1378
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo de Revisao

Uso da eletromiografia de superfície e análise do comportamento da musculatura orofacial

Use of surface electromyography and behavior analysis of orofacial musculature

Geraldine Rose de Andrade Borges1; Valéria Alves dos Santos2; Hilton Justino da Silva3

RESUMO

INTRODUÇAO: Analisar a produçao da literatura publicada sobre eletromiografia na musculatura orofacial.
MÉTODO: Trata-se de um estudo de revisao narrativa de literatura. Constitui-se basicamente de análise da literatura publicada em livros, artigos de revistas impressas e ou eletrônicas, na interpretaçao e análise crítica pessoal do autor. Neste estudo foram realizadas duas buscas específicas nas bases Lilacs, Scielo, MEDLINE, Web of Science, PubMed e Scopus, com o objetivo de identificar trabalhos relacionados ao comportamento da musculatura orofacial em indivíduos queimados, e identificar trabalhos relacionados à aplicaçao da eletromiografia de superfície em queimados. Também foi feita uma pesquisa nos anais dos congressos da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia.
RESULTADOS: Em uma pesquisa realizada no Brasil, a análise das características do movimento motor oral e mímica facial, em pacientes queimados, foi objeto de estudo desse trabalho - os participantes foram submetidos à avaliaçao motora oral clínica, à avaliaçao dos movimentos mandibulares e da mímica facial. Em um relato de caso realizado no Brasil, a análise da influência da cicatriz na atividade elétrica dos músculos orofaciais foi objeto de estudo dessa publicaçao, utilizando a eletromiografia de superfície (EMGs).
CONSIDERAÇOES FINAIS: A avaliaçao EMGs complementar à avaliaçao clínica motora orofacial, em queimados, pode se revelar um importante recurso para quantificar e documentar a perda funcional, acompanhando a sua evoluçao, proporcionando evidências da condiçao clínica. Porém, existe a necessidade de estudos que caracterizem, mais especificamente, o comportamento da musculatura orofacial sob influência do processo cicatricial, em queimaduras. Além de incentivos para a utilizaçao da EMGs, como recurso nos centros de reabilitaçao de queimado.

Palavras-chave: Queimaduras. Face. Eletromiografia. Músculos Faciais.

ABSTRACT

INTRODUCTION: To analyze the production of published literature about electromyography in orofacial musculature.
METHOD: This is a study of narrative literature review. It is basically of analysis of the literature published in books, magazines and printed or electronic, in the interpretation and critical analysis staff of the author. In this study were performed two specific searches in the databases LILACS, Scielo, Medline and Web of Science, PubMed and Scopus, with the objective of identifying the work related to the behavior of the orofacial muscles in individuals burned, and identify jobs related to the application of surface electromyography in burned. Was also performed a search in the annals of the Brazilian Society of Phonoaudiology.
RESULTS: In a survey conducted in Brazil the analysis of characteristics of oral motor movement and MIME facial, in burned patients, has been the object of study of this work - participants underwent oral motor assessment clinic, evaluation of mandibular movements and facial mime. In a case report held in Brazil, the analysis of the influence of the scar, the electrical activity of the orofacial muscles has been the object of study of this publication, using surface electromyography (SEMG).
FiNAL THOUGHTS: The SEMG evaluation complement to orofacial motor clinical evaluation, in burned, can prove to be an important resource to quantify and document the functional loss, accompanying its development, providing evidence of the clinical condition. However, there is a need for studies that features, more specifically, the behavior of the orofacial musculature under the influence of the healing process, in burns. In addition to incentives for the use of SEMG, as a resource in rehabilitation centers.

Keywords: Burns. Face. Electromyography. Facial Muscles.

INTRODUÇAO

A queimadura é uma lesao no tecido de revestimento do corpo que desnatura as proteínas das células1, podendo atingir músculos, tendao e ossos2.

