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Artigo Original

Internações hospitalares por queimaduras em pacientes pediátricos no Brasil: tendência temporal de 2008 a 2015

Hospital hospitalizations for burns in pediatric patients in Brazil: temporal trend from 2008 to 2015

Mauricio José Lopes Pereima1; Rebeca Rigobelo Vendramin2; Julia Richter Cicogna3; Rodrigo Feijó4

RESUMO

OBJETIVO: Analisar as taxas de internações por queimadura em pacientes pediátricos nas macrorregiões brasileiras e nos estados da região Sul, segundo sexo, no período de 2008 a 2015.
MÉTODO: Trata-se de um estudo de série temporal, descritivo e retrospectivo das taxas de internações por queimadura em pacientes pediátricos no Brasil. Os dados foram obtidos do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, e as informações relativas à população das estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Foram calculados os coeficientes de internação e realizada a análise de regressão linear simples dos coeficientes, por sexo, estados do Sul e macrorregião brasileira.
RESULTADOS: Houve 32.426 internações por queimaduras em crianças de 0 a 14 anos no Brasil. A maioria ocorreu na população masculina (61,4%). No sexo feminino e masculino, observou-se tendência de diminuição no coeficiente de internação nas regiões Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Na região Sul, meninos (p=0,050) e meninas (p=0,033) apresentaram tendência estatisticamente significante de aumento. Entre os estados do Sul, somente Santa Catarina apresentou tendência de aumento para meninos (p=0,007) e meninas (p=0,010).
CONCLUSÃO: Houve diminuição no número de internações hospitalares no Brasil em crianças menores de 14 anos no período de 2008 a 2015 em ambos os sexos. Separadamente, as macrorregiões brasileiras apresentaram diminuição ou oscilação no número de internações por queimadura, exceto o Sul, que apresentou tendência temporal de aumento. Dentre os estados da macrorregião Sul, Santa Catarina foi o único com tendência temporal de aumento.

Palavras-chave: Epidemiologia. Hospitalização. Queimaduras. Pediatria. Prevenção de Acidentes.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The aim of this study was to analyze rates of hospitalizations in pediatric patients in the Brazilian macro-regions and Southern states, according to sex, from 2008 to 2015.
METHODS: This is a descriptive and retrospective study of the time series of burn hospitalizations. The data were obtained from the Unified Health System Hospital Information System, and the population information from the population estimates of the Brazilian Institute of Geography and Statistics. The hospitalization coefficients were calculated and the simple linear regression analysis of the coefficients by sex, Southern states and macro-regions was performed.
RESULTS: 32,426 burn admissions occurred in children aged 0 to 14 years in Brazil. Most of these occurred in the male population (61.4%). There was a tendency to decrease in the coefficient of hospitalization in the Northeast and Midwest of Brazil. In the Southern region, boys (p=0.050) and girls (p=0.033) showed a statistically significant increase trend. Among the southern states, only Santa Catarina showed a significant increase for boys (p=0.007) and girls (p=0.010).
CONCLUSION: There was a decrease in the number of hospitalizations in Brazil in children under 14 years old from 2008 to 2015 in both sexes. Brazilian macro-regions showed a decrease or oscillation in the number of hospitalizations due to burns, except for the South, which showed a temporal trend of increase. Among the states of the Southern region, Santa Catarina was the only one with increasing temporal tendency.

Keywords: Epidemiology. Hospitalization. Burns. Pediatrics. Accident Prevention.

INTRODUÇÃO

Por definição, queimadura é uma lesão tecidual causada por qualquer forma de calor, contato com corrente elétrica ou substância química1. O que a diferencia de outros tipos de lesões é a intensa resposta inflamatória, proporcional à extensão e profundidade2.

Em crianças, a espessura da pele é em torno de 70% da pele de adultos, o que as torna mais suscetíveis à perda de fluídos por evaporação e à hipotermia. Além disso, a população pediátrica possui maior reação e vulnerabilidade a efeitos sistêmicos, uma vez que são mais suscetíveis ao estado hipermetabólico por conta de fatores inflamatórios3.

A queimadura é um dos principais tipos de trauma no mundo, com estimativa de 265 000 mortes anualmente4, e tende a ser mais grave e com maiores complicações em países em desenvolvimento quando comparados com países desenvolvidos5. É a terceira maior causa de morte acidental na população pediátrica e a segunda causa mais frequente de acidentes na infância, acometendo principalmente menores de 14 anos6.

