1669
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo de Revisao

Escalas de avaliação de cicatrizes em pacientes vítimas de queimaduras: Revisão de literatura

Burns scars scale evaluation in patients victims of burns injury: Literature review

Sállua Berlanga Spilla; Adriana da Costa Gonçalves; Lidia Maria Prada; Jayme Adriano Farina-Junior

RESUMO

OBJETIVO: Analisar as evidências disponíveis na literatura sobre escalas subjetivas de avaliação de cicatrizes em indivíduos vítimas de queimaduras.
MÉTODO: Foi realizada uma revisão integrativa da literatura no período de 2016 a 2020, nas bases de dados da PubMed, LILACS, PEDro e SCIELO, utilizando os descritores em inglês: “burn injury”, “scar” e “assessment”; e em português: queimaduras, cicatriz, escalas e avaliação, combinando-os como estratégia de busca.
RESULTADOS: Foram encontrados 382 artigos, sendo selecionados dez, destacando-se que as principais escalas utilizadas foram a Escala de Avaliação Cicatricial Paciente/Observador (POSAS) e a Escala de Cicatrização de Vancouver (VSS). Estas escalas apresentaram boa confiabilidade na sua aplicação, tendo a POSAS confiabilidade maior que a VSS, havendo correlação positiva entre os itens elasticidade, espessura, vascularização e cor, das escalas subjetivas com instrumentos objetivos de avaliação de cicatrizes.
CONCLUSÕES: Neste trabalho de revisão integrativa as escalas mais utilizadas para avaliação de cicatrizes após queimadura foram POSAS e VSS. A escala POSAS foi a mais citada nos estudos analisados, destacando-se pelo maior número de itens avaliados na cicatriz, tanto pelo observador como na avaliação do paciente; valorizando sintomas como dor e coceira. Quando comparadas com avaliações realizadas com instrumentos objetivos de análise das características cicatriciais, foi encontrada uma correlação positiva, viabilizando uma utilização confiável, apesar da necessidade de escalas mais completas serem desenvolvidas. Sendo assim, de acordo com os dados coletados, estas escalas podem ser consideradas bons instrumentos para avaliação de cicatrizes causadas por queimaduras.

Palavras-chave: Queimaduras. Cicatriz. Avaliação de Processos e Resultados em Cuidados de Saúde.

ABSTRACT


METHODS: A literature review was carried out from 2016 to 2020, in the PubMed, LILACS, PEDro and SCIELO databases, using the English keywords: “burn injury”, “scar” and “assessment”; and in Portuguese: burns, scar, scales and assessment, combining them as a search strategy.
RESULTS: A total of 382 articles were found, ten being selected, highlighting that the main scales used were the Patient/Observer Scar Assessment Scale (POSAS) and the Vancouver Scar Scale (VSS). These scales showed good reliability in their application, with POSAS being more reliable than VSS, with a positive correlation between the items elasticity, thickness, vascularization and color of the subjective scales with objective instruments for scar assessment.
CONCLUSIONS: In this integrative review, the most used scales to assess scars after burns were POSAS and VSS. The POSAS scale was the most cited by the largest number of studies, if highlighted by the observer, as a patient assessment; symptoms such as pain and recovery. When the measures, with estimates, were found with the objective of analyzing the characteristics, a positive certainty, enabling a reliable use, despite the need for more complete scales to be found. Therefore, according to the functioning data, they can be improved with the functioning evaluation instruments, according to the evaluation instruments.

Keywords: Burns. Cicatrix. Outcome and Process Assessment, Health Care.

INTRODUÇÃO

Queimaduras são lesões agudas que acometem a pele e outros tecidos orgânicos, causadas por agentes térmicos, elétricos, químicos ou radioativos, que destroem total ou parcialmente o revestimento epitelial1. Como principais fatores de risco temos: sexo masculino, faixa etária entre 20 e 39 anos, baixo nível socioeconômico e moradias com tamanho inadequado para o número de residentes. É o quarto trauma mais comum no mundo, afetando mais países em desenvolvimento, com elevado índice de mortalidade2,3.