A gravidade das alteraçoes provocadas pela queimadura é variável e depende da profundidade das lesoes3,4. Queimaduras que atingem a derme profunda evoluem com formaçao de tecido de granulaçao exuberante e maior grau de contraçao tecidual, sendo comum a presença de cicatrizes hipertróficas frequentemente associadas a contraturas, provocando distúrbios funcionais e estéticos importantes5-7. Quando localizadas a nível cutâneo alteram o movimento e, ao nível muscular, interrompem a contraçao do músculo8.

Na face, é considerada uma lesao grave, pois provoca riscos de infecçoes, retraçoes cicatriciais e comprometimento de estruturas importantes como: pálpebras, nariz e lábios9,10.

A retraçao tecidual em cicatrizes por queimaduras pode limitar os movimentos e expressoes faciais11. Sao frequentes a presença de rosto rígido, policromia, cicatrizes inter-enxertos12 e deformidades esqueléticas oromaxilomandibulares. Além de alteraçoes funcionais como: oclusao oral incompleta, déficit de fala e de sensibilidade orofaciais, movimentos mandibulares reduzidos, alteraçoes na deglutiçao e mastigaçao13. A reabilitaçao de pacientes com queimaduras visa prevenir o tecido cicatrizado de contraçao1.

Avaliar com maior precisao o potencial funcional, a evoluçao adquirida durante a reabilitaçao e as possibilidades de recuperaçao sao propósitos da Fonoaudiologia na abordagem das alteraçoes orofaciais14.

A Fonoaudiologia é uma especialidade voltada ao estudo do desenvolvimento, dos distúrbios e das diferenças da comunicaçao humana em seus aspectos de fala, linguagem oral e escrita, audiçao e sistema sensório motor oral15. A motricidade orofacial é o campo da Fonoaudiologia voltado para o estudo, pesquisa, prevençao, avaliaçao, diagnóstico, desenvolvimento, habilitaçao, aperfeiçoamento e reabilitaçao dos aspectos estruturais e funcionais das regioes orofacial e cervical9.

Recentemente, na Fonoaudiologia, a eletromiografia de superfície (EMGs) tem sido utilizada como auxiliar no diagnóstico e tratamento dos distúrbios motores orais16. É um método nao invasivo com maior objetividade para registrar a atividade muscular simultânea - envolve a detecçao e os registros dos potenciais elétricos nas fibras musculares. Trata-se de um exame que mensura a atividade eletromiográfica dos músculos no momento da contraçao17, possibilitando identificar quando e como um músculo é ativado, além de avaliar a coordenaçao em relaçao ao recrutamento dos músculos envolvidos no movimento18.

É utilizada na área de saúde, tanto em aplicaçoes clínicas quanto em pesquisa19, para avaliar o comportamento neuromuscular em algumas doenças ou lesoes que afetem esse sistema; o efeito do desuso no nível de ativaçao muscular e; os efeitos e especificidades do exercício e treinamento físico na funçao neuromuscular20. Também tem sido muito explorada para fins de reabilitaçao por meio do biofeedback eletromiográfico. A maior importância atribuída à eletromiografia de superfície na avaliaçao é a possibilidade de discutir a alta de forma objetiva e concreta com o paciente16.

Relacionar o exame clínico com a avaliaçao eletromiográfica permite ao fonoaudiólogo chegar a um diagnóstico mais preciso, compreendendo os ajustes musculares realizados para o desempenho das funçoes orofaciais18.

Portanto, o objetivo deste artigo é discutir como se comporta a musculatura orofacial em queimaduras e a importância do uso da eletromiografia, na prática clínica, para auxiliar a análise desse comportamento.


MÉTODO

Trata-se de estudo de revisao narrativa de literatura - publicaçoes amplas apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento ou o estado da arte de um determinado assunto, sob o ponto de vista teórico ou contextual. Constitui-se basicamente de análise da literatura publicada em livros, artigos de revistas impressas e ou eletrônicas, na interpretaçao e análise crítica pessoal do autor. Apesar de nao fornecer resposta quantitativa para questoes específicas, essa categoria de artigo tem um papel fundamental na educaçao continuada, pois permite ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma temática específica em curto espaço de tempo21.