No Brasil, ocorrem em torno de 1 milhão de acidentes com queimaduras anualmente, sendo que 100 mil pacientes procuraram atendimento hospitalar e cerca de 2.500 faleceram direta ou indiretamente por conta de suas lesões6. Estima-se que 70% das queimaduras que demandam tratamento têm os cuidados financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS)7. É importante considerar que pacientes queimados tendem a ter maior custo do que paciente internados por outros motivos8, tornando este tema de grande relevância social e econômica.

Na literatura, encontra-se uma clara diferenciação da etiologia das queimaduras entre crianças menores e maiores que 5 anos de idade9. Menores que 5 anos são mais frequentemente vítimas de escaldamento, chegando a 85% dos casos6, enquanto maiores sofrem com lesões por chama e fogo3.

Além da etiologia principal, devem ser considerados ainda dois importantes agravantes: lesão inalatória e os efeitos tóxicos da combustão6, que estão diretamente relacionados ao aumento do tempo de internação hospitalar e morbimortalidade. Em comparação com adultos, crianças possuem via aérea menor, o que representa risco aumentado para complicações2.

O prognóstico a longo prazo do paciente queimado depende principalmente da abordagem inicial e do tratamento instituído, que podem reduzir mortalidade, número de complicações, cicatrizes e necessidade de futuras cirurgias reconstrutivas6. Em se tratando da população pediátrica, devemos ainda considerar sequelas em seu desenvolvimento psicológico e somático, para que o impacto negativo do trauma não seja um fator definidor na vida adulta.

A mortalidade está intrinsecamente associada à extensão da superfície corporal queimada (SCQ), sendo que acima de 30% SCQ ocorre aumento crítico da resposta inflamatória e, consequentemente, da mortalidade10. O surgimento de centros especializados, avanços nos protocolos de tratamento, tratamento intensivo individualizado, melhora nas técnicas de cobertura das feridas, assim como o tratamento de infecção, das lesões inalatórias e do hipermetabolismo, têm diminuído esta mortalidade em 36%6.

Aproximadamente 90% das mortes envolvendo queimaduras ocorrem em países em desenvolvimento, que não possuem prevenção ou campanhas1. Tal dado demonstra a importância da pesquisa epidemiológica para planejamento de políticas efetivas de prevenção e de atendimento, que são escassas em países em desenvolvimento11, como o Brasil.

Ainda, dados nacionais e internacionais demonstram que até 70% das mortes associadas a queimaduras poderiam ser evitadas por meio de políticas de intervenção6. Portanto, consideramos este estudo de extrema importância por identificar fatores e comportamentos de risco associados a desfechos desfavoráveis em pacientes pediátricos que sofrem queimaduras.

Assim, o presente estudo teve por objetivo analisar as taxas de internações hospitalares por queimadura em pacientes pediátricos nas macrorregiões brasileiras e nos estados da região Sul, segundo sexo, no período de 2008 a 2015, visando enriquecer o conhecimento epidemiológico sobre a queimadura no Brasil e possivelmente auxiliar em políticas de prevenção e atendimento ao paciente queimado em nível local, estadual, regional e nacional.


MÉTODO

Trata-se de um estudo de série temporal, descritivo e retrospectivo das taxas de internações por queimadura em crianças no Brasil. Os dados foram obtidos do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS), e as informações relativas à população residente do Brasil e suas macrorregiões a partir das estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Utilizaram-se os dados dos pacientes hospitalizados em hospitais públicos nacionais, utilizando-se os códigos do CID 10 correspondentes a queimaduras. Os códigos incluem queimaduras elétricas (W85, W86, W87), queimaduras por contato (W92, W93, X15, X16, X17, X18, X19), queimaduras por chama (X00, X01, X02, X03, X04, X05, X06, X08, X09) e queimadura por escaldamento (X10, X11, X12, X13, X14) . As internações foram analisadas segundo a variável sexo e macrorregião. Foram incluídas no estudo crianças de 0 a 14 anos, caracterizando-as como a população pediátrica do estudo, de acordo com classificação etária.

Para a descrição e análise dos dados, foram obtidos, para cada ano do calendário, os coeficientes de internação por queimadura, segundo macrorregião brasileira (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste) e estados da Região Sul (Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul) em cada sexo (feminino e masculino). As taxas foram calculadas para cada 100.000 crianças, excluindo-se os dados com sexo ignorado. Os coeficientes foram calculados em planilhas do programa Microsoft® Excel®, versão 2015. No período de coleta de dados, para as variáveis estudadas, a base de dados utilizada disponibilizava apenas os dados dos anos 2008-2015.

Foi realizada a análise de tendência das taxas de internação de cada macrorregião, por sexo, utilizando-se a técnica estatística de regressão linear simples, por meio do software STATA 14. Justifica-se a opção por esta modelagem pela facilidade de elaboração, interpretação e poder estatístico12.