O prognóstico e a gravidade da queimadura são definidos pelo agente causal, extensão da área queimada, profundidade da lesão, localização, idade, doenças preexistentes e lesões associadas. Elas podem ser classificadas de acordo com a profundidade, sendo de primeiro grau, segundo grau superficial ou profundo e terceiro grau.

Considera-se como grande queimado os pacientes abaixo de 12 anos que apresentam queimaduras de segundo grau com mais de 15% da superfície corporal queimada (SCQ), e acima dessa idade com mais de 20% da SCQ; queimaduras de terceiro grau atingindo mais de 5% da SCQ em menores de 12 anos, e acima de 10% em maiores de 12 anos; assim como queimaduras a partir de segundo grau em região de períneo; de terceiro grau quando acometem mão ou pé, face, pescoço ou axila; e queimaduras por corrente elétrica4.

Restrições funcionais e estéticas, contraturas, prurido, dor e estigmatização são possíveis consequências das cicatrizes causadas por queimaduras5, além de interferirem na qualidade de vida destes indivíduos6.

A avaliação da cicatriz é de extrema importância para estabelecer a efetividade do tratamento agudo e seguimento ambulatorial, pois deve prever a evolução da cicatriz desde a fase inicial6. Para que os resultados das intervenções cirúrgicas ou não cirúrgicas possam ser interpretados e comparados de maneira consistente, são necessários achados clínicos precisos e reprodutíveis durante essa avaliação7.

Existem métodos objetivos e subjetivos para a avaliação de cicatrizes. Os métodos objetivos são de quantificação das propriedades da cicatriz e pouco influenciados pelo avaliador, reduzindo a variabilidade da avaliação7. No entanto, é difícil obter uma avaliação geral da cicatriz com instrumentos objetivos como o tonômetro, dermaespectrômetro, cromômetro, dentre outros, pois são de alto custo, tornam a avaliação demorada, sendo inviáveis para a prática clínica em muitos casos8.

As escalas compõem métodos de avaliação subjetiva, sendo capazes de registrar as percepções do avaliador sobre a cicatriz8, gerando uma medida qualitativa. Mesmo que uma baixa confiabilidade entre avaliadores seja citada por alguns autores, escalas subjetivas são amplamente utilizadas no ambiente clínico por serem úteis, de baixo custo, de fácil aplicação e não necessitarem de treinamento especializado9.

As características físicas mais comumente incluídas nas avaliações subjetivas são espessura, flexibilidade, vascularização e pigmentação da cicatriz8. Uma avaliação adequada pode otimizar o tratamento, assim como os recursos utilizados e a efetividade dos mesmos, porém existem poucas escalas traduzidas e validadas no Brasil.


OBJETIVO

O objetivo deste estudo foi analisar as evidências disponíveis na literatura sobre escalas subjetivas de avaliação de cicatrizes em indivíduos vítimas de queimaduras.


MÉTODO

Este estudo trata-se de uma revisão integrativa de literatura que, por meio da aplicação de métodos sistemáticos, permite a análise e síntese de estudos relevantes, auxiliando no processo de tomada de decisão na prática clínica10.

O rigor metodológico foi mantido por meio dos seguintes passos: formulação da pergunta de pesquisa pela estratégia PICO, que representa um acrônimo para paciente (pacientes com cicatrizes após queimaduras), intervenção (avaliação de cicatrizes com escalas subjetivas), controle (comparação dos itens de avaliação das cicatrizes nas diferentes escalas, assim como com instrumentos de avaliação objetiva) e desfecho (efetividade da aplicação das escalas subjetivas); determinação das bases de dados, do período e do idioma em que os artigos foram publicados; determinação dos critérios de inclusão/exclusão; seleção do material; organização e elaboração do banco de dados; extração das informações; exclusão de estudos após análise aprofundada; análise e discussão dos dados encontrados; e exposição da relevância do estudo para prática clínica11.