Neste estudo foram realizadas duas buscas específicas:

A primeira com o objetivo de identificar trabalhos originais relacionados ao comportamento da musculatura orofacial em indivíduos que sofreram queimaduras.

Foram realizadas buscas nos bancos de dados: Lilacs, Scielo, MEDLINE e Web of Science, no período de setembro de 2015. Nao houve data mínima para a pesquisa, sendo considerados os artigos encontrados até agosto de 2015.

Na pesquisa de artigos foram utilizados descritores - descritores em ciências da saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MESH): Muscle, Face, Movement individualmente cruzados com o descritor Burn.

Os critérios de inclusao foram: a) artigos completos e originais relacionando a açao muscular à queimadura; b) em inglês, espanhol ou português. Os critérios de exclusao foram: a) artigos que relacionam a açao da musculatura à queimadura pós-tratamentos específicos (cirurgias, medicamentos, laser e outros); b) artigos completos com estudos que relacionam a açao da musculatura à queimadura em animais; c) revisao de literatura; d) artigo sem resumo.

E a segunda com o objetivo de identificar trabalhos relacionados à aplicaçao da eletromiografia de superfície em queimados.

Foram realizadas buscas nos seguintes bancos de dados: Lilacs, PubMed, Scielo, Web of Science e Scopus, no período de junho e julho de 2015. Nao houve data mínima para a pesquisa sendo considerados os artigos encontrados até maio de 2015. Na pesquisa de artigos foram utilizados descritores - descritores em ciências da saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MESH): Electromyography, Burns e Cicatrix, cruzados da seguinte forma: Electromyography and Burns, Electromyography and Cicatrix e Burns and Cicatrix.

Os critérios de inclusao foram: a) artigos completos e originais relacionando a eletromiografia de superfície à cicatriz por queimadura; b) em inglês, espanhol, português. Os critérios de exclusao: a) estudo da eletromiografia de superfície em cicatrizes por outras causas (cirurgias, etc.); b) estudo da eletromiografia profunda, com agulhas; c) revisao de literatura; d) artigo sem resumo.

Também, no período anteriormente citado, foi realizada uma pesquisa nos anais dos congressos da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, visando complementar as buscas realizadas nas bases citadas.

Com base nos manuscritos selecionados, foram apresentados e discutidos o comportamento da musculatura da face em queimados e o uso da eletromiografia de superfície nesses casos.


RESULTADOS

Comportamento da musculatura da face em queimados

A busca de dados resultou em um total de 8429 artigos. Na base Lilacs, cruzando-se os descritores, foram encontrados 46 artigos, na Scielo 20 artigos, no MEDLINE 3577 artigos e na Web of Science 4776 artigos.

Considerando os critérios de inclusao e de exclusao adotados (8371 excluídos pelo título), após a retirada dos estudos repetidos foram selecionados 57 para a leitura dos resumos, desses apenas quatro foram eleitos para a leitura dos textos completos, três foram excluídos e só um foi incluído e descrito nesta revisao.

Em uma pesquisa realizada no Brasil (2015), a análise das características do movimento motor oral e mímica facial, em pacientes queimados, foi objeto de estudo desse trabalho. Este foi citado pelo grupo como o primeiro estudo que realizou uma caracterizaçao clínica extensa do impacto da queimadura, profunda de espessura parcial e de espessura total, em regiao de face e pescoço, sobre os movimentos motor oral e mímica facial22.

Nesta pesquisa, os participantes foram submetidos à avaliaçao motora oral clínica, à avaliaçao dos movimentos mandibulares e da mímica facial.

Na avaliaçao motora oral foi utilizado o protocolo de Avaliaçao Orofacial Miofuncional com Escore Expandido (AMIOFE-E). Ele é baseado em uma escala e nao requer nenhum equipamento especial, pode ser útil tanto na prática clínica quanto na pesquisa. Os componentes do sistema estomatognático (lábios, língua, bochechas e mandíbula) foram avaliados em termos de postura, posiçao, mobilidade, e desempenho durante as funçoes de deglutiçao e mastigaçao. Verificou-se acordo entre avaliadores usando Kappa Coeficiente de Cohen, com um nível de concordância 0,87.

