1804
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo de Revisao

Qualidade de vida de crianças e adolescentes após queimadura: Revisão integrativa

Quality of life of children and adolescents after burning: An integrative review

Priscila Juceli Romanoski1; Camila Simas2; Daiana Ferreira Marcelino Daniel3; Rebeca Sartini Coimbra4; Pollyana Thays Lameira da Costa5; Maria Elena Echevarría-Guanilo6

RESUMO

OBJETIVO: Identificar a produçao do conhecimento sobre qualidade de vida e aspectos relacionados a partir da percepçao de crianças e adolescentes queimados.
MÉTODO: Revisao integrativa da literatura nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde e National Library of Medicine National Institutes of Health, utilizando descritores em português, inglês e espanhol: Qualidade de Vida; Queimaduras; Criança; Adolescente; Reabilitaçao; Estilo de Vida; Valor da Vida; Terapia Ocupacional; Atividade Motora; Unidades de Queimados; Emoçoes; Autoimagem; Imagem Corporal; Autonomia Pessoal; Bullying; e Apoio Social; e palavras-chave: Atividade física; Queimados; Sentimentos; e Autopercepçao. Foi realizada busca direta na Revista Brasileira de Queimaduras, em junho de 2017, tendo sido selecionados 620 artigos publicados entre 2011 e 2017. Desses, apenas 11 foram incluídos.
RESULTADOS: Duas temáticas foram levantadas: 1) qualidade de vida de crianças e adolescentes que sofreram queimaduras ou aspectos associados (idade, superfície corporal queimada, local do corpo atingido, tempo transcorrido da queimadura, ambiente de atendimento, relaçao familiar e uso de estratégias de camuflagem da cicatriz); 2) Instrumentos de medida, sendo os mais utilizados: The Paediatric Quality of Life Inventory e Burn Outcomes Questionnaire.
CONCLUSOES: Pesquisas que avaliam a Qualidade de Vida a partir da concepçao de crianças e adolescentes precisam ser garantidas em consonância com os determinantes sociais que influenciam a saúde e a qualidade de vida após a alta hospitalar. Além disso, destaca-se a importância dos avanços em estudos de validaçao de instrumentos para consolidar práticas e oportunizar o cuidado efetivo.

Palavras-chave: Qualidade de Vida. Queimaduras. Criança. Adolescente. Literatura de Revisão como Assunto.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To identify the production of knowledge regarding the quality of life and related aspects from the perception of burned children and adolescents.
METHODS: Integrative literature review. The Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences and National Library of Medicine National Institutes of Health databases were consulted using the following descriptors in the Portuguese, English and Spanish languages: Quality of Life; Burns; Child; Adolescent; Rehabilitation; Lifestyle; Value of Life; Occupational therapy; Motor Activity; Burned Units; Emotions; Self-image; Body image; Personal Autonomy; Bullying; and Social Support; and the keywords: Physical activity; Burned; Feelings; and Self-perception. A direct search was conducted at the Brazilian Journal of Burns in June 2017, having been selected 620 articles published between 2011 and 2017. Only 11 were included.
RESULTS: Two themes emerged: 1) quality of life of children and adolescents who suffered burns or associated aspects (age, burned body surface, body location reached, burn time, care environment, family relationship and use of scar camouflage strategies); 2) Measurement instruments, the most used being: The Pediatric Quality of Life Inventory and Burn Outcomes Questionnaire.
CONCLUSIONS: Research that evaluates Quality of Life from the conception of children and adolescents needs to be guaranteed in line with the social determinants that influence health and quality of life after hospital discharge. In addition, the importance of advances in validation studies of instruments to consolidate practices and to provide effective care is highlighted.

Keywords: Quality of Life. Burns. Child. Adolescent. Review Literature as Topic.

INTRODUÇAO

As queimaduras na infância e adolescência compreendem importante causa de hospitalizaçao prolongada e, quando nao levam à morte, dependendo da gravidade e do nível de comprometimento, podem ocasionar sequelas graves e significativas limitaçoes funcionais, psicológicas e de ordem social, afetando diretamente a qualidade de vida (QV)1 do indivíduo que sofreu queimadura.

