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Artigo Original

Perfil dos pacientes hospitalizados na unidade de queimados de um hospital de referência de Brasília

Profile of hospitalized patients in burn's unit of a reference hospital in Brasilia

Silvana Borges Nascimento1; Letícia Santana da Silva Soares2; Camila Alves Areda3; Pamela Alejandra Escalante Saavedra4; Jéssica Vick de Oliveira Leal5; José Adorno6; Dayani Galato7

RESUMO

OBJETIVO: Apresentar o perfil dos pacientes hospitalizados na unidade de queimados do Hospital Regional da Asa Norte - DF.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal baseado na análise dos prontuários e do livro de registro da Unidade de Terapia de Queimados. Para a coleta de dados, foi realizado um censo do ano de 2014. Os dados coletados foram armazenados em um banco de dados no programa EpiData versao 3.0 e posteriormente analisados no Statistical Package for Social Science (SPSS) versao 20.0.
RESULTADOS: A amostra foi composta por 219 pacientes, sendo 63% homens, e a média de idade foi de 32,4 (±20,1) anos. Os agentes térmicos foram os que mais causaram queimaduras nesta populaçao (79,0%), sendo as de segundo grau as mais prevalentes (79,4%). As complicaçoes durante a hospitalizaçao foram frequentes (49,8%), com a infecçao como causa mais comum. Dos pacientes hospitalizados, um terço necessitou de hemocomponentes (31,1%), principalmente concentrado de hemácias (23,4%). Em 86,0% dos casos, o desfecho foi alta, mesmo que com sequela.
CONCLUSOES: O perfil dos pacientes hospitalizados no ano de estudo demonstra que majoritariamente os pacientes sao do sexo masculino com queimaduras térmicas, sendo geralmente recuperados até a alta hospitalar, mesmo que parte desses sofram complicaçoes durante o período de hospitalizaçao.

Palavras-chave: Queimaduras. Unidades de Queimados. Epidemiologia.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To present the profile of hospitalized patients in the burn unit of Hospital Regional da Asa Norte - DF.
METHODS: This is a cross-sectional study based on the analysis of medical records and the record book of Burn Care Unit of the Hospital Regional da Asa Norte - DF. The collected data were stored in a database on EpiData 3.0 software and then analyzed using the Statistical Package for Social Sciences (SPSS) 20.0. 
RESULTS: The sample consisted on 219 patients and 63% were men, the average age was 32.4 (±20.1) years. The thermal agents were the major cause of burns in this population (79.0%), being the second degree burns the most prevalent (79.4%). Complications during hospitalization were common (49.8%) being infections the most common. One third of the patients required blood products (31.1%), mainly red blood cells (23.4%). In 86% of cases the outcome was the discharged from the hospital, even with sequels.
CONCLUSIONS: The study sample is predominantly made up of men whose burns were caused by thermal agents and that were generally recovered until hospital discharge, even if some of these complications suffered during hospitalization.

Keywords: Burns. Burn Units. Epidemiology.

INTRODUÇAO

As queimaduras caracterizam-se por lesoes cutâneas causadas geralmente pela açao direta ou indireta do calor1 e entre as principais causas estao chama direta, escaldamento, contato com superfície aquecida, exposiçao à fumaça e corrente elétrica2. Estes agentes comprometem os tecidos lesados, ocasionando desnaturaçao proteica e morte celular, podendo comprometer diferentes estruturas orgânicas. Pode atingir camadas profundas como tecido muscular, tendoes e ossos, com risco de levar à perda de membros, de funçao, do movimento ou à morte do indivíduo3.

As queimaduras sao classificadas de acordo com a profundidade em primeiro grau, atingindo apenas a epiderme; segundo grau, que atinge a epiderme e a derme, provocando bolhas; terceiro grau, que acomete todas as camadas da pele e tecidos subcutâneos como músculos e tendoes; e quarto grau, também conhecida como carbonizaçao1.

Para aferir a extensao destas lesoes, na superfície do corpo queimada (SCQ), utiliza-se a regra dos nove, criada por Wallace & Pulaski, em que cada regiao do corpo equivale a um valor percentual múltiplo de nove. Em feridas que atingem áreas isoladas, pode-se utilizar a palma da mao do paciente, incluindo os dedos, como referência de 1%. Além da profundidade e da extensao, outros fatores determinam a gravidade destas lesoes como a presença de lesao inalatória, de politrauma e comorbidades1.

