1398
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo de Revisao

Evidências de alterações do processo de cicatrização de queimaduras em indivíduos diabéticos: revisão bibliográfica

Evidence of changes in the healing process of burns in diabetic subjects: literature review

Monise Gabriela Lino de Andrade1; Camila Nunes Camelo2; Juliana Araujo Carneiro3; Kamila Peres Terêncio4

RESUMO

INTRODUÇAO: Queimaduras sao lesoes traumáticas que atuam no tecido de revestimento do corpo humano, determinando destruiçao total ou parcial da pele e seus anexos, podendo atingir camadas mais profundas. A cicatrizaçao de feridas consiste em perfeita e coordenada cascata de eventos celulares, moleculares e bioquímicos, que interagem para que ocorra reconstituiçao tecidual. O diabetes mellitus é considerado fator de risco para queimaduras. Pacientes diabéticos com queimaduras apresentam maior índice de sepse, infecçao e complicaçoes. Feridas em diabéticos apresentam inibiçao da revascularizaçao e baixa expressao de fatores de crescimento em relaçao a queimaduras em nao-diabéticos, com prejuízo à cicatrizaçao.
OBJETIVO: Evidenciar os estudos clínicos sobre as alteraçoes do processo de cicatrizaçao em pacientes queimados portadores de diabetes mellitus.
MÉTODO: Revisao bibliográfica sobre ensaios clínicos, realizada nas bases de dados BIREME, Burns, LILACS, MEDLINE, PubMed, e SciELO. Foram selecionados livros e periódicos impressos, no período de 2002 a 2012, utilizando os seguintes descritores: queimaduras, cicatrizaçao, diabetes mellitus e reparo tecidual.
RESULTADOS: Estudos afirmam que existe uma diferenciaçao do processo de reparo em indivíduos diabéticos, sendo descrito como um retardo da cicatrizaçao, evidenciado principalmente na fase inflamatória, na qual ocorre um retardo devido aos fatores associados a diabetes, tais como diminuiçao de fluxo sanguíneo, sepse e outros, levando a complicaçoes no reparo.
CONCLUSAO: O diabetes mellitus altera o processo de cicatrizaçao, exacerbando e prolongando o tempo de reparo da lesao. Fazem-se necessários outros estudos mais específicos para identificar a fase de maior comprometimento, auxiliando no processo de intervençao.

Palavras-chave: Queimaduras. Diabetes mellitus. Cicatrização. Fatores de risco.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Burns are traumatic injuries that operate in the tissue lining the human body, causing total or partial destruction of the skin and its appendages, reaching deeper layers. Wound healing is to perfect and coordinated cascade of cellular, molecular and biochemical components that interact to reconstitute tissue occurs. Diabetes mellitus is a risk factor for burns. Diabetic patients with burns have higher rates of sepsis, infection and complications. Wounds in diabetic patients revascularization and inhibition of low expression of growth factors compared to nondiabetic patients with burns injury to heal.
OBJECTIVE: To demonstrate the clinical studies on the changes of the healing process in burn patients with diabetes mellitus.
METHODS: A literature review on clinical trials held in the databases of BIREME, Burns, LILACS, MEDLINE, PubMed, and SciELO. Books and print journals in the period 2002 to 2012 was selected, using the following keywords: burn, wound healing, diabetes mellitus and tissue repair.
RESULTS: Studies claim that there is a differentiation in the repair process in diabetic subjects has been described as a delayed healing, evidenced particularly in the inflammatory phase where there is a delay due to factors associated with diabetes such as decreased blood flow, sepsis and other leading to complications in the repair.
CONCLUSION: Diabetes mellitus alters the healing process exacerbating and prolonging the time to repair the injury. There is a need for other more specific studies to identify the phase of greater commitment, aiding in the intervention process.

Keywords: Burns. Diabetes mellitus. Wound healing. Risk factors.

Queimaduras sao feridas traumáticas causadas, na maioria das vezes, por agentes térmicos, químicos, elétricos ou radioativos. Atuam nos tecidos de revestimento do corpo humano, determinando destruiçao total ou parcial da pele e seus anexos, podendo atingir camadas mais profundas, tais como tecido subcutâneo, músculos, tendoes e ossos1.