Os grupos, na pontuaçao geral, diferiram significativamente: G1 (queimadura profunda de espessura parcial) comparado com G2 (queimadura profunda de espessura total). Porém, os resultados indicam que eles diferiram significativamente apenas na postura estática e na posiçao dos órgaos motores orais. Os indivíduos com queimaduras profundas de espessura parcial apresentaram escores mais elevados no protocolo clínico comparados com indivíduos com queimaduras de espessura total.

A presença de contraturas cicatriciais e cicatrizes hipertróficas foram responsáveis pelas notas mais baixas recebidas pelos pacientes no G2 (ou seja, a presença de assimetria facial, dificuldade mantendo os lábios fechados, língua inadequadamente posicionada dentro da cavidade oral). Com relaçao à deglutiçao e mastigaçao, nao apresentaram diferenças significativas.

Na avaliaçao da medida de amplitude mandibular foram realizadas as medidas de: abertura máxima, lateralizaçao mandibular para a direita, lateralizaçao mandibular à esquerda, protrusao mandibular, sobreposiçao horizontal entre os incisivos. A taxa de concordância entre os examinadores foi de 85%.

Na pontuaçao geral os resultados indicaram que queimaduras na face e pescoço tiveram o mesmo impacto sobre a lateralizaçao mandibular e protrusao para ambos os grupos de pacientes. Porém, apenas para a abertura máxima as diferenças entre os grupos foram significativas. G1 apresentou uma melhor gama de movimento para este parâmetro.

Na avaliaçao da mímica facial foram avaliadas a simetria facial e mobilidade com o uso do Protocolo de Escore Clínico para Mímica Facial. Ele avalia a simetria funcional estética para as duas hemifaces. As taxas de concordância indicaram que a confiabilidade foi alta 0,79.

Os músculos de cada lado da face foram analisados durante a realizaçao de diferentes expressoes faciais voluntárias e, os movimentos involuntários foram avaliados durante o piscar, a fala e o sorriso espontâneo.

Os grupos diferiram significativamente na avaliaçao dos movimentos faciais voluntários. Os indivíduos do G1 apresentaram melhores pontuaçoes, sobre os parâmetros analisados (simetria e preservaçao dos movimentos). Os indivíduos do G2, no entanto, apresentaram movimentos menos simétricos na comparaçao entre os escores obtidos para as diferentes hemifaces, ou seja, apresentaram escores significativamente mais baixos para os movimentos correspondentes aos músculos envolvidos no sorriso, a elevaçao do lábio superior, traçao superior lateral dos lábios e traçao horizontal dos lábios, e para selamento labial. Para movimentos faciais involuntários, as diferenças nao foram significativas na comparaçao entre os grupos.

Eletromiografia de superfície em queimadura de face

A busca encontrou um total de 6.240 artigos. Na base Lilacs foram encontrados 54 artigos, no PubMed 3.252, na Scielo 0 artigos, na Web of Science 65 e na Scopus 2.869 artigos. Foram excluídos pelo título 6.208 artigos: Lilacs (50), PubMed (3.239), Scielo (0), Web of Science (62) e Scopus (2.857).

Para a leitura dos resumos, foram selecionados 32 artigos, desses 19 foram excluídos após a leitura. Ficaram 13 artigos e nove estavam repetidos, por isso, foram retirados, restando quatro artigos para a leitura completa dos textos.

Após a leitura completa dos artigos, considerando os critérios de inclusao e de exclusao adotados, nenhum deles foi incluído na síntese qualitativa. Isso porque um artigo se referia à eletromiografia de superfície em cicatriz por cirurgia (cesariana/apendicectomia) e três à eletromigrafia profunda, com uso de agulhas, para determinar a prevalência e as complicaçoes neurológicas que podem ocorrer em pacientes queimados.

Por isso, foi incluído nessa revisao narrativa um artigo encontrado nos anais dos congressos da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia.

