1058
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Desempenho funcional no cuidado pessoal de adolescentes e adultos jovens com queimaduras segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)

Functional performance in personal care of young adolescents and adults with burns according to the International Classification of Functionality Inability and Health (ICF)

Lilian Aragão1; Aurenita Luiz da Silva2; Jessica Malena Pedro da Silva3; Edielson José de Santana4; Cláudia Fonsêca de Lima5

RESUMO

OBJETIVO: Verificar o desempenho funcional relativo ao cuidado pessoal de adolescentes e adultos jovens com queimaduras, segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), durante hospitalização, em um hospital público da cidade do Recife, PE.
MÉTODO: Trata-se de um estudo de corte longitudinal descritivo. A amostra por conveniência, composta por 20 adolescentes e adultos jovens de ambos os sexos com queimaduras, foi avaliada durante a hospitalização quanto à intensidade da dor, de acordo com a Escala Visual Numérica; a amplitude articular, utilizando-se o goniômetro; e o desempenho funcional nas atividades de cuidado pessoal, segundo a CIF.
RESULTADOS: Na amostra, o sexo feminino (55%) foi o mais prevalente, cuja maioria foram de adultos jovens (80%), e os membros superiores foram os mais atingidos. Durante a hospitalização, 70% dos voluntários tinham dor de intensidade moderada, 55% tinha limitações articulares em 1 ou 2 articulações e a maioria apresentou algum grau de dificuldade nas atividades avaliadas, sendo a atividade vestir-se a mais prejudicada.
CONCLUSÃO: Os resultados sugerem que adolescentes e adultos jovens hospitalizados, que sofreram queimaduras em membros superiores e que apresentem algum acometimento, como restrição na amplitude de movimento e dor, têm maior dificuldade na realização de atividades relacionadas ao cuidado pessoal. Devido à escassez de pesquisas na área, sugere-se a continuidade do estudo e mais pesquisas sobre a temática utilizando a CIF.

Palavras-chave: Queimaduras. Desempenho Físico Funcional. Hospitalização. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Fisioterapia.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To verify the functional performance regarding the personal care of adolescents and young adults with burns, according to the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF), during hospitalization, in a public hospital in the city of Recife, in the state of Pernambuco.
METHODS: This is a longitudinal descriptive study. The convenience sample, composed of 20 adolescents and young adults of both genders with burns, was evaluated during the hospitalization for pain intensity, according to the Visual Numerical Scale, the joint amplitude using the goniometer, and the performance in personal care activities, according to the ICF.
RESULTS: In the sample, the female gender (55%) was the most prevalent, the majority of which were young adults (80%), and the upper limbs were the most affected. During hospitalization, 70% of the volunteers had pain of moderate intensity, 55% had joint limitations in 1 or 2 joints, and most presented some degree of difficulty in the activities evaluated, with dressing activity being more impaired.
CONCLUSION: The results suggest that adolescents and young adults hospitalized, who suffered burns in the upper limbs and who present some impairment, such as restriction of range of motion and pain, have a greater difficulty in performing activities related to personal care. Due to the lack of research in the area, it is suggested to continue the study and further research on this issue using the ICF

Keywords: Burns. Physical Functional Performance. Hospitalization. International Classification of Functioning, Disability and Health. Physical Therapy Specialty

INTRODUÇÃO

Desde a antiguidade, a história das queimaduras acompanha o homem, e as causas mais comuns eram as alterações de temperatura, como a exposição ao calor e ao frio. No entanto, à medida que as civilizações evoluíram, a incidência desse tipo de lesão aumentou, somando-se outros agentes etiológicos que resultaram em queimaduras causadas por substâncias químicas, correntes elétricas e radiações1-3. Dentre os principais mecanismos de lesão, estão os acidentes domésticos, seguidos de acidentes no trabalho, tentativas de suicídio ou homicídio e, por último, acidentes de trânsito e/ou durante atividades relacionadas ao lazer1,4,5.