Quando ocorre queimadura, as funçoes normais da pele ficam reduzidas, provocando alteraçoes fisiológicas, como perda da barreira protetora contra infecçoes, perda de líquidos corporais e destruiçao de glândulas. Há exposiçao do colágeno, provocando a ativaçao e liberaçao de histamina pelos mastócitos, que levará a aumento da permeabilidade capilar do organismo, evoluindo para edema tecidual, ou seja, hipovolemia, fase que tem início nas primeiras 24 horas após lesao, podendo prolongar-se até 72 horas. Alteraçoes, tais como vasodilataçao das veias e hemoconcentraçao, que resultam na perda de líquido, também estao presentes. Após essa fase hipovolêmica e de aumento de permeabilidade, temos a volta dos poros capilares ao tamanho normal, aprisionando todo o coloide existente na área queimada e sustentando o edema tecidual2.

As alteraçoes que ocorrem no sistema imune estao ligadas à perda de integridade tecidual, comprometendo a barreira protetora do organismo. Aproximadamente no 6º dia após lesao há esgotamento dos fatores imunes, deixando o organismo sujeito à sepse. As principais alteraçoes sao queda do número de linfócitos T, 48 horas após o trauma com inversao da relaçao CD8/CD4; diminuiçao de citocinas, com consequente reduçao da quimiotaxia, diapedese e ativaçao de monócitos e liberaçao de substâncias imunossupressoras2.

A resposta metabólica na fase inicial apresenta hipometabolismo, com diminuiçao do débito cardíaco, do consumo de oxigênio e taxa metabólica basal. Em seguida, há a fase hipermetabólica, na qual aumenta a necessidade de certos substratos importantes para o organismo, necessitando de suporte nutricional2.

O consumo energético pode ser três vezes superior ao normal, para o gasto em repouso, dando suporte a cicatrizaçao, circulaçao hiperdinâmica e fluxo proteico. A glicose sob a forma de glicogênio é rapidamente consumida, glicogênio hepático e muscular é consumido em poucos dias após lesao, necessitando de um mecanismo para nova síntese de glicose. Em geral, o objetivo do suporte nutricional ao paciente queimado consiste em diminuir as perdas proteicas, evitando a perda de massa magra do paciente.

Estudos relatam que, diante de uma lesao tecidual ocasionada pela queimadura, ocorre uma alteraçao do organismo do indivíduo, sendo possível maior comprometimento se o indivíduo for portador de alguma doença sistêmica que contribua para prolongar o seu reparo tecidual, como é o caso dos portadores de diabetes mellitus3.

De acordo com as Diretrizes de 2009 da Sociedade Brasileira de Diabetes, o diabetes mellitus é um grupo de enfermidades metabólicas caracterizadas por hiperglicemia (aumento dos níveis de glicose no sangue), resultado de defeitos na secreçao de insulina, em sua açao, ou ambos. Trata-se de uma complexa doença, na qual coexiste um transtorno global do metabolismo dos carboidratos, lipídios e proteínas. Apresenta múltiplos fatores implicados em sua patogênese4.

A epidemia da diabetes mellitus ainda está em curso. Em 1985, estimava-se haver 30 milhoes de adultos com diabetes mellitus no mundo; esse número cresceu para 135 milhoes em 1995, atingindo 173 milhoes em 2002, com projeçao de atingir 300 milhoes em 20305. Cerca de 2/3 dos indivíduos com diabetes mellitus vivem em países em desenvolvimento, em que a epidemia tem maior intensidade, com crescente proporçao de pessoas afetadas em grupos etários mais jovens5.

No paciente diabético, ocorre dificuldade de cicatrizaçao das feridas, devido ao comprometimento da perfusao sanguínea, evitando adequado fornecimento de oxigênio, nutrientes e antibióticos, principalmente nos membros inferiores. Isso leva à desorganizaçao dos estágios iniciais de reparo, ocasionando atraso no processo de regeneraçao tecidual6.

A cicatrizaçao de feridas é um processo íntegro e complexo, que envolve atividade celular e quimiotática, com liberaçao de mediadores químicos e respostas vasculares. Na derme lesionada, ocorre uma série de eventos que levam à regeneraçao e à restauraçao do tecido lesionado.

O processo de cicatrizaçao normal pode ser dividido em três etapas: inflamatória; proliferativa e remodelamento7. Afase inflamatória tem início imediato após a lesao; a proliferativa é responsável pela reconstituiçao epidérmica, a chamada reepitelizaçao; e na fase de remodelamento ocorre deposiçao de tecido neoformado, que contribui para maturaçao de tecido cicatricial7.

