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Artigo de Revisao

A complexidade cicatricial em queimaduras e a possibilidade da terapia com células-tronco derivadas do tecido adiposo: revisão

The complexity of burn healing and the possibility of adipose tissue-derived stem cell therapy: review

Claudio Luciano Franck1; Jurandir Marcondes Ribas-Filho2; Alexandra Cristina Senegaglia3; Ruth Maria Graf4; Lidiane Maria Boldrini Leite5

RESUMO

OBJETIVO: Verificar as especificidades do processo cicatricial em queimaduras e identificar se as células-tronco derivadas do tecido adiposo (CTDA) podem se tornar aliadas em sua reparaçao.
MÉTODO: Realizou-se uma revisao da literatura com consultas a Biblioteca Virtual de Saúde, Google Acadêmico, PubMed, Scientific Electronic Library Online, Mendeley catalog of academic literature, artigos e bibliografia especilizada em cicatrizaçao, queimaduras, células-tronco derivadas do tecido adiposo publicados entre 2012 e 2016.
RESULTADOS: As queimaduras se diferenciam de outras lesoes pela intensidade da inflamaçao sistêmica e pela sobreposiçao das fases cicatriciais desorganizando-as. As CTDA sao encontradas no estroma vascular do tecido adiposo e podem ser obtidas por lipoaspiraçao. Estas células podem interferir nas fases cicatriciais pela secreçao de citocinas de crescimento, substâncias imunomoduladoras e anti-inflamatórias, assim como pela capacidade de diferenciaçao celular e homing.
CONCLUSAO: As queimaduras ocorrem na populaçao mundial de forma preocupante, com características de morbidade e mortalidade. Os problemas sistêmicos e locais da reparaçao tecidual parecem ser atenuados pelas CTDA, sua abundante disponibilidade para o cultivo celular e suas habilidades as apontam como aliadas na recuperaçao das queimaduras.

Palavras-chave: Cicatrização. Queimaduras. Células-Tronco Adultas. Tecido Adiposo.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the distinctions of the healing process in burns and identify how the adipose-tissue derived stem cells (ATSC) may become allies in this repair process.
METHODS: Review of the literature was carried out with consultations at Virtual Health Library, Google Scholar, PubMed, Scientific Electronic Library Online and Mendeley catalog of academic literature and specialized bibliography in healing, burns and ATSC published between 2012 and 2016.
RESULTS: Burns differentiate themselves from other lesions by the intensity of systemic inflammation and by the overlapping of the healing wound phases disorganizing them. The ATSC are found in the vascular stroma of adipose tissue and can be obtained by liposuction. These cells can interfere in the healing wound phases by the secretion of growth cytokines, immunomodulatory and anti-inflammatory substances and the ability of cell differentiation and homing.
CONCLUSION: Burns occur in the world population in a worrisome way with characteristics of morbimortality. The problems of tissue repair seem to be attenuated by ATSC, their abundant availability for cell culture and their abilities point them as promising allies in healing of burn wound.

Keywords: Wound Healing. Burns. Adult Stem Cells. Adipose Tissue.

INTRODUÇAO

A pele protege o organismo constantemente de agressoes por agentes externos, que sao capazes de causar injúrias cutâneas e romper esta barreira de proteçao. Após o insulto, imediatamente se inicia uma sequência de eventos moleculares por mediaçoes bioquímicas, que tem como objetivo restaurá-la de modo que seja preservada a homeostasia tecidual, com consequente sobrevivência1.

Os avanços da Medicina em recuperar pacientes graves trouxeram como benefício o aumento do número de sobreviventes acometidos por queimaduras graves, porém, com isso, os problemas psicossociais decorrentes das desfiguraçoes estéticas e funcionais se tornaram frequentes. A engenharia tecidual tem por objetivo otimizar a reconfiguraçao estética e funcional da pele, podendo se utilizar de uma das linhagens de células-tronco adultas. A criaçao de um microambiente que propicie a regeneraçao tecidual semelhante à arquitetura normal e a ausência de área de pele doadora em grandes queimados sao problemas que precisam ser solucionados2.