A queimadura é uma lesão em determinada parte do corpo desencadeada por um agente causal que atinge o tegumento com repercussões locais e/ou sistêmicas, leves ou graves, a depender de fatores como extensão da área queimada, profundidade da lesão, tipo do agente causador e região atingida6,7. Nas diversas faixas etárias, ela tem sido apontada como a terceira causa de morte por trauma e a segunda, em menores de 4 anos, visto que é uma das lesões mais devastadoras que o corpo humano pode sofrer. Estima-se que, no Brasil, anualmente, acontecem em torno de 1.000.000 de acidentes, sendo que, destes, 100.000 resultarão em hospitalização e cerca de 2500 irão resultar em óbito, direta ou indiretamente devido às lesões1-3,5.

Estudos apontam que, no Brasil, os acidentes com queimadura são mais prevalentes na infância, sendo a escaldadura a principal causa das lesões nos menores de 5 anos1,3. Já nos adultos, as principais causas de queimaduras são o álcool, os líquidos superaquecidos e a chama direta e, considerando a população geral, há maior incidência dessas lesões em pessoas do sexo masculino. Nos adultos desse gênero, a maior incidência se dá devido ao maior risco ocupacional, enquanto, nas crianças, o comportamento menos cauteloso durante atividades diárias e brincadeiras tem sido o que mais provoca tais acidentes1-5.

As queimaduras são classificadas de acordo com a profundidade e extensão da lesão6. Quanto à profundidade, a lesão tecidual pode ser dividida em lesões superficiais e lesões profundas. As lesões superficiais são as de primeiro grau e as de segundo grau superficial, e regeneram espontaneamente apenas com curativos. Nas de primeiro grau, apenas a epiderme é atingida e, nas de segundo grau superficial, além da epiderme, há lesão da camada papilar da derme. Em ambos os casos, ocorre hiperemia e dor, havendo bolhas quando a lesão atinge a derme1,3,5.

As lesões profundas são as de segundo grau profundo e as de terceiro e quarto graus. Nas de segundo grau profundo há comprometimento parcial profundo da derme, atingindo a camada papilar e reticular, havendo presença de bolhas ou flictenas, dor e alterações nas estruturas somatossensoriais; na queimadura de terceiro grau toda derme é atingida, comprometendo o tecido subcutâneo e o adiposo, enquanto que, nas de quarto grau, além da pele, há comprometimento de tendões, músculos e ossos1,3-5. A classificação segundo a superfície corporal queimada (SCQ), leva em conta a porcentagem da área corporal lesionada, ou seja, a extensão da lesão causada pela queimadura3,5,6.

Percebe-se que as queimaduras causam uma sensação de dor muito importante para o indivíduo que sofreu a lesão, sendo considerada significante, especialmente nos momentos da troca de curativos e no pós-cirúrgico imediato, o que contribui ainda mais para a limitação dos movimentos em algumas atividades cotidianas. Toda essa expectativa de submeter-se aos procedimentos hospitalares que podem causar dor gera ansiedade e isso faz com que aumente o nível de percepção de dor, resultando em elevação dos níveis de ansiedade do paciente. Tal fato desencadeia um ciclo dor-ansiedade, e o paciente passa a reagir manifestando comportamentos de irritabilidade, inquietudes, queixas, solidão e choro2,6.

A dor está presente nas queimaduras desde o momento da lesão até o processo de regeneração ou cicatrização dos tecidos. Além da dor física, a dor psicológica constitui um importante fator de interferência na realização das atividades diárias, uma vez que afeta emocionalmente a vítima, levando, muitas vezes, a quadros depressivos, dificultando o tratamento2,3.