A pesquisa foi realizada nas seguintes bases de dados: PubMed, LILACS (Literatura Científica e Técnica da América Latina e Caribe), PEDro (Base de Dados de Evidência em Fisioterapia) e SciELO (Scientific Electronic Library Online), utilizando os descritores em inglês: “burn injury”, “scar” e “assessment”; e em português: queimaduras, cicatriz, escalas e avaliação, combinando-os como estratégia de busca, de acordo com o MeSH (Medical Subjects Headings) e o DeCS (Descritores em Ciências da Saúde).

Os critérios de inclusão foram: artigos na língua inglesa ou portuguesa, que respondessem à pergunta norteadora, disponíveis na íntegra e publicados entre os anos de 2016 e 2020. Foram excluídos estudos de revisão, estudos com animais ou aqueles que não se enquadravam na categoria de artigo científico.

Um componente do grupo de pesquisa (SBS) realizou a busca inicial dos artigos, através da combinação das palavras-chave (burn injury AND scar AND assessment) nas plataformas PubMed, LILACS, PEDro e SCIELO, sendo encontrados inicialmente 374, 0, 2 e 1 artigo, respectivamente.

Utilizando a combinação de palavras burn AND scar AND evaluation, foram encontrados 5 artigos na plataforma LILACS. Com a utilização das palavras-chave em português (queimadura, cicatriz, escala e avaliação) na plataforma PEDro não foram encontrados artigos referentes ao tema.

Após a busca com a combinação dos descritores, foram lidos os títulos e resumos dos estudos e excluídos 322 artigos nesta primeira etapa de seleção.

Foram lidos na íntegra 60 artigos. Os textos completos dos artigos selecionados foram baixados no formato PDF (Formato Portátil de Documento) e anexados ao software de gerenciamento de referências bibliográficas MendeLey.

Os artigos foram organizados em uma planilha do programa Microsoft Office Excel®, contendo título, ano de publicação, autores, objetivo do estudo, metodologia e resumo dos resultados.

Os dados contidos na planilha foram revisados pelos outros dois integrantes deste trabalho (ACG e LMP) e, após leitura conjunta dos dados coletados, foram selecionados 10 artigos que se enquadravam nos critérios de inclusão, conforme descrição no fluxograma (Figura 1).


Figura 1 - Fluxograma referente ao processo de seleção dos artigos incluídos neste estudo.
Fonte: Elaboração dos autores.



RESULTADOS

Foram encontrados 382 artigos, após leitura do título e resumo, sendo excluídos 322; foram lidos na íntegra 60 artigos e, desses, 10 foram selecionados para compor essa revisão de literatura, sendo descritos em ordem cronológica na Tabela 1.




As escalas de avaliação da cicatriz mais utilizadas foram a Escala de Avaliação Cicatricial Paciente/Observador ou Patient and Observer Scar Assessment Scale (POSAS), presente em nove estudos, e a Vancouver Scar Scale ou Escala de Cicatrização de Vancouver (VSS), utilizada em seis deles. Apenas um estudo utilizou uma escala fotográfica de avaliação de cicatriz e um utilizou uma escala numérica de avaliação, a Numeric Rating Scale (NRS) para avaliação de dor e coceira.

A VSS é uma escala traduzida e validada para língua portuguesa no ano de 2014, composta por quatro itens que avaliam pigmentação, vascularização, flexibilidade e altura, com uma pontuação variando de zero a cinco nos diferentes itens, com pontuação final de até 13 pontos, sendo que quanto menor o resultado melhor a regeneração e cicatrização tecidual (Figura 2)12.


Figura 2 - Escala da Cicatrização de Vancouver traduzida e adaptada ao idioma português do Brasil.
Fonte: Santos et al. , 201412



A POSAS é uma escala que foi traduzida em 201613 e validada para língua portuguesa no ano de 201914. É composta por duas escalas numéricas que avaliam sinais e sintomas da cicatrização, ambas contêm seis itens com pontuação de um a dez e cada item avalia um parâmetro específico da cicatriz. A escala do paciente avalia os itens dor, coceira, cor, rigidez, espessura e irregularidade; e a do observador avalia vascularização, pigmentação, espessura, saliência, flexibilidade e área de superfície, com pontuação final variando de seis a 60, sendo que quanto menor o resultado melhor a regeneração e cicatrização tecidual. Além disso, o paciente e o observador também marcam sua “opinião geral” independente da “pontuação total”, também pontuada de um a dez (Figura 3).


