1297
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Avaliação do consumo alimentar de pacientes queimados internados em um hospital público do Distrito Federal

Evaluation of food consumption of burn patients admitted to a public hospital in the Federal District

Lidiane Oliveira Lima da Silva1; Rayssa Santa Cruz Monteiro2; Lilian Barros de Sousa Moreira Reis3

DOI: 10.5935/2595-170X.20230013

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o consumo alimentar dos pacientes queimados hospitalizados no processo de cicatrização.
MÉTODO: Estudo transversal, quantitativo, com coleta de dados prospectivos. A coleta ocorreu no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), no período de março de 2022 a maio de 2022, com 113 dias alimentares de 24 pacientes hospitalizados. A coleta de dados foi realizada com ficha pré-estabelecida (número de prontuário, sexo, faixa etária, percentual de área queimada e tipo de queimadura). Para calcular as necessidades nutricionais, foi utilizada a equação de Toronto. A análise dos dados coletados aconteceu a partir do software Avanutri PC, sendo uma análise quantitativa dos macronutrientes (proteína, lipídios e carboidratos) e micronutrientes (zinco, vitamina C, vitamina A, vitamina E e selênio).
RESULTADOS: Os recordatórios alimentares foram calculados com e sem suplementação. Nos dias com suplementação a adequação calórica aumentou, sendo que a maioria, 39,8%, conseguiu atingir mais de100% das recomendações e 29,2% conseguiu permanecer dentro de 75-100% das necessidades energéticas diária e todas as vitaminas e minerais também aumentaram sua adequação, sendo vitamina A antes da suplementação 406,1mg e após a suplementação 531,4mg, vitamina C antes 462,2mg e 626,4mg após, vitamina E 8,3mg antes e 31,2mg após, zinco 11,8mcg antes e após 18,7mcg e selênio 54,4mg antes e 99,5mg após a suplementação.
CONCLUSÕES: A nutrição desempenha um papel muito importante na recuperação de pacientes queimados, contribuindo para a cicatrização de feridas, prevenção de infecções, manutenção do peso corporal e minimização de complicações. É essencial que esses pacientes recebam suplementação adequada para auxiliar seu processo de cicatrização.

Palavras-chave: Queimaduras. Ingestão de Alimentos. Necessidade Energética. Suplementos Nutricionais. Cicatrização.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the food consumption of hospitalized burn patients in the healing process.
METHODS: Cross-sectional, quantitative study, with prospective data collection. The collection took place at the Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), from March 2022 to May 2022, with 113 days of eating from 24 hospitalized patients. Data collection was carried out using a pre-established form (medical record number, sex, age group, percentage of burned area and type of burn). To calculate nutritional needs, the Toronto equation was used. The analysis of the collected data took place using the Avanutri PC Software, being a quantitative analysis of macronutrients (protein, lipids and carbohydrates) and micronutrients (zinc, vitamin C, vitamin A, vitamin E and selenium).
RESULTS: Dietary recalls were calculated with and without supplementation, on days with supplementation caloric adequacy increased, with the majority, 39.8%, managing to achieve more than100% of recommendations and 29.2% managing to remain within 75-100% of daily energy needs and all vitamins and minerals also increased their adequacy, with vitamin A before supplementation 406.1mg and after supplementation 531.4mg, vitamin C before 462.2mg and 626.4mg after, vitamin E 8.3mg before and 31.2mg after, zinc 11.8mcg before and after 18.7mcg and selenium 54.4mg before and 99.5mg after supplementation.
CONCLUSIONS: Nutrition plays a very important role in the recovery of burn patients, contributing to wound healing, preventing infections, maintaining body weight and minimizing complications. It is essential that these patients receive adequate supplementation to aid their healing process.

Keywords: Burns. Eating. Energy Requirement. Dietary Supplements. Wound Healing.

INTRODUÇÃO


A queimadura é uma lesão dos tecidos orgânicos, consequente, na maioria das vezes, de um trauma de origem térmica, que varia desde uma pequena bolha até formas graves, podendo levar à desfiguração, incapacidade e até a morte, em alguns casos. Estudos têm sido realizados procurando encontrar soluções eficazes que reduzam os efeitos de infecção e que favoreçam e acelerem o processo cicatricial, oferecendo melhores resultados estéticos1.


Sendo considerada uma das formas mais graves de trauma, ocupa a quarta posição, ficando atrás somente de acidentes de trânsito, quedas e violências. A queimadura pode acometer o público de todas as idades, sendo estimada como um dos maiores problemas de saúde pública, com elevados números de casos e internações hospitalares2.


São observadas em pacientes queimados alterações fisiopatológicas, incluindo perda nitrogenada, deficiência imunológica, desnutrição, predisposição a infecções frequentes, deficiência em processos cicatriciais, aumento do tempo de hospitalização e mortalidade3.


Ao avaliar todos os fatores que estão conectados metabolicamente, observa-se os prejuízos ao estado nutricional desses indivíduos, visto que o hipermetabolismo pode resultar numa perda significante de massa muscular, comprometimento do sistema imunológico e, consequentemente, atraso na cicatrização de feridas4.