Dependendo de sua extensão e profundidade, é uma lesão que gera um comprometimento considerável no indivíduo, não apenas porque pode provocar alterações estéticas e comprometer a au-toestima, mas também por ser responsável por variados graus de limitações do ponto de vista motor. Tais fatores parecem interferir diretamente nas atividades diárias dessas pessoas, visto que essas lesões, geralmente, deixam cicatrizes que dificultam diversas funções motoras e psicossociais realizadas pelo indivíduo.

As queimaduras podem atingir o corpo em diferentes regiões e dentre as mais atingidas pelos agentes térmicos estão os membros superiores, que configuram o 1° lugar, com 71% dos casos3,5, o que pode interferir diretamente na realização das atividades de cuidado pessoal, por exemplo.

Diante de tais fatores, alguns instrumentos podem ser utilizados para a avaliação das queimaduras em pacientes hospitalizados, que neste cenário apresentam as primeiras fases da lesão, que são a aguda (até o quinto dia após a lesão) e subaguda (a partir do quinto dia de queimadura), de modo a guiar as intervenções de forma mais precoce3.

Um desses instrumentos é a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), pertencente à família das classificações internacionais desenvolvidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e que pode ser aplicada em vários aspectos da saúde, classificando, portanto, a funcionalidade e a incapacidade associadas aos estados de saúde. Deste modo, a CIF fornece uma descrição de situações relacionadas às funções humanas e as suas restrições, servindo como uma estrutura para organizar essas informações de forma significativa, integrada e facilmente acessível.

Além disso, o instrumento permite a identificação das condições estruturais e relacionadas ao ambiente, bem como as características pessoais que possam interferir na funcionalidade. Ademais, a CIF é capaz de medir o fenômeno pretendido, além de ser de fácil uso, permitindo a ampla utilização, e tornando-se um importante instrumento para padronização de uma avaliação funcional na área da saúde8.

Desse modo, pensou-se em desenvolver este estudo, que tem por objetivo verificar o desempenho funcional relativo ao cuidado pessoal de adolescentes e adultos jovens com queimaduras, segundo a CIF, durante a hospitalização, em um hospital público da cidade do Recife-PE.


MÉTODO

O presente estudo está vinculado à Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), ao Centro de Ciências Biológicas e Saúde (CCBS) e ao curso de Fisioterapia. Faz parte do Projeto de Pesquisa intitulado 'Avaliação e Reabilitação das Disfunções do Sistema Tegu-mentar", aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa, sob o CAAE n° 55919316.4.0000.5206.

Trata-se de um estudo de corte transversal descritivo, realizado no período de outubro de 2016 a abril de 2017, nas enfermarias do Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) de um hospital da rede pública do Recife.

A população do estudo foi composta por adolescentes e adultos jovens, de ambos os sexos, com queimaduras, cujos critérios de inclusão foram: estar na faixa etária de 12 a 29 anos, apresentar lesões de espessura parcial ou total em qualquer região do corpo e estar hospitalizado no referido centro. Os critérios de exclusão foram: residir fora do estado de Pernambuco, ter realizado enxertia cutânea, a recusa em participar da pesquisa e a presença de disfunções neurológicas, psiquiátricas, ou do aparelho locomotor que tenham sido diagnosticadas antes da queimadura.

Para os participantes menores de 1 8 anos, um dos pais ou responsável legal pelo adolescente foi convidado a participar do projeto, recebeu informações sobre os objetivos e procedimentos do mesmo, e assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) autorizando a participação de seu filho no estudo. O adolescente, por sua vez, foi consultado e, mesmo com a autorização do responsável, só participou após concordar e assinar o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido para os menores. Ambos foram informados que será mantido sigilo absoluto sobre a identidade dos voluntários e que os dados coletados só serão utilizados para fins de pesquisa.

No caso de participantes maiores de 18 anos, todas as informações referentes à coleta dos dados foram apresentadas, e após sua concordância em participar da pesquisa, foi entregue o TCLE para assinatura do mesmo.