Em indivíduos portadores de diabetes essas fases podem sofrer alteraçoes, sendo necessárias outras intervençoes para o auxílio do processo de cicatrizaçao que pode estar comprometido, devido a processos infecciosos na lesao, ou alteraçoes metabólicas relacionadas à diabetes3.

O presente artigo tem intuito de contribuir realizando um levantamento de evidências quanto a alteraçoes do processo de cicatrizaçao de lesoes por queimaduras em indivíduos portadores de diabetes mellitus.


MÉTODO

Foi realizado um estudo de revisao da literatura científica nacional e internacional utilizando os bancos de dados MEDLINE, LILACS, COCHRANE, SciELO, Burns, Livros e Google Scholar, sendo selecionados artigos publicados nos últimos dez anos, abordando evidências do processo de cicatrizaçao de queimaduras em indivíduos diabéticos.

Os seguintes descritores foram utilizados em várias combinaçoes na língua portuguesa: 1) queimaduras; 2) fisioterapia; 3) diabetes mellitus; 4) cicatrizaçao de queimaduras; 5) diabetes e cicatrizaçao.

A pesquisa bibliográfica incluiu artigos originais, artigos de revisao, estudos randomizados, editoriais e diretrizes, escritos nas línguas inglesa e portuguesa, bem como livros.


RESULTADOS

A Tabela 1 descreve os estudos clínicos encontrados na literatura sobre o processo de cicatrizaçao de queimaduras em indivíduos portadores de diabetes mellitus.




DISCUSSAO

Os tecidos do corpo humano estao sujeitos a desarranjos, sendo necessário um sistema de reparo tissular para restauraçao de suas funçoes, e, mesmo com todas as diferenças entre os componentes do corpo humano, a maioria segue um processo fisiológico de cicatrizaçao com formaçao do arcabouço colágeno e fibroblastos, o qual, após reepitelizaçao, é denominado cicatriz8.

O processo de cicatrizaçao é comum a todas as feridas, independentemente do agente causal. Como já observado, a cicatrizaçao de feridas consiste em perfeita e coordenada cascata de eventos celulares, moleculares e bioquímicos, que interagem para que ocorra reconstituiçao tecidual.

Segundo Campos et al.9, os mecanismos da cicatrizaçao numa sequência ordenada foram descritos por Carrel, em 1910, e divididos, posteriormente, em cinco elementos principais, que sao: inflamaçao, proliferaçao celular, formaçao de tecido granulado, contraçao e remodelamento da lesao.

Posteriormente a essa divisao, a cicatrizaçao foi dividida em três fases:

1. Inflamatória, em que ocorre vasoconstriçao e fechamento dos vasos, durando aproximadamente 5 a 10 minutos;
2. Vasodilataçao, fase proliferativa em que ocorre a reparaçao do tecido conjuntivo e epitelial;
3. Fase de maturaçao, na qual há remodelaçao do colágeno e regressao endotelial9.


Entre os fatores que podem dificultar o processo cicatricial, estao os sistêmicos relacionados ao paciente, como idade, nutriçao, doenças crônicas como diabetes mellitus, insuficiências vasculares (a úlcera venosa representa de 70% a 90% dos casos de úlceras nos membros inferiores), uso de medicamentos como anti-inflamatórios, antibióticos e esteroides e tratamento tópico inadequado e os fatores sociodemográficos em indivíduos com baixo nível socioeconômico, com condiçoes inadequadas de higiene10 .

Estudos histológicos revelam que nao há diferença entre o reparo de queimaduras e de outras lesoes cutâneas3. Entretanto, pacientes portadores de diabetes mellitus têm sido associados clinicamente a um processo cicatricial mais demorado e alguns fatores típicos de lesoes provenientes de danos térmicos, como a cicatrizaçao por segunda intençao, podem tornar mais grave o quadro desse tipo de reparo tecidual nesses pacientes.