A estimativa de que, a cada ano, 11 milhoes de pessoas no mundo sofram queimaduras estabelece a relevância dos estudos que almejam melhorias na terapêutica de recuperaçao destas injúrias, tanto em sua fase inicial como na gestao de suas complicaçoes crônicas. As queimaduras determinam prejuízos na pele e em tecidos subjacentes, que por consequência de desajustes bioquímicos atrasam e desorganizam o processo de cicatrizaçao e causam sequelas funcionais e estéticas. A principal forma de tratamento das queimaduras que acometem a espessura total da pele sao os enxertos cirúrgicos, que possuem a funçao de proteger e melhorar a aparência; todavia, nao sao isentos de complicaçoes como infeçoes e deformidades, além disso, em queimaduras extensas, pode nao haver área cutânea doadora suficiente3.

Dentre as lesoes traumáticas, as queimaduras sao a quarta causa mais frequente e suas lesoes podem causar danos devastadores. Para piorar a situaçao, 90% das queimaduras ocorrem em países pobres, com infraestrutura precária, onde há maior dificuldade para se implementar medidas preventivas. A incidência de queimaduras em países de subdesenvolvidos é de 1,3 por 100.000 habitantes, enquanto nos países desenvolvidos cai para 0,14 por 100.000 habitantes. Nos Estados Unidos e na Europa, as queimaduras representam menos de 1% das tentativas de suicídio; em contrapartida, no Nepal, cerca de 30% das internaçoes por queimaduras sao para ferimentos intencionais, dos quais 90% sao tentativas de suicídio com expectativa de mortalidade três vezes maior do que as queimaduras acidentais. A permanência hospitalar tem uma relaçao de 1 dia para cada por cento comprometido pelas queimaduras, em vítimas de até 70% da superfície corpórea.

Dentre os custos de uma queimadura estao a perda de propriedade, a fatalidade, as sequelas das lesoes, o dano ambiental e cultural, além do custo em saúde propriamente dito. Em 2013, nos Estados Unidos, país em que a estatística de queimaduras é baixa, houve uma perda de 50.000 anos de vida potencial por mortes causadas por queimaduras4.

Dificilmente, durante a vida, uma pessoa nao será vítima de uma queimadura. Certamente, a sensaçao desagradável deste instante e seus conseguintes jamais será esquecida. Lancinante, a dor imediata sinaliza o desencadear de processos exacerbados, que prejudicam a lógica bioquímica da reparaçao tecidual. A pele desfalece, o corpo inflama, e se muito dela queimar, aflige a vida com seus específicos mecanismos letais.

Como se diferencia o complexo processo de cicatrizaçao em queimaduras e como as células-tronco derivadas do tecido adiposo podem ser tornar aliadas neste processo de cura?


MÉTODO

O presente trabalho é uma revisao da literatura, de caráter narrativo e investigativo, que buscou demonstrar como se diferencia o processo cicatricial em queimaduras e a compreender a capacidade de interferência neste processo com a utilizaçao de células-tronco derivadas do tecido adiposo.

O levantamento da literatura foi realizado pela busca de artigos que retratassem mecanismos do processo cicatricial, queimaduras e utilizaçao de células-tronco adultas. Foram incluídos trabalhos publicados no período de 2012 até 2016, tanto artigos internacionais como nacionais. Foram realizadas consultas na Biblioteca Virtual de Saúde, Google Acadêmico, PubMed e Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Mendeley, entre artigos de revisao e trabalhos experimentais. Os artigos foram selecionados com base nos seguintes descritores: cicatrizaçao, queimaduras, células-tronco derivadas do tecido adiposo. A coleta de informaçoes ocorreu entre fevereiro de 2016 e fevereiro de 2017. Foram encontrados 88 artigos, dos quais foram selecionados 20 para a composiçao do presente trabalho.


RESULTADOS

Queimaduras e a Cicatrizaçao


O agente externo responsável pela violaçao cutânea traumática define a presença de uma lesao com características próprias. O manejo destas lesoes se faz delineado por nuances específicas, principalmente quando se trata de queimaduras. Recomenda-se revestir as áreas queimadas e manejá-las com terapias tópicas e sistêmicas, o que é distinto de qualquer outra lesao traumática. Além desta diferença terapêutica, em queimaduras extensas há perda de grande quantidade de plasma, que leva ao choque, diferentemente de outras lesoes em que o choque decorre de perda sanguínea. Outra característica das queimaduras é o comprometimento do sistema imunológico, pois embora no início as lesoes, em sua maioria, nao sejam contaminadas, a principal causa de a morte se relaciona a sepses por infeçao das lesoes5.