A pesquisa desenvolveu-se em cinco etapas. Na primeira etapa foi realizada a seleção dos voluntários do estudo por meio da consulta aos prontuários, considerando os critérios de inclusão e exclusão; na segunda, foram realizados os procedimentos de contato com os voluntários e seus responsáveis, no caso dos menores de idade, explicação das etapas do projeto e assinatura dos termos de autorização.

Na terceira, foi realizada uma entrevista com os pais dos menores de 18 anos, com os menores e com os voluntários a partir de 18 anos, para coleta de dados pessoais e história do mecanismo da lesão. Além disso, houve consulta ao prontuário para coleta de dados clínicos como agente causal, localização, extensão e profundidade das lesões através de um questionário elaborado pela pesquisadora.

Na quarta etapa, foi realizado o exame físico dos participantes na enfermaria, com inspeção durante o curativo sob narcose, para confirmar a superfície corporal queimada e a profundidade da lesão, uma vez que os pacientes estão sempre com as feridas em curativo oclusivo. Quando não foi possível a participação do pesquisador nos curativos, esses dados foram coletados pela consulta aos prontuários, nos quais era verificado o mapa de descrição das feridas que é preenchido pelo médico cirurgião durante os curativos sob narcose.

Na quinta etapa, foi dada a continuidade do exame físico na enfermaria. Para tanto, o voluntário estava acordado, orientado, com lesões cobertas por curativos, higienizados e não foram expostos a qualquer procedimento doloroso no dia antes desse momento. Assim, foi realizada uma avaliação da presença e intensidade da dor, mensurada a Amplitude de Movimento (ADM) articular e o grau de dificuldade no desempenho funcional do voluntário em atividades relacionadas ao cuidado pessoal, sendo solicitada a realização de algumas tarefas no leito e fora do leito.

Para avaliar a intensidade da dor, foi utilizada a Escala Visual Numérica (EVN), composta por uma numeração de 1 a 10, em que quanto mais próximo de zero menor a intensidade da dor, e quanto mais próximo de 1 0 maior o grau de dor sentida pelo indivíduo. Essa tem sido a escala de dor mais comumente usada nesse grupo de pacientes7.

Para mensuração da ADM, foi realizada a goniometria das articulações, utilizando um goniômetro da marca Carci. O uso do go-niômetro é essencial para essa mensuração, mesmo considerando outras formas de avaliar a ADM, visto que ele é um instrumento confiável na maioria das pesquisas, desde que haja uniformização dos procedimentos9.

Para avaliar o desempenho dos voluntários com queimaduras durante o cuidado pessoal, foram solicitadas a realização de algumas tarefas no leito e fora do leito utilizando a lista de tarefas propostas no capítulo 5 (cuidados pessoais), do componente Atividades e Participação, que faz parte do checklist da CIF Esse instrumento fornece uma visão coerente da saúde nas perspectivas social, biológica e individual, baseada em um modelo biopsicossocial de avaliação de incapacidade8.

Após o término da coleta, foi montado um banco de dados, com dupla entrada no programa Microsoft Excel versão 7.0. Os dados foram analisados de forma descritiva, considerando percentuais, médias e desvios-padrões.


RESULTADOS

Do total de adolescentes e adultos jovens hospitalizados no CTQ no período da coleta, 48 pacientes estavam aptos a fazer parte do estudo, segundo os critérios de inclusão e exclusão. No entanto, apenas 20 participaram do estudo. Dos 28 excluídos, três não aceitaram participar do estudo, 10 estavam em curativo sob narcose nos dias das avaliações, quatro realizaram enxertia, sete apresentavam distúrbio cognitivo e não conseguiam compreender o que era solicitado, dois possuíam queimaduras antigas e estavam na enfermaria para algum tratamento cirúrgico nas cicatrizes, um encontrava-se entubado e um realizou lombo/artrodese.

