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Relato de Caso

Enxerto cutâneo do couro cabeludo no tratamento de queimadura de face e região cervical

Skin graft from the scalp in the treatment of burns in face and cervical region

Ricardo Araújo de Oliveira1; Elton Silva Santos1; Carlos Eduardo Guimarães Leão2; Ivan José Neto Pereira3

RESUMO

INTRODUÇAO: Uma boa alternativa no tratamento de queimadura de face e regiao cervical é a utilizaçao de enxerto de pele parcial do couro cabeludo, com o cuidado de retirar uma fina camada de pele para se evitar alopecia na área doadora e o crescimento de pelos na área receptora.
RELATO DO CASO: É apresentado o caso de um menino com 5 anos de idade que, após acidente com álcool, teve aproximadamente 25% de sua superfície corporal queimada: face, regiao cervical, tórax anterior e membros superiores. Foi realizado enxerto de pele, obtido do couro cabeludo, na regiao cervical e face. Os resultados estéticos, tanto da área receptora como doadora, foram satisfatórios e o couro cabeludo foi novamente recoberto por cabelos.
CONCLUSAO: É importante lembrar que a pele do couro cabeludo pode ser uma ótima área doadora para pacientes com queimadura em certas regioes, como face e regiao cervical, uma vez que a pele deste local recupera-se rapidamente e os cabelos encobrem a cicatriz da área doadora, causando resultado estético muito satisfatório.

Palavras-chave: Enxerto de pele. Queimaduras. Couro cabeludo.

ABSTRACT

INTRODUCTION: A good alternative in the treatment of burns of the face and neck is the use of partial skin graft from the scalp, taking care to remove a thin layer of skin to avoid donor site alopecia and hair growth in the receiving area.
CASE REPORT: It is presented the case of a five year-old boy, who had nearly 25% of burned body surface after an alcohol accident: face, cervical region, front chest and upper limbs. A skin graft obtained from the scalp was made in the cervical region and face. The aesthetic results in the receiver area such as in the donor area were very good and the scalp was covered again by hair.
CONCLUSION: It is important to remember that the skin of the scalp can be an excellent donor area for burn patients in certain regions, such as face and neck, since the skin of this site recovers quickly and the hair cover up the scar area donor, causing very satisfactory cosmetic result.

Keywords: Skin transplantation. Burns. Scalp.

Queimaduras em áreas especiais sao de extrema importância na medicina de pronto-atendimento, por serem de alto risco e necessitarem de abordagem específica. Sao consideradas áreas especiais: face (incluindo pálpebras, olhos, regiao periorbitária, orelhas e nariz), maos, pés, regiao glútea, genitália e áreas flexoras, como regiao cervical, axilar, do cotovelo e popliteal1,2.

Geralmente, um paciente com queimadura de face necessita de, no mínimo, 48 horas de internaçao hospitalar para observaçao. As primeiras horas sao cruciais, visto que os pacientes podem desenvolver edema intenso da face (pela intensa vascularizaçao), o que compromete as vias aéreas superiores e pode instalar um quadro de insuficiência respiratória aguda1. O local de ocorrência e o agente causal sao relevantes para avaliar o risco de comprometimento das vias aéreas. Na suspeita de lesao por inalaçao, o paciente deverá ser monitorado rigorosamente. É importantíssima a avaliaçao do envolvimento do trato respiratório, posto que é um grande determinante na mortalidade3.

As queimaduras de segundo grau superficial devem ser tratadas com o uso de sulfadiazina de prata a 1%. Nesses casos, a cicatrizaçao ocorre em torno de 10 dias, sem deixar sequelas significativas. Já as queimaduras profundas, de terceiro grau, precisam ser tratadas com excisao e enxertia precoce, a fim de que haja melhor resultado estético, evitando-se o desenvolvimento de retraçoes cicatriciais. Deve-se dar preferência ao enxerto de pele com maior espessura, tornando-se um dilema a escolha do local de retirada da pele.

