1216
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Trauma da queimadura em crianças e suas implicações nutricionais

Burns trauma in children and its nutritional implications

Natasha M. Machado1; Eliete da Cunha Araújo2; Antonio J. O. Castro3

RESUMO

Objetivo: Descrever particularidades relativas à nutriçao em pacientes pediátricos com queimaduras e a adesao à prescriçao dietética no primeiro centro especializado do Pará. Método: Foram inclusos pacientes de zero a dez anos, internados no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência do Estado do Pará. Os procedimentos de avaliaçao antropométrica, diagnóstico nutricional, estimativa das necessidades nutricionais, valor nutritivo das dietas oferecidas, adesao às dietas hospitalares, uso e indicaçao de suporte nutricional e tratamento estatístico foram cumpridos. Resultados: Um total de 49 pacientes foram estudados. As queimaduras observadas chegaram a comprometer até 53% da superfície corporal. Eutrofia esteve presente em mais de 50% da amostra. O estado nutricional foi inversamente proporcional ao tempo de internaçao hospitalar (p=0,0001). A dieta hospitalar atendeu às necessidades de 97,95% dos pacientes em relaçao a calorias e 100% a proteínas, de acordo com a fórmula preditiva de necessidades nutricionais. Cerca de 88% das necessidades de suplementos foram cumpridas. Anorexia foi detectada em 71,43% da amostra, sendo observada em 100% dos pacientes com superfície corporal queimada acima de 21% (p<0,005). Conclusao: A manutençao do estado nutricional se mostrou importante para a recuperaçao do estado clínico. Apesar de a dieta hospitalar e o uso de suplementos atenderem às necessidades nutricionais da maioria dos pacientes, a anorexia limitou as possibilidades da terapia nutricional oral, comprovando a necessidade de estimular o uso de sondas e nutriçao enteral neste centro de queimados.

Palavras-chave: Queimaduras. Pediatria. Criança. Avaliação nutricional.

ABSTRACT

Objective: To describe particularities related to nutrition in pediatric patients with burns and the adherence to dietary prescription in the first specialized center in the Para. Methods: We included patients from zero to ten years, admitted to the Burn Treatment Center of Metropolitan Hospital of Urgency and Emergency State of Para. Methods: Procedures anthropometric, nutritional diagnosis, estimation of nutrient requirements, nutritional value of diets offered, adherence to hospital diets, requirements and use of nutritional supplements and statistical analysis were coTMmpleted. Results: A total of 49 patients were studied. The total body surface area stricken represents 53%. Normal weight was present in more than 50% of the sample. Nutritional status was inversely proportional to the length of hospital stay (p<0.0001). The hospital diet attended the requirements of 97.95% of patients in terms of calories and protein to 100% according to the formula predictive of nutritional needs. About 88% of supplements needs are met. Anorexia was detected in 71.43% of the sample, being observed in 100% of patients with total body surface area over 21% (p <0.005). Conclusion: The maintenance of nutritional status was important for the recovery of clinical table. Although the hospital diet and use supplements meet the nutritional needs of most patients, anorexia has limited the possibilities of oral nutritional therapy, confirming the need to encourage the use of enteral nutrition in the place of study.

Keywords: Burns. Pediatrics. Child. Nutrition assessment.

De acordo com estudos epidemiológicos realizados em diferentes países, a queimadura representa uma das principais causas nao intencionais de acidentes em crianças e adolescentes1-3. A queimadura promove transformaçoes metabólicas sistêmicas, destinadas à reparaçao dos tecidos danificados por meio da mobilizaçao de substratos energéticos para abastecer as reaçoes que consomem adenosina trifosfato (ATP). Este estado dinâmico é denominado hipercatabolismo e pode, em certa extensao, induzir o esgotamento das reservas orgânicas4.

É comum observar em pacientes queimados alteraçoes fisiopatológicas agressivas, incluindo grande perda nitrogenada, deficiência imunológica, desnutriçao, predisposiçao a infecçoes frequentes, deficiência em processos cicatriciais, aumento do tempo de hospitalizaçao e mortalidade5,6.

