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Nível de sobrecarga em cuidadores primários de crianças com queimaduras em tratamento ambulatorial de fisioterapia

Burden level in primary caregivers of children with burns in outpatient physiotherapy treatment

Aurenita Luiz da Silva1; Jéssica Malena Pedro da Silva2; Lilian Aragão3; Edielson José de Santana4; Cláudia Fonsêca de Lima5

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o nível de sobrecarga de cuidadores primários de crianças com queimaduras em tratamento de Fisioterapia ambulatorial em um hospital público da cidade do Recife, PE.
MÉTODO: Trata-se de um estudo transversal descritivo com 27 cuidadores primários de crianças com queimaduras na faixa etária de 0 a 12 anos, em tratamento no ambulatório de Fisioterapia de um hospital público, na cidade do Recife. Utilizou-se um questionário para caracterização da amostra e a versão brasileira da Burden Interview Scale para avaliar o nível de sobrecarga dos voluntários. A análise dos dados foi de forma descritiva e estatística considerando p<0,05 para significância estatística.
RESULTADOS: A maioria dos cuidadores foram mulheres (mães) que apresentaram nível leve a moderado de sobrecarga física e emocional e se queixaram de falta de tempo para as suas próprias necessidades devido às tarefas domésticas e aos cuidados diários com a criança queimada. Os principais determinantes dessa sobrecarga foram: cuidador mais jovem, criança menor de 6 anos, renda familiar baixa (p=0,078) e tempo da lesão inferior a 1 ano.
CONCLUSÕES: O aumento do nível de sobrecarga física e emocional dos cuidadores sugere a necessidade de serem implementadas ações que visem fornecer suporte psicossocial para os mesmos ao longo do processo de reabilitação, após a alta hospitalar dessas crianças.

Palavras-chave: Cuidadores. Criança. Queimaduras. Estresse Psicológico.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate burden level in primary caregivers of children with burns in outpatient physiotherapy treatment in a public hospital in the city of Recife, PE, Brazil.
METHODS: This is a descriptive cross-sectional study with 27 primary caregivers of children with burns in the age group 0 to 12 years old, undergoing treatment at the Physiotherapy outpatient clinic of a public hospital in the city of Recife. A questionnaire was used to characterize the sample and the Brazilian version of the Burden Interview Scale was used to evaluate the volunteers level of overload. The data analysis was descriptive and statistical considering p<0.05 for statistical significance.
RESULTS: Most caregivers were women (mothers) who presented mild to moderate level of physical and emotional overload and complained of lack of time for their own needs due to household chores and daily care with the burned child. The main determinants of this overload were: younger caregiver, child under 6 years old, low family income (p=0.078) and injury time less than 1 year.
CONCLUSIONS: The increased level of physical and emotional burden of caregivers suggests the need to implement actions aimed at providing them with psychosocial support throughout the rehabilitation process, after discharge from these children.

Keywords: Caregivers. Child. Burns. Stress, Psycological.

INTRODUÇÃO

Queimadura é uma lesão térmica dos tecidos orgânicos em decorrência de um trauma direto ou indireto com objetos quentes ou superaquecidos, substâncias químicas, emanações radioativas (infravermelho e ultravioleta) e eletricidade, dentre outros fatores desencadeantes1,2. A ferida resultante pode variar desde uma pequena bolha até formas mais graves capazes de gerar um grande número de respostas sistêmicas e, de acordo com a profundidade, pode ser classificada em lesão de espessura superficial, profunda ou total3,4.

As crianças são as maiores vítimas de queimaduras por causas acidentais, e os principais agentes causadores são as escaldaduras provocadas por líquidos superaquecidos5. Estes acidentes ocorrem, na maioria das vezes, no ambiente domiciliar, mais especificamente na cozinha, onde tanto os líquidos quentes provenientes do fogão quanto outras substâncias, tais como produtos químicos e inflamáveis utilizados no domicílio, são deixados ao alcance das crianças, por negligência dos pais5,6.

Em geral, crianças entre 1 e 2 anos de idade sofrem mais acidentes por queimaduras, pois nessa idade elas são mais curiosas, possuem sistema neuromotor em desenvolvimento e, consequentemente, pouca coordenação motora7. Vale salientar que nessa faixa etária as crianças estão dando seus primeiros passos e adquirindo mais liberdade, no entanto, ainda não desenvolveram a noção de perigo presente em crianças maiores, o que pode favorecer a ocorrência desse tipo de acidente5,7-9.