Crianças de zero a quatro anos de idade formam o grupo de risco para trauma com queimaduras2. No Brasil, estima-se que anualmente ocorram um milhao de acidentes com queimadura, correspondendo a aproximadamente 300 mil casos em crianças e adolescentes, sendo 70% em crianças e com prevalência em menores de dois anos de idade, caracterizando a quarta maior causa de morte nessa faixa etária3. Esse tipo de acidente envolvendo crianças acontece predominantemente no cenário doméstico, principalmente na cozinha, sendo diretamente ligado ao escaldamento por líquidos ferventes. Já em adolescentes, os acidentes costumam decorrer da combustao de inflamáveis de uso doméstico4.

Países de baixa e média renda correspondem ao maior risco de queimaduras em relaçao a países de alta renda, possuindo uma taxa de mortalidade decorrente desses acidentes sete vezes maior que em países de alta renda, o que relaciona a ocorrência de queimadura com o nível socioeconômico da populaçao afetada1. A maioria das queimaduras podem gerar impactos duradouros na qualidade da vida das pessoas, sobretudo relacionados a cicatrizes, contraturas, fraqueza, termorregulaçao, prurido, dor, alteraçao do sono, percepçao da imagem corporal e bem-estar psicossocial. O tratamento de terapia intensiva também pode causar alteraçoes cognitivas, afetivas ou comportamentais, além das consequências diretas da lesao5.

A grande ocorrência desses acidentes com crianças e adolescentes e, principalmente, as sequelas causadas por queimaduras têm despertado em diversos países açoes visando à prevençao. No entanto, pouco se tem explorado sobre a qualidade de vida e os aspectos relacionados a partir da percepçao dessas vítimas.

Para a Organizaçao Mundial da Saúde (OMS), o conceito de qualidade de vida abrange as seguintes dimensoes: saúde física, saúde psicológica, nível de independência, relaçoes sociais e o meio ambiente. Assim, faz-se indispensável ao indivíduo uma intervençao integral, multidisciplinar e interdisciplinar que envolva os diversos aspectos afetados, os quais se relacionam com o papel social, incluindo a retomada ao trabalho, a capacidade funcional, a imagem corporal, o lazer e as relaçoes interpessoais6.

Procurando contribuir e somar esforços para o cuidado da populaçao infantojuvenil, propôs-se a presente investigaçao com o objetivo de identificar a produçao do conhecimento sobre qualidade de vida e aspectos relacionados a partir da percepçao de crianças e adolescentes que sofreram queimaduras.


MÉTODO

Trata-se de uma revisao integrativa da literatura, a qual proporciona a síntese de conhecimento e a incorporaçao da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática7. Os passos metodológicos contemplam: elaboraçao da pergunta norteadora, busca ou amostragem na literatura, coleta de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussao dos resultados e apresentaçao da revisao integrativa7.

A questao norteadora elaborada foi: "Qual a produçao do conhecimento sobre qualidade de vida e aspectos relacionados a partir da percepçao de crianças e adolescentes queimados nos últimos cinco anos em literatura nacional e internacional?".

Foram selecionados os descritores em Ciências da Saúde (DECs)/Medical Subject Headings (MESH): Qualidade de Vida, Queimaduras, Criança, Adolescente, Reabilitaçao, Estilo de Vida, Valor da Vida, Terapia Ocupacional, Atividade Motora, Unidades de Queimados, Emoçoes, Autoimagem, Imagem Corporal, Autonomia Pessoal, Bullying e Apoio Social; e as palavras-chave utilizadas foram: Atividade física, Queimados, Sentimentos e Autopercepçao. Foi utilizado um número maior de descritores e palavras-chave devido à pouca produçao científica encontrada sobre a qualidade de vida na percepçao de crianças e adolescentes queimados.

Em seguida, ocorreu a busca nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e National Library of Medicine National Institutes of Health (PUBMED) utilizando todos os termos em português, inglês e espanhol com operadores boleanos AND e OR. Foi incluída a Revista Brasileira de Queimaduras, revista nacional e de referência latino-americana na temática, visto que se encontra indexada na base de dados LILACS; porém, o total de artigos publicados ainda nao se encontra disponível para consulta on-line, o que justifica a inclusao desse periódico à parte.