A queimadura é uma agressao que pode resultar em sequelas físicas e psicológicas ao paciente4. Nos casos em que é necessária a hospitalizaçao, o paciente é exposto aos estressores físicos (alteraçoes endócrinas, perda de fluidos, potencial para infecçoes, dor) e aos estressores emocionais. Entre estes últimos estressores, citam-se a separaçao da família, afastamento do trabalho, despersonalizaçao, dependência de cuidados, mudanças corporais e a perda da autonomia3.

O tratamento envolve, de maneira geral, a interrupçao do processo de queimadura, o manejo da dor, a reidrataçao, reposiçao de sais minerais e outros nutrientes, prevençao ou tratamento de infecçoes, anestesias e sedaçoes nos procedimentos invasivos, como balneoterapias, desbridamentos e enxertos1,4-6.

Contudo, as complicaçoes sao bastante comuns, em especial as infecciosas, que geralmente estao relacionadas com o pior prognóstico dos pacientes. Por outro lado, as hematológicas, em especial nos grandes queimados (SCQ > 20%) e com maior gravidade (queimaduras de 3º grau, por exemplo), também merecem destaque, pois o paciente queimado pode apresentar quadro de hipovolemia, plaquetopenia ou anemia em razao das queimaduras ou de sangramentos e procedimentos cirúrgicos5, além de complicaçoes nutricionais advindas da exigência de jejum para os procedimentos e da dificuldade em se alimentar adequadamente quando queimados na face3.

Há poucos estudos no Brasil que abordam o levantamento de dados epidemiológicos sobre este tema2,5,7-9, além disso, existe a necessidade de apresentar a realidade destes pacientes, já que nao há um banco de dados nacional, bem como alertar as autoridades, em especial as sanitárias, sobre a prevençao de acidentes envolvendo queimaduras e as consequências desta situaçao.

Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi o de apresentar o perfil dos pacientes hospitalizados na unidade de queimados do Hospital Regional da Asa Norte - DF (HRAN).


MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal baseado na análise documental de prontuários dos pacientes e do livro de registros da Unidade de Terapia de Queimados (UTQ).

Para a realizaçao do presente estudo, selecionou-se o HRAN, localizado em Brasília - Distrito Federal. Este hospital possui uma equipe multidisciplinar que, além do atendimento médico e de enfermagem, conta com apoio psicológico, nutricional, e fisioterapêutico. O HRAN é um dos 40 centros de referência no atendimento às vítimas de queimaduras do país e o único público do Centro-Oeste, atendendo de forma multidisciplinar10 em torno de 200 pacientes nestas condiçoes por mês. Deste total, aproximadamente 20 necessitam de hospitalizaçao devido à gravidade das lesoes. No ano de 2013, 192 pacientes foram hospitalizados por queimadura nesta unidade, segundo o setor de estatística do hospital.

A populaçao deste estudo foi a de pacientes queimados atendidos e hospitalizados no HRAN. Os critérios de inclusao foram: paciente estar hospitalizado no período da pesquisa (2014) na UTQ, apresentar registro no livro de queimados da Unidade e possuir prontuário eletrônico. Como critérios de exclusao, adotaram-se: as reinternaçoes para cirurgias reparadoras, as hospitalizaçoes para tratamento de lesoes nao classificadas como queimaduras e a duplicidade de prontuário. Neste contexto, este estudo caracteriza-se como um censo.

Para a análise documental, foi construído um instrumento de coleta de dados contendo informaçoes a respeito do perfil do paciente (idade e sexo) e estado de saúde (comorbidades, percentual do corpo queimado e grau da queimadura; agente causador da queimadura, complicaçoes durante a hospitalizaçao, além do tempo de hospitalizaçao e a evoluçao final - desfecho da hospitalizaçao que pode ser a alta do hospital, transferência ou óbito).