A queimadura, por ser uma lesão que pode causar dor física extrema, além de vários transtornos físicos e emocionais, promove tanto para a criança que sofreu a lesão como para sua família momentos de grande estresse emocional ao longo do tratamento clínico e de reabilitação5,6,8,10,11. A família é atingida diretamente, desencadeando uma ruptura no funcionamento da dinâmica familiar e provocando nos cuidadores primários sentimentos como: culpa, raiva, ansiedade, medo e incapacidade de cuidar dos filhos. Além disso, a necessidade de ajustes em suas rotinas domésticas pode gerar grande estresse familiar5,8,12.

Em decorrência, a mãe, muitas vezes, necessita abandonar seu emprego, dedicando-se exclusivamente ao filho, negligenciando seu papel de esposa, dona de casa e mulher, tornando-se apenas cuidadora, o que pode levar a uma sobrecarga física e emocional, provocada pelo cansaço, isolamento social, estresse e sentimento de impotência diante da fragilidade do corpo de seu filho que está desfigurado pelas sequelas da queimadura5,6,12.

Diante desse cenário, justifica-se esse estudo, que tem por objetivo avaliar o nível de sobrecarga nos cuidadores primários de crianças com queimaduras em tratamento ambulatorial de fisioterapia em um hospital público da cidade do Recife, Pernambuco.


MÉTODO

O presente estudo foi desenvolvido a partir do apoio do programa de iniciação científica de uma universidade privada da cidade do Recife, Pernambuco, e faz parte do projeto de pesquisa intitulado "Avaliação e Reabilitação das Disfunções do Sistema Tegumentar" aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos através do CAAE de nº 55919316.4.0000.5206, sob parecer 1.598.403, de 20 de junho de 2016.

Trata-se de um estudo transversal descritivo realizado no ambulatório de reabilitação de um hospital público da cidade do Recife - PE, durante o período de outubro de 2016 até abril de 2017.

Participaram do estudo cuidadores primários de crianças com queimaduras, que estavam sendo acompanhadas pela Fisioterapia do referido ambulatório, e foi estimada uma amostra por conveniência composta por 50 voluntárias.

Foram incluídos no estudo cuidadores primários de crianças de ambos os sexos, na faixa etária de 0 a 12 anos, com queimaduras, que estavam em tratamento ambulatorial de fisioterapia no referido hospital no período da coleta de dados. E excluídos os cuidadores que apresentaram distúrbio psiquiátrico ou cognitivo, que os tenha impedido de compreender e responder as perguntas do questionário e da escala utilizados na pesquisa.

As recomendações da Resolução nº 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa foram seguidas. Desse modo, a coleta de dados só foi iniciada após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e foi garantido o sigilo de identidade dos participantes e o direito de desistir a qualquer momento, sem interferências no tratamento da criança. Por isso, após uma busca dos prováveis participantes nos prontuários do referido ambulatório, foi realizada uma abordagem inicial com os cuidadores primários das crianças, que receberam informações sobre os objetivos e os procedimentos do estudo. Os que concordaram em participar assinaram o TCLE.

Inicialmente, foi realizada uma entrevista com o cuidador primário com o uso de um questionário, para coleta de dados pessoais e sociodemográficos, além de dados referentes à história e mecanismo da lesão, agente etiológico e data da lesão, dentre outras informações clínicas pertinentes.

Em seguida, foi aplicada a versão brasileira da Burden Interview Scale, para avaliar o nível de sobrecarga física e emocional dos mesmos. A escala Burden Interview, segundo Bandeira et al.13, é composta por 22 itens que envolvem os domínios 'saúde', 'vida social e pessoal', 'situação financeira', 'bem-estar emocional' e 'relacionamento interpessoal'.

Cada item da escala é pontuado de 0 a 4, sendo 0= nunca, 1= raramente, 2= às vezes, 3= frequentemente e 4= sempre, em uma pontuação total que pode variar de 0 a 88 pontos. Após o somatório dos pontos, considera-se que uma pontuação de 0 a 21 corresponde a pouca ou nenhuma sobrecarga, de 21 a 40 corresponde à sobrecarga de leve a moderada, de 41 a 60 à sobrecarga de moderada a severa, e de 61 a 88 sobrecarga severa13.

Por fim, foi realizado um exame físico da criança para verificação da profundidade, extensão e localização da queimadura, presença de dor, presença de cicatrização patológica, presença de deformidade, presença de amputação, nível de independência funcional, tempo de lesão, tempo de tratamento fisioterapêutico ambulatorial e uso de órtese indicada como parte do tratamento fisioterapêutico da queimadura.