Lesoes em indivíduos diabéticos sao definidas como uma perda de epitélio e podem se estender à derme e camadas mais profundas. Entretanto, as lesoes em diabéticos demoram para cicatrizar, em decorrência de uma série de fatores moleculares e celulares do processo de cicatrizaçao. As principais sao: alta concentraçao de metaloproteinases (MMPs), neuropatia, alta probabilidade de infecçao e resposta inflamatória nao-fisiológica, estresse oxidativo, formaçao excessiva de AGEs (produtos de glicoxidaçao avançada), neoangiogênese deficiente, desbalanço entre metabolismo e entrega de nutrientes, concentraçoes inadequadas de fatores de crescimento e reguladores de expressao gênica e anormalidades celulares11.

A patogênese exata da má cicatrizaçao de feridas em portadores de diabetes ainda nao está completamente esclarecida, mas evidências de estudos envolvendo modelos humanos e animais diabéticos revelam várias anormalidades nas fases do processo de cicatrizaçao da ferida3.

Vários estudos afirmam que há uma diferenciaçao, melhor definida como um retardo no processo de cicatrizaçao das lesoes por queimaduras em indivíduos diabéticos, mas ainda nao foi possível a identificaçao de qual fase de reparo é responsável por esse atraso.

Memmel et al.12 relatam que o diabetes mellitus atua nao só como fator de risco para queimaduras em extremidades como é fator de gravidade e complicaçoes. Pacientes diabéticos com queimaduras apresentam maior índice de sepse e infecçao da ferida da queimadura. Feridas em diabéticos apresentam inibiçao da revascularizaçao e baixa expressao de fatores de crescimento em relaçao a queimaduras em nao-diabéticos, com prejuízo à cicatrizaçao13.

No estudo de Meireles et al.3, no qual foram analisados ratos diabéticos e nao-diabéticos, os animais do grupo experimental sofreram induçao de diabetes tipo 1, porém no período experimental nao receberam insulina. Esse fato levou à glicemia descompensada proposital, uma vez que o objetivo era simular a cicatrizaçao em diabéticos, sendo esses pacientes que nao têm acesso ao tratamento, seja por dificuldades financeiras ou por desconhecimento da afecçao.

Ainda no estudo de Meireles et al.3, observou-se que as células da inflamaçao aguda, nos períodos de três e sete dias, estavam em quantidade maior no grupo de animais diabéticos. Esses eventos podem estar relacionados à dificuldade de fluxo sanguíneo.

Alteraçoes no fluxo sanguíneo podem afetar a distribuiçao dos nutrientes das células, assim como a dos componentes do sistema imune do corpo. Essas condiçoes prejudicam a capacidade do organismo em transportar células de defesa e antibióticos administrados, o que dificulta o processo de cicatrizaçao14.

Meireles et al.3 notaram que, entre o quinto e o 14º dia, houve variaçao em relaçao à quantidade do tecido de granulaçao e seus componentes, que ora estavam em quantidade aumentada e ora em quantidade reduzida. Essa variaçao provavelmente se relaciona aos efeitos de uma inflamaçao aguda muito intensa, que culmina com uma lise tecidual exacerbada. Outro fator observado foi a ausência da crosta de fibrina no grupo de animais diabéticos, sendo observado no grupo controle desde o sétimo até o 20º dia.

A formaçao de uma crosta de fibrina é importante, pois atua como uma barreira mecânica entre o meio externo e o tecido conjuntivo, protegendo e permitindo um melhor reparo, além de construir uma rede que permite a migraçao das células e dificulta o processo infeccioso3.

Singer et al.15 compararam a cicatrizaçao de porcos diabéticos e nao-diabéticos, sendo a queimadura de espessura parcial. Foi realizado controle das taxas de glicemia e as lesoes foram tratadas com antibióticos tópicos. Como resultado, observou-se que a reepitelizaçao foi menor em porcos diabéticos.

Segundo Mendonça & Coutinho-Netto16, a atividade de enzimas voltadas para a degradaçao do colágeno aumenta a açao em 14%, a glicosilaçao das fibras em formaçao aumenta em torno de 48%, ao passo que as ligaçoes importantes no processo de síntese de colágeno, como a hidroxilaçao da prolina, têm sua atividade reduzida em cerca de 39%, estando esses eventos diretamente relacionados ao aumento da glicemia, que pode contribuir para o retardo da açao celular no reparo tecidual.

Segundo a literatura, um dos fatores importantes para o reparo tecidual é o estado nutricional do indivíduo, devido à especificidade de elementos como a proteínas, que favorecem a resposta inflamatória e a síntese de colágeno com a remodelaçao da ferida.