Dos 20 voluntários que participaram do estudo, a maioria era do sexo feminino (55%), pertencente ao grupo etário de adultos jovens (80%) e residentes em cidades da região metropolitana do Recife (45%), sendo que mais da metade desses voluntários tem baixo nível de escolaridade (Tabela 1).




A maior parte da amostra foi submetida à avaliação durante a fase aguda da lesão (65%), o agente etiológico mais comum foram os líquidos inflamáveis (50%), e o mecanismo de lesão mais frequente, o acidente doméstico (55%). Além disso, houve maior predominância de lesões profundas de segundo grau (43,8%) e 50% dos voluntários da amostra foram classificados como 'médio queimado', ou seja, com queimaduras de média gravidade. A média de SCQ foi de 20,08% e os locais mais acometidos foram os membros superiores. A maioria dos voluntários apresentou ADM comprometida em uma ou duas articulações (Tabela 2).




Com relação à dor, durante a hospitalização, momento em que as feridas estavam abertas, a maioria dos voluntários do estudo referiu dor moderada (70%) (Gráfico 1).




Com relação ao desempenho funcional durante as atividades relacionadas ao cuidado pessoal, baseando-se na CIF, algumas categorias de atividades foram classificadas como 'não aplicável' por não poderem ser realizadas por nenhum paciente que esteja hospitalizado num centro de tratamento de queimados. São elas: lavar todo o corpo, cuidar das unhas das mãos e dos pés, cuidados durante a micção, escolha de roupas apropriadas e cuidar da própria saúde.

Na Tabela 3 estão listadas apenas as atividades nas quais os voluntários apresentaram dificuldades: 'vestir roupa' foi a mais prejudicada (40%), seguida por 'lavar todo o corpo', 'cuidar do cabelo e barba' e 'despir roupa' (20% cada), 'cuidar dos dentes', 'comer e beber' (15% cada), 'lavar partes do corpo' (10%), 'secar-se' e 'calçar e descalçar' (5% cada). Na Tabela 4 foram realizadas, de forma descritiva, comparações entre os níveis de dificuldade encontrada nos voluntários durante a hospitalização, considerando algumas variáveis biológicas e clínicas.






Ao comparar os níveis de dificuldade dos pacientes durante a realização de atividades relacionadas ao cuidado pessoal, considerando as variáveis 'sexo' e 'faixa etária', foi possível observar que, independentemente do sexo, a maioria dos voluntários 'não apresentou dificuldade' em nenhuma atividade ou apresentou 'dificuldade leve' em algumas atividades. Já com relação à faixa etária, o grupo de adolescentes apresentou maiores dificuldades do que o grupo dos adultos jovens (Tabela 4).

Também foram analisados os níveis de dificuldade do paciente durante a realização dessas atividades, considerando as variáveis 'dor', 'gravidade da lesão', 'tempo de lesão' e ADM articular comprometida'. Quando foram comparados os níveis de dificuldade com a variável 'dor', observou-se que a grande maioria dos voluntários com dor de intensidade leve não apresentou dificuldades, enquanto a maioria dos que relataram dor de intensidade moderada apresentou algum nível de dificuldade (Tabela 4).

Quanto à 'gravidade da lesão', cujos voluntários foram classificados de acordo com extensão e profundidade das lesões, observou-se que a maioria dos classificados como 'médio queimado' não apresentaram dificuldades para realizar as atividades propostas, no entanto, o único classificado como 'pequeno queimado' e a maioria dos classificados como 'grande queimado' apresentaram algum grau de dificuldade na realização de algumas das atividades propostas (Tabela 4).

Já em relação à variável 'tempo de lesão', independentemente do voluntário ter sido avaliado na fase aguda ou subaguda da ferida, a maioria apresentou alguma dificuldade na realização das atividades propostas (Tabela 4).