Após o término da coleta, foi montado um banco de dados, com dupla entrada no programa Microsoft Excel versão 7.0 e os dados foram submetidos à análise estatística. Na análise das características sociodemográficas dos cuidadores e das características clínicas das crianças com queimadura, a população foi descrita por meio de distribuição de frequência para as variáveis categóricas. Para as variáveis quantitativas, foi testada a hipótese de normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk. Sendo aceita a hipótese, a variável foi descrita pela média e desvio padrão, caso contrário, pela mediana e intervalo interquartílico.

Na análise da associação entre o nível de sobrecarga física e emocional dos cuidadores com suas próprias características sociodemográficas e com as características clínicas da criança com queimadura, foi utilizado o teste T de Student, quando a variável independente tinha duas categorias, quando houve mais de duas categorias foi utilizada a ANOVA na comparação das médias. Para a variável idade, foi estimado o coeficiente de correlação linear de Pearson. A significância estatística foi de 5% (p<0,05). O software utilizado na análise foi o Stata versão 12.0, e os resultados estão apresentados através de gráficos e tabelas.


RESULTADOS

Inicialmente, foram identificados 29 possíveis participantes pela análise dos prontuários. No entanto, após conversa inicial para explicações sobre os objetivos do estudo, dois deles foram excluídos por apresentarem distúrbios cognitivos que dificultavam a compreensão do conteúdo do questionário e principalmente da escala. Dessa forma, foram avaliados 27 cuidadores primários de crianças com queimaduras.

Ao analisar os dados desses cuidadores, observou-se que a grande maioria era composta por mulheres (mães das crianças), na faixa etária de 31 a 40 anos, solteiras, com renda inferior a 1 salário mínimo e residentes em cidades do interior do Estado. A idade média foi de 33,8 anos, sendo essa média composta pela faixa etária de apenas 19 dos participantes. Vale salientar, ainda, que mais da metade tinha nível de escolaridade baixo, exercia alguma atividade remunerada, e tinha 1 ou 2 filhos (Tabela 1).




Com relação às características das crianças cujos cuidadores primários estão sendo avaliados, pôde-se observar que a maioria das crianças estava na faixa etária de 6 a 12 anos, apresentava lesão superficial (2º grau), a área do corpo mais acometida foram os membros superiores, todas apresentavam algum tipo de cicatriz patológica (mesmo que em fase de recuperação), a maioria sofreu o acidente há mais de 2 anos e fazia uso de algum tipo de órtese para tratamento da cicatriz patológica (Tabela 2).




Considerando que o cuidador primário é o principal responsável pela criança, o que requer dele uma atenção redobrada para evitar situações de risco que estejam ao redor do menor, foi questionado aos cuidadores se tinham vontade de ter ou fazer alguma coisa que não conseguiam devido ao tempo gasto nos cuidados com a criança e quais eram as dificuldades que tinham durante esses cuidados.

Com relação ao primeiro questionamento, as respostas dos participantes foram organizadas nas categorias 'necessidades' (se tinham vontade de ter ou fazer alguma coisa) e 'queixas' (os motivos que os impediam de satisfazer as referidas vontades).

Quanto às dificuldades, apenas uma participante, que era mãe de uma das crianças, relatou ter dificuldades, e estas estavam relacionadas aos cuidados com as feridas, que ainda não estavam completamente cicatrizadas.

A maioria das cuidadoras (n=15; 75%), queixou-se de falta de tempo. Sete delas não responderam às questões relacionadas às queixas, e as demais queixaram-se de falta de privacidade ou dificuldade financeira. Com relação às necessidades, a maioria referiu necessidade de trabalhar (n=12; 63,2%), oito delas não informaram as necessidades e as demais sentiam falta de um lazer, de estudar, de tempo para os cuidados pessoais e especiais, e uma delas referiu não sentir necessidade de nada.

A avaliação por meio da versão brasileira da Burden Interview Scale mostrou que, considerando a pontuação total da escala, o valor médio foi de 25,2±11,3 pontos, com pontuação mínima de 9 e máxima de 53. Dessa forma, observou-se que 40,7% foram estratificadas como pouca ou nenhuma sobrecarga, enquanto 51,9% foram classificadas sobrecarga leve a moderada e 7,4% (apenas 2 entrevistadas) foram classificadas como sobrecarga moderada a severa. Não houve nenhuma das entrevistadas na categoria de sobrecarga severa (Gráfico 1).


