1667
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Editorial

Fisioterapia no Tratamento de Queimaduras em uma Unidade de Terapia Intensiva

Physiotherapy in the treatment of burns in an intensive care unit

Marilene P Massoli

A queimadura, a meu ver, é uma das mais ricas afecções tratadas pela fisioterapia. É ampla e multifacetada a função do fisioterapeuta em uma Unidade Terapia Intensiva (UTI) de queimados. Equipe de parada, fisioterapia respiratória, ventilação mecânica, prevenção de sequelas cicatriciais, confecção de órteses preventivas, corretivas, intervenção em perioperatório; início do tratamento cicatricial, treino das atividades de vida diária. Na restauração funcional o recurso é nossa essência: o manuseio.

O paciente queimado sofre alterações pulmonares, motoras e estéticas. Necessita tratamento fisioterápico desde a internação até a maturação completa de sua cicatriz, em torno de 24 meses. Os grandes queimados, > 26% superfície corporal queimada (SCQ) de II grau ou >10% III grau1, assim como os portadores de lesão inalatória, são admitidos em UTI.

Na admissão são aplicados preditores de mortalidade que consideram a SCQ, a profundidade da lesão e a faixa etária; índice esse bastante agravado pela lesão inalatória2.

O queimado é um politraumatizado grave, que requer tratamento especializado e uma equipe interdisciplinar especialmente treinada e integrada. Um tórax ocluído, com alterações de expansibilidade torácica, baixo volume corrente pode nos sugerir síndrome compartimental e devemos nos certificar de não tratar-se de uma lesão de III grau em tronco anterior ou áreas costais que impeçam expansibilidade basal. Também um curativo muito apertado pode afetar a expansibilidade torácica. Dessa forma, devemos estar atentos à verificação dessas restrições, evitando atelectasias iatrogênicas e dor3. Passadas as primeiras horas com quadro similar, pode-se sugerir síndrome compartimental abdominal, que é uma urgência cirúgica.

Na verdade, o trabalho da fisioterapia começa na sala de emergência, antes mesmo do primeiro procedimento cirúrgico. Em relação à assistência ventilatória, na sala de emergência e na UTI há uma variação em relação a cada serviço. Em alguns, a ventilação mecânica fica a cargo da fisioterapia, em outros ela é compatilhada com o intensivista. Vamos, aqui, estabelecer estratégias ventilatórias para um paciente grave e com grande número de intervenções cirúrgicas.

A queimadura em ambiente fechado pode causar graves lesões em vias aéreas, por hipóxia, lesão térmica em via aérea superior e, ainda, lesão química em vias aéreas inferiores. A precocidade do tratamento fisioterápico contribui de maneira decisiva para a minimização das sequelas. O fisioterapeuta atento aos recursos e terapêuticas adequados disponíveis, bem integrado à equipe na condução e viabilidade do caso, é decisivo nesse processo de minimização dos efeitos da lesão inalatória e rápida saída da ventilação mecânica.

E as lesões de pele? A fisioterapia dermatofuncional, ao tratar a queimadura, lida com uma multiplicidade de complicações associadas e deve estar preparada para isso. Traumas torácicos, fraturas de grandes ossos, fraturas de coluna, pacientes neurológicos, psiquiátricos...

A presença de trauma torácico associado a uma lesão inalatória e queimadura de tórax já reduz as possibilidades terapêuticas no decúbito. Aumento de dor. Em caso de enxertia, se for contralateral ao trauma, multiplicamos as restrições. Ampliamos desafios. E nos brilham os olhos. Prontos a superá-los e ensinar isso ao nosso paciente. Um desafio por dia, sempre!

Avaliar diariamente as lesões é uma tarefa imprescindível ao fisioterapeuta de queimadura, mesmo ao que atua na terapia intensiva. É nessa avaliação que sabemos sobre a lesão, sangramentos, áreas possíveis de apoio, condições de integração do enxerto -- bem integrado ou frágil? Vamos sair do repouso ou não. Retalho, alguma isquemia, se é possível assentar ou sair do leito, ou seja, nosso plano terapêutico para o dia. Estar sempre atento ao metabolismo, ou melhor, ao catabolismo desse paciente na condução da cinesioterapia. Esse gasto energético deve ser o suficiente para preservar a função4. Observar a formação das linhas de tensão, antes que elas produzam deformidades. E junto a tudo isso você e seu paciente tem uma parceria diária: a dor física e emocional. Como é a rica troca diária e a relação de confiança que nos permite avançar a barreira do medo e da dor e estabelecer avanços funcionais significativos.

Reabilitação abrangente, precoce e agressiva, resulta em melhora da capacidade funcional e menor tempo de recuperação5. Seja na sala de emergência, terapia intensiva, enfermaria ou ambulatório, tenham sempre a certeza de que o trabalho com o paciente queimado é interdisciplinar, maravilhoso e orquestrado por uma equipe integrada


REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 1274, de 22 de novembro de 2000. Brasília: Ministério da Saúde; 2000. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/index.php?option=com_gmg&controller=document&id=3545

2. Osler T, Glance LG, Hosmer DW. Simplified estimates of the probability of death after burn injuries: extending and updating the baux score. J Trauma. 2010;68(3):690-7.

3. Torquato JA, Pardal DMM, Lucato JJJ, Fu C, Gómez DS. O curativo compressivo usado em queimadura de tórax influencia na mecânica do sistema respiratório? Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):28-33.

4. Simon L, Dossa J. Reabilitação no Tratamento das Queimaduras. São Paulo: Roca; 1986.

5. ISBI Practice Guidelines Committee; Steering Subcommittee; Advisory Subcommittee. ISBI Practice Guidelines for Burn Care. Burns. 2016;42(5):953-1021.



© 2024 Todos os Direitos Reservados