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Relato de Caso

O uso de alta frequência como recurso para cicatrização de queimaduras: Um estudo de caso

The use of high frequency as a resource for burn healing: A case study

Rafaela Prusch Thomaz1; Vanessa Giendruczak da Silva2; Graciele Sbruzzi3

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a eficácia da alta frequência na cicatrização de feridas por queimadura durante internação hospitalar.
MÉTODO: Trata-se de um estudo de caso, realizado com uma voluntária do sexo feminino, 19 anos, em um hospital de pronto-socorro. Foram aplicados a alta frequência e curativos convencionais, com a amostra única sendo dividida em área de intervenção e área controle. Foram avaliados dados clínicos e sociodemográficos, registros fotográficos pré e pós as intervenções, dimensão da área da ferida por meio de planimetria digitalizada, aspecto da cicatriz através da Escala Vancouver e a qualidade de vida por meio do questionário Burn Specific Health Scale.
RESULTADOS: A área da ferida teve redução de 54% na área de intervenção e 26% na área controle. Aspectos como vascularização e flexibilidade também apresentaram discreta melhora. O questionário de qualidade de vida reduziu dois pontos, relacionados à melhora da sensibilidade da pele e aos cuidados com a queimadura.
CONCLUSÃO: A utilização de alta frequência combinada com uso de curativos durante a internação hospitalar mostrou resultados favoráveis em comparação a apenas o uso de curativos na cicatrização de feridas. Contudo, mais estudos são necessários.

Palavras-chave: Queimaduras. Cicatrização. Terapia por Estimulação Elétrica.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the effectiveness of the high frequency in the healing of burn wounds during hospitalization.
METHODS: This is a case study, conducted with a 19-year-old female volunteer, in an emergency room. The high frequency and conventional dressings were applied, with the single sample being divided into the intervention area and the control area. Clinical and sociodemographic data, photographic records before and after the interventions, dimension of the wound area through digitalized planimetry, the aspect of the scar through the Vancouver Scale and quality of life through the Burn Specific Health Scale questionnaire were evaluated.
RESULTS: The wound area decreased 54% in the intervention area and 26% in the control area. Aspects such as vascularity and flexibility also showed a slight improvement. The quality of life questionnaire reduced two points, related to the improvement of skin sensitivity and care for burns.
CONCLUSION: The use of the high frequency combined with the use of dressings during hospitalization showed favorable results compared to only the use of dressings in wound healing. However, more studies are needed.

Keywords: Burns. Wound Healing. Electric Stimulation Therapy.

INTRODUÇÃO

As altas taxas de morbimortalidade e a complexidade do tratamento acabam tornando os casos de queimadura um problema de saúde pública1. O tratamento do paciente queimado envolve intervenção multiprofissional, destinando-se à cicatrização das feridas e recuperação funcional, assim como as comorbidades associadas2. Além das alterações no estado geral de saúde, as queimaduras acarretam prejuízo psicossocial, na qualidade de vida e no estado físico, com perda de funcionalidade e insatisfação com alterações estéticas3.

Dentro da equipe multiprofissional, a fisioterapia tem grande importância no tratamento, atuando na reabilitação e dispondo de recursos terapêuticos que aceleram o processo de cicatrização, como a estimulação elétrica de alta frequência4. Estudos realizados em feridas trazem o estímulo de alta frequência (High Frequency - HF) como opção viável na cicatrização, por melhorar o aspecto e diminuir a área de superfície da lesão, além de apresentar efeitos analgésico, bactericida e anti-inflamatório5,6. No Brasil, a HF tem sido utilizado especialmente para cicatrização de lesões por pressão5.

Apesar da evidência disponível na literatura sobre os benefícios da HF na cicatrização, até o presente momento não foram encontrados estudos sobre sua ação em queimaduras. Dessa forma, este estudo tem como objetivo avaliar os efeitos do gerador de alta frequência na cicatrização de feridas por queimaduras durante internação hospitalar.


RELATO DE CASO

O presente estudo trata-se de um estudo de caso, aprovado pelo Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMSPA) e do Centro Universitário Metodista IPA, sob os respectivos números: 3.518.204 e 3.558.174.

Foi realizado na Unidade de Queimados do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre entre agosto e dezembro de 2019, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e respeitando a Resolução n° 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Trata-se de uma voluntária, T.S.R., sexo feminino, 19 anos, tabagista (4 maços de cigarro por semana há aproximadamente 2 anos), com história de queimadura por álcool (lareira ecológica), totalizando 15% de superfície corporal queimada, com queimaduras de 2° grau em face, região anterior do pescoço e tórax e ambas as mãos, e 3° grau em região anterior de ambas as coxas. Ficou internada 14 dias na enfermaria, realizando desbridamento e autoenxerto na região do pescoço e coxas, tendo como área doadora outra área da coxa. Nas demais áreas, realizou curativo com sulfadiazina de prata 1% diariamente durante toda a internação.