Figura 3 - Escala de Avaliação Cicatricial POSAS - Escala do Observador e do Paciente, validada para o português.
Fonte: Lenzi et al. , 201914



Nessa revisão de literatura três artigos correlacionaram as escalas POSAS e VSS, não ocorrendo correlação em relação à pontuação final e à pigmentação, porém, em relação aos itens vascularização, flexibilidade e espessura houve correlação, conforme descrito na Tabela 2.




Lee et al. 7 avaliaram a confiabilidade entre as escalas POSAS e VSS, sendo que a escala POSAS apresentou escore de confiabilidade maior que a VSS nos itens vascularização, pigmentação, flexibilidade e espessura, porém na pontuação total os dados foram semelhantes.

A confiabilidade dos pacientes versus observadores da escala POSAS foi avaliada em um estudo15, sendo que a avaliação feita pelo paciente apresentou boa consistência interna e a do observador consistência de boa a excelente. A confiabilidade dos pacientes versus observadores foi considerada confiável na avaliação de 18 meses após a queimadura, enquanto na avaliação de 3 meses foi limítrofe. A confiabilidade interobservador (profissional) foi excelente na avaliação de 3 meses e aproximou-se do valor adequado em 18 meses.

Nesta revisão, artigos avaliaram a correlação entre itens específicos das escalas subjetivas, POSAS e VSS, com instrumentos de avaliação objetiva, sendo que três artigos avaliaram a correlação entre o subitem flexibilidade com os instrumentos Cutometer, Dermascan e Shear-wave elastography15-17; quatro artigos avaliaram a correlação entre os subitens pigmentação e vascularização com Dermaspectrometer, DSM II Colormeter e Dermoscopy7,15,18,19; e dois artigos avaliaram a correlação entre o subitem espessura com Dermascan e Shear-wave elastography16,17, conforme descrito na Tabela 3.




Um artigo (A1)15 avaliou a capacidade discriminativa da POSAS a longo prazo e encontrou que a escala do paciente, na avaliação de 3 meses após a queimadura, teve uma capacidade adequada. A escala do observador teve um desempenho significativamente melhor do que a do paciente e uma boa capacidade discriminativa. Além disso, foi observado que, na avaliação de 3 meses após o evento, os itens dor e rigidez da escala do paciente; espessura e flexibilidade da escala do observador foram aqueles que, quando apresentaram maior pontuação, foram preditores da piora da qualidade da cicatriz.

O artigo A320 utilizou a NRS para avaliação de dor e coceira e encontrou uma relação linear significativa entre os itens e a severidade da cicatriz 6 meses após enxertia, avaliada pela escala fotográfica, previamente citada. Os componentes da escala fotográfica foram comparados separadamente com dor e coceira. Aparência da superfície e espessura da cicatriz foram significativamente correlacionadas com a severidade da dor, enquanto a cor não teve correlação. Intensidade da coceira teve maior correlação com cor, seguida da espessura; não havendo correlação significativa entre aparência da cicatriz e severidade da coceira. Também foi observada alta correlação entre a escala fotográfica e a VSS20.

Um dos artigos (A10)21 teve como objetivo examinar as mudanças nas características da qualidade da cicatriz do local doador ao longo do tempo e avaliar a concordância entre a qualidade da cicatriz relatada pelo paciente e pelo observador. A concordância entre pacientes e observadores dos itens da POSAS foi pobre na avaliação de 3 meses, porém nos itens flexibilidade, espessura e rigidez da cicatriz, houve um aumento da concordância na análise de 12 meses. Os escores da avaliação da cicatriz do paciente e do observador dos itens rigidez e flexibilidade foram idênticos em mais de 50% dos casos, enquanto a concordância em relação à cor (vascularidade e pigmentação) foi inferior a 20% em ambos os momentos. No geral, os pacientes avaliaram a cor (pigmentação e vascularização) e a opinião geral sobre a cicatriz como mais severa que a dos observadores.