Foram consideradas como variável dependente (Y) as taxas de internações, e a variável independente (X), os anos do estudo (2008-2015). O modelo linear foi definido como y = ß0 + ß1 x. O sinal negativo do coeficiente angular (ß) da reta ajustada pelo modelo indica que a relação entre o indicador e o tempo é decrescente, caso contrário, essa relação é crescente. O valor do coeficiente angular positivo representa o aumento médio anual na proporção do indicador para cada unidade de tempo, caso contrário, representa a queda média anual na proporção.

Além disso, a identificação das tendências temporais de internação também foi feita a partir dos gráficos e do coeficiente de determinação (R2), que mede o ajuste do modelo de regressão linear aos dados. A tendência foi interpretada como aumento, oscilação ou diminuição. Admitiu-se tendência linear estatisticamente significante somente quando a sua probabilidade de ter ocorrido foi igual ou menor do que 0,05, ou seja, p=5%.

Por tratar-se de um estudo no qual foram utilizados dados de domínio público e sem a identificação dos participantes, não foi necessária a submissão do mesmo ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH), de acordo com os preceitos éticos da Resolução 466/2012.


RESULTADOS

No período entre 2008 a 2015, ocorreram 32.426 internações por queimaduras em crianças de 0 a 14 anos no Brasil. Em todas as macrorregiões, a maioria internações (61,4%) ocorreu na população masculina (Tabela 1). Na Tabela 2 é apresentada  a análise de regressão envolvendo os coeficientes das macrorregiões. Observou-se tendência estatisticamente significante de diminuição para os meninos nas regiões Nordeste (p=0,031) e Centro-Oeste (p=0,005). Para as meninas, também ocorreu diminuição nas regiões Nordeste (p=0,032) e Centro-Oeste (p=0,017). A macrorregião Sul apresentou tendência de aumento para os meninos (p=0,050) e meninas (p=0,033).






Em 2008, o Centro-Oeste apresentou as maiores taxas de internação hospitalar por queimadura na faixa etária estudada tanto para meninas quanto para meninos e fechou o ano de 2015 com a menor taxa de internação entre as macrorregiões. (Interessante considerar que houve com p significante e o R-squared de 0,759, que demonstra forte correlação entre temporalidade e número de internações hospitalares para ambos os sexos - Tabela 2).

A análise da tendência dos coeficientes de internação por queimaduras em crianças do sexo feminino de 0 a 14 anos mostra diminuição nas taxas de internação nas macrorregiões Nordeste e Centro-Oeste. A Região Sul foi a única que apresentou aumento nas taxas de internação. A tendência dos coeficientes de internação por queimaduras em crianças do sexo masculino segue o mesmo padrão que a do sexo feminino. Enquanto houve diminuição na taxa de internação nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, a macrorregião Sul apresentou aumento.

Quando observamos os dados dos estados da Região Sul separadamente, os estados Paraná e Rio Grande do Sul apresentam queda e pequeno aumento, respectivamente, enquanto Santa Catarina teve aumento do número de internações (Tabela 3). A regressão linear dos estados da macrorregião Sul está descriminada na Tabela 4.






O único estado que apresentou resultados estatisticamente significantes foi Santa Catarina, com aumento do número de internações hospitalares para ambos os sexos, além de um bom ajuste do modelo de regressão aos dados. Na Figura 1,  destaca-se o elevado número de internações em meninos de Santa Catarina. A taxa de internações das meninas acompanhou a tendência de aumento dos meninos.


Figura 1 - Tendência dos coeficientes de internação por queimaduras em crianças da Região do Sul do Brasil (ambos os sexos) de 0 a 14 anos.
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, 2008 a 2015.
(M)=Masculino (F)=Feminino.



DISCUSSÃO

No Brasil, ocorrem em torno de 1 milhão de acidentes com queimaduras anualmente, sendo que 100 mil pacientes procuraram atendimento hospitalar e cerca de 2.500 falecem direta ou indiretamente por conta de suas lesões6. No período entre 2008 a 2015, ocorreram 32.426 internações por queimaduras em crianças de 0 a 14 anos no Brasil. Este número representa a terceira causa de morte acidental na população pediátrica e segunda causa mais frequente de acidentes na infância, acometendo principalmente menores de 14 anos6.

De acordo com dados do DATASUS analisados no presente trabalho, o Brasil, em sua totalidade, apresentou decréscimo no número de internações por queimadura no período e faixa etária estudados para ambos os sexos. Uma provável explicação para esta diminuição são as medidas nacionais para prevenção da queimadura, como a proibição da venda do álcool líquido com gradação maior que 54º GL em 2002, conhecida como resolução 46.

