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Relato de Caso

Sequelas de queimaduras: retração cervical

Sequelae of burns: cervical retraction

Cristiane Mignot Meyer1; Fernanda Eymael Köche1; Maria Eduarda Pires de Souza1; Dilmar Francisco Leonardi2

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo é relatar e observar resultado de reconstruçao, em regiao cervical, pós-sequela de queimaduras há 18 anos.
RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 28 anos, com sequela de queimadura por cera aquecida, há 24 anos, resultando em retraçao cicatricial importante da regiao cervical, com repercussao sobre a face. O paciente foi internado para tratamento cirúrgico, sendo proposta ressecçao completa da cicatriz, miotomia do platisma, enxerto de matriz dérmica em primeiro tempo e, em segundo tempo, enxerto de pele, de espessura de 0,2 mm em tiras.
DISCUSSAO: A lesao por queimadura nao é apenas uma urgência médica, mas desencadeia sérios problemas físicos, psicológicos e mesmo sociais para o paciente, sua família e sociedade. As crianças do sexo masculino e com idade entre 7 e 11 anos sao as mais atingidas por queimaduras. Nessa faixa etária, as queimaduras parecem estar relacionadas a brincadeiras com álcool e outros materiais inflamáveis que, em nossa cultura, sao mais comuns entre o sexo masculino. Estatísticas revelam que sao realizados mais de 34 milhoes de procedimentos cirúrgicos relacionados à lesao por queimadura. Na matriz de regeneraçao dérmica, a camada interna funciona como um scafold, promovendo o crescimento celular organizado e a síntese de colágeno de forma mais natural. É indicado em caso de feridas limpas e queimaduras de 2° grau profundo e 3° grau. As contraturas sao elementos importantes ao analisar as sequelas de queimaduras. As queimaduras da regiao cervical também sao de difícil conduçao cirúrgica, tanto para a realizaçao do desbridamento quanto para a enxertia de pele, e devem ser realizadas na fase aguda dentro da primeira ou segunda semana após o trauma.

Palavras-chave: Queimaduras. Transplante de pele. Bandas de Matriz.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe and observe the result of reconstruction in the cervical region, post burn sequelae for over 18 years.
CASE REPORT: Male patient, 28 years, burn sequelae wax heated for 24 years, resulting insignificant scar retraction of the cervical region, with repercussions on the face and hospitalized for surgical treatment. Proposed treatment with complete resection of the scar, platysma myotomy, dermal matrix graft for the first time and second time the skin graft, thick strips of 0.2 mm.
DISCUSSION: The burn injury is not just a medical emergency, but triggers serious physical, psychological and even social to the patient, family and society. The children were male and aged between 7 and 11 years were the most affected by burns. At this age, burns appear to be related to the games with alcohol and other flammable materials that in our culture, are more common among males. Statistics show that is performed more than 34 million surgical procedures related to burn injury. In the matrix of regenerating dermal layer acts as an internal scafold, organized to promote cell growth and collagen synthesis more natural. It is indicated in case of clean wounds and burns deep 2nd degree and 3rd degree. Contractures are an important element in analyzing the consequences of burns. The burning of the neck are also difficult to conduct surgical both for the realization of debridement and for skin grafting, and must be performed in the acute stage within the first or second week after the trauma.

Keywords: Burns. Skin transplantation. Matrix bands.

Queimaduras resultam em lesoes significativas, com complicaçoes tanto físicas quanto psíquicas, as quais exigem tratamento global, focado na prevençao em longo prazo de problemas como cicatrizes, contraturas e outros, que limitam a funçao física1. A incidência de sequelas de queimaduras é cada vez maior, talvez em decorrência da sobrevida da fase aguda, que vem aumentando nos últimos anos2.

O procedimento clássico, como primeira opçao, para a cobertura de defeitos de espessura total da pele causada por trauma ou cirurgia é o enxerto cutâneo autólogo. Contudo, a exiguidade de áreas doadoras em grandes queimados e a necessidade de cobertura de estruturas nobres em lesoes complexas levaram ao desenvolvimento de substitutos cutâneos3.