Não apresentava comorbidades e tinha condição funcional prévia independente. Durante a internação, utilizou como medicação apenas o antidepressivo Escitalopram, 20 mg, uma vez ao dia. Ainda, sua alimentação era exclusivamente via oral, com dieta hipercalórica e hiperproteica, porém pobre em vitamina C, que seria um aliado no tratamento por ser antioxidante. Durante as sessões, o único diferencial relatado pela paciente foi prurido, não apresentando nenhum efeito colateral que contraindicasse a aplicação do HF.

A fim de avaliar o efeito do HF na cicatrização de queimaduras -- e visto que a amostra foi composta por apenas um sujeito --, utilizou-se o indivíduo como controle dele mesmo. Assim, a amostra única foi dividida em área de intervenção e área controle. A Área Intervenção (AI) -- região anterior do punho direito -- foi submetida à aplicação do HF, além dos curativos convencionais realizados pela enfermagem com sulfadiazina de prata 1% diariamente. Já a Área Controle (AC) -- dorso da mão direita -- recebeu apenas o mesmo curativo convencional da AI.

A comparação foi realizada com o mesmo indivíduo a fim de minimizar o viés de aferição resultante de questões biológicas da cicatrização. As intervenções com aplicação do HF começaram cinco dias após a lesão por queimadura, sendo realizadas uma vez ao dia, cinco vezes por semana (de segunda-feira a sexta-feira), por pesquisadora capacitada, totalizando oito sessões até a alta da paciente.

Na Figura 1 é possível verificar os resultados pré, peri e pós-intervenção, os quais foram analisados por planimetria no software imageJ®, mostrando uma redução de 54% da área da ferida na AI, enquanto na AC a redução foi de 26%. Quanto aos aspectos da cicatrização avaliados pela Escala Vancouver demonstrados na Tabela 1, houve discreta redução dos itens vascularização e flexibilidade na AI, diminuindo de 5 para 3 pontos, enquanto a AC não apresentou redução pré e pós-avaliação, mantendo total de 4 pontos.


Figura 1 - Evolução da ferida por queimadura durante tratamento da Área Intervenção (AI). Resultados pré, peri e pós-intervenção, mostrando redução de 54% da área da ferida na AI.





Em relação à qualidade de vida, avaliada por uma versão adaptada do Burn Specific Health Scale (BSHS-R), entre o primeiro dia de internação e o momento da alta da paciente, houve redução de 2 pontos referentes aos domínios "sensibilidade da pele" e "tratamento" (Figura 2), passando de 19 para 17 pontos de um total de 50.


Figura 2 - Avaliação da Qualidade de Vida (Burn Specific Health Scale - BSHS-R adaptado) - pontuação por perguntas. Houve redução de 2 pontos referentes aos domínios "sensibilidade da pele" e "tratamento", passando de 19 para 17 pontos de um total de 50.



DISCUSSÃO

Acredita-se que este estudo seja pioneiro em verificar os efeitos do HF em feridas por queimaduras, encontrando mudanças positivas com a utilização deste recurso terapêutico combinado a curativos convencionais, mesmo não sendo possível generalizar os resultados.

Em relação à área da lesão, os nossos resultados mostraram melhora em ambos os grupos. Entretanto, com o HF seus valores foram mais expressivos e corroboram com os resultados de outro estudo5, que demonstrou que a aplicação do HF resultou em melhora da cicatrização, porém em lesão por pressão e em indivíduos com média de 49 anos de idade, também sem comorbidades, com avaliação através da planimetria e com frequência de aplicações similar ao nosso estudo. Contudo, nossa voluntária, apesar de jovem, era tabagista há dois anos, o que possivelmente no futuro possa influenciar na cicatrização.

A melhora da ferida pode estar associada aos efeitos do ozônio liberado pelo HF na superfície do eletrodo, tanto pelo seu poder antimicrobiano e bactericida quanto pela sua ação bioquímica, proporcionando benefícios à reparação tecidual7,8. O estudo de Martins et al.7 comprovou o efeito bactericida do aparelho de HF quando aplicado em culturas de Staphylococcus aureus in vitro. Já outros estudos experimentais8,9 demonstraram que o HF provocou aceleração do reparo tecidual e controle do processo de infecção em feridas.

