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Relato de Caso

Síndrome do choque tóxico em criança queimada: Relato de caso

Toxic shock syndrome in burned child: Case report

Daiane de Oliveira Soares1; Maria Cristina Freitas do-Valle-Serra2

RESUMO

Cerca de 6% das crianças com queimadura necessitam de internação hospitalar e a mortalidade por queimadura é superior nas crianças mais novas comparativamente às mais velhas. A síndrome do Choque Tóxico (SCT) é uma afecção rara e potencialmente fatal se não diagnosticada e tratada rapidamente. O caso a seguir mostra uma criança de 3 anos vítima de queimaduras de segundo e terceiro graus que evoluiu com SCT, além de uma breve discussão sobre os principais pontos-chave do diagnóstico e tratamento.

Palavras-chave: Criança. Queimaduras. Cuidado da Criança. Choque Séptico.

ABSTRACT

About 6% of children with burns require hospitalization and mortality from burns is higher in younger children compared to older ones. Toxic Shock syndrome (TSS) is a rare and potentially fatal condition if not diagnosed and treated quickly. The following case shows a three-year-old child suffering from second and third degree burns who evolved with TSS, as well as a brief discussion of the main key points of diagnosis and treatment.

Keywords: Child. Burns. Child Care. Shock, Septic.

INTRODUÇÃO

Cerca de 6% das crianças com queimadura necessitam de internação hospitalar e a mortalidade por queimadura é superior nas crianças mais novas comparativamente às mais velhas. A síndrome do Choque Tóxico (SCT) é uma afecção rara e potencialmente fatal se não diagnosticada e tratada rapidamente. O caso a seguir mostra uma criança de 3 anos vítima de queimaduras de segundo e terceiro graus que evoluiu com SCT, além de uma breve discussão sobre os principais pontos-chave do diagnóstico e tratamento.


RELATO DE CASO

K.M.S., 3 anos de idade, sexo masculino, pardo, natural e residente do Rio de Janeiro, RJ.

Segundo relato da mãe, a criança estava brincando com uma prima em casa quando seu tio foi sair com o carro e não observou que ele estava atrás do veículo, resultando em um acidente no qual a vítima ficou presa junto ao cano de descarga, sofrendo queimaduras de 2º e 3º grau em tórax e abdome, perfazendo cerca de 17% de superfície corporal.

Foi internado no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Federal do Andaraí (CTQ-HFA), no Rio de Janeiro, RJ, dia 23/10/2017, cerca de 24 horas depois do acidente, realizando balneoterapia diária, desbridamento da ferida e curativo com sulfadiazina de prata.

Foram administrados ao todo dois concentrados de hemácias de acordo com os critérios micro-hemáticos. No dia 16/11/2017 o paciente apresentava hemoglobina de 6,5 e hematócrito de 19,6, sendo realizada uma hemotransfusão. Houve necessidade de transfusão de mais um concentrado de internação pela cirurgia de enxertia que seria realizada no dia seguinte. Ao exame bioquímico de admissão, foi demonstrado hipoalbuminemia de 2,8 e proteínas totais de 5,1, havendo necessidade de reposição. Foram administrados no total 20 fracos de albumina.

No 6º dia de internação, o paciente evoluiu com febre de 40ºC, apresentando tosse durante a noite. Houve suspeita de infecção e, após coleta de amostra de sangue para hemograma e hemocultura, foi iniciada antibioticoterapia. O resultado do swab oral veio positivo para Pseudomonas. Foi retirado o acesso venoso profundo em femural direita com seis dias de punção, e puncionado acesso venoso periférico em membro superior direito. Houve estabilização do quadro e o paciente realizou cirurgia de aloenxerto no 12º dia de internação.

Teve alta hospitalar no 16º dia. A partir de então, a criança começou a recusar a dieta e apresentar quadro de irritabilidade, febre não aferida e um episódio de diarreia em casa, segundo a mãe. A genitora optou por realizar os cuidados com a diarreia e a febre em casa por achar se tratar de uma infecção sem importância, tratando a criança com terapia de reidratação oral e antipiréticos.