Gráfico 1 - Classificação dos níveis de sobrecarga física e emocional dos cuidadores segundo a Escla Burden Interview Scale.



No geral, com relação às 22 questões que avaliaram a sobrecarga física e emocional nas mães/cuidadoras, foi observado que a maior frequência de respostas "Frequentemente e Sempre", que caracterizam maior nível de sobrecarga, foram referentes aos motivos financeiros (falta de dinheiro), que se sentem tensas quando a criança está por perto, à dependência e ao sentimento de que poderia fazer mais e cuidar melhor, seguida das questões nas quais diz "ele pede mais ajuda do que necessita" e "não tem tempo suficiente para si".

Já as respostas que correspondem ao menor nível de sobrecarga, "Nunca e Raramente", foram mais frequentes nas questões relacionadas ao constrangimento, à irritação pela presença do sujeito cuidado, ao fato de o entrevistado não se sentir à vontade para receber visitas em casa e a quanto a presença do sujeito afeta as relações familiares e sociais. Quando os cuidadores foram questionados se gostariam de simplesmente deixar que outra pessoa cuidasse do sujeito, 90% responderam "nunca".

Considerando tais fatores, foram realizadas as correlações entre o nível de sobrecarga e algumas variáveis relacionadas aos cuidadores (Tabela 3), e entre o nível de sobrecarga e algumas variáveis relacionadas às crianças (Tabela 4).






Ao analisar a associação das variáveis biossociodemográficas e características das crianças relacionadas aos cuidadores e a escala de sobrecarga (Tabelas 3 e 4), observa-se que em nenhuma das variáveis analisadas houve diferença estatisticamente significante na média da pontuação total (p>0,05).

A análise da Tabela 3 nos mostra que os maiores níveis de sobrecarga foram observados nos cuidadores mais jovens e nos de menores níveis de escolaridade. É possível observar também que, independentemente do estado civil, o nível de sobrecarga da maioria dos cuidadores variou de "pouco a nenhum" a "leve a moderado".

Ainda analisando a Tabela 3, percebe-se que em relação à renda foi observada uma associação limítrofe (p=0,078), em que a pontuação média da escala de sobrecarga foi maior entre os cuidadores com menor renda, com pontuação total média de 29 pontos entre os pesquisados com renda abaixo de 880 reais e pontuação média de 21,2 entre os que tinham renda acima de 880 reais.


DISCUSSÃO

Os resultados apresentados sugerem que a mulher, na maioria das vezes, a mãe, normalmente assume a missão de cuidar da família. Na ausência dela, a escolha do cuidador é atribuída para um familiar que se sente responsável e assume os cuidados com a criança.

As cuidadoras relataram que, além de prestar cuidados às crianças e trabalhar fora do domicílio, elas ainda assumiam as tarefas domésticas, não sobrando tempo para as suas necessidades pessoais.

Tal fato mostra que a supervisão inadequada a essas crianças é uma das principais causas de acidentes domésticos por queimaduras, devido às tantas atribuições exercidas pelo cuidador no ambiente domiciliar, além da precariedade das moradias pequenas para famílias numerosas7,14. Gawryszewski et al.14 afirmam que dois dos principais fatores de risco para acidentes por queimaduras em crianças, encontrados na literatura nacional, foram o baixo nível socioeconômico e de escolaridade das mães e responsáveis pela criança.

Nas mães de baixa renda, o estresse parental é um sintoma que tem sido observado e que causa alterações físicas e emocionais que desestabilizam o clima familiar e compromete negativamente a qualidade do ambiente domiciliar6. Os sintomas do estresse parental estão associados ao sentimento de culpa por não estar prestando a devida atenção a seus filhos, por precisarem trabalhar e deixar suas crianças aos cuidados de outros, muitas vezes, esse outro sendo o irmão mais velho, que ainda não tem a percepção do que é "cuidar"15,16.

Nesse estudo, a maioria dos cuidadores, que é composta por mulheres, respondeu que o cuidado com a criança era a prioridade. Para Barbieri et al.5, tal fato evidencia que o papel das mulheres tem trajetória histórica e cultural de "mulher do lar", com obrigações de cuidar da casa e dos filhos e, assim, constituir uma relação de proteção e afeto no seio familiar.