Durante a hospitalização, no presente estudo, também foi observada redução do desempenho funcional, principalmente nos voluntários com comprometimento nas ADM. Dessa forma, a Tabela 4 nos mostra que, em relação à variável ADM articular comprometida', quanto maior o número de articulações com ADM comprometidas, maior é o percentual de dificuldades apresentadas, embora os voluntários com três ou mais articulações com ADM comprometida tenham apresentado maiores percentuais de nenhuma dificuldade do que os com uma ou duas articulações comprometidas.


DISCUSSÃO

Durante a análise dos voluntários do presente estudo, foi possível detectar que todos os voluntários hospitalizados apresentaram algum nível de comprometimento.

O grande percentual de voluntários com dificuldades nas atividades relacionadas ao cuidado pessoal parece estar relacionado ao fato de termos uma amostra cuja maioria apresenta queimaduras em membros superiores (MMSS). A esse respeito, Batista et al.10 afirmam que as limitações físicas geradas pelas queimaduras nos MMSS podem funcionar como um fator limitante na função dos mesmos e, consequentemente, gerar comprometimento no desempenho funcional nas atividades de cuidado pessoal. Albuquerque et al.6apontaram, também, que o maior acometimento dos MMSS nos pacientes de sua amostra pareceu dificultar a realização dessas e de outras atividades, tais como cuidar do cabelo, barbear-se, lavar o rosto e alimentar-se.

Dessa forma, durante a hospitalização, ao analisar o desempenho funcional das demais atividades, observou-se que a maioria dos voluntários apresentava algum nível de dificuldade durante a realização de algumas tarefas relacionadas ao cuidado pessoal. Segundo Coria et al.11, que realizaram um estudo caracterizando pacientes queimados segundo a CIF, as lesões causadas pelas queimaduras geram repercussões que podem comprometer e/ou dificultar o desempenho nas atividades de vida diária.

Durante a análise das dificuldades apresentadas pelos voluntários do presente estudo, foi possível detectar que todos os voluntários hospitalizados que tiveram algum nível de comprometimento no desempenho funcional apresentaram dificuldade variando de leve à completa, sendo que, em algumas situações, o mesmo voluntário apresentava níveis de dificuldades diferentes, dependendo do tipo da atividade que estava sendo testada.

Coria et al.11, que utilizaram a CIF para identificar quais eram as atividades mais difíceis de serem realizadas pelos pacientes com queimadura, também encontraram resultados semelhantes, e apontaram que vestir-se (22,5%) e cuidar de partes do corpo (17,5%) foram as atividades mais comprometidas nos pacientes por eles avaliados. No presente estudo tal fato foi observado, visto que, dentre as atividades avaliadas durante a hospitalização, vestir roupa foi a mais prejudicada, seguida por lavar todo o corpo. Esses dados corroboram também com Albuquerque et al.6, cuja pesquisa com 20 pacientes queimados, na faixa etária de 18 a 40 anos, constatou que uma das principais dificuldades enfrentadas por pacientes com queimaduras se relaciona ao ato de vestir-se, de acordo com a aplicação de um questionário socioclínico.

Na presente pesquisa, pôde ser observado que as dificuldades encontradas durante a realização das atividades de vida diárias, relacionadas com o cuidado pessoal, podem comprometer o desempenho geral de uma pessoa. Nesse sentido, Grisbrook et al.12 complementam que a queimadura é uma lesão que, dependendo da gravidade, pode limitar a realização de atividades em vários domínios do desempenho humano. Dessa forma, essa é uma lesão que pode restringir a participação dos pacientes em diversos aspectos de suas vidas. Além disso, Elsherbiny et al.13 enfatizam que as queimaduras podem provocar um impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes.

Com relação à dor durante a hospitalização, embora as avaliações não tenham sido realizadas nos dias de curativo ou de qualquer outro procedimento invasivo, a maioria dos voluntários do estudo referiu dor moderada.