DISCUSSÃO

Foi observado no presente estudo que as escalas mais utilizadas para avaliação da cicatriz de queimaduras são POSAS e VSS, assim como demonstrado em outro estudo de revisão22. Além dessas, uma escala fotográfica foi aplicada em um dos estudos, mostrando que fotografias, que já são utilizadas como instrumento de documentação de cicatrizes há anos23, podem também ser empregadas para avaliação e acompanhamento dos resultados do tratamento das cicatrizes24.

Importante salientar que POSAS e VSS se correlacionaram positivamente nos parâmetros de vascularização, flexibilidade e espessura nos estudos pesquisados e o mesmo ocorreu em relação à escala fotográfica, que apresentou correlação positiva com a VSS. Sendo assim, cabe aos profissionais escolherem a escala a ser utilizada de acordo com o objetivo da avaliação e com o tempo disponível para aplicação de cada instrumento6.

As escalas POSAS e VSS se mostraram instrumentos de avaliação com boa confiabilidade, além de se correlacionarem com instrumentos objetivos de avaliação de diversas características da cicatriz, como flexibilidade (Cutometer, SWE), pigmentação (DSM II Colormeter), vascularização (DSM II Colormeter) e espessura (Dermascan).

Apesar de alguns estudos5,17 terem encontrado correlação entre as pontuações da POSAS e VSS, não há consenso na literatura sobre esse assunto. Como mostrado pela presente revisão, alguns autores1 não encontraram correlação entre a pontuação total das escalas e, além disso, outro estudo7 demonstrou que a confiabilidade da POSAS é maior em relação a todos os subitens de avaliação quando comparada à VSS.

Esses dados convergem com os mostrados por Draaijers et al. 25, que observaram que, para uma avaliação confiável com a VSS, seriam necessários pelo menos dois examinadores e que resultados ainda melhores foram encontrados com quatro examinadores, enquanto a POSAS apresentou confiabilidade adequada com apenas um examinador na sessão de avaliação do observador.

A POSAS ainda apresentou boa consistência interna entre pacientes e consistência de boa a excelente entre observadores, já a confiabilidade dos pacientes versus observadores foi considerada boa só na avaliação após 18 meses da queimadura15, período no qual a maturação da cicatriz ocorre, com consequente menor variabilidade dos itens avaliados.

Diversos parâmetros podem ser utilizados na avaliação das cicatrizes por queimaduras, entre eles, estão cor, flexibilidade, espessura, dor e coceira. A avaliação da pigmentação da cicatriz pela POSAS é relevante para a prática clínica, já que pacientes e examinadores geralmente relacionam o sucesso do tratamento de acordo com a aparência da cicatriz18, além disso, escalas como a POSAS podem prever a condição da cicatriz a longo prazo15.

Cor é considerada um dos elementos mais complexos, englobando três itens: pigmento marrom da melanina, oxihemoglobina vermelha na vascularização cutânea e os pigmentos de carotenos6,26. Essa característica pode ser avaliada por instrumentos objetivos e visualmente, por meio de escalas. A avaliação visual da cor da cicatriz é uma maneira efetiva, porém subjetiva, podendo variar de acordo com o examinador, já que o cérebro humano distingue cores, mas não quantifica sua intensidade de forma acurada, assim como, pode haver problema na memorização da cor a longo prazo para efeito de comparação em tempos6,27. Convém destacar que outros fatores como espessura e textura da pele, iluminação e temperatura do ambiente interferem na avaliação desse parâmetro6.

Apesar disso, foi demonstrado que há correlação entre os dados da POSAS do paciente e do observador com Dermaspectrometer15, POSAS observador com DSM II Colormeter18 e com o Dermoscopy19, e as subescalas vascularização e pigmentação da VSS com o DSM II Colormeter, que são instrumentos objetivos de avaliação da cicatriz, o que valida o uso das escalas na prática clínica.