A estratégia de busca utilizada nas bases supracitadas foi: tw:(("Qualidade de vida" OR "Estilo de vida" OR "Valor da vida" OR "Calidad de vida" OR "Estilo de Vida" OR "Valor de la Vida" OR "Quality of life" OR "Life Style" OR "Value of Life") AND ("Terapia ocupacional" OR reabilitaçao OR "Atividade motora" OR "Atividade física" OR rehabilitación OR "Actividad Motora" OR "Actividad Física" OR "Occupational Therapy" OR Rehabilitation OR "Motor Activity" OR "Physical Activity") AND (Queimaduras OR "Unidades de Queimados" OR Queimados OR Quemaduras OR "Unidades de Quemados" OR Quemados OR Burns OR "Burn Units" OR Burned) AND (Sentimentos OR Emoçoes OR "Auto imagem" OR "Imagem Corporal" OR "Autopercepçao" OR "Autonomia Pessoal" OR Bullying OR Sentimientos OR Emociones OR "Auto imagen" OR "Imagen Corporal" OR "Autonomía Personal" OR "Acoso Escolar" OR Feelings OR Emotions OR "Self Concept" OR "Body Image") AND ("Apoio social" OR "Apoyo social" OR "Personal Autonomy" OR "Social Support") AND (Criança OR Adolescente OR Niño OR Child OR Teenager)).

Para inclusao dos estudos, foram considerados os seguintes critérios: pesquisas com humanos, no período de 2011 a 2017, desenvolvidas com crianças e adolescentes queimados que avaliaram sua qualidade de vida e os aspectos a ela relacionados. A busca foi realizada no mês de junho de 2017, tendo sido identificados 620 artigos, os quais foram exportados para o software Endnote Web. Foram excluídos cinco estudos duplicados, totalizando 615 artigos.No processo de seleçao, a partir da leitura dos títulos e resumos, excluíram-se 590 artigos que nao responderam ao objetivo deste estudo, restando 25 artigos.

Os artigos excluídos foram identificados em planilha Excel® 2010 e classificados pelo motivo de exclusao, sendo, respectivamente, genotipagem, epidemiologia e farmacologia os assuntos mais abordados. No processo de elegibilidade, ocorreu a leitura completa dos 25 artigos. Destes, foram selecionados 11 que contemplam o propósito deste estudo. Os artigos foram identificados com a letra "E" e respectivo número: E(1); E(2); E(3); e assim consecutivamente.

Nesta etapa, também foram registrados em planilha Excel® 2010 os artigos excluídos na última etapa, em que os principais motivos de exclusao foram a nao avaliaçao da qualidade de vida e a nao estratificaçao dos resultados ao avaliar a qualidade de vida de crianças e adultos, o que impossibilitava a análise da amostra de crianças e adolescentes separadamente. Durante todo o processo, houve reunioes de debate entre o grupo de pesquisadores para analisar cada artigo incluído.

A seguir, apresenta-se o fluxograma do processo de seleçao dos artigos com base no fluxo de informaçoes proposto pelo PRISMA Group8 (Figura 1).


Figura 1 - Fluxograma do processo de seleçao dos artigos. Florianópolis, 20181.
1Fluoxograma com base no modelo PRISMA Group.



Após o processo de seleçao dos artigos incluídos, iniciou-se a coleta dos dados de acordo com instrumento próprio para esse estudo, também elaborado em planilha do Excel® 2010, contendo os seguintes dados: referência completa da produçao, base de dados, palavras-chave/descritores utilizados, país da pesquisa, categoria profissional dos autores, instituiçao sede da pesquisa, método de pesquisa, instrumento de coleta de dados, idade dos participantes, objetivos e principais resultados.

A análise crítica dos estudos e a discussao dos resultados ocorreram de maneira sistematizada, em reunioes de debates com todos
os autores deixando clara a lacuna do conhecimento e a necessidade de desenvolvimento de estudos que foquem na percepçao de crianças e adolescentes sobre QV.

Como esta pesquisa nao envolveu seres humanos e analisou dados disponíveis publicamente, nao houve necessidade de aprovaçao do Comitê de Ética em Pesquisa.


RESULTADOS

A seguir, os resultados serao apresentados contemplando duas temáticas: 1) identificaçao da produçao do conhecimento sobre qualidade de vida e aspectos relacionados a partir da percepçao de crianças e adolescentes que sofreram queimaduras; e 2) instrumentos identificados para avaliaçao da qualidade de vida e aspectos relaForam incluídos 11 artigos que contemplam a produçao do conhecimento, todos de abordagem quantitativa, publicados em periódicos internacionais e, em sua maioria, em periódico específico na temática queimadura (Burns, n=7) (Quadros 1 e 2). No Brasil, nao foi encontrado nenhum estudo publicado nos últimos cinco anos referente à percepçao de crianças e adolescentes sobre qualidade de vida após queimadura.