Para avaliar a aplicabilidade do instrumento desenvolvido, foi realizado um piloto com 10% da populaçao do estudo. Este piloto indicou a necessidade de ajustes no instrumento como incluir o agente causador da queimadura, o uso de hemocomponentes e hemoderivados e o tipo de desfecho da hospitalizaçao. Esta alteraçao no instrumento fez com que os dados já coletados tivessem que ser complementados.

Para a coleta de dados, foi inicialmente analisado o livro de registros da UTQ (identificaçao dos pacientes atendidos na unidade) e, posteriormente, as informaçoes foram complementadas junto ao prontuário eletrônico.

Os dados coletados foram armazenados em um banco de dados no programa EpiData versao 3.0 e analisados no Statistical Package for Social Science (SPSS) versao 20.0. Os dados foram avaliados por meio da estatística descritiva, sendo as variáveis numéricas apresentadas em medidas de tendência central e dispersao e as variáveis nominais em números absolutos e proporçoes.

Para avaliar a associaçao entre as variáveis nominais, foi adotado o teste do qui-quadrado e para a comparaçao e médias adotou-se o Mann-Whitnney para amostras independentes. Foi também realizada a análise de correlaçao de Spearman entre variáveis numéricas. Em todas as análises, adotou-se como significativos p<0,05.

Foram adotadas as recomendaçoes da Resoluçao do Conselho Nacional de Saúde número 466 de 12 de dezembro de 2012. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa por meio da plataforma Brasil e aprovado sob o número 994.877 em março de 2015. Para a coleta de dados, houve inicialmente o acesso liberado pela instituiçao hospitalar.


RESULTADOS

Durante o ano de 2014, foram registrados no livro da UTQ 234 sujeitos. Destes, 15 foram excluídos da pesquisa devido à repetiçao de prontuário, hospitalizaçao por outros motivos, dados incompletos, internaçoes ou reinternaçoes para cirurgias corretivas. Sendo assim, a amostra deste estudo foi de 219 pacientes (Figura 1).


Figura 1 - Representaçao da seleçao dos sujeitos da pesquisa.



A populaçao analisada foi composta de pacientes, cuja média de idade foi de 32,4 (Desvio Padrao - DP±20,1) anos, variando entre sete meses e 88 anos de idade. Destaca-se que dos pacientes hospitalizados no período 20,1% (n=44) tinham até 12 anos e 9,6% (n=21) eram idosos (idade igual ou superior a 60 anos). Neste período, mais da metade dos hospitalizados 63,5% (n=139) foram homens. No ato da hospitalizaçao, 63% (n=138) dos queimados possuíam comorbidades, sendo as principais: tabagismo (n=57; 26,1%), etilismo (n=52; 23,9%), hipertensao arterial sistêmica (n=40; 18,1%), infecçao prévia na ferida (n=40; 18,1%), obesidade (n=38; 17,4%), uso de drogas (n=37; 16,7%), alergias ou intolerância aos medicamentos (n=13; 5,8%) e diabetes (n=11; 5,1%).

As queimaduras que mais prevaleceram foram as de segundo grau (n=174; 79,4%), seguidas pelas queimaduras de terceiro grau (n=82; 37,4%) e pelas de primeiro grau (n=4; 1,8%). A queimadura de quarto grau foi descrita em apenas uma situaçao (0,4%).

O percentual de SCQ teve média de 14,9% (DP±16,4%), com o mínimo de 1% e o máximo de 85%. Neste caso a mediana da SCQ foi de 10,0%. Nao foi observada por meio do teste de correlaçao de Spearman associaçao entre a idade e a SCQ (R=0,001; p=0,987). Os agentes causadores destas queimaduras estao representados na Figura 2. Destaca-se que todas as queimaduras térmicas foram causadas pelo calor (chama, superfícies quentes, líquidos quentes, etc). Observou-se que as queimaduras térmicas estavam relacionadas principalmente a acidentes domésticos, automobilísticos e também por violência. Por outro lado, parte importante das queimaduras causadas por agentes elétricos estiveram relacionadas à atividade profissional.


Figura 2 - Distribuiçao dos agentes causadores das queimaduras dos pacientes hospitalizados na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte, Brasília-DF, 2014.



Durante estas hospitalizaçoes, foram registradas diversas complicaçoes clínicas, as quais aparecem descritas na Figura 3. Observa-se que metade dos pacientes apresentaram alguma complicaçao, e a mais frequente delas foi a infecçao.