O estado catabólico é sustentado pela açao de fenômenos inflamatórios, que contam com a liberaçao de citocinas pelos tecidos danificados. Estes mediadores químicos potentes com reconhecida açao no metabolismo basal permanecem presentes por longos períodos após a fase aguda do trauma. As principais citocinas envolvidas nestas reaçoes sao a interleucina 1 (IL-1), interleucina 6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral alfa (TNFα), que também atuam nos mecanismos de depressao imunológica7,8.

O reparo dos tecidos lesados e a ativaçao das defesas imunológicas sao precedidos de uma série de reaçoes adaptativas. As citocinas no metabolismo intermediário e na resposta metabólica ao trauma sao induzidas a gerar proteólise muscular periférica, glicogenólise hepática, neoglicogênese, hipertrigliceridemia, diminuiçao da síntese de albumina, dentre outras reaçoes sistêmicas9.

Como resultado das alteraçoes metabólicas da fase aguda, a anorexia é considerada um achado bastante comum no paciente criticamente enfermo. O estímulo de macrófagos e linfócitos elabora uma variedade de citocinas. É sugerido que muitas alteraçoes fisiológicas e metabólicas produzidas por lesoes agudas aumentam a quantidade de citocinas produzidas pelo hospedeiro, com destaque para o TNF-α. Esta substância pode desencadear um sinal e atuar no surgimento de caquexia associada à infecçao crônica10.

As citocinas estao envolvidas em todas as etapas da resposta imune e inflamatória. Sua açao se faz diretamente no sistema nervoso central, induzindo aumento da liberaçao de leptina, causando anorexia em pacientes submetidos ao estresse metabólico11,12.

A implicaçao desse agravo, em organismos em desenvolvimento, motivou a realizaçao desse estudo com o fim precípuo de caracterizar as particularidades relativas à nutriçao em pacientes pediátricos com queimaduras e sua adesao à prescriçao dietética no primeiro centro especializado do Pará.


MÉTODO

Este estudo obedeceu às Normas Regulamentares de Pesquisa envolvendo Seres Humanos - Resoluçao 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, tendo sua aprovaçao pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital de Clínicas Gaspar Viana, sob registro nº 022/2009. Previamente à inclusao dos pacientes na amostra, houve a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos responsáveis dos pacientes.

Foram inclusos 49 pacientes com idades entre zero e dez anos, de ambos os sexos, internados no Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência (HMUE), em Ananindeua, Pará, no período compreendido entre maio e agosto de 2009. Foram excluídos pacientes cuja condiçao clínica nao permitisse a manipulaçao necessária para a avaliaçao antropométrica, edemaciados e/ou portadores de outras doenças associadas.

A avaliaçao antropométrica foi baseada nas técnicas de mensuraçao descritas por Dias et al.13.

O peso foi aferido pela manha, em jejum, com os pacientes descalços em uso de roupa hospitalar de peso conhecido, sendo utilizada uma balança eletrônica da marca Marte, com variaçao de 50 gramas. Quando em uso de bandagens, o paciente teve seu peso calculado de acordo com a seguinte fórmula:




As bandagens foram pesadas isoladamente em embalagens plásticas lacradas e descontadas do peso do paciente após a sua retirada ao momento do curativo. Esta medida foi adotada com intuito de minimizar as variaçoes de peso que nao correspondessem ao estado nutricional do paciente.

A estatura dos pacientes foi verificada com auxílio de uma escala fixa, com 150 centímetros de comprimento, de marcaçao milimetrada, provida de um dispositivo em ângulo reto. Os pacientes com idade inferior a um ano ou que ainda nao haviam desenvolvido habilidade de deambular ou manter-se de pé, tiveram sua estatura mensurada em decúbito dorsal, sobre superfície horizontal plana, com o mesmo instrumento e técnica utilizada nos demais pacientes.