Outra consequência das queimaduras profundas de espessura parcial e total é a alteração do volume tecidual, que pode permanecer por até nove meses após a lesão. Quando o volume se apresenta reduzido, indica atrofia; se estiver aumentado, leva à formação de cicatrizes hipertróficas, que são caracterizadas pela elevação, hiperemia e rigidez, e podem persistir por vários meses27, causando impacto inclusive na funcionalidade, motivo pelo qual a espessura é um item importante a ser avaliado.

A avaliação subjetiva é considerada menos acurada, visto que é realizada uma análise das camadas mais superficiais da cicatriz6, porém foi encontrada correlação entre o item espessura da POSAS e o Shear-Wave Elastography (SWE)17 e entre a subescala espessura da VSS e o Dermascan7, portanto, estas escalas podem ser consideradas bons instrumentos para avaliação da espessura das cicatrizes.

Elasticidade da pele é a propriedade do tecido de retornar à forma original após a causa da deformação ser retirada, e rigidez é a resistência de um tecido elástico de sofrer deformação através da aplicação de uma força6. Cicatrizes podem ficar rígidas ou perder sua elasticidade devido ao aumento da síntese de colágeno e pela falta de elastina na camada dérmica, o que pode comprometer a funcionalidade, principalmente quando elas estão localizadas nas articulações28, o que justifica a importância da avaliação deste parâmetro.

Foi demonstrada correlação entre a POSAS e a subescala de flexibilidade da VSS com o Cutometer e SWE7,15,17, e da última com o Dermascan16, indicando que são bons instrumentos para avaliação deste parâmetro.

Grande parte dos pacientes com cicatrizes por queimaduras experimenta uma mudança na sensação da pele cicatrizada, com a ocorrência de prurido, dor, e hiper ou hipossensibilidade, o que pode se estender por anos após a lesão inicial. Indivíduos com índice de massa corporal (IMC) elevado, espessura da cicatriz de 2-5mm e cicatrizes hipertróficas entre seis e 12 meses apresentam maior risco de desenvolver dor na cicatriz; enquanto indivíduos tabagistas e com cicatrizes de procedimentos cirúrgicos têm maior chance de desenvolver prurido29, portanto, a avaliação da dor e prurido das cicatrizes é de grande relevância.

Nessa revisão um estudo20 utilizou a NRS para avaliação específica da dor e prurido em paciente com cicatrizes pós-queimaduras, que é uma escala numérica cuja pontuação varia de zero a dez e indica a intensidade do parâmetro avaliado e que se correlaciona fortemente com a Escala Visual Analógica (EVA). A POSAS também avalia sintomas como dor e prurido com a mesma pontuação, já na escala VSS esses sintomas não são avaliados6. Portanto, pontos importantes a serem considerados na escolha da escala de avaliação desses parâmetros são a padronização do instrumento, método e frequência de aplicação e interpretação dos pontos de corte30.

Mauck et al. 20 correlacionaram dor e coceira avaliada pela NRS com parâmetros avaliados por meio de uma escala fotográfica, sendo a aparência da superfície e espessura da cicatriz correlacionadas com a severidade da dor, enquanto a intensidade da coceira teve maior correlação com a cor, seguida da espessura. Ainda que a avaliação clínica presencial seja imprescindível, fotografias podem ser utilizadas na prática clínica para avaliação de cicatrizes, em situações em que são a única opção ou por ser mais conveniente no momento23.

Escalas de avaliação da cicatriz são consideradas instrumentos subjetivos por conta da possível variação entre avaliadores6. Elas têm como funções: avaliação inicial da cicatriz, acompanhamento e efetividade do tratamento, descrever a impressão de especialistas e do paciente sobre a cicatriz, comparar resultados clínicos25, monitorar a mudança e predizer a qualidade da cicatriz ao longo do tempo15.

Além disso, elas são instrumentos de baixo custo6, necessitam de menor tempo de treinamento do que métodos objetivos7, e se correlacionam com esses métodos, como demonstrado no presente estudo de revisão.


CONCLUSÕES

Neste trabalho de revisão integrativa as escalas mais utilizadas para avaliação de cicatrizes após queimadura foram POSAS e VSS. A escala POSAS foi a mais citada nos estudos analisados, destacando-se pelo maior número de itens avaliados na cicatriz, tanto pelo observador como na avaliação do paciente; valorizando sintomas, como dor e coceira.