A seguir, dois quadros demonstram os resultados apresentados nos artigos lidos na íntegra e incluídos neste estudo (Quadros 1 e 2).

Apenas dois estudos (E5/E10) nao sao compatíveis com o propósito deste estudo, considerando que é possível identificar nos demais artigos o explícito interesse em estudar QV. Quanto à idade, há sete estudos foram com crianças e adolescentes (E3/E4/E5/E6/E7/E8 e E10), três (E1/E2/E11) somente com crianças e apenas um com adolescentes (E9) (Quadro 3).




A seguir é apresentado um quadro com aspectos interferem na avaliaçao de QV (Quadro 3).

As temáticas estudadas estao direta ou indiretamente relacionadas à qualidade de vida, tais como: idade, superfície corporal queimada (SCQ), local do corpo atingido, tempo transcorrido da queimadura e ambiente de tratamento (Quadro 3).

Em relaçao à idade, identificou-se nos estudos que crianças menores avaliam a QV de forma mais positiva e melhor quando comparadas com adultos (E3/E6) e que crianças em idade pré-escolar apresentam pior QV quando comparadas com crianças em idade escolar devido ao medo e à ansiedade no tratamento das cicatrizes e no uso de curativos compressivos (E1). Quanto maior o comprometimento da SCQ, mais comprometedoras sao as avaliaçoes de QV (E3).

Além disso, com SCQ acima de 10%, as crianças apresentam comprometimento em relaçao à funcionalidade, à aparência, à satisfaçao com estado atual e à preocupaçao com os pais, quando comparadas a crianças com SCQ menor que 10% (E10). No caso do local do corpo atingido, o tronco foi o mais comprometedor em relaçao à QV de crianças (E6). Em relaçao ao tempo transcorrido, evidenciou-se que em longo prazo a QV de crianças é mais positiva quando comparada a de adultos (E2). Também se constatou que o ambiente ambulatorial favorece a fala, a respiraçao e as amizades (E2).

De maneira indireta, os adolescentes avaliam de forma mais positiva aspectos psicossociais em comparaçao aos pais (E7). E, na percepçao dos pais, os filhos possuem uma boa QV quando estes se sentem melhor quanto à sua aparência física (E5). Percebeu-se, ainda, uma relaçao familiar positiva favorece a avaliaçao de QV (E3).

Um achado de destaque e muito positivo na QV é o uso de maquiagem como estratégia de camuflagem de cicatrizes, o que favorece os aspectos de aparência e autoaceitaçao (E5). Outros aspectos, como agente etiológico (E2) e lesoes por inalaçao (E9), nao foram identificados como questoes que interferem na avaliaçao da QV de crianças e adolescentes que sofreram queimaduras.

Em relaçao aos instrumentos identificados para avaliar QV ou aspectos associados em crianças e adolescentes que sofreram queimaduras, destaca-se que foram diversos, específicos e genéricos. Portanto, esse fator deve ser considerado na forma de medida, isto é, se o questionário apresenta construto genérico (aplicado em qualquer situaçao ou condiçao de saúde) ou específico (aplicado em condiçoes específicas de saúde ou populaçao) (Quadro 4).




O quadro a seguir apresenta os resultados dos instrumentos utilizados e aspectos relacionados (Quadro 4).

Todos os artigos apresentaram abordagem quantitativa e os instrumentos de medida utilizados para avaliar a qualidade de

vida foram os seguintes: dois artigos - The Paediatric Quality of Life Inventory (PedsQL); um artigo - 17 - D Questionnaire; um artigo - Quality of Life and Management of Living Resources (KIDSCREEN-27); um artigo - Child Health Questionnaire (CHQ); e um artigo - EuroQoL-5D.

Os demais instrumentos foram empregados para avaliar aspectos relacionados à QV, como ansiedade, tolerância à terapia utilizada, autoconceito, psicopatologia, inserçao social, incapacidade e fatores clínicos e socioeconômicos.


DISCUSSAO

O processo de reabilitaçao de pacientes queimados é complexo, principalmente quando esse trauma acomete crianças e adolescentes, afetando diretamente sua qualidade de vida6. A discussao desse estudo permeia as duas temáticas encontradas: a percepçao dessas pessoas sobre a qualidade de vida e os instrumentos de medida utilizados para avaliá-la.