Em um relato de caso realizado no Brasil (2013), a análise da influência da cicatriz, por queimaduras, na atividade elétrica dos músculos orofaciais foi objeto de estudo dessa publicaçao23.

Nesse estudo, um paciente vítima de queimaduras de 2º e 3º graus (profunda de espessura parcial e total), em regiao de hemiface direita foi submetido à avaliaçao eletromiográfica de superfície visando avaliar e registrar as condiçoes fisiológicas e patológicas dos músculos e os efeitos terapêuticos dessa intervençao para posteriores comparaçoes. Na coleta dos dados foi adaptado e aplicado o protocolo de avaliaçao eletromiográfica segundo Regis et al., 2013.

A atividade elétrica foi captada na regiao entre os grupos musculares zigomáticos e levantadores do lábio superior durante a: abertura de boca, protrusao labial, e sorriso. Na regiao do feixe inferior do orbicular do olho, os potenciais eletromiográficos foram capturados durante a: abertura de boca e fechamento dos olhos.

De acordo com os achados eletromiográficos, neste caso, concluiu-se que, provavelmente, devido à retraçao cicatricial houve uma alteraçao na atividade elétrica muscular, invertendo seus picos eletromiográficos, pois, quando a musculatura zigomática deveria estar mais ativa como nas funçoes de movimentaçao labial, no lado lesionado, esta apresentou-se hipoativa. Em comparaçao, quando a musculatura orbicular do olho deveria estar inativa, como nas funçoes de abertura de boca, esta apresentou-se hiperativa.


DISCUSSAO

Em queimaduras é comum a formaçao de cicatrizes hipertróficas7,24 e na face, elas provocam uma disfunçao fisiológica nas estruturas musculares, determinando as alteraçoes nas funçoes do sistema estomatognático23. É de suma importância, na prevençao e tratamento das cicatrizes hipertróficas por queimadura, a avaliaçao, documentaçao e acompanhamento dessas estruturas25,26.

A literatura cita carência de pesquisa e de veículos específicos para publicaçao de conhecimento nessa área27,28 em que se limita, na maioria das vezes, a descrever a participaçao de terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas na reabilitaçao de pacientes queimados29. Apenas no ano 2000 foi regulamentado, pelo Ministério da Saúde, o tratamento de pacientes queimados e os fonoaudiólogos ainda nao fazem parte da equipe multiprofissional regulamentada30.

Diante da carência de profissionais focados no tratamento desse trauma e, principalmente, no trabalho associado da clínica com o desenvolvimento de pesquisa27,28, os protocolos clínicos utilizados na análise das características do movimento motor oral e mímica facial, no primeiro artigo, podem ser considerados importantes instrumentos para avaliar o impacto da queimadura e do processo de retraçao cicatricial no comportamento da musculatura da face; porém, apesar de validados e amplamente utilizados na prática clínica fonoaudiológica, eles nao incluem critérios específicos para avaliar pacientes com queimaduras. A análise realizada pode ser considerada subjetiva e, apesar de sua importância clínica, apresenta limitaçoes para realizaçao do processo de documentaçao, acompanhamento e quantificaçao da evoluçao.

O segundo artigo relata que a retraçao cicatricial altera a atividade elétrica muscular e isso provoca uma disfunçao fisiológica nas estruturas musculares orofaciais, determinando as alteraçoes nas funçoes do sistema estomatognático23. Ele apresenta uma proposta de avaliaçao direcionada para o estudo do comportamento da musculatura em queimados, porém, apresenta limitaçoes, pois o número de pacientes avaliados é insuficiente para caracterizar a atividade elétrica nesse tipo de patologia. No entanto, apesar de ser apenas o relato de um caso, ele revela dados importantes sobre o comportamento muscular de um indivíduo que apresenta cicatrizes restritivas.