Quando comparadas com avaliações realizadas com instrumentos objetivos de análise das características cicatriciais, foi encontrada uma correlação positiva, viabilizando uma utilização confiável, apesar da necessidade de escalas mais completas serem desenvolvidas.

Sendo assim, de acordo com os dados coletados, estas escalas podem ser consideradas bons instrumentos para avaliação de cicatrizes causadas por queimaduras.


PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES

Síntese e descrição de escalas de avaliação de cicatrizes após queimadura, gerando evidências que auxiliam na prática clínica.


REFERÊNCIAS

1. Magnani DM, Sassi FC, Vana LPM, Andrade CRF. Correlation between scar assessment scales and orofacial myofunctional disorders in patients with head and neck burns. Codas. 2019;31(5):e20180238.

2. Cruz BF, Cordovil PBL, Batista KNM. Perfil epidemiológico de pacientes que sofreram queimaduras no Brasil: revisão de literatura. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4):246-50.

3. Gonçalves AC, Echevarría-Guanilo ME, Gonçalves N, Rossi LA, Farina Junior JA. Caracterização de pacientes atendidos em um serviço de queimados e atitudes no momento do acidente. Rev Eletr Enferm. 2012;14(4):866-72.

4. Piccolo NS, Serra MCVF, Leonardi DF, Lima Jr EM, Novaes FN, Correa MD, et al. Queimaduras: diagnóstico e tratamento inicial. Projeto e Diretrizes. São Paulo: Associação Brasileira de Medicina/Conselho Federal de Medicina; 2008.

5. Busche MN, Thraen AJ, Gohritz A, Rennekampff HO, Vogt PM. Burn Scar Evaluation Using the Cutometer® MPA 580 in Comparison to “Patient and Observer Scar Assessment Scale” and “Vancouver Scar Scale”. J Burn Care Res. 2018;39(4):516-26.

6. Brusselaers N, Pirayesh A, Hoeksema H, Verbelen J, Blot S, Monstrey S. Burn scar assessment: a systematic review of different scar scales. J Surg Res. 2010;164(1):e115-23.

7. Lee KC, Bamford A, Gardiner F, Agovino A, Ter Horst B, Bishop J, et al. Investigating the intra- and inter-rater reliability of a panel of subjective and objective burn scar measurement tools. Burns. 2019;45(6):1311-24.

8. Tyack Z, Simons M, Spinks A, Wasiak J.A systematic review of the quality of burn scar rating scales for clinical and research use. Burns. 2012;38(1):6-18.

9. Lee KC, Dretzke J, Grover L, Logan A, Moiemen N. A systematic review of objective burn scar measurements. Burns Trauma. 2016;4:14.

10. Mendes KDS, Silveira R, Galvão C. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64.

11. Santos CMC, Pimenta CAM, Nobre MRC. A estratégia PICO para a construção da pergunta de pesquisa e busca de evidências. Rev Latino Am Enferm. 2007;15(3):508-11.

12. Santos MC, Tibola J, Marques CMG. Tradução, revalidação e confiabilidade da Escala de Cicatrização de Vancouver para língua portuguesa-Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2014;13(1):26-30.

13. Collares MVM, Linhares CB, Viaro MSS. Portuguese translation of Patient and Observer Scar Assessment Scale (POSAS). Rev Bras Cir Plást. 2016;31(1):95-100.

14. Lenzi L, Santos J, Raduan Neto J, Fernandes CH, Faloppa F. The Patient and Observer Scar Assessment Scale: Translation for Portuguese language, cultural adaptation, and validation. Int Wound J. 2019;16(6):1513-20.

15. Goei H, van der Vlies CH, Tuinebreijer WE, van Zuijlen PPM, Middelkoop E, van Baar ME. Predictive validity of short term scar quality on final burn scar outcome using the Patient and Observer Scar Assessment Scale in patients with minor to moderate burn severity. Burns. 2017;43(4):715-23.

