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DOI: 10.5935/2595-170X.20250009
Nos últimos anos, estive trabalhando diariamente com profissionais dedicados ao atendimento de vítimas de queimaduras, e vejo de perto o abismo que se abre entre a importância desse cuidado e a realidade da remuneração recebida. É inegável: esses profissionais - enfermeiras, médicos, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e equipe técnica - realizam intervenções complexas, que vão desde o manejo clínico imediato até tratamentos avançados como curativos especializados e enxertos1. Esse trabalho exige habilidades técnicas apuradas, resiliência emocional e comprometimento com a vida humana, muitas vezes em condições de alta pressão e escassez de recursos. Contudo, essa dedicação não é, na grande maioria das vezes, devidamente reconhecida em termos salariais nem valorizada institucionalmente.
Os desafios técnicos são intensos. O manejo clínico inicial de pacientes queimados exige identificação rápida e precisa da profundidade e localização da lesão e encaminhamento eficaz para centros especializados, estratégias que reduzem morbimortalidade e melhoram o prognóstico do paciente2. A importância do conhecimento técnico não se restringe ao diagnóstico - envolve ainda a condução de curativos, desbridamentos, aplicação de terapias como sulfadiazina de prata, uso de pele de tilápia como curativo biológico, ou enxertos em casos mais graves. Esses cuidados, fundamentais para a recuperação, desafiam a equipe ao máximo.
Entretanto, a estrutura de trabalho e a remuneração frequentemente não acompanham essa complexidade. Embora existam avanços - como o aumento de 250% no número de profissionais de prática avançada atuando na área de queimados de 2013 a 2022 nos Estados Unidos3, no Brasil não temos a clareza destes dados - isso não reflete uma valorização global, e muitas das nossas realidades brasileiras continuam marcadas por baixos salários, sobrecarga e desvalorização. Essa disparidade compromete diretamente o desenvolvimento do setor: falta atração de novos profissionais, há altos índices de rotatividade e, consequentemente, queda na qualidade do atendimento.
E as consequências disso reverberam no cuidado ao paciente. A escassez de recursos humanos bem treinados e bem pagos gera sobrecarga na equipe, aumentando o risco de burnout - síndrome caracterizada por exaustão emocional, despersonalização e baixa realização pessoal - cujos efeitos já estão bem documentados no âmbito dos profissionais de saúde em geral4,5. Essa sobrecarga pode levar a erros, piora na qualidade do atendimento e menor segurança para os pacientes, sobretudo, nos momentos críticos que envolvem vítimas de queimaduras.
Sem reconhecimento financeiro e sem condições adequadas de trabalho, muitos se afastam da área ou desistem de persistir nesse campo. E essa perda vai além da carreira individual: ela impacta a formação de equipes consistentes, o aperfeiçoamento técnico e a evolução dos protocolos de tratamento na área de queimaduras. O desenvolvimento desses serviços, portanto, se estagna.
Como possível saída, defendo que políticas de valorização salarial, aliadas a programas de formação especializada e suporte institucional, são fundamentais. A contrapartida para a complexidade técnica exigida - que inclui manejo emergencial, controle de infecção, reabilitação física e estética, enxertos e cura - precisa se refletir em contratações adequadas e remuneração compatível. Incentivar a certificação e especialização, oferecendo melhorias salariais, é um caminho para reter os talentos e garantir atendimento de excelência.
Em suma: não se trata apenas de justiça salarial - embora essa seja crucial -, mas de garantir desenvolvimento contínuo da nossa área, fortalecer o cuidado ao paciente e assegurar que a evolução técnica seja suportada por uma base profissional estável e motivada. É fundamental que a sociedade, as instituições e os gestores compreendam que qualidade em queimaduras passa por valorizar quem salva vidas.
REFERÊNCIAS
1. Bruxel CL, Possamai LM, Pires FKS, Silva JB. Manejo clínico do paciente queimado. Acta Méd (Porto Alegre). 2012;16(3):188-93.
2. Rodrigues LA, Poiati ML, Nogueira MJ, Andrade MO, Brandini NL, Rezende RB. O profissional de saúde na Unidade de Tratamento de Queimados: Atenção e cuidado com os aspectos psicológicos dos pacientes. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(1):16-22.
3. Das RK, Jagasia PM, Bailey AE, Mubang R, Drolet BC. Advanced Practice Providers in Burn Care, 2013-2022. J Burn Care Res. 2025;46(1):166-70. DOI: 10.1093/jbcr/irae179
4. Shanafelt TD, Dyrbye LN, West CP, Sinsky C. 2016. Potential impact of Burnout on the US Physician Workforce. Mayo Clin Proc. 2016;91(11):1667-8. DOI: 10.1016/j.mayocp.2016.08.016
5. Dyrbye LN, Varkey P, Boone SL, Satele DV, Sloan JA, Shanafelt TD. Physician satisfaction and burnout at different career stages. Mayo Clin Proc. 2013;88(12):1358-37. DOI: 10.1016/j.mayocp.2013.07.016