Os carboidratos fornecem energia aos leucócitos e fibroblastos, as gorduras reservam energia, as vitaminas A e C promovem a linfocitose e a síntese de colágeno e epitelizaçao. A vitamina K atua no processo de coagulaçao, o complexo B favorece a ligaçao do colágeno, o zinco auxilia na proliferaçao celular e epitelizaçao, além de aumentar a resistência do colágeno17.

Pelo fato de o diabetes ser diretamente relacionado ao metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras, a nutriçao desempenha importante papel no seu controle. Até o advento da terapia insulínica, pela ausência de outros recursos disponíveis, apenas o tratamento dietético viabilizava o controle da doença. Acreditavase que a restriçao de diversos alimentos seria a melhor forma de tratamento, pois preveniria a elevaçao glicêmica. Tal conduta, porém, provocava desnutriçao grave, conduzindo os indivíduos à morte precoce18.

Os indivíduos diabéticos devem ingerir uma dieta balanceada, que forneça macro e micronutrientes essenciais e em quantidades corretas. O acompanhamento nutricional deve ter por objetivo o equilíbrio da glicemia, prevençao de riscos cardiovasculares, visando o controle de lipídeos e lipoproteínas plasmáticas, além de mediar os processos inflamatórios; com a finalidade de diminuir o desenvolvimento de complicaçoes18 .

Indivíduos que sofrem injúrias teciduais necessitam de um suporte nutricional imediato, pois a lesao desencadeia aumento do metabolismo basal, hipermetabolismo acompanhado de catabolismo exagerado de proteína e excreçao de nitrogênio urinário aumentado (acima de 40 g/dia), sendo que a proteína também é perdida por meio do exsudato da ferida da queimadura19 .

O estado nutricional individual possui um papel primordial na prevençao e no tratamento de feridas. A reparaçao e a reconstruçao de tecidos humanos requerem quantidades adequadas de energia, proteínas, vitaminas e minerais para alimentar os seus mecanismos fisiológicos19 .

Paccanaro et al.20 afirmam, após análise retrospectiva dos casos de internaçao por queimadura em pés diabéticos, no Hospital do Servidor Público Municipal e Hospital Municipal Carmino Caricchio, entre janeiro de 2003 e dezembro de 2007, que os pés sao a principal regiao anatômica acometida por queimaduras. Essas queimaduras, em sua maioria, sao provocadas por desinformaçao em relaçao a cuidados que indivíduos diabéticos devem atentar-se, principalmente em ambientes domésticos, para evitar acidentes.

Essa incidência de queimaduras em pés diabéticos deve-se à presença da neuropatia periférica, uma das principais complicaçoes, que muitos dos diabéticos desenvolvem ao longo da evoluçao da doença17.

A neuropatia periférica prejudica a cicatrizaçao, devido à reduçao de estímulos (mediadores) da inflamaçao liberados por terminaçoes nervosas, caracterizada por formigamento, dor e dormências que se agravam à noite. Na tentativa de aliviar os sintomas da neuropatia, os pacientes utilizam imersao e compressas com água aquecida, esquecendo-se que a neuropatia afeta a sensibilidade tátil, dolorosa e térmica da regiao distal do membro, especialmente os pés14,21.

Pacientes diabéticos com queimaduras apresentam maior índice de sepse e infecçao da ferida da queimadura. Feridas em diabéticos apresentam inibiçao da revascularizaçao e baixa expressao de fatores de crescimento em relaçao a queimaduras em nao-diabéticos, com prejuízo à cicatrizaçao13,20.

Quando ocorrem lesoes por queimaduras em indivíduos diabéticos, há, inicialmente, retardo no afluxo de células inflamatórias para o local do ferimento, mas, quando estas células se estabelecem, ocorre, entao, estado de inflamaçao crônica, prevenindo a deposiçao de componentes da matriz, o remodelamento e, finalmente, o fechamento da ferida22 .

A resposta inflamatória é acompanhada pela interaçao de agentes inflamatórios que estimulam a liberaçao de moléculas pró-inflamatórias, como o TNF-α e as metaloproteinases (MMPs) destruidoras da matriz, as quais limitam o fechamento da ferida. Além disso, desarranjos na atuaçao dos fibroblastos podem causar a reduçao da deposiçao necessária do colágeno, comprometendo ainda mais o processo normal de cicatrizaçao23 .