16. Lee KC, Bamford A, Gardiner F, Agovino A, Ter Horst B, Bishop J, et al. Burns objective scar scale (BOSS): Validation of an objective measurement devices based burn scar scale panel. Burns. 2020;46(1):110-20.

17. DeJong H, Abbott S, Zelesco M, Spilsbury K, Ziman M, Kennedy BF, et al. Objective quantification of burn scar stiffness using shear-wave elastography: Initial evidence of validity. Burns. 2020;46(8):1787-98.

18. Jaspers MEH, Stekelenburg CM, Simons JM, Brouwer KM, Vlig M, van den Kerckhove E, et al. Assessing blood flow, microvasculature, erythema and redness in hypertrophic scars: A cross sectional study showing different features that require precise definitions. Burns. 2017;43(5):1044-50.

19. Deng H, Li-Tsang CWP, Li J. Measuring vascularity of hypertrophic scars by dermoscopy: Construct validity and predictive ability of scar thickness change. Skin Res Technol. 2020;26(3):369-75.

20. Mauck MC, Shupp JW, Williams F, Villard MA, Jones SW, Hwang J, et al. Hypertrophic Scar Severity at Autograft Sites Is Associated With Increased Pain and Itch After Major Thermal Burn Injury. J Burn Care Res. 2018;39(4):536-44.

21. Legemate CM, Ooms PJ, Trommel N, Goei H, Lucas Y, Middelkoop E, et al. Course of scar quality of donor sites following split skin graft harvesting: Comparison between patients and observers. Wound Repair Regen. 2020;28(5):696-703.

22. Bae SH, Bae YC. Analysis of frequency of use of different scar assessment scales based on the scar condition and treatment method. Arch Plast Surg. 2014;41(2):111-5.

23. Crowe JM, Simpson K, Johnson W, Allen J. Reliability of photographic analysis in determining change in scar appearance. J Burn Care Rehabil. 1998;19(2):183-6.

24. Mecott GA, Finnerty CC, Herndon DN, Al-Mousawi AM, Branski LK, Hegde S, et al. Reliable scar scoring system to assess photographs of burn patients. J Surg Res. 2015;199(2):688-97.

25. Draaijers LJ, Tempelman FR, Botman YA, Tuinebreijer WE, Middelkoop E, Kreis RW, et al. The patient and observer scar assessment scale: a reliable and feasible tool for scar evaluation. Plast Reconstr Surg. 2004;113(7):1960-5; discussion 1966-7.

26. Tyack ZF, Pegg S, Ziviani J. Postburn dyspigmentation: its assessment, management, and relationship to scarring--a review of the literature. J Burn Care Rehabil. 1997;18(5):435-40.

27. Bray R, Forrester K, Leonard C, McArthur R, Tulip J, Lindsay R. Laser Doppler imaging of burn scars: a comparison of wavelength and scanning methods. Burns. 2003;29(3):199-206.

28. van der Wal MB, Verhaegen PD, Middelkoop E, van Zuijlen PP. A clinimetric overview of scar assessment scales. J Burn Care Res. 2012;33(2):e79-87.

29. Xiao Y, Sun Y, Zhu B, Wang K, Liang P, Liu W, et al. Risk factors for hypertrophic burn scar pain, pruritus, and paresthesia development. Wound Repair Regen. 2018;26(2):172-81.

30. Hjermstad MJ, Fayers PM, Haugen DF, Caraceni A, Hanks GW, Loge JH, et al; European Palliative Care Research Collaborative (EPCRC). Studies comparing Numerical Rating Scales, Verbal Rating Scales, and Visual Analogue Scales for assessment of pain intensity in adults: a systematic literature review. J Pain Symptom Manage. 2011;41(6):1073-93.










Unidade de Urgência e Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, Reabilitação de Queimados, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Correspondência:
Sállua Berlanga Spilla
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Av. Bandeirantes, 3900
Ribeirão Preto, SP, Brasil – CEP: 14049-900
E-mail: salluaberlangaspilla11@gmail.com

Artigo recebido: 12/4/2022
Artigo aceito: 3/3/2023

Local de realização do trabalho: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


© 2024 Todos os Direitos Reservados