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Artigo de Revisao

Revisão integrativa sobre terapêutica do prurido após queimadura

Integrative review on burns pruritus therapeutics

Raquel Mazzotti Cavalcanti da Silva1; Jacqueline Mazzotti Cavalcanti da Silva2; Anderson Ullisses Santana Soares3; Bruno Barreto Cintra4; Reginaldo da Silva Lessa Filho5

RESUMO

OBJETIVO: Realizar levantamento da literatura existente a respeito do tratamento de prurido em pacientes após queimadura e elaborar algoritmo terapêutico.
MÉTODO: Revisao integrativa com pesquisa nas bases de dados do Periódicos CAPES com o uso dos descritores "burns", "pruritus" e "therapeutics".
RESULTADOS: Foram encontrados 1.987 artigos, sendo que, destes, 713 seguiam os critérios de inclusao e foram analisados.
CONCLUSOES: A literatura existente sobre esse tema ainda é escassa e é importante a realizaçao de ensaios clínicos controlados e prospectivos de qualidade científica direcionados a essa temática.

Palavras-chave: Prurido. Queimaduras. Terapêutica.

ABSTRACT

PURPOSE: To review the existing literature on burns pruritus.
METHOD: Integrative review with databases earchusing the terms "burns", "pruritus" and "therapeutics".
RESULTS: 1.987 articles were found of which 713 matched the inclusion criteria and were assessed.
CONCLUSIONS: The literature on this subject is still very limited and it is important to perform high quality controlled and prospective clinical trials regarding this theme.

Keywords: Pruritus. Burns. Therapeutics.

INTRODUÇAO

Prurido pode ser definido como a sensaçao que induz ao ato de coçar. Este é um sintoma comum na reabilitaçao de queimaduras e está presente em mais de 87% dos adultos e em 100% das crianças, o que causa grande sofrimento ao paciente1.

Habitualmente, o prurido tende a ser mais intenso durante a noite e afetar predominantemente os membros inferiores. Como preditores de prurido pós-queimaduras, podem ser destacados: sexo feminino, percentual de área corporal queimada, lesao profunda da derme estress pós-traumático autorrelatado até 24 meses pós-trauma1,2.

Em geral, o prurido aparece nos estágios iniciais da cicatrizaçao e sua gravidade tende a diminuir com o tempo na maioria dos pacientes. No entanto, sua persistência está associada à ansiedade, distúrbios do sono e comprometimento das atividades diárias3.

O prurido é um grande problema entre os sobreviventes de queimaduras cujo tratamento convencional é feito com anti-histamínicos e emolientes de eficácia nao satisfatória. Até o momento, nao há uma opçao terapêutica padronizada, confiável e de boa eficácia para o manejo desse sintoma. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi realizar levantamento da literatura existente a respeito do tratamento de prurido em pacientes após queimadura e elaborar algoritmo terapêutico de modo a possibilitar uma melhor assistência ao paciente queimado.


MÉTODO

Uma revisao integrativa de literatura foi feita para responder o objetivo deste estudo. Primeiramente, definiu-se a questao norteadora "Quais os recursos terapêuticos existentes para a abordagem do paciente queimado com prurido?". Em seguida, selecionaram-se os descritores a serem utilizados na pesquisa no MeSH database e no DecS, que foram: "pruritus", "burns" e "therapy". Com isso, foi feita a busca no Portal de Periódicos CAPES/MEC nas seguintes coleçoes: Scopus (Elsevier, MEDLINE (NLM), OneFile (GALE), SciVerse (Scopus), ScienceDirect (Elsevier), MedknowPublications, PMC (PubMed Central), KagerJournals, S. Karger AG (CrossRef), Experts Review (Future Science), Science Citation Index Expand (Web of Science), SpringerLink, Journals.ASM.org (American Society of Microbiology), SagePublications (CrossRef), SAGE Journals, BioMEd Central, Future Science Medicine, HindawiJournals, Ingenta Connect, Wiley Online Library, Social Sciences Citation Index (Web of Science). Foram encontrados 1.987 artigos.

Os critérios de inclusao utilizados foram:artigos na íntegra publicados em periódicos revisados por pares nos idiomas inglês, francês, espanhol e português, com data da publicaçao de janeiro de 2000 a junho de 2014. Dessa forma, foram selecionados 713 artigos, que foram analisados.