Uma boa alternativa é a utilizaçao de enxerto de pele parcial do couro cabeludo, com o cuidado de retirar uma fina camada de pele para se evitar alopecia na área doadora e o crescimento de pelos na área receptora. Em geral, queimaduras na cabeça e no pescoço cicatrizam bem, porém, isso nao significa que queimaduras de terceiro grau serao curadas sem cirurgia3.

O tratamento cirúrgico também é recomendado para queimaduras de espessura parcial ou total de face, as quais nao cicatrizaram após um período de duas a três semanas4. As complicaçoes das queimaduras faciais podem ser infecçao, retraçoes cicatriciais e comprometimento das estruturas da face, como pálpebras, nariz e lábios5.

Contraturas da regiao cervical causam consideráveis problemas, incluindo restriçao de grande variedade de movimentos e aparência estética prejudicada6. Devido a sua grande importância funcional e estética, deve receber maior atençao na fase aguda da queimadura. As contraturas nesse local, geralmente causam sequelas graves, principalmente em crianças, que podem ir desde alteraçao de crescimento ósseo facial, especialmente a mandíbula, até distúrbios da fonaçao e mastigaçao e, obviamente, sérios problemas psicológicos, principalmente de autoestima1,7. Nas queimaduras de segundo grau profundo ou terceiro grau, o paciente deverá se manter o maior tempo possível no leito, em decúbito dorsal, com a regiao cervical em posiçao anatômica, com uso do colar cervical, quando o curativo for oclusivo. O colar pode ser confeccionado em gesso, polipropileno, isopreno ou espuma com reforço interno de polietileno, sendo este último de fácil colocaçao, adapta-se bem ao pescoço e causa mínimo incômodo2. O debridamento tangencial com enxertia precoce é fundamental para o bom resultado funcional. O enxerto de espessura intermediária ou grossa, realizado entre o quarto e décimo dia, diminui a chance de retraçao secundária1.


RELATO DO CASO

Paciente R.S.A., sexo masculino, 5 anos, procedente de Serro (MG), deu entrada no Pronto-Socorro cerca de 3 horas após acidente com álcool, apresentando aproximadamente 25%de superfície corporal queimada:face, regiao cervical, tórax anterior e membros superiores (MMSS). No primeiro atendimento, o paciente foi entubado, devido a sinais de queimadura em via aérea, identificados à broncoscopia, e foi feita reposiçao volêmica, de acordo com a regra de Parkland.

Ao exame físico direcionado, apresentava queimaduras de 1º, 2º e 3º graus em face, de 2º e 3º grau em regiao cervical, tronco anterior e MMSS, com muitas áreas de isquemia e necrose. Foi submetido a debridamento cirúrgico após um dia de internaçao, mantendo curativo diário com sulfadiazina de prata. No quinto dia de internaçao, o paciente foi submetido a novo debridamento cirúrgico de áreas ainda isquêmicas e necróticas. Já no 15º dia de internaçao, o paciente apresentava área cruenta com bom aspecto para realizaçao de enxertia, quando procedeu-se ao enxerto em tórax anterior e MMSS, tendo como área doadora, as coxas. Na regiao cervical e na face (Figuras 1 e 2), optouse pela realizaçao de enxerto com área doadora, o couro cabeludo.


Figura 1 - Area cruenta no lado direito da face e pescoço.


Figura 2 - cruenta no lado esquerdo da face e pescoço.



Realizou-se tricotomia do couro cabeludo, antissepsia local e infiltraçao apenas com soro fisiológico 0,9%, para criar edema local e facilitar a retirada do enxerto (Figura 3). Após o preparo da área, foram retirados os enxertos de couro cabeludo com o uso do dermátomo (Figuras 4 e 5).


Figura 3 - Intumescimento do couro cabeludo.