Um dos motivos para um hipermetabolismo prolongado importante no paciente queimado tem como causa a resposta ao estresse endócrino, resposta inflamatória (múltiplos mediadores), idade, sexo e a extensão e momento da cicatrização da ferida. Devido ao aumento da taxa metabólica basal (TMB), é possível haver um crescimento exponencial, e persistir após a lesão4.


A oferta alimentar desses pacientes queimados se baseia em uma dieta hipercalórica e hiperproteica, uma vez que este estado hipermetabólico e hipercatabólico pode persistir com sarcopenia secundária, disfunção multiorgânica, sepse e risco aumentado de mortalidade, ou seja, o déficit calórico, o balanço proteico negativo e a deficiência de micronutrientes antioxidantes após queimaduras estão associados a maus resultados clínicos e, consequentemente, maior tempo de internação5.


O suporte nutricional é um conjunto de medidas destinadas a fornecer nutrientes com propósitos terapêuticos, visando atender às necessidades do paciente, prevenir complicações e evitar agravamento da condição de saúde. O gasto energético de um paciente gravemente queimado varia dependendo do tipo de lesão, grau de atividade do paciente, estágio da doença e seu estado nutricional antes do ocorrido. Para calcular esse gasto energético, várias fórmulas descritas na literatura utilizam informações como peso, altura, idade, sexo e a superfície corporal queimada (SCQ)6.


O aumento do gasto energético é um fator importante na ocorrência de desnutrição por falta nutrientes suficientes, e é por isso que é necessário fornecer um suporte nutricional específico e personalizado para pacientes com mais de 20% de queimaduras na superfície corporal, que são considerados "grandes queimados" de acordo com as diretrizes da ESPEN7.


Portanto, a suplementação nutricional tem como objetivo garantir que o paciente receba a quantidade adequada de energia e nutrientes específicos para melhorar a recuperação corporal e preservar sua massa muscular. É fundamental realizar avaliações contínuas durante as fases de elevado catabolismo para promover a recuperação do paciente, já que a oferta inadequada de calorias pode prejudicar o processo de cicatrização das lesões6.


A calorimetria indireta (CI) é o padrão-ouro para a determinação das necessidades energéticas tanto em adultos quanto em crianças. A ESPEN recomenda que, na ausência de CI, seja usada a equação de Toronto, 19906, que é baseada em múltiplas análises de regressão de um número importante de estudos calorimétricos, sendo uma alternativa bem validada atualmente7.


Em relação à proteína, a recomendação é que sejam fornecidas de 1,5 a 2,5g/kg/dia, com objetivo de estimular a síntese proteica e favorecer o processo de cicatrização6. No entanto, a administração de proteínas acima destes valores pode ser necessária para pacientes com queimaduras graves, de modo que devem ser avaliados individualmente5.


Os minerais mais importantes para o processo de cicatrização são o zinco, o selênio e as vitaminas A, C e E. O zinco é um mineral que exerce um papel essencial no processo cicatricial; em torno de 15 a 20% do estoque corporal de zinco encontra-se na pele, logo, a destruição da epiderme, junto às perdas urinárias e cutâneas frequentes, acaba colocando em risco o status de zinco em pacientes queimados8.


O selênio é um mineral que auxilia no processo de cicatrização, devido a sua participação na gênese da glutationa peroxidase, enzima responsável por proteger as células contra os danos oxidativos na fase inflamatória9.


Quanto à vitamina A, ela possui o papel de conservação da epiderme, além de ser necessária para a formação de glicoproteínas e prostaglandinas8. Sua carência retarda a reepitelização de feridas, prejudica a síntese de colágeno e função imunológica6.


A vitamina C é um micronutriente indispensável para o processo de cicatrização, uma vez que interfere na capacidade do fibroblasto em produzir colágeno, acentua a ativação dos neutrófilos e macrófagos no ferimento, e sua deficiência pode ocasionar produção de colágeno instável pelos fibroblastos, prejudicando a defesa antibacteriana local, e aumenta as chances de sangramentos em feridas recém-cicatrizadas8.


Já a vitamina E é muito importante nesse processo, devido agir na prevenção da oxidação das membranas, aceleração do processo cicatricial, e prevenção no desenvolvimento de escaras hipertróficas8.


O paciente queimado possui um tratamento bastante específico e, como rotina, a balneoterapia (terapêutica por meio de banhos) é um dos cuidados incluídos, podendo ser realizada com ou sem anestesia, com o principal objetivo de limpeza da queimadura por meio da aplicação de água corrente e clorada. Como também, o desbridamento do tecido comprometido, por meio da aplicação de antissépticos, realizando a desinfecção10.