O fato de ter que cuidar da criança com queimaduras e dos afazeres domésticos levou a maioria dos cuidadores da presente pesquisa a abandonar o emprego. Eles prestam assistência para a criança dia e noite e isso compromete a quantidade e a qualidade do tempo que sobra para suas próprias necessidades.

Nesse contexto, Campos et al.6 afirmam que a mãe tende a somatizar os problemas pessoais, os da família e os dos filhos, desenvolvendo os sintomas do estresse parental, sendo que a rotina de cuidados com a criança que sofreu queimaduras pode desencadear ou exacerbar esses sintomas.

A esse respeito, Öster et al.17 referem que para os pais avaliados em sua pesquisa ter um emprego comprometeu as demandas impostas pela dinâmica familiar quando havia uma criança com queimaduras em casa. Esses pesquisadores afirmam, ainda, que, embora os familiares cuidadores sejam frequentemente considerados os pilares do suporte social, eles podem sentir-se sufocados pelas necessidades emocionais da pessoa desfigurada.

Tal fato não foi observado no presente estudo, pois o nível de sobrecarga física e emocional da maioria dos cuidadores variou de 'pouco a nenhum' a 'leve a moderado'. A maioria dos entrevistados parece subestimar a percepção da sobrecarga relatada, o que pode estar relacionado ao fato de exercerem, no ambiente domiciliar, função de "cuidador", o papel de "mãe" e de "dona de casa", além do vínculo afetivo mãe-filho.

Tal fato pode ser evidenciado nas respostas do item 22 da escala ("De maneira geral, quanto a Sr/Srª se sente sobrecarregado?"), em que a maioria dos cuidadores (69%) marcaram escore (0) que significa "nem um pouco". Comparando com as queixas e necessidades apresentadas, tal resposta pode sugerir que os cuidadores têm dificuldades em admitir diretamente a sobrecarga. Öster et al.17 também referem em seus estudos essa dificuldade nos cuidadores familiares.

Com relação às mães que assumem o papel de cuidadora, Fukunishi15, que realizou estudo mensurando estresse pós-traumático e depressão em mães de crianças com queimaduras graves, aponta ter observado alta prevalência de sobrecarga pós-traumática em sua amostra, com uma taxa que variou de 30 a 50%, sendo esse estresse ocasionado por diferentes causas. Para Egberts et al.18, o evento 'queimaduras em crianças' tem impacto psicológico grave nos pais/cuidadores e os níveis de estresse pode perdurar por anos.

Nesse estudo, foi observado que o baixo nível socioeconômico interferiu negativamente para o aumento da sobrecarga do cuidador. Como citado anteriormente, a maior incidência de respostas 'Frequentemente e Sempre' foi referente a motivos financeiros da questão 'O/A Sr/ Srª sente que não tem dinheiro suficiente para cuidar de si e das outras despesas?'. Eles referem os gastos extras com o tratamento da criança e que, na condição de cuidador, a necessidade de ter que faltar ao trabalho para atender às necessidades da criança e do tratamento ambulatorial, o fato de não ter com quem dividir os cuidados com a criança e os afazeres domésticos os leva a abandonar o emprego.

Barbieri et al.5 relataram em sua pesquisa que a situação de sobrecarga materna e o abandono do trabalho podem ser explicados pela dinâmica familiar e pela responsabilidade moral assumida pela mãe ao cuidar do filho que sofreu queimaduras. Também foram identificados comportamentos de superproteção e os cuidadores justificaram que tais atitudes foram tomadas em razão do medo do filho adquirir alguma infecção pela perda da proteção da pele com a queimadura. A esse respeito, Öster et al.17 afirmam que "a queimadura de uma criança resulta em mudanças de rotina para toda família, e os pais podem se tornar superprotetores para amenizar qualquer lesão adicional".

Quando foi correlacionada a sobrecarga emocional dos cuidadores com a faixa etária das crianças, observou-se que as crianças em idade pré-escolar com queimaduras causam maior prevalência de sobrecarga física e emocional no cuidador. Provavelmente, esses resultados devem-se ao maior nível de atenção e cuidados que essas crianças requerem por serem mais dependentes e necessitarem de ajuda para tudo. Essas mães, além de cuidar da criança com queimaduras, precisam cuidar dos afazeres domésticos e dos outros filhos, pois não têm com quem dividir as tarefas.