A classificaçao do estado nutricional foi realizada com auxílio das novas curvas de crescimento, disponibilizadas pela Organizaçao Mundial da Saúde14,15, que permitem tal avaliaçao por meio dos parâmetros: peso, idade, estatura e sexo. Para a determinaçao das necessidades energéticas e protéicas dos pacientes, foi utilizada a fórmula de Pennisi16, desenvolvida especificamente para o público infantil, considerando o percentual de superfície corporal queimada (SCQ), sendo:




Para conhecer o valor nutricional das dietas hospitalares, todos os alimentos que as constituíam foram pesados, conforme o per capta servido em três dias aleatórios. Após esta medida, em consulta à tabela de composiçao química dos alimentos17, foram calculados, proporcionalmente, os valores nutricionais médios oferecidos em cada refeiçao do dia.

O consumo/aceitaçao das dietas foi estimado através da análise do recordatório de 24 horas, igualmente analisado em três dias aleatórios. Termos simples foram utilizados para facilitar o entendimento durante a entrevista.

O uso de suplementos alimentares no CTQ foi instituído com base em parâmetros relacionados direta e indiretamente à queimadura. Pacientes pediátricos com SCQ igual ou maior que 15% tiveram o suplemento alimentar instituído18,19.

A evoluçao cicatricial da ferida, a reduçao da SCQ, a ingestao alimentar e a presença de perda de peso e/ou anorexia também constituíram fatores analisados na introduçao do suporte nutricional.

Os suplementos alimentares utilizados na instituiçao para o público infantil (fórmula 1 e 2) apresentam as seguintes características nutricionais:

    1. Suplemento alimentar infantil nutricionalmente completo, hipercalórico (1,5 kcal/ml), isento de lactose e glúten, enriquecido com mix de fibras e carotenoides, apresentaçao no volume de 200 ml, nos sabores chocolate, morango e baunilha, para crianças a partir de um ano de idade;
    2. Emulsao lipídica 100% Triglicerídeos de cadeia longa (TCL), hipercalórico (4,7 kcal/ml), isento de vitaminas e minerais, sabor morango, apresentaçao no volume de 200 ml.


O uso dos suplementos foi determinado, prescrito e avaliado constantemente. O suplemento 1 foi utilizado como padrao para todos os pacientes que necessitaram de suplementaçao segundo a SCQ%, sendo prescrito em volume de 200 ml, de uma a duas vezes ao dia, dependendo da variaçao e da decorrência dos fenômenos supracitados.

O suplemento 2 por se tratar de um produto de muito alta densidade calórica requer cautela no volume a ser administrado. A prescriçao teve menor frequência, priorizando os pacientes que apresentaram quadro prolongado de anorexia, dificuldade no alcance de suas necessidades energéticas apenas com a dieta oral associada ao suplemento padrao e outras situaçoes clínicas que pudessem interferir negativamente na ingestao energética diária. O uso isolado do produto foi feito em pacientes com anorexia, mas sem SCQ extensa, na tentativa de fornecer alto aporte energético em volumes pequenos. Foram utilizados no volume diário total de 40 a 45 ml, distribuídos de forma fracionada, 20 ml duas vezes ao dia ou 15 ml três vezes ao dia, conforme a necessidade do quadro e a tolerância do paciente.

O uso associado dos suplementos 1 e 2 também constituiu uma prática realizada, geralmente aplicada em pacientes com SCQ acima de 50%, com exposiçao contínua ao jejum, anorexia, apatia, reduçao da competência imunológica e dificuldade na ingestao alimentar.

A análise estatística foi realizada com auxílio do software Bio-Estat 5.0 com aplicaçao do teste de contingência C, nas variáveis pertinentes: tempo de internaçao e estado nutricional; presença de anorexia e SCQ%.


RESULTADOS

Dentre os 49 pacientes, 69,4% da amostra foram representados por crianças com idade inferior a cinco anos, com predomínio do sexo masculino (Tabela 1). Agentes etiológicos de natureza variada foram identificados, sendo os principais compostos por líquidos ferventes, líquidos inflamáveis, chama direta e descarga elétrica. A SCQ esteve distribuída no intervalo de 1 a 53%. Líquidos ferventes e chama direta corresponderam aos agentes mais frequentes, envolvidos em 46,9% e 34,6% dos casos, respectivamente. As queimaduras por líquidos inflamáveis, embora observadas em uma minoria da amostra estudada (12,2%), se mostraram envolvidas nos casos mais graves, com maiores extensoes.