Acerca da percepçao de crianças e adolescentes sobre qualidade de vida após queimaduras, considera-se que uma "boa" qualidade de vida pelos pacientes está associada à ideia de "normalidade", ou seja, quando o indivíduo consegue continuar realizando seu papel social dentro da família e da sociedade20. Assim, indivíduos que nao estao satisfeitos quanto à capacidade funcional, imagem corporal, retorno ao trabalho, desempenho nas atividades de lazer e relaçoes interpessoais podem perceber negativamente sua qualidade de vida.

Em outro estudo, cujo objetivo foi interpretar os significados de qualidade de vida atribuídos por pessoas que sofreram queimaduras graves, percebeu-se que as modificaçoes da qualidade de vida sao decorrentes de limitaçoes físicas e psíquicas provocadas pela queimadura. Além disso, a qualidade de vida associa-se ao desempenho de papéis sociais e estrutura-se em torno dos seguintes núcleos: família, trabalho, autonomia, normalidade e integraçao social21.

A infância e a adolescência sao períodos muito importantes para o desenvolvimento, pois é quando as pessoas adquirem muitas habilidades em diversos domínios, como social, motor e funçoes cognitivas. Acidentes envolvendo queimaduras sao eventos estressantes que podem gerar consequências que persistirao da infância até a idade adulta, implicando o declínio das aptidoes físicas e incapacidades funcionais, visto que geralmente tais eventos sao seguidos de um extenso período de desordens psicológicas, dor, uso de medicaçao, restriçao ao leito e cirurgias, além do processo de cicatrizaçao que pode envolver prurido, contraturas e alteraçao da aparência corporal2.

Após a queimadura, a qualidade de vida pode ser entendida como estado de saúde referente à capacidade de reaçao e adaptaçao do indivíduo às transformaçoes que ocorrem após o trauma quanto aos aspectos individuais (autopercepçao), familiares e sociais (percepçao dos outros). Após o trauma, os indivíduos começam a reconhecer os aspectos importantes que interferem na idealizaçao do conceito de qualidade de vida, que se formam pelas necessidades, características individuais e experiências de vida6.

Os instrumentos de medidas sao considerados tecnologias em saúde que, em sua maioria, sao de fácil aplicaçao e leitura dos resultados, bem como de baixo custo para os sistemas de saúde. Neste estudo, foi possível avaliar e trazer alguns instrumentos que foram utilizados na avaliaçao da qualidade de vida e qualidade vida relacionada à saúde.

Por isso, instrumentos de medida válidos e confiáveis devem ser utilizados para avaliar questoes de saúde e doença. Essas medidas sao amplamente definidas para instruir os planejadores na área de saúde quanto às técnicas usadas para açoes preventivas e curativas em curto, médio e longo prazo7.

Atualmente, existem sete instrumentos validados transculturalmente no Brasil. Destes, três foram validados para crianças e adolescentes: O PedsQL, validado em 2008 crianças após trauma22, é uma escala que mensura a QVRS em crianças e adolescentes com idade entre 2 e 18 anos. Composto por 23 itens, abrangendo quatro dimensoes de funcionamento: físico, emocional, social e escolar. A pontuaçao é realizada através de uma escala Likert de "1" a "5" pontos12,19.

O KIDSCREEN - 27, versao reduzida do KIDSCREEN- 52, foi validado em crianças em 20I823 e em adolescentes em 20I724. Trata-se de um instrumento que mensura a QV de crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos de idade, através de 27 questoes divididas em cinco dimensoes: bem-estar físico, bem-estar psicológico, relacionamento com familiares e autonomia, suporte social e meio ambiente na escola. A avaliaçao ocorre por meio da escala tipo Likert de "1"a "5"pontos11.

O SDQ foi validado em 200025. Questionário que rastreia problemas de saúde mental infantil, através de 25 itens divididos em cinco subescalas: problemas no comportamento pró-social, hiperatividade, problemas emocionais, de conduta e de relacionamento, com cinco itens em cada subescala. As respostas podem ser: falso, mais ou menos verdadeiro ou verdadeiro, em que cada item recebe uma pontuaçao específica.