Um grande número de substitutos de pele tem sido desenvolvido ao longo das últimas décadas. Desde a sobreposiçao de aloenxertos de animais até a cultura de queratinócitos autólogos, muitos materiais foram produzidos visando à maior semelhança com a pele humana4.

A matriz de regeneraçao dérmica (Integra®) é um substituto de pele complexo, permanente, de dupla camada. A camada epidérmica consiste em uma fina camada de silicone. A camada dérmica consiste em uma matriz de fibras de colágeno bovino e condroitina-6-sulfato, uma glicosaminoglicana derivada de cartilagem de tubarao. Sua estrutura, nessa camada, tem forma porosa e, desse modo, promove a formaçao de uma neoderme, pois serve de scafold (andaime) para a infiltraçao de fibroblastos, macrófagos, linfócitos e células endoteliais capilares do hospedeiro. A camada de silicone, que substitui a epiderme, é protetora e controla a perda de umidade da ferida5. Depois da realizaçao de um enxerto epidérmico autólogo, em torno de três semanas após o implante da matriz, é obtida a regeneraçao da pele, que apresenta apenas a ausência dos anexos cutâneos, quando observada histologicamente6.

As indicaçoes para uso da matriz dérmica incluem áreas queimadas que necessitam de pele de melhor qualidade, como pescoço, grandes articulaçoes, maos e mamas, ou em grandes queimados submetidos à excisao tangencial sem área doadora suficiente para o enxerto autólogo7.

Neste trabalho, é relatado um caso de enxertia em regiao cervical por sequela de queimaduras e seus resultados.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 28 anos de idade, residente em Sao Joaquim, SC, foi atendido no Hospital Governador Celso Ramos pela especialidade de Cirurgia Plástica, para consulta de avaliaçao após sequela de queimadura.

Aos 10 anos, o paciente sofreu queimaduras por cera quente no pescoço, tórax anterior e braços, resultando em retraçao de regiao cervical. Após um ano e meio do ocorrido, realizou dois procedimento de enxertia em pescoço, sem sucesso (Figuras 1 a 3).


Figura 1 - Vista anterior da retraçao cervical.


Figura 2 - Vista lateral direita, observando-se a traçao sobre a face.


Figura 3 - Vista lateral esquerda, observando-se a traçao sobre a face.



O paciente foi internado no Hospital Governador Celso Ramos para reconstruçao em regiao cervical.

Primeiramente, foi realizada liberaçao da retraçao cervical, seguida de miotomia do platisma e, entao, enxerto de matriz dérmica de aproximadamente 250 cm2 (Figura 4).


Figura 4 -Relaçao entre a liberaçao dos tecidos e a retraçao cicatricial.



Após 4 semanas, o procedimento foi concluído com enxerto de pele em tiras com espessura de 0,2 mm de área doadora da face anterior da coxa esquerda (Figuras 5 a 8).


Figura 5 - Após 4 semanas, a integraçao completa da matriz no leito receptor.


Figura 6 - Enxerto de 0,2 mm de espessura da face anterior da coxa esquerda.


Figura 7 - Vista anterior, demonstrando o resultado uma semana pós-enxertia de pele.


Figura 8 - Vista lateral, demonstrando o resultado uma semana pós-enxertia de pele.


DISCUSSAO

A lesao por queimadura nao é apenas uma urgência médica, mas desencadeia sérios problemas físicos, psicológicos e sociais para o paciente, sua família e sociedade1.

As lesoes por queimaduras nao sao um problema apenas de países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, as queimaduras sao a quarta causa de morte por trauma, aproximadamente 1,25 milhoes de pessoas sofrem queimaduras todos os anos, cerca de 1 milhao requerendo tratamento. Destas, 100.000 queimaduras sao de moderadas a grave, sendo que 51.000 requerem hospitalizaçao, das quais ocorrem 5.500 mortes anuais em decorrência de queimaduras1.