A avaliaçao do estado nutricional foi realizada coletivamente e separada por grupos. A análise global demonstrou que, os pacientes, em sua maioria, encontravam-se eutróficos. A análise de grupos mostrou que os pacientes < 5 anos apresentaram valores similares à análise global e pacientes > 5 anos estavam divididos em duas categorias: eutrofia e sobrepeso, nao sendo observados casos de baixo peso e muito baixo peso (Tabela 2).




Pacientes com sobrepeso apresentaram a menor média de tempo de internaçao e de jejum, enquanto pacientes com muito baixo peso apresentaram o resultado inverso. Observou-se, portanto, que o estado nutricional foi inversamente proporcional à permanência hospitalar e à exposiçao ao jejum (Figura 1).


Figura 1 - Distribuiçao da média de tempo de internaçao e jejum em dias em relaçao ao estado nutricional, 2009, HMUE/PA. Nota: Pacientes com muito baixo peso permaneceram internados por um período de aproximadamente 3 meses e foram submetidos a um número médio de 28 procedimentos que necessitavam de jejum. Em comparaçao aos pacientes eutróficos, observa-se que os pacientes com muito baixo peso permaneceram internados por um período cerca de 480% maior e exposiçao ao jejum superior a 400%.



De acordo com o tempo de internaçao hospitalar e o estado nutricional, os pacientes foram estratificados em 3 grupos. Todos os pacientes com muito baixo peso situaram-se na faixa de maior permanência hospitalar, enquanto a maioria daqueles com sobrepeso situou-se na menor faixa de permanência, p<0,0001 (Tabela 3).




As dietas hospitalares apresentaram propriedades hiperproteica e hipercalórica. Estas compreendiam um plano alimentar composto de seis refeiçoes diárias, providas da adiçao de reforços calóricos em forma de proteínas em pó e leites, distribuídas em horários regulares, com intervalos de três horas.

As dietas normal, branda e pastosa apresentaram valor calórico em torno de 3.000 calorias e distribuiçao de proteínas em torno de 18 a 20%. A dieta líquida-pastosa apresentou em torno de 1.600 calorias e proteínas em torno de 25%.

As necessidades nutricionais foram calculadas e comparadas com a oferta e com a aceitaçao alimentar dos pacientes. A dieta hospitalar prescrita garantiu as necessidades de 97,95% dos pacientes em relaçao a calorias e 100% em relaçao a proteínas, conforme a fórmula matemática de Pennisi. Considerando a aceitaçao da dieta, observa-se uma discreta regressao, com cobertura de 83,67% de calorias e 93,87% de proteínas.

Em relaçao à suplementaçao, mais da metade da amostra apresentou indicaçao de uso e, destes, 88,46% o fizeram. O suplemento número 1 foi utilizado por 69,56% dos pacientes e o suplemento número 2 em 13%. A utilizaçao de ambos os suplementos foi verificada em 17,39% da amostra.

A anorexia esteve presente em 71,43% dos pacientes e mostrou correlaçao diretamente proporcional ao percentual de SCQ. Todos os casos de SCQ igual ou superior a 21% apresentaram anorexia, sendo essa diferença estatisticamente significante (p<0, 005) (Figura 2).


Figura 2 - Distribuiçao de pacientes segundo presença de anorexia e SCQ%, 2009, HMUE/PA. Nota: A anorexia esteve presente em todos os pacientes em estudo. Nas SCQ entre 1 a 10%, a anorexia correspondeu a 40%, quase dobrou nos casos com SCQ de 11 a 20 e apareceu em todos os casos com SCQ acima de 21%.



DISCUSSAO

Os acidentes por queimaduras foram mais expressivos em pacientes com idade superior a 5 anos, do sexo masculino e ocasionados por líquidos ferventes. O envolvimento do sexo masculino em maior proporçao pode ser associado à liberdade conquistada precocemente em relaçao ao sexo feminino, sendo menos vigiados pelos adultos20.