Entre os desafios da reparaçao de queimaduras, o atraso e a desorganizaçao da proliferaçao celular e da revascularizaçao sao relevantes, assim como a seletividade da apoptose. Em todas as fases da cicatrizaçao se requer ativaçao precoce de células fagocíticas distantes, células endoteliais locais e fatores estimulantes, que preparam o ambiente para a neovascularizaçao, fagocitose dos tecidos danificados, estímulo mitótico e preenchimento por colágeno.

O dano estrutural e a resposta inflamatória exacerbada que ocorre em queimaduras geram uma perturbaçao na formaçao dos capilares e um impedimento da chegada das células necessárias para a recuperaçao. Este processo determina a perda de fluidos, aumento do risco de infecçao e sequelas agudas e subagudas3.

Queimaduras sao lesoes cutâneas causadas pela energia térmica da transferência de calor, que provocam, como consequência, a desnaturaçao proteica das células. Há possibilidade de comprometimento sistêmico dos órgaos em queimaduras profundas e que atingem mais do que 20% da superfície corpórea.

Estas queimaduras podem ser acompanhadas por inflamaçao sistêmica, alteraçoes da permeabilidade vascular, choque, anemia, infecçoes, desnutriçao e dor intensa. Nesses casos, o tratamento se faz com balneoterapia, cobertura das lesoes com curativos, desbridamentos, enxertos e múltiplas anestesias. A gravidade das queimaduras pode ser estimada pela profundidade, que é a parcela do comprometimento tecidual entre a epiderme até ossos, e pela extensao, que é mensurada habitualmente pela regra do nove, em que cada regiao do corpo recebe uma graduaçao percentual múltipla de nove6.

As queimaduras se diferenciam de outras lesoes pela intensidade da inflamaçao sistêmica, enquanto a cicatrizaçao se faz pelas três fases se sobrepondo com o auxílio das células do sistema imunológico, endotelial e do estroma. Como nao há sangramento, parece que a fase inflamatória se inicia por extravasamento de fluídos, vasodilataçao e pela chegada dos neutrófilos e monócitos, que por meio de quimiocinas sustentam o recrutamento de macrófagos. Nesta fase, além da proteçao contra infecçoes, ocorre a degradaçao dos tecidos necróticos e se ativam sinalizaçoes reparatórias.

A fase proliferativa se inicia sobrepondo a inflamatória com citocinas e fatores de crescimento estimulando a ativaçao dos fibroblastos e queratinócitos, que migram sobre a queimadura auxiliando o fechamento e a recuperaçao vascular. A fase de remodelaçao também inicia se sobrepondo à proliferativa com deposiçao e reformulaçao contínua do colágeno e da elastina, enquanto a queimadura se contrai devido à transformaçao de fibroblastos em miofibroblastos. Esta conversao determina a flexibilidade pelo equilíbrio entre a contraçao e reepitelizaçao, além disso, a apoptose dos queratinócitos e das células inflamatórias sao essenciais para o término do processo cicatricial e seu aspecto estético7.

A fase proliferativa se inicia sobrepondo a inflamatória com citocinas e fatores de crescimento estimulando a ativaçao dos fibroblastos e queratinócitos, que migram sobre a queimadura auxiliando o fechamento e a recuperaçao vascular. A fase de remodelaçao também inicia se sobrepondo à proliferativa com deposiçao e reformulaçao contínua do colágeno e da elastina, enquanto a queimadura se contrai devido à transformaçao de fibroblastos em miofibroblastos. Esta conversao determina a flexibilidade pelo equilíbrio entre a contraçao e reepitelizaçao, além disso, a apoptose dos queratinócitos e das células inflamatórias sao essenciais para o término do processo cicatricial e seu aspecto estético7.

As queimaduras sao frequentemente classificadas pela profundidade tecidual acometida do primeiro ao quarto grau, porém este sistema foi substituído por outro que remete à possibilidade de intervençao cirúrgica em que se denominam as lesoes como superficial, espessura parcial superficial, espessura parcial profunda, espessura total e quarto grau.