Figura 4 - Retirada do enxerto cutâneo com dermátomo.


Figura 5 - Regiao de couro cabeludo após a retirada do enxerto.



Os enxertos foram conservados em um recipiente com soro fisiológico 0,9% (Figura 6) e, logo depois, foi realizada a enxertia nas áreas receptoras (face e regiao cervical) (Figuras 7 e 8).


Figura 6 - Enxertos retirados.


Figura 7 - Colocaçao dos enxertos cutâneos.


Figura 8 - Resultado imediato da enxertia.



Ao fim do procedimento, foi feito curativo com compressas embebidas em emulsao de petrolatum e gaze aberta em áreas doadoras e receptoras associado à imobilizaçao da regiao cervical com tala gessada (Figura 9).


Figura 9 - Curativo com atadura e molde gessado.



Paciente evoluiu satisfatoriamente, com 85% de integraçao do enxerto de regiao de face e cervical. Após alguns dias, foi observada renovaçao capilar das áreas doadoras sem alteraçoes (Figuras 10 e 11).


Figura 10 - Area doadora após sete dias.


Figura 11 - Aspecto do paciente no sétimo dia de pós-operatório.



DISCUSSAO

Percebemos que as áreas doadoras de enxerto do couro cabeludo se igualavam à coloraçao da pele da face e da regiao cervical, mais perceptivelmente quando comparadas aos enxertos retirados das coxas.

Observamos, ainda, que as áreas doadoras do couro cabeludo restauraram-se melhor e mais rapidamente que as da coxa.

Outro fator importante foi que o paciente nao apresentou alteraçao na renovaçao capilar das áreas em que os enxertos (enxerto dérmico epidérmico) foram retirados, o que melhora o aspecto da cicatriz da área doadora, pois os cabelos esconderam a área de cicatrizaçao.


CONCLUSAO

É importante lembrar que a pele do couro cabeludo pode ser uma ótima área doadora para pacientes com queimadura em certas regioes, como face e regiao cervical, uma vez que a pele deste local recupera-se rapidamente e os cabelos encobrem a cicatriz da área doadora, causando resultado estético muito satisfatório.


REFERENCIAS

1. Mélega JM. Cirurgia plástica: fundamentos e arte: princípios gerais. Rio de Janeiro: Medsi; 2002.

2. Dornelas MT, Ferreira APR, Cazarim DB. Tratamento das queimaduras em áreas especiais. HU Rev. 2009;35(2):119-26.

3. Garner WL, Magee W. Acute burn injury. Clin Plast Surg. 2005;32(2):187-93.

4. Leon-Villapalos J, Jeschke MG, Herndon DN. Topical management of facial burns. Burns. 2008;34(7):903-11.

5. Lima Junior EM, Novaes FN, Piccolo NS, Serra MCVF. Tratado de queimaduras no paciente agudo. Sao Paulo: Atheneu; 2008. 646p.

6. Lin JY, Tsai FC, Yang JY, Chuang SS. Double free flaps for reconstruction of postburn anterior cervical contractures: use of perforator flaps from the lateral circumflex femoral system. Burns. 2003;29(6):622-5.

7. Lima Júnior EM, Serra MCVF. Tratado de queimaduras. Sao Paulo: Atheneu; 2004.










1. Médico residente do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Joao XXIII pertencente à Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
2. Membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Joao XXIII pertencente à FHEMIG, Belo Horizonte, MG, Brasil.
3. Médico residente de cirurgia plástica da Universidade Santa Cecília (Unisanta), Santos, SP, Brasil.

Correspondência:
Ricardo Araújo de Oliveira
Avenida do Contorno, 2250/408
Belo Horizonte, MG, Brasil - CEP: 30110-012
E-mail: ricardo0707@hotmail.com

Artigo recebido: 15/3/2012
Artigo aceito: 30/5/2012

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Joao XXIII pertencente à Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), Belo Horizonte, MG, Brasil.

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