Ainda existe a necessidade de campanhas educativas que enfatizem a profilaxia de acidentes domésticos. Os danos físicos e psicológicos infligidos a esses pacientes, e o alto custo econômico e social justificam esta medida21. Ressalte-se que, o referido trauma constitui, em crianças até os seis anos, a segunda causa de óbito e, em crianças com mais de seis anos, a terceira22.

A defesa aos insultos metabólicos do hipercatabolismo característico da queimadura predispoe o paciente a um quadro carencial e consuptivo, com perda de peso e reduçao da imunocompetência. O estado nutricional de eutrofia, apresentado por aproximadamente 80% da amostra, é favorável e proporcionou aos indivíduos melhores condiçoes de defesa, bem como energia para cicatrizaçao de feridas. É possível que essa seja a justificativa para que pacientes com sobrepeso tenham permanecido internados por um intervalo de tempo mais curto.

A regressao contínua, abrupta e grave do estado nutricional pode ocorrer caso a queimadura atinja grandes proporçoes combinadas ao estado nutricional previamente debilitado e incompatibilidade da oferta nutritiva em relaçao às necessidades nutricionais dos pacientes.

Acredita-se que o comprometimento da resposta orgânica e consequente abalo do progresso clínico, com maior tempo de internaçao e dificuldade na cicatrizaçao das lesoes estejam relacionados ao estado nutricional deficiente23,24.

É amplamente difundido na literatura o conceito de que o consumo excessivo das reservas orgânicas expoe o paciente a longa permanência hospitalar e maior risco de mortalidade. Pacientes com muito baixo peso devem preferencialmente ter acompanhamento diário, com instituiçao de suporte nutricional capaz de suprir suas necessidades energéticas e proteicas.

O objetivo principal da terapia nutricional na queimadura nao visa ao ganho ponderal e sim à sobrevivência do paciente, com o fornecimento de substratos energéticos para manutençao da resposta sistêmica e defesa orgânica, recuperaçao da condiçao metabólica e nutricional, auxílio no controle hídrico e eletrolítico além de otimizar a evoluçao em longo prazo.

É importante lembrar que lesoes ou doenças agudas produzem respostas de hipermetabolismo e catabolismo muscular que nao podem ser revertidas ou abolidas com a instituiçao da terapia nutricional. Pacientes queimados graves acamados e em sepse nao irao ganhar peso, pois o tratamento da infecçao e a consolidaçao das feridas devem ser primeiramente revertidos para posteriormente obter resultados mais visíveis da terapia nutricional25.

A inadequaçao da ingestao alimentar no ambiente hospitalar aumenta a prevalência e o grau de desnutriçao, além de estar associada ao aumento da mortalidade, morbidade e tempo de permanência hospitalar.

A dieta hospitalar apresentou bom padrao para a demanda exigida pelas queimaduras, cobrindo percentuais bastante satisfatórios no fornecimento de calorias e proteínas. Apesar disto, é importante lembrar que fórmulas preditivas nao sao o método mais confiável para determinar essas necessidades. Apesar dos casos de anorexia terem apresentado impactos negativos consideráveis na terapia nutricional ao longo da internaçao, a cobertura total de calorias e proteínas teve um bom resultado para a terapia.

O comportamento em que uma exagerada restriçao alimentar é adotada nao é, na grande maioria dos casos, atribuído a questoes relacionadas à apresentaçao ou sabor das dietas oferecidas. O estado clínico do paciente, caracterizado pela presença de intensa anorexia, especialmente em pacientes com SCQ maior que 20% é explicado pelo processo catabólico. Além disto, a recusa alimentar de pacientes pediátricos enfermos pode resultar de um mecanismo psicológico de defesa a situaçoes dolorosas a que estes estao expostos durante sua permanência hospitalar. Do mesmo modo, devemos lembrar que a exposiçao contínua ao jejum para realizaçao de procedimentos cirúrgicos interfere negativamente na alimentaçao destes pacientes.

A introduçao do suporte nutricional precoce é fundamental para aperfeiçoar a oferta nutritiva e a manutençao do estado nutricional. Alguns autores relatam que o uso de sonda nasoenteral é de grande importância, pois previne a translocaçao bacteriana e preserva melhor a resposta a acometimentos sépticos26.