A soma de cada escala e a soma total permite a classificaçao da criança em três categorias: desenvolvimento normal (DN), limítrofe (DL) ou anormal (DA). Na subescala comportamento pró-social, quanto maior a pontuaçao, menor é a quantidade de queixas. Nas outras subescalas (hiperatividade, problemas emocionais, de conduta e de relacionamento), quanto maior a pontuaçao, maior o número de queixas.

Ainda, o CHQ foi validado somente para crianças em 200126, instrumento que mede QVRS de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 18 anos em diferentes condiçoes de saúde. Avalia as dimensoes físicas e psicossociais da saúde por meio de escala Likert. Abrange dez domínios, concentrados em dois índices: escore físico e psicossocial. Outros domínios sao: avaliaçao global da saúde, avaliaçao global do comportamento, mudança no estado de saúde, atividade familiar e coesao familiar16.

Em relaçao aos adultos, no momento existem três instrumentos validados transculturalmente no Brasil, sendo eles: IES, validado em 201227, e WHODAS II, validado em 201328. Ainda, há o instrumento BSHS-B, que foi validado em 2015, sendo este o instrumento mais utilizado mundialmente para avaliar a qualidade de vida após a queimadura, por ser o único específico para essa temática29.

Os demais questionários utilizados sao genéricos, ou seja, sao multidimensionais e foram desenvolvidos com o objetivo de avaliar o impacto causado por uma doença, incluindo capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental.

As escalas genéricas também podem ser utilizadas para avaliar a eficácia de políticas e programas de saúde ou para comparar duas enfermidades distintas. Nao possuem ênfase sobre os sintomas, incapacidades ou limitaçoes relacionadas a uma doença, funçao mais atribuída aos instrumentos específicos, os quais possuem a vantagem de analisar mais detalhadamente as alteraçoes e aspectos da QV em determinadas situaçoes30.

Medir a qualidade de vida das crianças e adolescentes após queimaduras na pesquisa quantitativa ou qualitativa exige do profissional grande habilidade para lidar com o desenvolvimento humano e o período de reabilitaçao. Dessa forma, a capacidade que o profissional tem de se comunicar efetivamente auxilia a criança a ter autonomia no cuidado e aos pais, que sao fundamentais no tratamento de um paciente crônico21.

De maneira geral, as pesquisas quantitativas sobre qualidade de vida refletem a natureza multidisciplinar do enfoque do ser humano em seus domínios e focalizam o estado emocional, de saúde, a interaçao social, o status econômico e a capacidade física, mas nao capturam sua subjetividade, sendo de extrema relevância compreender e interpretar suas motivaçoes, seus valores, suas crenças e o que direciona o foco à dimensao cultural20. Assim, pesquisas sobre a compreensao e interpretaçao do significado de qualidade de vida complementam os achados desse estudo, que obteve resultados de pesquisas quantitativas.

As limitaçoes metodológicas deste estudo estao relacionadas ao limite de tempo na busca dos estudos dos últimos cinco anos - o qual se justifica pelo interesse em publicaçoes recentes sobre o assunto -, a nao avaliaçao do risco de viés dos estudos incluídos e à pequena amostragem - apesar de QV ser assunto amplamente estudado, evidenciaram-se poucos estudos focados na percepçao de crianças e adolescentes que sofreram queimaduras.


CONCLUSAO

Foram identificados 11 estudos que representam a produçao do conhecimento sobre qualidade de vida e aspectos relacionados a partir da percepçao de crianças e adolescentes que sofreram queimaduras. Esses estudos reforçam que a temática QV é um conceito complexo e amplo e que a percepçao das crianças e adolescentes sobre sua condiçao de saúde deve ser considerada no processo saúde/doença. Os achados estao relacionados à idade, pois crianças menores apresentam melhor QV quando relacionadas com adultos que sofreram queimaduras.

A abrangência da SCQ com maior comprometimento e queimadura em tronco prejudica a QV de crianças e adolescentes. O longo tempo em ambiente ambulatorial favorece a QV de crianças e adolescentes. Outros aspectos, nao menos importantes, relacionados ao avaliador, à família e às estratégias de camuflagem das cicatrizes, despertam a atençao pela influência social no cuidado de maneira ampla e envolvem a pessoa, a família e a comunidade.