Figura 3 - Distribuiçao das complicaçoes dos pacientes hospitalizados na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte, Brasília-DF, 2014.
Nota: Geral- Ocorrência de qualquer das complicaçoes investigadas.



O uso de hemocomponentes e de hemoderivados nesta populaçao é comum, como pode ser observado na Figura 4. De maneira geral, 31,1% (n=68) dos pacientes necessitaram desse tipo de tratamento, sendo o mais comum o concentrado de hemácias com 23,4% (n=51) dos casos. Para analisar a associaçao entre o uso de hemocomponentes e o tipo de queimadura, foi realizado o teste do qui-quadrado, sendo observado uso significativamente maior (p=0,048) em paciente com queimaduras de terceiro grau em relaçao aos indivíduos com queimaduras de primeiro ou segundo grau. Outro fator associado ao uso desta tecnologia foi a SCQ, mostrando-se que pacientes em uso de hemocomponentes ou hemoderivados possuem em média 25,6 % (DP±19,3) e pacientes que nao utilizaram estas tecnologias durante a hospitalizaçao possuem em média 10,2% (DP±12,3) do SCQ. Desta forma, comparando estas médias por meio do teste de Mann-Whitney observou-se haver uma diferença significativa (p<0,001).


Figura 4 - Distribuiçao de Hemocomponentes e hemoderivados utilizados pelos pacientes hospitalizados na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte, Brasília-DF, 2014.
Nota: Geral - Uso de qualquer dos hemocomponentes ou hemoderivados investigados.



As hospitalizaçoes tiveram duraçao média de 13,9 (DP±13,7) dias, sendo um dia o menor período e 92 dias o maior. Nos casos de hospitalizaçao de um único dia, esta curta duraçao esteve relacionada aos casos de evasao do paciente. Os principais tipos de evoluçao dos pacientes encontrados neste estudo, bem como a frequência com que ocorreram, estao descritos na Figura 5.


Figura 5 - Distribuiçao das evoluçoes dos pacientes hospitalizados na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte, Brasília-DF, 2014.



Quando se categoriza o tempo de internaçao pela mediana de 10 dias, é possível observar diferenças significativas entre as médias de tempos de internaçao (Mann-Whitney), ou seja, para pessoas com até 10% do corpo queimado observou-se uma média de tempo 9,6 (DP±9,5) dias e para pacientes com mais de 10% do corpo queimado esta média sobe para 18,9 (DP±16,0) dias, o que corresponde a médias sao estatisticamente diferentes (p<0,001).


DISCUSSAO

Os achados deste trabalho demonstram que o perfil dos pacientes, dos agentes etiológicos e dos períodos de hospitalizaçao é bastante diversificado. Contudo, observou-se um alto índice de uso de hemocomponentes e hemoderivados, o que esteve associado ao grau da queimadura e à SCQ. Além disso, pode-se verificar que mesmo que a maioria dos pacientes evolua para a alta hospitalar as complicaçoes sao frequentes, em especial as infecciosas.

No presente estudo prevaleceram hospitalizaçoes entre adultos, principalmente do sexo masculino, em que uma parcela considerável é de usuários de drogas ilícitas, etilistas e/ou tabagistas, representando um grupo de risco de sofrer queimaduras, seja pelo estado alterado de consciência, seja pelo constante contato com fogo, ou ambas as situaçoes. Corroborando este fato, foi demonstrado em outro estudo haver associaçao entre queimaduras e consumo de bebidas alcoólicas e drogas7. Esta associaçao fortalece a hipótese destas serem lesoes acidentais potencialmente evitáveis.

Neste estudo, observamos uma parcela considerável de pacientes com até 12 anos de idade. As crianças representam uma parte importante das hospitalizaçoes por meio dos acidentes domésticos, principalmente por escaldamento, o que pode ser explicado pela curiosidade própria da idade ou pelo descuido dos cuidadores8.