Devido à ocorrência de anorexia, o suporte nutricional deve ser incentivado, visto que esta prática se apresentou bastante limitada no local do estudo.

O alto custo de métodos precisos de avaliaçao nutricional dificulta o conhecimento e o acompanhamento contínuo do estado metabólico e oxidaçao de substratos de pacientes queimados. Outras grandes limitaçoes relativas à avaliaçao nutricional se aplicam na realizaçao de enxertos e consequente imobilizaçao no leito, presença de edema, dores excessivas ao menor movimento, mudanças de humor e dificuldades de cooperaçao do paciente.

A avaliaçao contínua da composiçao corporal do paciente queimado se torna um desafio para o profissional da nutriçao. Por esta razao, sugere-se a padronizaçao de cama balança em centros de queimados, de preferência no bloco cirúrgico e sala de curativos.

O acompanhamento nutricional deve ser realizado por um profissional capacitado, apto a realizar um trabalho individualizado, considerando cada uma das particularidades descritas. Desta forma, será possível instituir o suporte nutricional de forma coerente, auxiliando a resposta sistêmica.

A cicatrizaçao de feridas é um processo lento e contínuo. É importante obter o cálculo da área queimada semanalmente, pois a evoluçao cicatricial promove uma diminuiçao da área queimada e interfere nas necessidades nutricionais do paciente. O nutricionista deve sempre tomar ciência desta evoluçao para reavaliar as necessidades nutricionais e analisar constantemente o uso de suplementos, evitando a banalizaçao de seu uso, hiperalimentaçao e/ou aumento de custos hospitalares.

A disponibilidade de suplementos alimentares infantis proporcionou o aumento da oferta energética em pequenos volumes, melhorando o padrao alimentar por aumentar a ingestao total sem gerar sobrecargas, além da melhor adesao à terapia nutricional. Estas circunstâncias conferem aos suplementos utilizados no local do estudo características satisfatórias. Os suplementos alimentares devem sempre ser prescritos por um profissional da área com conhecimento técnico, evitando assim a inadequaçao de seu uso.


CONCLUSAO

A Terapia Nutricional na queimadura é extremamente complexa e ainda repleta de questionamentos. Acredita-se que, futuramente, métodos precisos de aferiçao do gasto energético estejam amplamente disponíveis em unidades de atendimento a pacientes criticamente enfermos, dispensando o emprego de fórmulas matemáticas estimativas.

A manutençao do estado nutricional se mostrou importante para a recuperaçao do estado clínico. Apesar de a dieta hospitalar e o uso de suplementos atenderem às necessidades nutricionais da maioria dos pacientes, a anorexia limitou as possibilidades da terapia nutricional oral e, por isso, o uso de sondas e nutriçao enteral deve ser incentivado no local de estudo.


AGRADECIMENTOS

A professora Eliete da Cunha Araújo, por ter acreditado na causa e pela honra de sua orientaçao.


REFERENCIAS

1. Chester DL, Jose RM, Aldlyami E, King H, Moiemen NS. Non-accidental burns in children: are we neglecting neglect? Burns. 2006;32(2):222-8.

2. Frans FA, Keli SO, Maduro AE. The epidemiology of burns in a medical center in the Caribbean. Burns. 2008;34(8):1142-8.

3. Machado THS, Lobo JA, Pimentel PCM, Serra MCVF. Estudo epidemiológico das crianças queimadas de 0-15 anos atendidas no Hospital Geral do Andaraí, durante o período de 1997 a 2007. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):3-8.

4. Schulman CI, Ivascu FA. Nutritional and metabolic consequences in the pediatric burn patient. J Craniofac Surg. 2008;19(4):891-4.

5. De-Souza DA, Greene LJ. Pharmacological nutrition after burn injury. J Nutr. 1998;128(5):797-803.

6. Barbosa ASAA, Calvi SA, Pereira PCM. Nutritional, immunological and microbiological profiles of burn patients. J Venom Anim Toxins Incl Trop Dis. 2009;15(4):768-77.

7. Nguyen TT, Gilpin DA, Meyer NA, Herndon DN. Current treatment of severely burned patients. Ann Surg. 1996;223(1):14-25.