- Na queimadura superficial se lesiona apenas a epiderme, que se apresenta seca, vermelha e fica branca quando pressionada, dolorosa e se cura em três a seis dias;

- A queimadura de espessura parcial superficial se caracteriza por bolhas, eritema, umidade, empalidece à pressao, dolorosa em exposiçao ao ar e temperatura e se cura em sete a 21 dias;

- A queimadura de espessura parcial profunda se caracteriza por bolhas que podem estar rotas, úmidas ou serosa, coloraçao entre o branco e o vermelho, nao empalidece à pressao, perceptível apenas à pressao com cura em mais de 21 dias, com necessidade habitual de intervençao cirúrgica;

- A queimadura de espessura total da pele se caracteriza pela coloraçao branca cerosa até preto, seca, inelástica, sem branqueamento à pressao, sensibilidade somente com pressao profunda e o processo de cura é raro sem intervençao cirúrgica;

- A queimadura de quarto grau se estende até a fáscia muscular, osso e articulaçoes, sensibilidade à pressao profunda e nunca se cura se nao receber tratamento cirúrgico8. Caracteristicamente em queimaduras, forma-se, na regiao central da lesao, a denominada zona de coagulaçao, que sofre necrose pela falta de oxigenaçao que impede a rapidez do processo cicatricial, a qual deve ser removida. Em torno da zona de coagulaçao, localiza-se uma área tecidual com perfusao diminuída, denominada zona de estase, onde há um aumento da permeabilidade capilar e reaçao inflamatória exacerbada que distingue as queimaduras de outras lesoes, pela persistência e progressao da vasodilataçao e do edema, além da possibilidade de que podem evoluir como áreas estendidas de necrose com aumento do tamanho da lesao inicial. Por último, a zona de hiperemia que circunda a zona de estase, caracterizada por vasodilataçao, inflamaçao e viabilidade tecidual, exatamente por onde se inicia o processo cicatricial9.


Queimaduras e as Células-Tronco Derivadas do Tecido Adiposo

A recuperaçao da integralidade da saúde em decorrência de queimaduras depende da cicatrizaçao completa das áreas acometidas. Apesar dos avanços, os resultados continuam insatisfatórios e determinar o momento correto para a utilizaçao das terapias adjuvantes permanece sem uma elucidaçao consistente. Os conhecimentos adquiridos apontam para as qualidades das células-tronco como a principal expectativa de mudanças neste indesejável patamar de cura.

O tempo prolongado para cicatrizaçao completa das queimaduras é um problema frequente e as características de autorrenovaçao, diferenciaçao em diversas linhagens de células com baixa imunogenicidade, além da produçao de substâncias parácrinas sinalizadoras sao capazes de beneficiar o processo distintamente em cada uma das fases cicatriciais pela interferência na mobilizaçao celular, na angiogênese e na regeneraçao tecidual, substituindo a fibrose.

A células-tronco exógenas melhoram o processo cicatricial, por sua açao reconstrutora de tecidos ou pela secreçao de substâncias, que dependem da fonte de células e de sua administraçao. O esclarecimento de metodologias seguras e a comprovaçao de sua eficácia terapêutica podem ampliar sua utilizaçao no cotidiano da Medicina10.

A meta de aplicaçao das células-tronco em queimaduras visa melhorias na qualidade da cicatrizaçao, com fechamento precoce da lesao pela aceleraçao do processo cicatricial e prevençao das contraturas e formaçoes cicatriciais, preferencialmente com regeneraçao da pele com seus apêndices; além disso, a atenuaçao da resposta inflamatória sistêmica nas queimaduras extensas pode auxiliar na reduçao das infecçoes. Alguns desafios permanecem a ser definidos como: a melhor fonte tecidual doadora, método de processamento, modo da aplicaçao clínica e sua funcionalidade11.

As células-tronco sao indiferenciadas e podem se dividir sem limites, e nestas divisoes podem permanecer indiferenciadas, ou originar uma das aproximadas 200 modalidades celulares de especializaçao. Quanto à plasticidade, dividem-se em três: células-tronco totipotentes podem formar todos os tipos de tecido, além dos anexos embrionários, que sao as primeiras 32 células formadas em até 72 horas após a fecundaçao, ou seja, o zigoto propriamente dito; células pluripotentes, que sao as células-tronco embrionárias capazes de se diferenciarem em células do endoderma, mesoderma e do ectoderma; células multipotentes, que sao as células-tronco adultas divididas hematopoiéticas, mesenquimais (MSC) e neurais, as quais se diferenciam em tecidos de sua origem com funçao de homeostase, regeneraçao e substituiçao12.

