disseminação dos resultados positivos da aplicabilidade da TPN em diversos tipos de feridas, Paul et al. 4 revisaram e divulgaram a sua aplicabilidade em feridas complexas, ou seja, aquelas com mais de três meses de tratamento sem cicatrização, feridas com processos necróticos causados por infecções, úlceras, feridas crônicas ou por contusão traumática e ortopédica, entre outros.

Neste sentido, autores como Passoni et al. 10 têm relatado o grau de eficiência de curativos adaptados que utilizam materiais de baixo custo como alternativa aos produtos industriais, sem perder eficiência quando aplicados em lesões traumáticas. O mesmo estudo evidenciou em seus resultados que a TPN associada ao desbridamento cirúrgico possibilita um melhor prognóstico ao paciente, aumentando áreas de granulação e redução de tempo de espera para um posterior procedimento de enxertia, visando à resolução do caso.

Deste modo, a TPN deve constituir o arsenal terapêutico multidisciplinar para o tratamento de feridas originárias de queimaduras, visto que caracteriza uma escolha mais rápida e confortável, se comparada aos métodos tradicionais de tratamento11, de modo que ainda é possível obter resultados igualmente positivos e recuperação das lesões em menor tempo há outros métodos.

O estudo de Kamamoto et al. 12 constatou que não há diferença de eficácia entre o grupo que utilizou a TPN de baixo custo e a TPN comercial, entretanto, o grupo que utilizou materiais disponíveis no hospital teve um custo médio bem inferior (cerca de US$ 15,15) se comparado ao grupo de TPN comercial (US$ 872,59), demonstrando uma alternativa de bom custo e benefício para hospitais que não têm condições de adquirir o produto comercial.

Instituições de saúde estão desenvolvendo e aderindo cada vez mais à técnica de se realizar o curativo de maneira artesanal. Isto se deve ao fato de ser possível obter resultados positivos tanto com a técnica convencional quanto com a técnica artesanal, favorecendo a recuperação das lesões, incluindo queimaduras, em menor período de tempo, redução dos índices de infecção no sítio da ferida e dos gastos financeiros globais com o tratamento13.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O relato de caso verificou a eficácia do curativo adaptado com materiais hospitalares no leito de ferida exsudativa causada por queimadura por descarga elétrica, apresentando também resultados positivos em relação aos objetivos citados na bibliografia como atenuação de esfacelos, a aproximação das bordas e epitelização. Ressalta-se que a utilização de materiais disponíveis no ambiente hospitalar para adaptar ao princípio de TPN facilita a sua aplicabilidade e reprodução em outros setores hospitalares com a indicação clínica adequada e com os cuidados que este tipo de terapia necessita.

Este estudo teve como limitações a necessidade da interrupção do curativo por TPN e a continuidade de aplicação de curativos biológicos no domicílio com acompanhamento virtual, em virtude da dificuldade do retorno ambulatorial pelo risco de infecção por COVID-19. Ressalta-se, ainda, a necessidade de novos estudos que comprovem a eficiência e eficácia de TPN adaptada para um público maior de pacientes com lesões por queimaduras.


REFERÊNCIAS

1. Paula GAC, Nascimento JM, Quadrado ALD, Perrone RP, Silva Junior CS. Epidemiologia dos pacientes vítimas de queimaduras internados no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da Santa Casa de Misericórdia de Santos. Rev Bras Cir Plást. 2017;32(4):550-5.

2. Cruz BF, Cordovil PBL, Batista KNM. Perfil epidemiológico de pacientes que sofreram queimaduras no Brasil: revisão de literatura. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4): 246-50.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Queimados. 2017. [acesso 11 maio 2020]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/component/content/article/842-queimados/40990

4. Kim PJ, Attinger CE, Crist BD, Gabriel A, Galiano RD, Gupta S, et al. Negative Pressure Wound Therapy With Instillation: Review of Evidence and Recommendations. Wounds. 2015;27(12):S2-19.

5. Caldas NG, Fernandes SS, Aguiar EJ, Silva AAM, Medrei NR. O uso da terapia a vácuo no tratamento da Síndrome de Fournier - Revisão da literatura, experiência do serviço e série de casos. Relatos Casos Cir. 2019;5(3):e2229.

6. ISBI Practice Guidelines Committee; Steering Subcommittee; Advisory Subcommittee. ISBI Practice Guidelines for Burn Care. Burns. 2016;42(5):953-1021.

7. Teng SC. Use of negative pressure wound therapy in burn patients. Int Wound J. 2016;Suppl 3(Suppl 3):15-8. DOI: 10.1111/iwj.12641

8. Bovill E, Banwell PE, Teot L, Eriksson E, Song C, Mahoney J, et al; International Advisory Panel on Topical Negative Pressure. Topical negative pressure wound therapy: a review of its role and guidelines for its use in the management of acute wounds. Int Wound J. 2008;5(4):511-29. DOI: 10.1111/j.1742-481X.2008.00437.x

9. Lin DZ, Kao YC, Chen C, Wang HJ, Chiu WK. Negative pressure wound therapy for burn patients: A meta-analysis and systematic review. Int Wound J. 2021;18(1):112-23. DOI: 10.1111/iwj.13500

10. Passoni R, Rosin J, Tres DP, Peres RR, Carvalho DP, Hofstatter LM. Terapia por pressão negativa artesanal como adjuvante na autoenxertia cutânea em trauma ortopédico. Rev Enferm UFSM. 2015;5(3):580-8.

11. Silva MD, Barbosa TA, Miranda MJB. Pressão negativa no tratamento de queimadura por ressonância magnética: relato de caso. An Fac Med Olinda (Recife). 2018:2(2):44.

12. Kamamoto F, Lima ALM, Rezende MR, Mattar-Junior R, Leonhardt MC, Kojima KE, et al. A new low-cost negative-pressure wound therapy versus a commercially available therapy device widely used to treat complex traumatic injuries: a prospective, randomized, non-inferiority trial. Clinics (Sao Paulo). 2017;72(12):737-42.

13. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segurança do Paciente em Serviços de Saúde: Limpeza e desinfecção de superfícies. Brasília: Anvisa; 2010.











1. Universidade do Estado do Pará; Mestranda em Cirurgia e Pesquisa Experimental -CIPE/CCBS /Especialista em Urgência e Emergência no Trauma, Belém, PA, Brasil
2. Centro Universitário do Estado Pará; Graduação de Enfermagem, Belém, PA, Brasil
3. Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência; Enfermeira do Centro de Tratamento de Queimados, Ananindeua, PA, Brasil
4. Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência; Coordenador do Departamento de Ensino e Pesquisa; Residência Multiprofissional da Universidade do Estado do Pará em Urgência e Emergência do Trauma, Ananindeua, PA, Brasil
5. Universidade do Estado do Pará; Mestrado de Cirurgia e Pesquisa Experimental -CIPE/CCBS, Belém, PA, Brasil

Correspondência:
Brenda Ramos de Souza
Universidade do Estado do Pará
Travessa Perebebuí, 2623 – Marco
Belém, PA, Brasil – CEP: 66087-670
E-mail: brendaramosdesouza@gmail.com

Artigo recebido: 18/9/2021
Artigo aceito: 18/1/2023

Local de realização do trabalho: Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência, Ananindeua, PA, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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