Em um artigo publicado em 2009, ficou demonstrado que o álcool líquido foi o maior agente causador de queimaduras por chama no Brasil e concluiu-se que houve uma redução de 10,16% na incidência de queimaduras por esse agente em crianças no ano imediatamente subsequente à proibição da comercialização do álcool líquido13.

Outra ação com impacto sobre a incidência das queimaduras foi a Política Nacional para Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, implementada em 2001 pelo Ministério da Saúde, com propostas de ações específicas para os gestores federal, estaduais e municipais, cujas diretrizes visam à promoção da adoção de comportamentos e de ambientes seguros e saudáveis. Tivemos também em 2004 a criação dos Núcleos de Prevenção de Acidentes e Violências no Sistema Único de Saúde, que foram se consolidando e recebendo suporte técnico-financeiro e monitoramento do Ministério da Saúde, ampliando a rede de núcleos nos anos seguintes7.

Merecem destaque na esfera não governamental, as campanhas nacionais de prevenção de queimaduras desenvolvidas pela Revista Brasileira de Queimaduras (RBQ) e da Organização Não Governamental (ONG) Criança Segura, filiada da International Safe Kids Worldwide, com base em Washington, nos Estados Unidos. Estas ações governamentais e não governamentais podem ter contribuído para a redução nos casos de queimaduras que necessitaram de internação, visto que a maioria ocorre acidentalmente.

Ao analisarmos o sexo masculino, observamos maior número de internações quando comparado com o feminino em todo o período estudado. Este dado está alinhado com a literatura no Brasil e no exterior em todas as faixas etárias. Gervasi et al.7 afirmam que, nas lesões por queimadura, as diferenças de sexo começam a aparecer no primeiro ano de vida, quando os meninos são 70% mais propensos a sofrer lesões que as meninas. Já em crianças menores de 15 anos de idade, há 24% mais morbidade hospitalar entre os meninos do que entre as meninas. O predomínio do sexo masculino pode estar relacionado com as diferenças de comportamento de cada sexo e com fatores culturais, que determinam maior liberdade aos meninos e, em contrapartida, maior vigilância das meninas7.

Outros fatores de risco para queimadura, como baixa escolaridade materna, baixa renda familiar e vivência em conglomerados também parecem impactar mais os meninos. O sexo masculino, culturalmente, possui atividades que exigem maior esforço físico, além da maior exposição a risco para acidentes, como manuseio de equipamentos mecânicos, rede de eletricidade, manipulação de substâncias químicas e de combustíveis, entre outros riscos graves de acidentes, como os automobilísticos, as guerras e o tráfico de drogas7.

As ações governamentais e não governamentais supracitadas parecem ter maior impacto em algumas macrorregiões, uma vez que observamos diminuição de queimaduras com necessidade de internação no Sudeste e Nordeste para a faixa etária e período estudados. Apesar deste decréscimo, permanecem como as macrorregiões com maior número de internações hospitalares no final do período estudado, o Sudeste com 11.157 (34,40%) e Nordeste com 11.458 (35,33%).

De acordo com índice de Gini publicado pelo IBGE em 2017, o Nordeste apresenta a maior desigualdade de distribuição de renda no Brasil, em contrapartida, o Sudeste tem a segunda distribuição mais igualitária, realidades tão diferentes nos levam a acreditar que o número de internações hospitalares foi maior nas referidas macrorregiões por conta do acesso ao serviço de atendimento hospitalar e melhor notificação.

Já a macrorregião Norte teve uma oscilação no número de internações por queimaduras em pacientes entre 0 e 14 anos, apresentando uma diminuição quando comparamos os anos de 2008 e 2015, fechando o período com a segunda menor taxa de internação. Citron et al.11 expõem que a Região Norte possui a maior taxa de mortalidade extra hospitalar por queimadura entre as macrorregiões, ou seja, antes da chegada ao serviço de emergência ou após a alta hospitalar. É importante considerar que a macrorregião Norte possui difícil acesso pelo perfil territorial de grandes distâncias entre população e atendimento hospitalar, menor capacidade de atendimento na área cirúrgica e nenhuma unidade especializada em queimaduras de alta complexidade11, o que nos leva a acreditar que o menor número de internações não corresponde ao real número de queimaduras que necessitam de internação.