A necessidade de um biomaterial seguro, que pode se diferenciar em múltiplas linhagens de células adultas e com capacidade de produzir citocinas de fatores de crescimento, aponta para o tecido adiposo, que é fonte das células-tronco derivadas do tecido adiposo (CTDA), como excelente participante da medicina regenerativa com terapia celular. Considera-se como suas principais vantagens a abundância, controle da diferenciaçao, facilidade de obtençao, possibilidade de transplante alogênico ou autólogo com segurança para o hospedeiro e a produçao protocolada13.

As CTDA possuem antígenos de superfície semelhantes às células-tronco derivadas da medula óssea (CTMO), crescem e aderem ao plástico em culturas teciduais, porém nao sao iguais, apenas possuem características semelhantes. Nao é possível identificar apenas com um antígeno marcador, mas constatou-se que as CTDA expressam CD29, CD49, CD73, CD90, CD105, mas devem ser negativas para o marcador endotelial CD31 e para o marcador hematopoiético CD45, enquanto que o CD34 pode ser negativo em algumas subpopulaçoes ou até pode perder a expressao proteica ao serem cultivadas em plástico. Após o cultivo, pode-se utilizar as CTDA tanto em transplante autólogo como alogênico porque se constatou que estas células nao estimulam reaçao linfocitária mista, além de suprimirem a resposta dos linfócitos T citotóxicos14.

As CTDA demonstram relevância na engenharia tecidual e em condiçoes que necessitem mediaçao imune. As CTDA podem ser encontradas na rede microvascular e nas paredes capilares do tecido adiposo e possuem a capacidade de se diferenciar em tecido adiposo, músculo, cartilagem e células endoteliais. Verificou-se a capacidade imunomoduladora das CTDA por nao expressarem a proteína de reconhecimento imunológico HLA-DR (antígeno leucocitário humano-D relacionada), que é um MHC ll (complexo principal de histocompatibilidade) do receptor da superfície celular codificada pelo complexo antígeno leucocitário humano no cromossoma 6, ou seja, estas células podem nao ser reconhecidas como antígenos pelo sistema imunológico15.

As CTDA possuem capacidade de imunomodulaçao porque medeiam a secreçao de interleucina-10 (IL-10) pelas células da imunidade, embora nao a produzam. As IL-10 sao uma das principais moléculas produzidas pelas células T reguladoras (Tregs). A utilizaçao das CTDA em conjunto com as Tregs pode inibir a alorreatividade, indicando que as CTDA aumentam a produçao de IL-10 pelas Tregs. Apenas a CTDA, mas nao as Tregs, diminuem a citocina pró-inflamatória fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e as duas em conjunto diminuem o interferon gama (IFN-γ), mas aumentam a interleucina-6 (IL-6), demonstrando sua dualidade na imunomodulaçao. Todavia, a IL-6 induz as Tregs, o que indiretamente também produz efeito imunossupressor16.

As CTDA contribuem para a cicatrizaçao pela diferenciaçao em células envolvidas no processo cicatricial e pela secreçao de fatores de crescimento como o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), fator de crescimento de fibroblástico básico (FGF-β), fator de crescimento de queratinócitos, fator de crescimento de plaquetas, fator 1 de crescimento de insulina-like.

No transplante local, mesmo sem percorrer pela corrente sanguínea, as CTDA se incorporam às paredes capilares, expressam fenótipo endotelial, melhoram a trama vascular e recrutam células endoteliais, assim como podem aumentar o tecido de granulaçao e adquirir o fenótipo dos fibroblastos. As CTDA podem moderar a cicatrizaçao em queimaduras pelas propriedades anti-inflamatórias e imunossupressoras, assim como podem reduzir o tamanho, melhorar a cor e a maleabilidade da cicatriz17.

Após queimaduras extensas, verificou-se na corrente sanguínea a presença de células com fenótipo semelhante ao das CTMO, aumento das citocinas angiogênicas e das células progenitoras endoteliais derivadas da medula óssea com relaçao direta à extensao da superfície atingida, o que levou à conclusao de que as MSC interferem no processo de cura das queimaduras.