Atualmente, o processo de cicatrizaçao ainda é pouco compreendido, restam muitas dúvidas relacionadas ao papel da profundidade da queimadura no desenvolvimento de cicatrizes hipertróficas e à eficácia dos tratamentos de reduçao de cicatriz26,31. A falta de instrumentos objetivos para avaliar e quantificar esse processo é um dos problemas no tratamento da cicatriz. E, na maioria dos estudos publicados, a avaliaçao subjetiva da cicatriz é considerada padrao ouro, refletindo, assim, a carência de métodos objetivos e quantitativos para avaliá-la26. Alguns estudos tentam quantificar por meio de escalas o impacto das cicatrizes na vida do indivíduo com sequela de queimaduras, mas a maioria das recomendaçoes para a terapia da cicatriz é limitada, com poucos estudos usando medidas e questionários validados28.

Recentemente, na Fonoaudiologia, tem sido utilizada a EMGs16 - o número reduzido de trabalhos pode ser justificado pelo fato da EMGs ser um exame novo, pois apenas a partir dos anos 90 é que começaram a ocorrer maiores investigaçoes envolvendo o sincronismo neuromuscular20 e, também, apenas há pouco tempo está sendo utilizado, na Fonoaudiologia, para identificar quando e como um músculo é ativado, além de avaliar a coordenaçao em relaçao ao recrutamento dos músculos envolvidos no movimento18.

Relacionar o exame clínico com a avaliaçao eletromiográfica permite ao fonoaudiólogo chegar a um diagnóstico mais preciso, compreendendo os ajustes musculares realizados para o desempenho das funçoes orofaciais18, por meio da quantificaçao dos resultados obtidos na avaliaçao clínica.

O presente manuscrito apresentou limitaçoes: a) o número de artigos encontrados ainda é pequeno, porém, acreditamos que apresenta um conteúdo bastante significativo; b) nao foram encontradas informaçoes em fontes alternativas relacionadas ao uso da eletromiografia de superfície em queimaduras de face.

O fato de os estudos encontrados nessa busca terem sido realizados no Brasil pontua positivamente, favorecendo as análises, de estudos futuros, relacionadas às características da musculatura em pacientes dessa mesma populaçao.


CONSIDERAÇOES FINAIS

Atualmente, existem publicaçoes que relatam queimaduras em face e pescoço, porém, a maioria é relacionada aos tratamentos cirúrgicos ou fisioterápicos32,33 e poucas tratam das alteraçoes das estruturas e funçoes motora orais18. Alguns manuscritos citam essas alteraçoes9,15, porém, existe uma carência de artigos de pesquisa originais relacionados a essas disfunçoes.

A avaliaçao EMGs complementar à avaliaçao clínica motora orofacial, em queimados, pode se revelar um importante recurso para quantificar e documentar a perda funcional, acompanhando a sua evoluçao, proporcionando evidências da condiçao clínica. No entanto, apesar da importância, quando levamos em consideraçao a quantidade de trabalhos e artigos publicados, percebemos uma carência de estudos sobre o comportamento da musculatura da face em queimaduras e principalmente sobre o uso da eletromiografia de superfície como um recurso auxiliar na prática clínica nesses casos.

Existe a necessidade de estudos que caracterizem, mais especificamente, o comportamento da musculatura orofacial sob influência do processo cicatricial, em queimaduras. Além de incentivos para a utilizaçao da EMGs, como recurso nos centros de reabilitaçao de queimados, com o objetivo de esclarecer o uso dessa técnica e sua aplicaçao na prática clínica. Pois, a precisao da quantificaçao e o acompanhamento da interferência da cicatriz na atividade muscular pode ser mais um recurso na prevençao de sequelas estéticas, funcionais e emocionais.


PRINCIPAIS CONTRIBUIÇOES

Sensibilizar os profissionais da área sobre a importância da EMGs na prática clínica fonoaudiológica.

Proporcionar a compreensao da perda funcional, por meio da evidência da condiçao clínica e, consequentemente, possibilitar ganhos para a prática clínica.

Despertar o interesse em estudos e pesquisas nessa área.


REFERENCIAS

1. Tortora GJ, Grabowiski SR. Corpo humano: fundamentos de anatomia e fisiologia. 6a ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.