As crianças do sexo masculino e com idade entre 7 e 11 anos sao as mais atingidas por queimaduras. Nessa faixa etária, as queimaduras parecem estar relacionadas a brincadeiras com álcool e outros materiais inflamáveis, que, em nossa cultura, sao mais comuns entre os meninos. Estudo realizado na França também apontou crianças do sexo masculino como as mais atingidas pelo trauma térmico8. Os dados obtidos na literatura estao de acordo o presente estudo, visto que o paciente é do sexo masculino e tinha 7 anos de idade quando ocorreu a queimadura.

O predomínio de líquidos quentes, primeiro lugar dentre os agentes de queimadura, seguido da etiologia chama, é encontrado também em outras publicaçoes9.

Além de causar morte, a queimadura origina cicatrizes desfigurantes, disfuncionais, traumas psicológicos e perda importante de produtividade na área econômica1.

Estatísticas revelam que sao realizados mais de 34 milhoes de procedimentos cirúrgicos relacionados à lesao por queimadura. A cirurgia consiste na excisao e no fechamento imediato, ou seja, o processo de retirar a pele do próprio paciente de um local nao atingido pelas queimaduras e, em seguida, transplantá-la para cobrir a área queimada10.

Enxerto é o tecido transplantado ou implantado em uma parte do corpo. Enxerto autólogo é originado do próprio receptor, enxerto heterólogo é o que se origina de animal de outra espécie, como porco ou ra, o enxerto homólogo origina-se de outra pessoa e o chamado de aloenxerto é realizado entre um doador e um receptor pertencentes a uma espécie, mas que diferem por um ou vários genes e antígenos de histocompatibilidade11.

No aloenxerto é usada pele de cadáver humano oriundo de bancos de tecidos, sendo indicado para debridar feridas irregulares, proteger tecido de granulaçao após escarotomia, cobrir ferida excisada imediatamente e funciona como um teste para enxerto antes do autoenxerto. A cor da pele nao é importante, porque o enxerto é apenas temporário. O doador deve ser adulto, sem infecçao e toda pele doada precisa ser examinada e estar livre de doenças infectocontagiosas antes de ser utilizada para doaçao11.

Na matriz de regeneraçao dérmica, a camada interna causa a biorreabsorçao, promovendo o crescimento celular e a síntese de colágeno, à medida que vai sendo substituída. É indicada em caso de feridas limpas e queimaduras de 2° grau profundo e 3° grau. Em geral, retira-se a placa de silicone no período de três semanas, sendo realizado enxerto dermoepdérmico11. Estudo realizado no Hospital Infantil Joana de Gusmao demonstrou tempo médio de maturaçao da matriz de regeneraçao dérmica de 21,56 dias e a média de pega por área de superfície da matriz de 88,81%7.

Todas as queimaduras de 3° grau necessitam de enxertia de pele para favorecer a cicatrizaçao. Para as queimaduras de 2° grau profundo, a enxertia de pele será indicada quando o dano estiver localizado em regioes onde a pele é fina, móvel e elástica, como as articulaçoes, pálpebras e dorso das maos, entre outros10.

As contraturas constituem elemento importante ao analisar as sequelas de queimaduras. Estudos demonstram relaçao direta entre tamanho da ferida e número de contraturas. A maioria das contraturas ocorre na mao, cabeça, pescoço e axila1.

Alguns trabalhos da literatura reportam a contratura (associada ou nao à hipertrofia) como a sequela mais comum, chegando a 65% de todas as cicatrizes patológicas pós-queimadura1.

Estudo realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo demonstrou que, dentre os procedimentos cirúrgicos realizados em queimados, 52,84% foram para liberaçao de contraturas, tendo como principal sítio o pescoço (26%), seguido da axila (22%). Também evidenciou que o pescoço foi o local onde as contraturas necessitaram de maior número de cirurgias por local queimado, com 186 pacientes com queimaduras na regiao necessitando de 354 cirurgias, totalizando cerca de 1,9 cirurgias por paciente1.

No pescoço, ocorre com facilidade a formaçao de cicatrizes, em decorrência da mobilidade e da delicadeza dos tecidos nessa regiao10.