RESULTADOS

Bases fisiopatológicas do prurido


A fisiopatologia do prurido é extremamente complexa e ainda incerta. Pelo fato de as vias neuronais condutoras de estímulos pruriginosos e dolorosos apresentarem muitas similaridades, modelos de dor sao usados para estudar os mecanismos do prurido.

O prurido associado a queimaduras surge devido ao dano à pele e pode também estar associado com alteraçao nas vias neuronais aferentes. Existem diversas substâncias pruritogênicas que ativam receptores nessas vias aferentes. Foram descritas a participaçao de histamina, acetilcolina, bradicinina, receptores valinoides, proteinases, serotonina, substância P, prostaglandinas e interleucinas 2,4 e 64.

A histamina está presente nos mastócitos e queratinócitos e é sintetizada em maior quantidade em tecidos de granulaçao e durante a formaçao de colágeno, o que explica o prurido na cicatrizaçao das queimaduras. No entanto, 20% dos pacientes se mostram refratários ao tratamento com anti-histamínicos, provavelmente devido à existência de vias independentes da histamina5.

A sensaçao de prurido é conduzida ao sistema nervoso central por fibras C desmielinizadas, que apresentam extensos territórios, velocidade de conduçao lenta (0,5 m/s) e resposta prolongada à histamina. O estímulo entra pelo corno posterior sensitivo da medula espinhal e é conduzido pelo trato espino-talâmico ao tálamo e depois segue para o córtex cerebral6. O uso de compressas de gelo ou similares tem sua açao baseada na inibiçao dessas fibras C pelas fibras A delta5.

Existem evidências de que, além de estar envolvido na percepçao sensorial do prurido, o SNC esteja relacionado com a manutençao deste sintoma de forma crônica. Assim, novas alternativas ao tratamento convencional, como a gabapentina, atuam impedindo a transmissao de estímulos nociceptivos ao cérebro e, consequentemente, suprimindo também o prurido3.

Tratamentos atuais

As estratégias terapêuticas atualmente existentes sao variadas e podem ser voltadas para a intervençao na via periférica ou na via central do prurido. Em geral, os tratamentos mais utilizados sao antihistamínicos orais e emolientes tópicos, ambos de açao periférica.

Dentre as estratégias citadas na literatura nos últimos 14 anos, destacam-se:

Anti-histamínicos. Sao utilizados como medicamentos orais de primeira linha em muitos serviços. Os anti-histamínicos de primeira geraçao agem nao só nos receptores histaminérgicos, mas também nosmuscarínicos, alfa-adrenérgicos e serotoninérgicos, inativando-os e bloqueando a sinalizaçao celular. Já os de segunda geraçao têm açao predominantemente sobre os histaminérgicos e penetram menos no sistema nervoso central. Todavia, o efeito sedativo dos anti-histamínicos de primeira geraçao representa uma vantagem na terapêutica do prurido, pois diminuem a percepçao consciente do prurido pelo paciente. Vale ressaltar que quando o prurido se torna crônico, esse sintoma costuma ser refratário aos anti-histamínicos7.

Emolientes tópicos. Sao recomendados o uso decoloides de aveia e de aloe vera, além de hidratantes de base oleosa como lanolina, parafina ou cera de abelha. Os coloides de aveia formam uma barreira oclusiva que preserva a hidrataçao e o pH da pele e possui propriedades anti-inflamatórias8. Já a aloe vera estabiliza a membrana dos mastócitos e inibe as reaçoes inflamatórias. Seu uso é recomendado em feridas já cicatrizadas9. Acredita-se que a eficácia dos emolientes se deva à teoria do portao da dor, pois seria a estimulaçao tátil que aliviaria o prurido e nao o emoliente em si10.

Resfriamento da ferida. Um dos métodos mais antigos de tratamento de queimaduras, recomendado desde Galeno (129-199 D.C.)11. Além de evitar que o dano térmico atinja tecidos mais profundos e de diminuir a formaçao de edema, atua na reduçao do prurido, mudando a faixa de temperatura para a excitaçao das fibras C12.

Doxepina creme 5%. É um antidepressivo tricíclico capaz de bloquear fortemente receptores histamínicos. Quando usado de forma tópica, nao atinge concentraçoes suficientes para ter efeito sob o sistema nervoso central13.

Anestésicos locais. Impedem a propagaçao do estímulo por bloquear os canais de sódio nas membranas dos neurônios.