Nesse sentido, Gomes19 aponta que os cuidados diários durante o tratamento de reabilitação após alta hospitalar, como vários banhos por dia, limpeza diária das áreas feridas, hidratação das cicatrizes que deve ser realizada várias vezes ao dia, a necessidade de oferecer líquidos à criança com mais frequência, os cuidados para proteger as cicatrizes do sol e os cuidados para prevenir ou diminuir sequelas cicatriciais, são desgastantes e tornam árdua a rotina do cuidador.

Quanto ao sexo, a proporção foi irrelevante com mínima diferença entre menino e menina. Mães de crianças com lesão inferior a um ano foram mais propensas a essa sobrecarga devido à presença de feridas abertas. Nesses casos, observou-se que as lembranças dos curativos realizados no ambulatório após alta hospitalar tornam a criança extremamente estressada, quando se tenta tocar nas cicatrizes durante as sessões ambulatoriais de fisioterapia. Mesmo que o toque não cause dor, as experiências vivenciadas anteriores fazem com que a criança se reporte ao passado reagindo com crises de choro e dificultando o atendimento fisioterapêutico. Foi observado que tais situações aumentam o nível de estresse do cuidador.

Öster et al.17 e Coelho20 também observaram tais fenômenos em seus estudos e afirmam que quanto mais aguda for a lesão maior tende a ser a sobrecarga apresentada pelo cuidador, devido aos transtornos causados pela dor da criança durante a realização dos curativos. Gawryszewski et al.14 referem que "a dor física é terrível para o paciente queimado e estressante para o cuidador". E Rimmer et al.12 apontam que, na pesquisa desenvolvida por eles, 6 anos após a lesão da criança, o item que os pais/responsáveis classificaram como o mais difícil é a dor física que a criança experimentou.

Quanto mais extensa e profunda for a lesão, maiores serão as sequelas físicas e psíquicas, diminuindo as chances de os indivíduos afetados usufruírem plenamente de seu potencial do ponto de vista econômico e social14,17. Os pais sentem profunda culpa e muita preocupação sobre a aparência saudável e futura de seus filhos.

Na presente pesquisa, alguns cuidadores descreveram sentimentos de ansiedade, especialmente em situações que os arremete ao acontecido. Afirmaram que embora tentem se concentrar mais no futuro, estão constantemente lembrando o acidente que causou a queimadura, e se entristecem com a forma como algumas pessoas olham para a criança, demonstrando repúdio pela sua aparência devido às sequelas cicatriciais.

Referiram ainda que outras pessoas demonstram pena das crianças e raiva deles, ou seja, raiva do cuidador, por não terem impedido o acidente com a criança. Tais acontecimentos fazem com que esses cuidadores se sintam culpados, o que repercute negativamente não só para o cuidador, mas também para a criança e os demais membros da família.

Tais relatos também foram apontados no estudo de Coelho20, o qual afirma que os olhares que a criança queimada atrai ao andar pela rua, e a identificação de sentimento de desprezo por parte das pessoas geram raiva e tristeza nos cuidadores.


CONCLUSÃO

Nesse estudo, observou-se que as mães foram as principais cuidadoras e que as variáveis relacionadas ao cuidador, como a baixa renda familiar, o baixo nível de escolaridade, a maior quantidade de filhos e a faixa etária mais jovem, assim como, as variáveis relacionadas à criança, como faixa etária de 0 a 5 anos e o primeiro ano após a alta hospitalar, parecem ser determinantes para o aumento dessa sobrecarga, embora não tenha havido diferença estatisticamente significante na média da pontuação total. Em relação à renda, observou-se uma associação limítrofe, o que pode sugerir ser essa a variável que mais pode provocar estresse nos cuidadores.

Um fato que chamou a atenção nesse estudo foi o relato das mães em relação ao estigma que a queimadura provoca nos seus filhos em decorrência das cicatrizes patológicas. Algumas das mães se mostraram bastante incomodadas, tristes e culpadas diante dos olhares indesejados que as pessoas em geral dirigem para seus filhos.

Os resultados desse estudo advertem para a necessidade de intervenções psicossociais junto a essas famílias, a fim de promover o bem-estar dos cuidadores e das crianças no decorrer do longo período de reabilitação após alta hospitalar. A escassez de estudos que avaliam sobrecarga de cuidadores de crianças brasileiras com queimaduras também sugere a necessidade de mais pesquisas com essa população.


AGRADECIMENTOS

Agradecimento especial à psicóloga e Profª Dra. Albenise de Oliveira Lima por ter revisado o texto.


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Recebido em 27 de Maio de 2019.
Aceito em 2 de Outubro de 2019.

Local de realização do trabalho: Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, PE, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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