2. Prestes MA, Lopes Junior SLC. Gravidade da lesao e indicadores para internaçao hospitalar. In: Lima Junior EMN, Novaes FN, Piccolo NS, Serra MCVF, eds. Tratado de queimaduras no paciente agudo. Sao Paulo: Atheneu; 2008. p.49-52.

3. Mariani U, Gomez Dde S, Carvalho Ddo A, Ferreira MC. The tegumentresulting from the healing of burns. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 1995;50(3):140-6.

4. Salles AG. Efeito do tratamento combinado tretinoína e ácido glicólico na abertura bucal de pacientes com seqüelas de queimadura (Dissertaçao de mestrado). Sao Paulo: Faculdade de Medicina,Universidade de Sao Paulo; 2002.141p.

5. Dematte MF, Gemperli R, Salles AG, Dolhnikoff M, Lanças T, Saldiva PH, et al. Mechanicalevaluation of the resistance and elastance of post-burn scars after topical treatment with tretinoin. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(11):1949-54.

6. Piccolo M, Piccolo N, Daher R, Daher S. Cicatrizaçao e Cicatrizes. In: Lima Junior EML, Novaes FN, Piccolo N, Serra MCVF. Tratado de Queimaduras no Paciente Agudo. 2a Ed. Sao Paulo: Atheneu; 2009. p.591-607.

7. Köse O, Waseem A. Keloids and hypertrophicscars: are they twodifferentsides of the samecoin? Dermatol Surg. 2008;34(3):336-46.

8. Rossi DC, Di Ninno CQMS, Silva KRS, Mota AR. Efeito da massagem no processo de cicatrizaçao labial em crianças operadas de fissura transforame unilateral. Rev CEFAC. 2005;7(2):205-14.

9. Borges GRA, Vieira ACC, Barreto MGP. Queimadura de face: abordagem fonoaudiológica na prevençao de microstomia. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(1):35-8.

10. Toledo PN. Conhecimentos essenciais para atender bem pacientes queimados. Sao José dos Campos: Pulso; 2003. p.22-65.

11. Douglas CR. Funçoes gerais desenvolvidas pela boca. In: Douglas CR. Tratado de fisiologia aplicada a fonoaudiologia. Sao Paulo: Robe; 2002. p.285-8.

12. Nunes JA, Nemr K. Queimaduras e as alteraçoesmiofuncionais e laríngeas. Rev CEFAC. 2005;7(4):466-72.

13. Makboul M, El-Oteyfi M. Cassification of post-burn contracture neck. India J Burns. 2013;21(1):50-3.

14. Magalhaes Jr HV. Introduçao. In: Pernambuco LA, Silva HJ, Souza LBR, Magalhaes Jr HV, Cavalcanti RVA. Atualidades em motricidade orofacial. Rio de Janeiro: Revinter; 2012.

15. Ramos EML, Danda FMG, Araujo FTC, Regis RMFL, Silva HJ. Tratamento fonoaudiológico em queimadura orofacial. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(2):70-74.

16. Bernardes DFF, Gomez MVS,Bento RF. Eletromiografia de superfície em pacientes portadores de paralisia facial periférica. RevCEFAC. 2010;12(1):91-6.

17. Araújo VGB. Estudo da relaçao entre a atividade eletromiográfica de músculos da face e o movimento facial durante a fala(Tese de doutorado). Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.

18. Rahal A, Silva MMA, Berretin-Felix G. Eletromiografia de superfície e biofeedback eletromiográfico. In: Pernambuco LA, Silva HJ, Souza LBR, Magalhaes Jr HV, Cavalcanti RVA. Atualidades em motricidade orofacial. Rio de Janeiro: Revinter; 2012. p.49-58.

19. Moraes KJR, Cunha DA, Galvao ML, Bezerra LA, Nascimento GKBON, Pernambuco LA, et al. Conceitos básicos que envolvem a eletromiografia de superfície:potencial de açao muscular, aquisiçao do sinal elétrico e a importância para o sistema estomatognático. In: Silva HJ, org. Protocolos de eletromiografia de superfície em fonoaudiologia. Sao Paulo: Pró-Fono; 2013. p.1-7.