Observou-se que a maior causa de queimaduras nos pacientes foram os agentes térmicos (neste estudo, todos por fontes de calor), visto que o hospital está localizado em uma regiao de clima predominantemente quente, o que reduz as chances de queimaduras por fontes de baixas temperaturas. Além disso, por nao se tratar de uma regiao litorânea, nao temos a ocorrência de queimaduras por agentes biológicos, em especial animais marinhos com capacidade de provocar este tipo de lesao. Corroborando esta hipótese, resultados semelhantes foram obtidos em outro estudo no mesmo hospital nos anos 19909. O choque elétrico aparece como segunda principal causa de queimaduras, e ocorre, em sua maioria, entre trabalhadores no exercício de suas funçoes.

É sempre importante destacar que as queimaduras estao geralmente relacionadas ao uso de produtos inflamáveis. Neste contexto, o emprego do álcool líquido como produto de limpeza, por muitos anos, foi uma importante causa de queimaduras, seja devido a acidentes envolvendo o uso deste produto junto a alguma fonte de calor ou nas fatídicas tentativas de homicídio e autoextermínio9, contudo, esta realidade tem se modificado nos últimos anos em funçao da diluiçao obrigatória deste produto8. Todavia, mesmo assim ainda houve a descriçao de queimaduras provocadas por este solvente, adquirido muitas vezes em postos de combustível como produto de limpeza ou para produçao de sabao caseiro.

A avaliaçao do percentual de SCQ demonstrou grande variaçao entre os indivíduos desta populaçao, nao sendo observada correlaçao entre o SCQ e a idade dos pacientes. Resultado diferente foi descrito em estudo realizado na Unidade de Queimados de Hospital de Malawi (Africa)11, em que a média da SCQ aumentava com a idade, sendo 17% para pacientes com idade de 0 a 18 anos, 24% para pacientes com 19 a 60 anos e 41% para pacientes acima de 60 anos. Conhecer a SCQ é essencial por ser um indicativo da gravidade da queimadura, uma vez que quanto maior a superfície queimada e o grau da queimadura, pior o prognóstico para o paciente1,11,12.

A média de tempo de hospitalizaçao dos pacientes do presente estudo foi de aproximadamente 14 dias, bem menor que o resultado de outro estudo realizado em um hospital brasileiro13, em que pacientes queimados tiveram média de hospitalizaçao de 24,5 dias. É importante destacar que desde a década de 198014, com dados confirmados mais recentemente15, se preconiza como indicador de qualidade para tratamento em queimaduras a correlaçao de um dia de hospitalizaçao para cada 1% de SCQ. O que foi observado neste trabalho, quando se comparam os dados de médias destas duas variáveis. Ou seja, a média de tempo de hospitalizaçao foi significativamente maior naqueles pacientes com mais de 10% da SCQ.

As infecçoes foram as mais importantes complicaçoes observadas durante o período de hospitalizaçao, sendo muito comum a infecçao na ferida da queimadura. Corroborando estes dados, observamos que no estudo realizado em hospital universitário de Curitiba, das 185 culturas realizadas, em 60,5% das ocasioes cresceu pelo menos um agente etiológico4. Além disso, alguns procedimentos realizados podem interferir na incidência das infecçoes, como demonstrado em um estudo de coorte realizado em Unidade de Queimados de um hospital em Fortaleza, onde foi possível observar a associaçao de feridas com cortes (manipulaçao cirúrgica de tecidos) e aparecimento de infecçao nestes pacientes6.

Destas complicaçoes, surge a necessidade do uso de hemoderivados ou hemocomponentes para a reposiçao do tecido sanguíneo perdido, o que neste estudo ocorreu em um terço dos casos e mostrou-se associado ao grau da queimadura. Contudo, é importante destacar que há polêmica neste tema, uma vez que nao há diretrizes claras sobre as condiçoes clínicas que devem indicar claramente o uso destas tecnologias. Na literatura5 é observada que há serviços onde a prevalência de uso de hemoderivados e hemocomponentes é maior que no presente estudo. Também é observado5 haver relaçao entre a SCQ e o uso desta tecnologia, o que também foi observado no presente estudo.

Ainda é válido indicar como limitaçao deste estudo o fato de que nao foi observado o número nem a natureza dos procedimentos realizados durante a hospitalizaçao. Além disso, o tipo de queimadura, o local do procedimento e o tempo de queimadura sao variáveis que devem ser observadas quando da relaçao com a quantidade de sangue perdida em procedimentos cirúrgicos e, consequentemente, com a necessidade e uso de hemoderivados e hemocomponentes.