Dapsona tópica. Inibe a aderência neutrofílica a anticorpos, o que pode contribuir para suas propriedades anti-inflamatórias10.

Prata nanocristalina 0,5/1%. Reduz a expressao do TNF-α e promove a apoptose de células inflamatórias14.

Bota Unna. Consiste numa bandagem de algodao com glicerina, calamina e óxido de zinco, que possui atividades anti-inflamatórias e antimicrobianas. Ela cobre a superfície afetada e previne o ato de coçar15.

Malhas de compressao. Também recobrem a superfície afetada e, provavelmente, atuam no prurido pela reduçao do aporte sanguíneo para regiao e diminuiçao na produçao de colágeno11.

Laser. Atua nas cicatrizes das queimaduras, especialmente em sua vascularizaçao. Dentre os tipos utilizados, estao: 585 nmpulseddye laser e 400mW 670nm Softlaser13,16.

Toxina botulínica. Impede a liberaçao de acetilcolina e diminui a resposta aos receptores histaminérgicos17.

Antidepressivos. Tricíclicos como doxepina bloqueiam os receptores h1 e os inibidores da receptaçao seletiva de serotonina como paroxetina, fluoxetina e setralina têm sido usados no tratamento do prurido, ainda que sua açao nao seja completamente conhecida18.

Ondansetrona. É um antagonista do receptor serotoninérgico que é usado como antiemético em pacientes em quimiorradioterapia. Como dor e prurido sao conduzidos por fibras C, que sao influenciadas em certo nível pela serotonina, a inibiçao nesse receptor pode inibir também o prurido18.

Gabapentina. É um antiepiléptico que age nas vias comuns de dor e prurido, interrompendo a propagaçao do estímulo. A pregabalina, um análogo mais potente, é uma alternativa que surge mais recentemente, mas que ainda requer estudos19.

TENS (estimulaçao transcutânea elétrica do nervo). Estimula a liberaçao de opioides endógenos que previnem a sensibilizaçao central, além de desencadear estímulos que "fecham" o portao da dor.

Massagem. Também baseada na teoria do portao da dor, apresenta bons resultados, com reduçao da dor, prurido e níveis de ansiedade, mas seu custo é um fator limitante para seu uso20.

Suporte psicológico. Essencial para o tratamento do paciente com prurido após queimadura, uma vez que existem evidências neuroanatômicas de aspectos comportamentais do prurido13.

Além disso, em caso de prurido crônico resistente, devem ser adotadas outras abordagens complementares integrativas que impactem na qualidade de vida do paciente de forma positiva.


DISCUSSAO

Nas últimas décadas, surgiram várias estratégias para combater esse problema, cuja fisiopatologia é extremamente complexa, porém, ainda nao há uma abordagem sistemática padronizada e o tratamento do prurido continua a desafiar a equipe multidisciplinar.

Baseado na revisao de literatura feita e na experiência dos autores, o seguinte algoritmo é sugerido (Quadro 1).




CONCLUSOES

O paciente com prurido após trauma térmico requer cuidados de uma equipe multidisciplinar, especializada no cuidado a queimados, de modo a seu aliviar o sofrimento cotidiano com esse sintoma.

A literatura existente sobre esse tema ainda é escassa e é importante a realizaçao de ensaios clínicos controlados e prospectivos de qualidade científica sobre o prurido, especialmente a respeito da sua fisiopatologia. Dessa forma, o surgimento de novas terapias mais eficazes de combate ao prurido é esperado.


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1. Acadêmica de Medicina da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil
2. Médica formada pela Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil
3. Acadêmico de Medicina da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil
4. Cirurgiao plástico pelo Hospital Universitário Dr. Mário Gatti, Aracaju, SE, Brasil
5. Cirurgiao plástico do Hospital Universitário de Sergipe. Presidente da Regional Sergipe da Sociedade Brasileira de Queimaduras, Aracaju, SE, Brasil

Correspondência:
Raquel Mazzotti Cavalcanti da Silva
Rua Maruim, nº 501, ap. 501 - Centro
Aracaju, SE, Brasil - CEP: 49010-160
E-mail: raquel.mazzotti@gmail.com

Artigo recebido: 22/9/2014
Artigo aceito: 30/11/2014
Nao há conflitos de interesse

Trabalho realizado na Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil.

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