Avanços em validaçao de instrumentos para uso no Brasil se fazem necessários a fim de oportunizar um cuidado efetivo, o que pode ser alcançado por meio de implantaçao de protocolos que contribuam para uma prática segura e tecnológica. Ressalta-se que pesquisas que avaliem a QV a partir da percepçao das crianças e adolescentes precisam ser desenvolvidas junto aos determinantes sociais que influenciam a saúde e a qualidade de vida desses pacientes após alta hospitalar.


PRINCIPAIS CONTRIBUIÇOES

Identificaçao dos aspectos relacionados e que influenciam na qualidade de vida na perspectiva das crianças e adolescentes que sofreram queimaduras.

Identificaçao dos instrumentos de medida que avaliam a qualidade de vida e podem ser utilizados pelos profissionais da saúde.


AGRADECIMENTO

Este trabalho recebeu apoio através da contemplaçao de bolsas de estudos pela Coordenaçao de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Pró-Reitoria de Extensao, Cultura e Comunidade (CAPES/PROEX) e pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciaçao Científica (PIBIC), vinculada ao Conselho Nacional de Pesquisas (CNPQ). Todas vinculadas ao Programa de Pós-Graduaçao em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN/UFSC). Assim, dedicamos nossos sinceros agradecimentos a esses órgaos que contribuem com a pesquisa.


REFERENCIAS

1. World Health Organization - WHO. Burns [Internet]. [acesso 2017 Jul 27]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs365/en/

2. Disseldorp LM, Niemeijer AS, Van Baar ME, Reinders-Messelink HA, Mouton LJ, Nieuwenhuis MK. How disabling are pediatric burns? Functional independence in Dutch pediatric patients with burns. Res Dev Disabil. 2013;34(1):29-39.

3. Sociedade Brasileira de Queimaduras - SBQ. Queimaduras sao a quarta maior causa de morte entre as crianças. Brasil, 2014. [Internet]. [acesso 2016 Out 10]. Disponível em: http://sbqueimaduras.org.br/queimaduras-sao-a-quarta-maior-causa-de-morte-entreas-criancas/#sthash.kFDP4JEQ.dpuf2015

4. Biscegli TS, Benati LD, Faria RS, Boeira TR, Cid FB. Perfil de crianças e adolescentes internados em Unidade de Tratamento de Queimados do interior do estado de Sao Paulo. Rev Paul Pediatr. 2014;32(3):177-82.

5. Moi AL, Haugsmyr E, Heisterkamp H. Long-Term Study Of Health And Quality Of Life After Burn Injury. Ann Burns Fire Disasters. 2016;29(4):295-9.

6. Moraes LP, Echevarría-Guanilo ME, Martins CL, Longaray TM, Nascimento L, Braz DL, et al. Apoio social e qualidade de vida na perspectiva de pessoas que sofreram queimaduras. Rev Bras Queimaduras. 2016;15(3):142-7.

7. Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisao integrativa: O que é e como fazer. Einstein (Sao Paulo). 2010;8(1 Pt 1):102-6.

8. Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG; The PRISMA Group. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. PLoS Med. 2009;6(7):e1000097.

9. Chrapusta A, Pachalska M. Evaluation of differences in health-related quality of life during the treatment of post-burn scars in pre-school and school children. Ann Agric Environ Med. 2014;21(4):861-5.

10. Laitakari E, Koljonen V, Pyörälä S, Rintala R, Roine RP, Sintonen H. The long-term healthrelated quality of life in children treated for burns as infants 5-9 years earlier. Burns. 2015;41(6):1186-92.

11. Llanos NV, Sthioul OA, Yañez VD, Orellana MS, Hidalgo G. Niño quemado gran secuelado: perfil clínico y calidad de vida. Rev Pediatr Electrón. 2014;11(2):2-8.

12. Maskell J, Newcombe P, Martin G, Kimble R. Psychosocial functioning differences in pediatric burn survivors compared with healthy norms. J Burn Care Res. 2013;34(4):465- 76.

13. Maskell J, Newcombe P, Martin G, Kimble R. Psychological and psychosocial functioning of children with burn scarring using cosmetic camouflage: a multi-centre prospective randomised controlled trial. Burns. 2014;40(1):135-49.

14. Miller T, Bhattacharya S, Zamula W, Lezotte D, Kowalske K, Herndon D, et al. Quality-of-life loss of people admitted to burn centers, United States. Qual Life Res. 2013;22(9):2293-305.