A utilizaçao das MSC em bordas de queimaduras pode otimizar a cicatrizaçao e diminuir o processo inflamatório com reduçao das interleucina-1 (IL-1) e IL-6 com aumento da IL-10 e do VEGF. Nas células-tronco transfectadas demonstrou-se a capacidade antibacteriana com B2-defencina e a melhoria da reepitelizaçao com fator de crescimento dos hepatócitos. O transplante de CTDA, em lesoes térmicas, pode determinar melhorias na cicatrizaçao, diminuiçao da necrose e da intensidade de dor18.

A capacidade das CTDA acelerarem a reepitelizaçao se faz por estimulaçao parácrina de fatores de crescimento pelas células hospedeiras. CTDA isoladas a partir de escarificaçoes de regioes queimadas, que habitualmente seriam descartadas, foram capazes de gerar camadas vascularizadas. Desenvolveu-se um substituto de pele se utilizando das CTDA e queratinócitos, o qual se estruturou de forma estratificada com epiderme, derme e hipoderme7.

A contribuiçao das MSC na fase inflamatória decorre da diminuiçao da inflamaçao e da atividade microbiana pela secreçao de IL-10, que é uma citocina anti-inflamatória das células T e dos macrófagos, pelo decréscimo do fator de TFN-α e INF-γ, que sao agentes próinflamatórios, e pelo aumento do peptídeo antimicrobiano LL-37, que ocorre após a liberaçao celular da proteína catelicidina hCAP18 pela clivagem do aminoácido 37.

Na fase proliferativa desenvolve-se a neovascularizaçao e o recrutamento celular de queratinócitos, células endoteliais e fibroblastos, determinadas pela secreçao do VEGF, pela diferenciaçao em células endoteliais e pela produçao de FGF-β, fator de crescimento derivado das plaquetas (PDGF), fator de crescimento epidérmico (EGF) e o fator de crescimento de queratinócitos (KGF).

Na fase de remodelaçao a regulaçao dos depósitos de colágenos e atenuaçao da formaçao cicatricial se dá pela produçao de fator de crescimento de hepatócitos (HGF), pela modulaçao do fator transformaçao do crescimento-β (TGF-β), reduzindo a proliferaçao celular e pela cossecreçao de HGF e VEGF, promovendo o balanço entre o TGF-β1 e o TGF-β3 envolvidas no controle da proliferaçao, na diferenciaçao e na movimentaçao de células dérmicas e epidérmicas na cicatrizaçao. Apesar da dificuldade da configuraçao translacional dos estudos em ratos para a terapêutica clínica, os estudos experimentais apontam que a utilizaçao de CTDA exógenas determina alteraçoes distintas na cascata de eventos de cada fase cicatricial10.


DISCUSSAO

As CTDA podem ser isoladas após coleta por lipoaspiraçao em maior quantidade e com menos desconforto que as CTMO. Este aspirado, ao ser submetido à lavagem extensiva e remoçao dos glóbulos vermelhos com quebra enzimática da matriz extracelular, resulta em um agrupamento celular denominado fraçao vascular do estroma (SVF), que contém as MSC, células endoteliais, pré-adipócitos, fibroblastos, leucócitos e células-tronco hematopoiéticas.

As MSC podem ser isoladas por se aderirem ao plástico e se expandirem em meio de cultura com potencialidade para a utilizaçao em queimaduras pela melhora da cicatrizaçao e pela facilitaçao da regeneraçao da pele. A definiçao da fonte, da quantidade, das condiçoes das culturas, matrizes adequadas e plataformas para aumentar a eficiência da distribuiçao celular permitirao seu uso clínico com protocolos de segurança11.

A terapêutica com CTDA se mostra como uma alternativa consistente para otimizar o processo de cicatrizaçao, e isto já reflete em euforia em meios de comunicaçao. Neste ponto insere-se a relevância das pesquisas experimentais e clínicas em buscar qualidade e segurança na previsibilidade do transplante e no controle da reprodutibilidade celular, para que se possa estabelecer se no futuro existirao doadores saudáveis, que se submeterao ao procedimento de lipoaspiraçao, como se faz nos dias atuais para obtençao de derivados do sangue13.

Mesmo com o avanço do conhecimento científico e tecnológico da área médica, nao surgiram novidades terapêuticas consistentes para a substituiçao de pele, portanto, o autoenxerto permanece como a principal soluçao. As queimaduras que atingem extensas áreas da superfície corpórea sao dramáticas, pois nesta situaçao nao há disponibilidade suficiente de pele para recobrir as áreas lesionadas.