A evoluçao destas hospitalizaçoes foi, predominantemente, a alta hospitalar para continuaçao do acompanhamento via ambulatorial. Resultado semelhante foi apresentado no estudo do hospital de Malawi11, em que 82% dos pacientes com queimaduras sobreviveram e tiveram alta. Este é um bom sinal, visto que é alta a taxa de sobrevivência, porém percebe-se que estes pacientes voltam para suas casas com sequelas, para uma realidade desconhecida e com o desafio da adaptaçao. Ou seja, a alta hospitalar nao significa o final do tratamento, pois o paciente continua em acompanhamento ambulatorial.

De forma semelhante, um estudo que avaliou a necessidade de reabilitaçao de pacientes queimados de um centro regional de queimados16 mostrou que 53% destes precisaram de reabilitaçao e de outros cuidados hospitalares e os demais pacientes (47%) se mostraram suficientemente independentes para cuidados em casa.

Estudos como este permitem acumular dados epidemiológicos dos pacientes, das características das injúrias e dos agentes causadores com vistas à elaboraçao de estratégias de prevençao e adoçao de medidas socioeducativas para a populaçao de risco17-20.

O estudo apresentou limitaçoes. Além da citada anteriormente, há também o fato deste ser um estudo transversal baseado na análise de prontuários, o que implica em usar somente as informaçoes que se encontram registradas nos prontuários, nao sendo possível entrevistar os pacientes ou a equipe de profissionais a fim obter informaçoes mais precisas.


CONCLUSAO

O perfil dos pacientes hospitalizados no ano de 2014 no HRAN demonstra que majoritariamente sao do sexo masculino com queimaduras térmicas, sendo geralmente recuperados até a alta hospitalar, mesmo que parte desses sofram complicaçoes, em especial infecciosas, durante o período de hospitalizaçao.

Observou-se um uso expressivo de hemocomponentes e hemoderivados, o que esteve associado ao grau da queimadura e à SCQ. Apesar de a alta ter sido a evoluçao mais comum dos pacientes, observou-se que os mesmos continuam o tratamento ambulatorial.

Neste contexto, mesmo que este trabalho tenha sido realizado sobre o perfil dos pacientes hospitalizados e que, portanto, o melhor tratamento deve ser almejado, destaca-se que as açoes mais importantes a serem implementadas sao aquelas relacionadas à prevençao destes agravos.


AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todo o corpo clínico do setor de queimados e a direçao do hospital pela possibilidade de realizar este estudo.


CONFLITO DE INTERESSE

Nada a declarar.


REFERENCIAS

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1. Graduada em Farmácia - Universidade de Brasília - Faculdade de Ceilândia, Brasília, DF, Brasil
2. Mestranda do Programa de Pós-Graduaçao em Ciências e Tecnologias em Saúde - Universidade de Brasília - Faculdade de Ceilândia, Brasília, DF, Brasil
3. Professora adjunta da Universidade de Brasília - Faculdade de Ceilândia, Brasília, DF, Brasil
4. Doutoranda do Programa de Pós Graduaçao em Ciências e Tecnologias em Saúde - Universidade de Brasília - Faculdade de Ceilândia, Brasília, DF, Brasil
5. Graduanda em Farmácia - Universidade de Brasília - Faculdade de Ceilândia, Brasília, DF, Brasil
6. Cirurgiao Plástico - Unidade de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN - Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Brasília, DF, Brasil
7. Professora adjunta da Universidade de Brasília - Faculdade de Ceilândia, Brasília, DF, Brasil

Correspondência:
Dayani Galato
Centro Metropolitano, conjunto A, lote 01
Brasília, DF, Brasíl. CEP: 72220-900
E-mail: Dayani.galato@gmail.com

Artigo recebido: 13/10/2015
Artigo aceito: 27/11/2015

Local de realizaçao do trabalho: Hospital Regional da Asa Norte, Brasília, DF, Brasil.

Este estudo foi realizado como um Trabalho de Conclusao de Curso de Farmácia na Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal

Dados parciais apresentados no Congresso de Farmacêuticos do Distrito Federal (2015) e no RioPharma (2015).

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