Por outro lado, o Sul foi a única macrorregião que apresentou aumento na taxa de internações hospitalares por queimadura, que pode estar relacionado a um melhor acesso ao serviço especializado e notificação. Favassa et al.14, em artigo publicado em 2017, indicam um aumento na taxa de internações hospitalares por queimaduras no Sul do Brasil entre 2008 e 2016, em todas as faixas etárias. Ao analisar a taxa de internação por queimadura em cada estado, os autores verificaram que o Paraná apresentou as maiores taxas em relação a Santa Catarina e Rio Grande do Sul para todas as faixas etárias14.

Como exposto no presente trabalho, o maior crescimento e aumento de taxas de internação por queimadura ocorreu em Santa Catarina quando consideramos a faixa etária dos 0 - 14 anos, que pode estar relacionado ao fato de que a Unidade de Tratamento de Queimaduras (UTQ) do Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG) em Florianópolis ser a única UTQ pediátrica do Sul do Brasil.

Por outro lado, Gervasi et al.7, em estudo sobre morbidade hospitalar por queimaduras publicado em 2014, afirmam que apesar de discreto aumento ocorrido no início dos anos 2000, no geral e, principalmente a partir de 2005, houve queda no número de internações por queimaduras no estado de Santa Catarina entre 1998 e 2012, porém, este estudo engloba desde menores de 1 ano até maiores de 80 anos de idade. Indo de encontro a este resultado, nosso estudo, que incluiu somente pacientes pediátricos, constatou elevação aproximada de 150% do número de internações por queimadura em Santa Catarina para ambos os sexos, tornando o estado o principal responsável pelo aumento do número de internações na macrorregião Sul.

A discrepância entre a queda do número de internações na população geral e o aumento das internações da população pediátrica em Santa Catarina, demonstrada neste trabalho, não parece ter relação com elevação da incidência, mas sim com maior rigor nos critérios de internação da faixa pediátrica e disponibilidade de leitos na unidade cuidado de referência de alta complexidade da capital do estado. Interessante considerar o fato de que a população pediátrica em Santa Catarina não apresenta fatores de risco a mais do que aqueles observados em outros estados, como, por exemplo, escolaridade materna e desigualdade de distribuição de renda, que justificassem o seu aumento.

Assim, considerando que a maioria das queimaduras em crianças são passíveis de prevenção e os dados epidemiológicos (por exemplo, hospitalizações) podem ajudar no planejamento de programas de prevenção e saúde pública9, compreender o perfil e o custo do tratamento associado a queimaduras envolvendo crianças é fundamental para quantificar a carga existente no sistema de cuidados de saúde agudos e não agudos, identificar áreas onde são necessárias estratégias para a prevenção de queimaduras e identificar onde alocação de recursos é necessária4.

Na literatura não há estudo de tendência temporal sobre internação por queimaduras de crianças e adolescentes que compare as macrorregiões brasileiras, por isso, os dados apresentados no presente trabalho são relevantes e inéditos, e têm a finalidade de contribuir com o delineamento de políticas públicas de saúde que auxiliem no tratamento e reabilitação do paciente, mas, acima de tudo, na prevenção deste acidente.

Sobre as limitações, as informações foram provenientes de um banco de dados disponibilizado pelo DATASUS e, portanto, propenso a falhas. Pode haver subregistro de internações e algumas distorções em relação aos tipos de causas no Sistema de Informações Hospitalares. Deve-se considerar também que a pesquisa se baseou pelo número de Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) registradas, podendo ocorrer documentação duplicada ou perdida.

Outra limitação refere-se à fonte de financiamento das internações, pois o presente trabalho incluiu somente internações financiadas pelo SUS, o que exclui, portanto, as internações por particulares e por seguros de saúde, não evidenciadas nesse estudo. Como a grande maioria dos atendimentos são feitos via SUS, acreditamos que o presente trabalho pode oferecer um bom quadro da realidade brasileira de internações por queimaduras.


CONCLUSÃO

No período entre 2008 a 2015, ocorreram 32.426 internações por queimaduras em crianças de 0 a 14 anos no Brasil. A maioria destas (61,4%) ocorreu na população masculina. No período estudado houve diminuição no número de internações hospitalares por queimaduras no Brasil, quando analisada faixa etária de 0 - 14 anos para ambos os sexos. Separadamente, as macrorregiões brasileiras apresentaram diminuição no número de internações hospitalares por queimaduras, exceto o Sul, que além do crescimento do número de internações, também apresentou tendência estatisticamente significante de aumento.

Entre os estados do Sul, somente Santa Catarina apresentou aumento no número de internações por queimadura em crianças até 14 anos no período estudado. Provavelmente uma união de fatores culminou em tais resultados, não existindo uma explicação única.


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Recebido em 26 de Novembro de 2019.
Aceito em 17 de Dezembro de 2019.

Local de realização do trabalho: Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver


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