Comprovou-se que as CTDA podem se transdiferenciar em células nao mesenquimais, como os queratinócitos-like, quando estimuladas pelo EGF na presença de cálcio, além de ordenar uma epiderme estratificada tridimensional quando depositadas sobre uma matriz dérmica descelularizada. Esta versatilidade, associada à sua abundância no tecido adiposo e a facilidade em obtê-las, apontam as CTDA como uma possibilidade terapêutica a ser considerada para substituiçao de perdas cutâneas maciças14.

Os adipócitos maduros constituem 90% do tecido adiposo tecido adiposo, e o restante forma o SVF com CDTA, fibroblastos, células endoteliais, pré-adipócitos, células vasculares com musculatura lisa, linfócitos, monócitos, macrófagos residentes. As CTDA sao obtidas em uma proporçao de 1:100 a 1:1500 células, o que é superior à medula óssea em 500 vezes, e a cada 1g de tecido adiposo apreende-se cerca de 5000 CTDA. As CTDA possuem origem mesodérmica e podem se diferenciar em linhagens osteogênica, condrogênica, adipogênica, cardiomiogênica, miogênica e neurogênica, mas também se diferenciam em linhagens ectodérmicas como hepatócitos, pancreáticas, endoteliais, neurais e epiteliais13.

Os complexos processos envolvidos na cura de queimaduras sao motivos de estudo para se obter melhorias em relaçao ao tempo e à qualidade da cicatriz. A terapia com MSC é o ouro da ciência a ser desvendado e as pesquisas se mostram promissoras em relaçao às cicatrizaçoes, e especialmente em queimaduras podem promover benefícios de qualidade, tempo e diminuiçao da intensidade da inflamaçao18.

As CTMO e as CTDA mostram capacidade de integraçao e adaptaçao ao tecido danificado, mas além desta atividade local podem apresentar eficácia terapêutica em órgaos distantes. As MCS existentes na medula óssea migram e se encaminham pela circulaçao até a microcirculaçao dos tecidos lesionados orientadas por sinais quimiotáticos, mecanismo denominado de homing, e de forma similar este fenômeno também ocorre com as MSC administradas pela via venosa. A proteína quimiotática de monócitos -1 (MCP-1), a proteína inflamatória de macrófagos-1alfa (MIP-1α), a interleucina-8 (IL-8), o fator derivado do estroma-1 (SDF-1) sao quimiocinas homing que atraem as MSC19.

As CTDA promovem alívio álgico, a reduçao da inflamaçao, cicatrizes menores com textura suave e coloraçao adequada, angiogênese exuberante e retorno funcional precoce. As CTDA podem melhorar os resultados por promover alteraçoes evolutivas na fase de remodelaçao, pela diminuiçao da apoptose e aumento da fibroplasia. As pesquisas em humanos parecem demonstrar resultados positivos, mas serao necessários trabalhos maiores, prospectivos e randomizados, que ampliem o conhecimento, detalhem o método de utilizaçao e mostrem o controle das cicatrizes para encorajar a utilizaçao desta terapia emergente20.


CONCLUSAO

O processo cicatricial da queimadura se diferencia de outras lesoes pelo dano tecidual fundamental que prejudica a ordenaçao da cascata de eventos para que haja a reparaçao do tecido. A queimadura desvitaliza tecidos subjacentes, compromete o suprimento sanguíneo com perda de plasma, inflamaçao intensa, déficit imunológico, propensao a sepses, além da falta de tecido doador para execuçao de enxertias. Assim, as células-tronco derivadas do tecido adiposo, por sua disponibilidade, potencial de diferenciaçao celular, mecanismo homing, efeito de imunomodulaçao, açao anti-inflamatória e pela secreçao de substâncias que estimulam a reparaçao tecidual em queimaduras, podem ser eficientes aliadas nestes complexos processos de recuperaçao da homeostase e da vida.


PRINCIPAIS CONTRIBUIÇOES

Avaliaçao da diferença entre processos cicatriciais comuns em relaçao à reparaçao cicatricial em queimaduras e a possibilidade da terapêutica adjuvante com células-tronco derivadas do tecido adiposo.


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Recebido em 1 de Maio de 2017.
Aceito em 3 de Agosto de 2017.

Local de realização do trabalho: Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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