Panobianco et al.24, em estudo transversal e quantitativo, verificaram a eficiência do processo de cicatrizaçao pós-cirúrgica entre mastectomizadas diabéticas e nao-diabéticas. Foram verificadas alteraçoes no processo de cicatrizaçao das diabéticas, resultando em dados para um aprimoramento de estratégias de controle do diabetes e melhora da cicatrizaçao.

Segundo Panobianco et al.24, o tamanho da cicatriz pode variar se houver complicaçoes na cicatrizaçao. O diabetes pode prejudicar os fatores intrínsecos da cicatrizaçao, como os fatores de crescimento e a matriz extracelular, fazendo com que o processo se dê predominantemente por granulaçao e epitelizaçao, quase nao havendo contraçao das bordas da ferida, atividade necessária para reparo.

Mesmo com a epitelizaçao superficial normal, a cicatrizaçao profunda está comprometida no paciente diabético (que necessita da produçao de colágeno alterada pelo distúrbio metabólico, excesso de protease e reduzida atividade fibroblástica); o que aumenta a chance de ocorrerem problemas na cicatrizaçao e, consequentemente, uma cicatriz de aspecto menos estético se comparada a uma cicatriz sem complicaçoes24 .

O mais importante para evitar as complicaçoes de reparo tecidual é a prevençao contra acidentes que causam queimaduras, principalmente em portadores de afecçoes como o diabete mellitus, que devido ao comprometimento metabólico do indivíduo pode causar complicaçoes graves no processo de reparo tecidual.


CONSIDERAÇOES FINAIS

Pacientes diabéticos apresentam altos índices de mortalidade e morbidades, nao em decorrência do aparecimento de lesoes crônicas, mas ao fato de serem susceptíveis a infecçoes. Pacientes diabéticos acometidos por queimaduras estao sujeitos a esse processo infeccioso, contribuindo para o retardo da cicatrizaçao da lesao. O diabetes mellitus altera o processo de cicatrizaçao, exacerbando e prolongando o tempo de reparo tecidual. O presente estudo fez uma abordagem dos casos de estudos clínicos na temática das alteraçoes do processo de cicatrizaçao de queimaduras em diabéticos, podendo concluir que essa afecçao metabólica tem interferência no processo de cicatrizaçao. Faz-se necessário dar mais ênfase à prevençao de acidentes, principalmente com indivíduos diabéticos, e, caso aconteça, informar os devidos cuidados a serem tomados para evitar transtornos como as complicaçoes no processo de cicatrizaçao.


REFERENCIAS

1. Maciel Júnior EML, Serra MCVF, eds. Tratado de Queimaduras. Sao Paulo: Atheneu; 2004.

2. Serra MCVF, Gomes DR, Crisóstomo MR. Fisiologia e fisiopatologia. In: Maciel Júnior EML, Serra MCVF, eds. Tratado de Queimaduras. Sao Paulo: Atheneu; 2004. p.37-42.

3. Meireles GCS, Oliveira PC, Moura AP, Santos JN, Pinheiro ALB. A influência do diabetes mellitus na cronologia do reparo de queimaduras. C&D -Rev Eletrônica Fainor. 2009;2(1):77-86.

4. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes-2009. 3ª ed. Itapevi: A. Araújo Silva Farmacêutica; 2009. 400p.

5. World Health Organization. Definition, diagnosis and classification of diabetes mellitus and its complications. Part 1: diagnosis and classification of diabetes mellitus. Geneva: WHO; 1999. 66p.

6. Stefanello TD, Hamerski CR. Tratamento de úlcera de pressao através do laser AsGa de 904 nm: um relato de caso. Arq Ciênc Saúde Unipar. 2006;10(2):99-103.

7. Piccolo MT, Piccolo MS, Piccolo NS. Processo de cicatrizaçao. In: Maciel Júnior EML, Serra MCVF, eds. Tratado de queimaduras. Sao Paulo: Atheneu; 2004. p.583-90.

8. Isaac C, Ladeira PRS, Rêgo FMP, Aldunate JCB, Tutihashi RMC, Ferreira MC. Alteraçoes no processo de reparo fisiológico. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(2):61-5.

9. Campos ACL, Borges-Branco A, Groth AK. Wound healing. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2007;20(1):51-8.