8. Saffle RJ. What's new in general surgery: burns and metabolism. J Am Coll Surg. 2003;196(2):267-89.

9. Cardoso RM, Shima M, Fernandes Júnior CJ. Terapia nutricional no paciente queimado. In: Knobel E, Oliveira RMC, Cal RGR, eds. Terapia intensiva: nutriçao. Sao Paulo:Atheneu;2005.

10. Michie HR, Sherman ML, Spriggs DR, Rounds J, Christie M, Wilmore DW. Chronic TNF infusion causes anorexia but not accelerated nitrogen loss. Ann Surg. 1989;209(1):19-24.

11. Borish LC, Steinke JW. Cytokines and chemokines. J Allergy Clin Immunol. 2003;111(2 Suppl):S460-75.

12. Cederholm T, Wretlind B, Hellstrom K, Andersson B, Engstrom L, Brismar K, et al. Enhanced generation of interleukins 1 beta and 6 may contribute to the cachexia of chronic disease. Am J Clin Nutr. 1997;65(3):876-82.

13. Dias MCG, Horie LM, Waitzberg DL. Exame físico e antropometria. In: Waitzberg DL, ed. Nutriçao oral, enteral e parenteral na prática clínica. v.1. Sao Paulo:Atheneu;2009.

14. World Health Organization. WHO Child Growth Standards: Length/ height-for-age, weight-forage, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age. Methods and development. WHO (nonserial publication). Geneva: WHO;2006.

15. Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007;85(9):660-7.

16. Pennisi VM. Monitoring the nutritional care of burned patients. J Am Diet Assoc. 1976;69(5):531-3.

17. Pinheiro ABV. Tabela para avaliaçao de consumo alimentar em medidas caseiras. Sao Paulo:Atheneu;2004.

18. Piccolo NS, Correa MD, Amaral CR, Leonardi DF, Novaes FN, Prestes MA, et al. Projeto Diretrizes: Queimaduras. Brasil:Associaçao Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina;2002.

19. Deitch EA. Nutritional support of the burn patients. Crit Care Clin. 1995;11(3):735-50.

20. Harada MJCS, Botta MLG, Kobata CM, Szauter IH, Dutra G, Dias EC. Epidemiologia em crianças hospitalizadas por acidentes. Folha Med. 2000;119(4):43-7.

21. Angel C, Shu T, French D, Orihuela E, Lukefahr J, Herndon DN. Genital and perineal burns in children: 10 years of experience at a major burn center. J Pediatr Surg. 2002;37(1):99-103.

22. Drago DA. Kitchen scalds and thermal burns in children five years and younger. Pediatrics. 2005;115(1):10-6.

23. Thomas DR. Specific nutritional factors in wound healing. Adv Wound Care. 1997;10(4):40-3.

24. Stucky CC, Moncure M, Hise M, Gossage CM, Northrop D. How accurate are resting energy expenditure prediction equations in obese trauma and burn patients? JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2008;32(4):420-6.

25. Wolfe RR, Martini WZ. Changes in intermediary metabolism in severe surgical illness. World J Surg. 2000;24(6):639-47.

26. Wischmeyer PE, Lynch J, Liecel J, Wolfson R, Riehm J, Gottlieb L, et al. Glutamine administration reduces Gram-negative bacteremia in severely burned patients: a prospective, randomized, double blind trial versus isonitrogenous control. Crit Care Med. 2001;29(11):2076-80.










1. Nutricionista, especialista em Nutriçao Clínica, Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA, Brasil.
2. Médica, Professora Associada II de Pediatria, Doutora em Medicina Tropical, UFPA, Belém, PA, Brasil.
3. Nutricionista, Professor Adjunto I de Fisiopatologia, Doutor em Neurociências e Biologia Celular, UFPA, Belém, PA, Brasil.

Correspondência:
Eliete da Cunha Araújo
Praça Camilo Salgado, 1 - Umarizal
Belém, PA, Brasil - CEP: 66050-060
E-mail: elieteca@ufpa.br

Recebido em: 20/10/2010
Aceito em: 8/1/2011

Trabalho realizado na Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA.

© 2024 Todos os Direitos Reservados