A esse respeito, Singer et al.14, em uma a mostra de 507 pacientes queimados, verificaram que a média de dor nos pacientes foi de intensidade moderada, e que os escores de dor aumentaram de acordo com o número de partes do corpo com queimaduras. Gamst-Jensen et al.15, em um estudo com objetivo de comparar as diretrizes clínicas para o tratamento da dor em pacientes queimados, apontaram que a dor advinda das lesões e de procedimentos como curativo e mobilização gera um impacto na função dos pacientes, podendo dificultar a realização de atividades de vida diária, como o vestir-se, por exemplo.

Quanto à gravidade da lesão, resultados divergentes foram encontrados no estudo de Coria et al.11, no qual os autores apontaram que, na amostra de pacientes por eles investigada, as maiores dificuldades em realizar as atividades foram encontradas nos pacientes classificados como médio-queimados.

O fato da amostra apresentar dificuldades variadas, independentemente da fase em que lesão encontrava-se, pode estar associado à intensidade da dor, pois, no presente estudo, durante a hospitalização, foi observada maior frequência de dor moderada. A dor causada pela queimadura possui características únicas e, segundo Castellanos Ruiz & Pinzón Bernal16, pode implicar em dificuldades na realização das atividades diárias, assim como dificultar a aceitação do paciente aos procedimentos necessários ao longo do tratamento.

Com relação à ADM articular comprometida, Coria et al.11 afirmam que a maior dificuldade dos pacientes pode estar relacionada ao acometimento de várias áreas do corpo e ao número de articulações com ADM comprometidas, no entanto, no presente estudo, tal fato não foi o observado. Todas essas alterações relacionadas a déficits no aparelho locomotor, segundo Tavares & Hora17 e Marques et al.18, culminam em perda de funcionalidade nas atividades diárias, como trabalhar, realizar tarefas básicas de cuidado pessoal e se socializar, por exemplo.

Outro ponto importante a ser observado é que, na fase de recuperação, podem ocorrer as principais sequelas, sejam estéticas, psicológicas, e/ou motoras, principalmente por causa da pouca mobilidade ativa dos pacientes. Dessa forma, aqueles que não se movimentam estão propícios a apresentar dor e outros distúrbios sensoriais, rigidez articular, diminuição de força e amplitude de movimento, contraturas, deformidades graves e até amputações6,19,20.


CONCLUSÃO

Os resultados desse estudo sugerem que adolescentes e adultos jovens que sofreram queimaduras em membros superiores e que apresentam algum acometimento, como restrição na amplitude de movimento e dor, durante a hospitalização, possuem maior dificuldade na realização de atividades relacionadas ao cuidado pessoal.

Vale salientar que o pequeno tamanho da amostra não nos permite a generalização dos resultados aqui encontrados, no entanto, ressalta a importância de serem realizadas outras pesquisas na mesma temática, utilizando a CIF, para observar, em pessoas com queimaduras de todas as faixas etárias, como essa lesão pode afetar os vários domínios de suas vidas.


REFERÊNCIAS

1. Costa GOP Silva JA, Santos AG. Perfil clínico e epidemiológico das queimaduras: evidências para os cuidados de enfermagem. Rev Ciênc Saúde. 2015;8(3):146-55.

2. Silva PKE, Picanço PG, Costa LA, Boulhosa FJS, Macedo RC, Costa RLN, et al. Caracterização das crianças vítimas de queimaduras em hospital de referência na região amazônica. Rev Bras Queimaduras. 2015;14(3):218-23.

3. Lucamba EVT. Fisioterapia dermato funcional em doentes queimados: Projeto de implementação de um serviço de fisioterapia no Hospital Neves Berdina em Luanda, Angola [Dissertação]. Lisboa: Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa; 2017. 94 p [acesso 2019 Ago 5]. Disponível em: https://repositorio.ipl.pt/handle/10400.21/8572

4. Freitas MS, Machado MM, Moraes RZC, Sousa AH, Aragão LHFB, Santos Junior RA, et al. Características epidemiológicas dos pacientes com queimaduras de terceiro grau no

Hospital de Urgências de Sergipe. Rev Bras Queimaduras. 2015;14(1):18-22.