20. Silva RC. Eletromiografia de Superfície: funçao neuromuscular e reprodutilidade do método. Uma revisao(Tese de doutorado). Porto Alegre: Escola de Educaçao Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2010.

21. Rother ET. Revisao sistemática x revisao narrativa. Acta Paul Enfermagem. 2007;20(2):v-vi.

22. Magnani DM, Sassi FC, Vana LP, Alonso N, Andrade CR. Evaluation of oral-motor movements and facial mimic in patients with head and neck burns by a publicservice in Brazil. Clinics (Sao Paulo). 2015;70(5):339-45.

23. Borges GRA, Santos VA, Vieira ACC, Barreto MGP, Albuquerque LCA, Silva HJ. Eletromiografia em queimadura de face: relato de caso. Anais do 21º congresso e 2º Ibero-Americano de Fonoaudiologia. 2013; 22-25/09. Porto de Galinhas, Cabo-PE; Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 2013. p.485.[Acesso 19 Mai 2016]. Disponível em: http://sbfa.org.br/fono2013/pdf/anais_parte4.pdf

24. Gankande TU, Wood FM, Edgar DW, Duke JM, DeJong HM, Henderson AE, et al. A modified Vancouver Scar Scale linked with TBSA (mVSS-TBSA): Inter-raterreliability of an innovative burn scar assessment method. Burns. 2013;39(6):1142-9.

25. Tyack Z, Simons M, Spinks A, Wasiak J. A systematic review of the quality of burnscarratingscales for clinical and research use. Burns. 2012;38(1):6-18.

26. Kaartinen IS, Välisuo PO, Bochko V, Alander JT, Kuokkanen HO. How to assessscarhypertrophy-- a comparison of subjectivescales and Spectrocutometry: a new objectivemethod. Wound RepairRegen. 2011;19(3):316-23.

27. Gragnani A, Ferreira LM. Pesquisa em queimaduras. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(3):91-6.

28. Herson MR, Teixeira Neto N, Paggiaro AO, Carvalho VF, Machado LCC, Ueda T, et al. Estudo epidemiológico das sequelas de queimaduras: 12 anos de experiência da Unidade de Queimaduras da Divisao de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(3):82-6.

29. Magnani DM. Caracterizaçao e comparaçao de alteraçoes miofuncionais em pacientes com queimaduras de segundo e terceiro grau em face e cervical (Dissertaçao de mestrado). Sao Paulo. Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo; 2014.

30. Brasil. Ministério da Saúde. Portariaº 1273 de 21 de novembro de 2000. Brasília: Ministério da Saúde; 2000.

31. Junker JP, Kratz C, Tollbäck A, Kratz G. Mechanicaltensionstimulates the transdifferentiation of fibroblastsintomyofibroblasts in human burn scars. Burns.2008;34(7):942-6.

32. Peck MD. Epidemiology of burns throughout the world. Part I: Distribution and risk factors. Burns. 2011;37(7):1087-100.

33. Güven E, Uğurlu AM, Hocaoğlu E, Kuvat SV, Elbey H. Treatment of post-burn upperextremity, neck and facial contractures: report of 77 cases. UlusTravmaAcilCerrahiDerg. 2010;16(5):401-6.


*Contribuiçoes individuais: Geraldine Rose de Andrade Borges - Concepçao e desenho do estudo; análise e interpretaçao dos dados; elaboraçao e revisao do artigo; aprovou a versao final a ser publicada; Valéria Alves dos Santos - Análise e interpretaçao dos dados; revisao do artigo; aprovou a versao final a ser publicada; Hilton Justino da Silva- Análise e interpretaçao dos dados; revisao do artigo; aprovou a versao final a ser publicada.









Recebido em 20 de Dezembro de 2015.
Aceito em 13 de Maio de 2016.

Local de realização do trabalho: Programa de Pós-graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, Brasil.

Não houve conflito de interesse ou financiamento para a presente revisão.


© 2024 Todos os Direitos Reservados