As queimaduras da regiao cervical sao de difícil conduçao cirúrgica, tanto para a realizaçao do desbridamento quanto para a enxertia de pele, e devem ser realizadas na fase aguda dentro das primeiras ou segundas semanas após o trauma. Nos casos nao tratados precocemente, a maior probabilidade de sequelas graves de retraçao cicatricial é evidente e seu tratamento, mais complexo12. Há demonstraçoes de que os pacientes operados muito tempo após a ocorrência da contratura tiveram maiores dificuldades em seu tratamento, tais como sequela de nervo ou rigidez articular, o que limitou as melhorias com tratamento cirúrgico13,14. No paciente estudado, a enxertia foi realizada 18 anos depois da queimadura inicial, o que levou o paciente a apresentar um quadro de contratura da regiao do pescoço associada à limitaçao de movimento.


REFERENCIAS

1. Herson MR, Teixeira Neto N, Paggiaro AO, Carvalho VF, Machado LCC, Ueda T, et al. Estudo epidemiológico das sequelas de queimaduras: 12 anos de experiência da Unidade de Queimaduras da Divisao de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(3):82-6.

2. Vana LPM, Fontana C, Ferreira MC. Algoritmo de tratamento cirúrgico do paciente com sequela de queimadura. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(2):45-9.

3. Nery ALV, Porter KE, Freire RF, Baptista NS, Esberard F, Souza THS, et al. Nova abordagem no tratamento de lesoes complexas: uso de matriz de regeneraçao dérmica. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(2):66-70.

4. Centro Cochrane do Brasil. Materiais substitutivos de pele para o tratamento de queimaduras. Sao Paulo:Centro Cochrane do Brasil;2005. 91p. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/materiais_ substitutivos_pele_queimaduras.pdf Acesso em: 21/1/2012

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7. Manara LM. Uso da matriz de regeneraçao dérmica no tratamento cirúrgico de crianças vítimas de queimaduras do Hospital Infantil Joana de Gusmao - Seis anos de experiência [Monografia]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina;2009. 37p.

8. Rossi LA, Barruffini RC, Garcia TR, Chianca TM. Queimaduras: características dos casos tratados em um hospital escola em Ribeirao Preto (SP), Brasil. Rev Panam Salud Publica. 1998;4(6):401-4.

9. Costa DM, Abrantes MM, Lamounier JA, Lemos ATO. Estudo descritivo de queimaduras em crianças e adolescentes. J Pediatr (Rio J).1999;75(3):181-6.

10. Albuquerque MLL, Silva GPF, Diniz DMSM, Figueiredo AMF, Câmara TMS, Bastos VPD. Análise de pacientes queimados com sequelas motoras em um hospital de referência na cidade de Fortaleza-CE. Rev Bras Queimaduras. 2010; 9(3):89-94.

11. Ferreira E, Lucas R, Rossi LA, Andrade D. Curativo do paciente queimado: uma revisao de literatura. Rev Esc Enferm USP. 2003;37(1):44-51.

12. Schwartzmann GLE, Vittorazzi A, Tardelli HC, Farina Júnior JA. Reconstruçao facial em paciente com sequelas graves de queimadura. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(2):66-71.

13. Palmieri TL, Petuskey K, Bagley A, Takashiba S, Greenhalgh DG, Rab GT. Alterations in functional movement after axillary burn scar contracture: a motion analysis study. J Burn Care Rehabil. 2003;24(2):104-8.

14. Tanaka A, Hatoko M, Tada H, Kuwahara M. An evaluation of functional improvement following surgical corrections of severe burn scar contracture in the axilla. Burns. 2003;29(2):153-7.










1. Doutorando da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Palhoça, SC, Brasil.
2. Cirurgiao Plástico, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Mestrado e Doutorado, ambos pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre Fundaçao Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

Correspondência:
Dilmar Francisco Leonardi
Rua Walter Lamb, 354 - Sao Leopoldo, RS, Brasil - CEP 93040-250
E-mail: leonardi@terra.com.br

Artigo recebido: 23/1/2012
Artigo aceito: 11/3/2012

Trabalho realizado no Hospital Governador Celso Ramos, Florianópolis, SC, Brasil.

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