10. Pinto MVM, Anjos CB, Lopes DV, Santos HR, Silva ALS, Barbosa LG, et al. Influência da laserterapia de 632,8 nM por 150 mW na cicatrizaçao de úlcera diabética: relato de caso. Rev Dor. 2009;10(2):194-9.

11. Ladeira PRS, Isaac C, Paggiaro AO, Hosaka EM, Ferreira MC. úlceras nos membros inferiores de pacientes diabéticos. Rev Med (Sao Paulo). 2011;90(3):122-7.

12. Memmel H, Kowal-Vern A, Latenser BA. Infections in diabetic burn patients. Diabetes Care. 2004;27(1):229-33.

13. Lin C, Qiao L, Zhang P, Chen GX, Xu JJ, Yang N, et al. Comparison of the burn wound and diabetic ulcer wound. Zhonghua Shao Shang Za Zhi. 2007;23(5):339-41.

14. Halfoun VLRC, Fernandes TJ, Pires MLE, Braun E, Cardozo MGT, Bahbout GC. Estudos morfológicos e funcionais da microcirculaçao da pele no diabetes mellitus. Arq Bras Endocrinol Metab. 2003;47(3):271-9.

15. Singer AJ, Taira BR, McClain SA, Rooney J, Steinhauff N, Zimmerman T, et al. Healing of mid-dermal burns in a diabetic porcine model. J Burn Care Res. 2009;30(5):880-6.

16. Mendonça RJ, Coutinho-Netto J. Aspectos celulares de cicatrizaçao. An Bras Dermatol. 2009;84(3):257-62.

17. Alcantara C, Alcantara VCS. Cicatrizaçao de lesoes causadas por erisipela em um paciente diabético. Com Ciências Saúde. 2009;20(2):173-84.

18. Lottenberg AMP. Características da dieta nas diferentes fases da evoluçao do diabetes melito tipo 1. Arq Bras Endrocrinol Metab. 2008;52(2):250-9.

19. Medeiros NI, Schott E, Silva R, Czarnobay SA. Efeitos da terapia nutricional enteral em pacientes queimados atendidos em hospital público de Joinville/SC. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(3):97-100.

20. Paccanaro RC, Miranda RE, Pinheiro LF, Calil JA, Gragnani A, Ferreira LM. Queimadura nos pés de pacientes diabéticos. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):23-7.

21. Porciúncula MVP, Rolim LCP, Garofolo L, Ferreira SRG. Análise de fatores associados à ulceraçao de extremidades em indivíduos diabéticos com neuropatia periférica. Arq Bras Endocrinol Metab. 2007;51(7):1134-42.

22. Gamba MA, Gotlieb SLD, Bergamaschi DP, Vianna LAC. Amputaçoes de extremidades inferiores por diabetes mellitus: estudo-caso controle. Rev Saúde Pública. 2004;38(3):399-404.

23. Barbosa JHP, Oliveira SL, Seara LT. O papel dos produtos finais da glicaçao avançada (AGEs) no desencadeamento das complicaçoes vasculares do diabetes. Arq Bras Endocrinol Metab. 2008;52(6):940-50.

24. Panobianco MS, Sampaio BAL, Caetano EA, Inocenti A, Gozzo TO. Comparaçao da cicatrizaçao pós-mastectomia entre mulheres portadoras e naoportadoras de diabetes mellitus. Rev Rene. 2010;11:15-22.










1. Fisioterapeuta do Pronto Socorro para Queimaduras, Goiânia, GO, Brasil.
2. Fisioterapeuta Especialista em Fisioterapia Hospitalar, Fisioterapeuta do Pronto Socorro para Queimaduras, Goiânia, GO, Brasil.
3. Fisioterapeuta Especialista em Ventilaçao Mecânica, Fisioterapeuta do Pronto Socorro para Queimaduras, Goiânia, GO, Brasil.
4. Fisioterapeuta na Empresa Solo Pilates, Goiânia, GO, Brasil.

Correspondência:
Monise Gabriela Lino de Andrade
Rua C-136 Qd.561 Lt.07 - Jardim América
Goiânia, GO, Brasil - CEP 74275-050
E-mail: monisegabriela@gmail.com

Artigo recebido: 11/12/2012
Artigo aceito: 5/2/2013

Trabalho realizado no Pronto Socorro para Queimaduras, Goiânia, GO, Brasil.

© 2024 Todos os Direitos Reservados