Outro fator associado aos resultados é a sulfadiazina de prata 1%, que possui efeito antimicrobiano, atuando como barreira no leito da ferida, impedindo infecções sem prejudicar a cicatrização10. Sua desvantagem é a oxidação da prata, que faz com que os curativos precisem ser trocados todos os dias, causando dor e desconforto aos pacientes10, o que não é causado com a aplicação do HF

A literatura mostra que o ozônio tem sido utilizado por meio do HF em diferentes estudos, tanto in vitro quanto em pesquisas experimentais e estudos de casos com seres humanos, contudo, o que difere bastante é o tempo e frequência de aplicação do HF. Barros et al.11 estudaram o efeito do HF sobre verrugas ungueais com aplicação realizada três vezes ao dia durante 15 minutos, todos os dias da semana. Korelo et al.5 aplicaram o HF em lesões por pressão 10 dias seguidos por no máximo 10 minutos, sendo 1 minuto para cada cm2 de ferida. Ainda, Martins et al.7 verificaram o efeito bactericida do HF sobre culturas de Staphylococcus aureus in vitro com 15 intervenções, realizadas cinco vezes por semana durante 15 minutos.

Analisando o que há disponível na literatura sobre a aplicação do HF, é possível perceber que nos estudos in vitro os resultados aparecem mais rápido, até mesmo com apenas uma aplicação. Já nos estudos com seres humanos são necessárias mais aplicações. No presente estudo, o número de intervenções e o tempo de aplicação mostraram resultados satisfatórios, no entanto, novas pesquisas são necessárias para chegar a um consenso sobre a dose ideal de aplicação em seres humanos.

Em relação aos resultados de outros aspectos da cicatrização, avaliados pela Escala de Cicatrização de Vancouver, corroboraram com Souza et al.12 e Santos et al.13, os quais verificaram melhora da vascularização e tecido mais flexível aplicando HF em lesão por pressão e laser AlGaInP em ferida aberta crônica pós-queimadura de terceiro grau.

De acordo com a literatura, a cicatrização de feridas está diretamente relacionada às condições gerais do organismo e, especificamente nos casos de queimadura, a cicatrização depende de fatores como a profundidade da lesão, sua causa, a condição geral do paciente e as comorbidades associadas2. Essa pode ser a explicação para não ter sido encontrada diferença significativa intra e intergrupos em relação aos aspectos avaliados das cicatrizes no presente estudo.

Em relação à qualidade de vida, a partir do BSHS-R verificamos alteração da qualidade de vida (QV) da paciente, que pode estar envolvida com questões psicossociais e outros fatores emocionais, o que corrobora com a literatura em estudos que realizaram essa avaliação em queimados após alta hospitalar14,15 e encontraram alterações psicossociais, como a depressão. Tais estudos fizeram a avaliação da QV em seguimento ambulatorial14 e mais de dois meses após a queimadura15, o que difere do presente estudo, o qual realizou avaliação no momento da alta da paciente. Porém, mesmo com o curto período de acompanhamento e poucas intervenções, pôde-se observar diminuição da sensibilidade da pele e do incômodo gerado pelos cuidados com a queimadura.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização do HF combinada ao uso de curativos durante a internação hospitalar mostrou resultados favoráveis em comparação a apenas o uso de curativos na cicatrização de feridas, reduzindo o tamanho da área da ferida. Contudo, estudos com maior rigor metodológico e um maior número amostral se fazem necessários.


AGRADECIMENTO

Nossos agradecimentos especiais ao Éder Kroeff Cardoso, fisioterapeuta do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS), pelo interesse e aquisição do gerador de alta frequência, que tornou viável este estudo. E a toda a equipe da Unidade de Queimados do HPS de Porto Alegre pela parceria durante o estudo.


REFERÊNCIAS

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5. Korelo RIG, Oliveira JJJ, Souza RSA, Hullek RF, Fernandes LC. Gerador de alta frequência como recurso para tratamento de úlceras por pressão: estudo piloto. Fisioter Mov. 2013;26(4):715-24.

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7. Martins A, da Silva JT, Graciola L, Fréz AR, Ruaro JA, Marquetti MGK. Efeito bactericida do gerador de alta frequência na cultura de Staphylococcus aureus. Fisioter Pesqui. 2012;19(2):153-7.

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11. Barros VCC, Santos VNS, Santos FB. Tratamento de verruga ungueal causada por HPV com uso do gerador de alta frequência: relato de caso. Rev Espec Fisioter. 2007;1(2):1-5.

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13. Santos CGM, Melo BV, Barbosa SSA, Pedrosa SMBM. Comparação dos efeitos da laserterapia e corrente de alta frequência na cicatrização de lesões abertas. Rev Inspirar. 2019;19(1):1-17.

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Recebido em 27 de Abril de 2020.
Aceito em 24 de Outubro de 2020.

Local de realização do trabalho: Centro Universitário Metodista IPA, Porto Alegre, RS, Brasil

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver


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