5. Takino MA, Valenciano PJ, Itakussu EY, Kakitsuka EE, Hoshimo AA, Trelha CS, et al. Perfil epidemiológico de crianças e adolescentes vítimas de queimaduras admitidos em centro de tratamento de queimados. Rev Bras Queimaduras. 2016;15(2):74-9.

6. Albuquerque MLL, Silva GPF, Diniz DMSM, Figueiredo AMF, Câmara TMS, Bastos VPD. Análise dos pacientes queimados com sequelas motoras em um hospital de referência na cidade de Fortaleza-CE. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(3):89-94.

7. Castro RJA, Leal PC, Sakata RK. Tratamento da dor em queimados. Rev Bras Anestesiol. 2013;63(1):149-58.

8. Carrascosa AC, Ribeiro IL. Aplicação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) em saúde do trabalhador. Rev Bras Multidiscip. 2018;21(2):115-24.

9. Silva DO, Ferreira AM, Carvalho AR, Meireles A, Tomandon A, Bertolini GRF, et al. Avaliação da acuidade goniométrica do movimento inversão de tornozelo: interavaliadores e intra-avaliadores. ConScientiae Saúde. 2014;13(1):118-25.

10. Batista KT, Martins VCS, Schwartzman UPY. Reabilitação em queimaduras de membros superiores. Rev Bras Queimaduras. 2015;14(2):113-8.

11. Coria GEM, Duarte LAM, Costa ACSM. Caracterização do paciente queimado segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde [Trabalho de Conclusão de Curso]. Aracaju: Universidade Tiradentes; 2015. 23 p.

12. Grisbrook TL, Stearne SM, Reid SL, Wood FM, Rea SM, Elliott CM. Demonstration of the use of the ICF framework in detailing complex functional deficits after major burn. Burns. 2012;38(1):32-43.

13. Elsherbiny OE, Salem MA, El-Sabbagh AH, Elhadidy MR, Eldeen SM. Quality of life of adult patients with severe burns. Burns. 2011; 37(5):776-89.

14. Singer AJ, Beto L, Singer DD, Williams J, Thode HC Jr, Sandoval S. Association between burn characteristics and pain severity. Am J Emerg Med. 2015;33(9):1229-31.

15. Gamst-Jensen H, Vedel PN, Lindberg-Larsen VO, Egerod I. Acute pain management in burn patients: appraisal and thematic analysis of four clinical guidelines. Burns. 2014;40(8):1463-9.

16. Castellanos Ruiz C, Pinzón Bernal MY. Manejo fisioterapêutico del dolor en personas quemadas em sus tres fases de recuperación: revisión sistemática. Rev Soc Esp Dolor. 2016;23(4):202-10.

17. Tavares CS, Hora EC. Caracterização das vítimas de queimaduras em seguimento ambulatorial. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(4):119-23.

18. Marques CMG, Dutra LR, Tibola J. Avaliação fisioterapêutica da cicatrização de lesões por queimaduras: revisão bibliográfica. Rev Bras Queimaduras. 2015;14(2):140-4.

19. Costa ACSM, Coria GEM, Duarte LAM. Perfil funcional segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde em pacientes queimados atendidos em hospital público. Rev Bras Queimaduras. 2018;17(1):2-7.

20. Sar Z, Polat MG, Ozgül B, Aydogdu O, Camcoglu B, Acar AH, et al. A comparison of three different physiotherapy modalities used in the physiotherapy of burns. J Burn Care Res. 2013;34(5):e290-6.









Recebido em 25 de Maio de 2020.
Aceito em 18 de Agosto de 2020.

Local de realização do trabalho: Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, PE, Brasil.

A pesquisa foi desenvolvida com recursos do programa PIBIC UNICAP.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


© 2024 Todos os Direitos Reservados