Dois dias depois, voltou a emergência por apresentar febre de 40,3ºC associada a vômitos. Ao exame, a criança estava taquicárdica e hipotensa. Foi iniciado imediatamente tratamento com ceftriaxona e gentamicina, além de reposição volêmica agressiva. O paciente evoluiu com insuficiência renal e piora do quadro, necessitando de intubação. Foi levantada a possibilidade de SCT e o paciente foi transferido para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Houve necessidade de ventilação mecânica durante 12 dias, além do tratamento com diversos antibióticos de amplo espectro, incluindo clindamicina. Foi detectado rescimento de S. aureus no tecido analisado e optou-se por realizar desbridamento da área enxertada.

Após algumas semanas de tratamento intensivo, o paciente evoluiu com diminuição dos marcadores inflamatórios, melhora da função renal e foi extubado.


DISCUSSÃO

Descrita pela primeira vez em 1978, a síndrome do Choque Tóxico (SCT) é uma doença rara, que pode atingir ambos os sexos e é caracterizada pelo conjunto de sintomas causado pelas toxinas de bactérias Gram-positivas, em especial Staphylococcus aureus. Essas toxinas desencadeiam uma série de reações graves que podem culminar, entre outras complicações, em insuficiência renal aguda e levar à morte. Sua prevalência permanece desconhecida, mas parece ser mais alta nos Estados Unidos e Reino Unido em comparação com outros países.

Geralmente associada ao uso de absorventes internos, a SCT também pode atingir crianças especialmente entre os 2 primeiros anos de vida ou com imunodeficiências, devido ao fato de ainda não terem desenvolvido imunidade à toxina TSST-1. O TSST-1 é produzido pelo Staphylococcus aureus, bactéria com maior probabilidade de colonizar uma queimadura1. Estudos demonstraram que 63,8% das queimaduras são colonizadas por S. aureus produtora de toxinas, mas apenas uma pequena fração dos pacientes desenvolve a SCT. Além disso, muitas vezes é difícil diagnosticar a SCT, devido aos sintomas inespecíficos. Geralmente como o diagnóstico é feito tardiamente, os pacientes deterioraram-se rapidamente porque a descamação ocorre apenas durante a fase de convalescença, 1 a 2 semanas após o início da erupção cutânea.

A fim de evitar diagnósticos tardios, foram criados alguns critérios que facilitam pensar em SCT por Cole & Shakespeare2. Um total de 5 ou 6 dos 6 critérios é tido como SCT provável e SCT altamente provável, respectivamente. Os critérios são: febre >39ºC, rash cutâneo, choque, diarreia/vômitos, irritabilidade e linfopenia.

Como a SCT é frequentemente diagnosticada retrospectivamente, muitos pacientes podem não receber o tratamento ideal. Wilkins et al.3 listam os princípios fundamentais do tratamento da SCT, que incluem: diagnóstico precoce mesmo quando os pacientes não atendem a todos os critérios, ressuscitação agressiva, desbridamento da fonte de infecção, antibióticos (especificamente clindamicina) e o uso de imunoglobulina IV. No nosso caso, houve o desbridamento e o uso de antibióticos empíricos, incluindo a clindamicina.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diretrizes devem ser desenvolvidas para o correto diagnóstico e tratamento da SCT. Além disso, o caso destaca a importância de educar os cuidados e os profissionais da saúde sobre os principais sinais e sintomas que podem indicar doenças que devem ser prontamente combatidas.


REFERÊNCIAS

1. Lawrence JC. Burn bacteriology during the last 50 years. Burns. 1992;18 Suppl 2:S23-9.

2. Cole RP, Shakespeare PG. Toxic shock syndrome in scalded children. Burns. 1990;16(3):221-4.

3. Wilkins AL, Steer AC, Smeesters PR, Curtis N. Toxic shock syndrome - the seven Rs of management and treatment. J Infect. 2017;74 Suppl 1:S147-S152.









Recebido em 2 de Outubro de 2019.
Aceito em 11 de Novembro de 2019.

Local de realização do trabalho: Hospital Federal do Andaraí, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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