15. Pan R, Egberts MR, Nascimento LC, Rossi LA, Vandermeulen E, Geenen R, et al. Health- Related Quality of Life in adolescent survivors of burns: Agreement on self-reported and mothers' and fathers' perspectives. Burns. 2015;41(5):1107-13.

16. Rosenberg M, Celis MM, Meyer W 3rd, Tropez-Arceneaux L, McEntire SJ, Fuchs H, et al. Effects of a hospital based Wellness and Exercise program on quality of life of children with severe burns. Burns. 2013;39(4):599-609.

17. Rosenberg M, Ramirez M, Epperson K, Richardson L, Holzer C 3rd, Andersen CR, et al. Comparison of long-term quality of life of pediatric burn survivors with and without inhalation injury. Burns. 2015;41(4):721-6.

18. van Baar ME, Polinder S, Essink-Bot ML, van Loey NE, Oen IM, Dokter J, et al. Quality of life after burns in childhood (5-15 years): children experience substantial problems. Burns. 2011;37(6):930-8.

19. Weedon M, Potterton J. Socio-economic and clinical factors predictive of paediatric quality of life post burn. Burns. 2011;37(4):572-9.

20. Costa MCS, Rossi LA, Lopes LM, Cioffi CL. Significados de qualidade de vida: análise interpretativa baseada na experiência de pessoas em reabilitaçao de queimaduras. Rev Latino Am Enferm. 2008;16(2):252-9.

21. Gabarra LM, Crepaldi MA. A comunicaçao médico - paciente pediátrico - família na perspectiva da criança. Psicol Argum. 2011;29(65):209-18.

22. Klatchoian DA, Len CA, Terreri MTRA, Silva M, Itamoto C, Ciconelli RM, et al. Quality of life of children and adolescents from Sao Paulo: reliability and validity of the Brazilian version of the Pediatric Quality of Life InventoryTM version 4.0 Generic Core Scales. J Pediatr (Rio J). 2008;84(4):308-15.

23. Alves MAR. Propriedades psicométricas da versao brasileira do instrumento KIDSCREEN- 27 para avaliaçao da qualidade de vida de crianças [Dissertaçao de mestrado]. Ponta Grossa: Universidade Estadual de Ponta Grossa; 2018.

24. Farias Júnior JC, Loch MR, Lima Neto AJ, Sales JM, Ferreira FELL. Reprodutibilidade, consistência interna e validade de construto do KIDSCREEN-27 em adolescentes brasileiros. Cad Saúde Pública. 2017;33(9):e00131116.

25. Fleitlich B, Cortázar PG, Goodman R. Questionário de capacidades e dificuldades (SDQ). Infanto Rev Neuropsiquiatr Infanc Adolesc. 2000;8(1):44-50.

26. Machado CS, Ruperto N, Silva CH, Ferriani VP, Roscoe I, Campos LM, et al.; Paediatric Rheumatology International Trials Organisation. The Brazilian version of the Childhood Health Assessment Questionnaire (CHAQ) and the Child Health Questionnaire (CHQ). Clin Exp Rheumatol. 2001;19(4 Suppl 23):S25-9.

27. Caiuby AVS, Lacerda SS, Quintana MI, Torii TS, Andreoli SB. Adaptaçao transcultural da versao brasileira da Escala do Impacto do Evento - Revisada (IES-R). Cad Saúde Pública. 2012;28(3):597-603.

28. Silveira C, Parpinelli MA, Pacagnella RC, Camargo RS, Costa ML, Zanardi DM, et al. Adaptaçao transcultural da Escala de Avaliaçao de Incapacidades da Organizaçao Mundial de Saúde (WHODAS 2.0) para o Português. Rev Assoc Med Bras. 2013;59(3):234-40.

29. Piccolo MS. Burn Specific Health Scale-Brief: Traduçao para a língua portuguesa, adaptaçao cultural e validaçao [Tese de doutorado]. Sao Paulo: Universidade Federal de Sao Paulo; 2015.

30. Gonçalves N, Echevarría-Guanilo ME, Carvalho FL, Miasso AI, Rossi LA. Fatores biopsicossociais que interferem na reabilitaçao de vítimas de queimaduras: revisao integrativa da literatura. Rev Latino Am Enferm. 2011;19(3):1-9.









Recebido em 19 de Agosto de 2018.
Aceito em 17 de Maio de 2019.

Local de realização do trabalho: Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, SC, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


© 2024 Todos os Direitos Reservados