Dessa forma, é necessário ter o conhecimento de quantas calorias estes pacientes estão consumindo comparadas às suas necessidades, que se tornam muito altas. Vários fatores envolvem a diminuição da ingestão alimentar, como o quadro clínico do paciente, as restrições alimentares geradas, jejuns para exames, cirurgias (como enxertos ou curativos) e o tempo de internação, por exemplo3. Considerando isso, o objetivo desse trabalho é avaliar o consumo alimentar dos pacientes queimados hospitalizados no processo de cicatrização e distinguir fatores que interferem na oferta e aceitação da dieta desses pacientes.


 


MÉTODO


Estudo transversal, pesquisa quantitativa, com coleta de dados prospectivos. A coleta de dados ocorreu no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), em Brasília-DF, no período de março de 2022 a maio de 2022, na Unidade de Queimados, local referência no Centro-Oeste. O projeto foi aprovado no CEP no dia 31/01/2022, CAAE nº 55420922.5.0000.5553.


O estudo foi realizado com 24 pacientes admitidos na enfermaria, de ambos os sexos. Foram incluídos para avaliação de consumo alimentar os pacientes hospitalizados que estiveram aptos a responder questionários; autorizaram a participação no estudo e eram maiores de 18 anos. E foram excluídos os pacientes que não estavam aptos a responder questionários, para não interferir na comunicação durante a coleta de dados; gestantes e/ou nutrizes e crianças, devido alterações no metabolismo basal; além de pacientes utilizando sonda nasoenteral (SNE).


O Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) é um dos principais centros de referência no Brasil para o tratamento de pacientes queimados. Conforme informado pela gestão do hospital, a instituição dispõe de aproximadamente 222 leitos de internação distribuídos do 2º ao 7º andar. Além disso, o pronto-socorro conta com 70 leitos, a unidade de terapia intensiva (UTI) possui 20 leitos, e a unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) oferece 12 leitos.


No que diz respeito à unidade de queimados, há 26 leitos disponíveis, dos quais 16 estão registrados junto ao Ministério da Saúde, e os outros 10 são destinados a casos de emergência, segundo informações coletadas no próprio hospital.


A primeira etapa do estudo foi composta por um convite aos pacientes a participarem da pesquisa. Após a assinatura de duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, composto de informações em linguagem simples, sendo uma via entregue ao paciente, foi feita a coleta de dados a partir de ficha pré-estabelecida com número de prontuário, sexo, faixa etária, percentual de área queimada e tipo de queimadura.


A coleta de dados abordou a aplicação de um questionário de cinco dias consecutivos (não incluindo o final de semana), no qual houve o relato da quantidade de sua ingestão alimentar referente a cada refeição, sendo realizada uma conferência da dieta junto com o paciente e, com base nessas informações, foi possível elaborar cálculos para avaliação da ingestão desses pacientes e considerando as necessidades nutricionais através da equação de estimativa sugerida por Toronto, 19906, totalizando 113 dias de registros alimentares.


Alguns pacientes utilizaram suplemento imunomodulador, fornecimento padronizado pela SES-DF (Secretaria de Saúde do Distrito Federal), específico para pacientes que necessitem de um alto aporte proteico e calórico e com micronutrientes que estimulam a cicatrização, de acordo com sua necessidade (quanto maior a SCQ, mais suplementos eram fornecidos ao longo do dia), sem um padrão quantitativo a ser seguido e variando da individualidade de cada paciente.


A análise dos dados coletados aconteceu a partir do software Avanutri PC, com base na Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO)11, Philippi12, e IBGE, sendo uma análise quantitativa inicial dos macronutrientes (proteína, lipídios e carboidratos) para cálculo de calorias e micronutrientes (zinco, vitamina C, vitamina A, vitamina E e selênio).


Para análise dos resultados, foi utilizado o percentual de adequação do consumo alimentar e comparados com valores de referência específicos para pacientes queimados5,8,13 no programa Microsoft Excel 2007 e, ao final, analisado se a população de queimados está tendo uma ingestão nutricionalmente adequada para cicatrização das queimaduras, conforme sua necessidade, e uma avaliação que justifique essa quantidade.


 


RESULTADOS


Foram analisados 113 dias de consumo alimentar hospitalar de 24 pacientes. Entre os pacientes, 66,7% (N=16) eram do sexo masculino e 33,3% (N=8) do sexo feminino. A média de idade foi de 45,9±9,9, sendo a idade mínima de 32 anos e a máxima de 83 anos. Dentre os adultos, 38,1% (N=8) apresentou IMC eutrófico, 33,4% (N=7) sobrepeso, 9,5% (N=2) obesidade grau I, 9,5% (N=2) obesidade grau II e 9,5% (N=2) magreza grau I. Em relação aos idosos, que apresentavam idades de 60 a 83 anos, sendo 12,5% (N=3) da amostra, 33,3% (N=1) classificou-se em magreza, 33,3% (N=1) eutrofia e 33,3% (N=1) excesso de peso, segundo Lipschitz14.


Foi realizado acompanhamento com uma variação de 3 a 5 dias coletados de cada um devido alta rotatividade na clínica, não sendo possível padronizar os 5 dias para toda a amostra. Dentre a amostra, 20 pacientes (83,34%) preencheram 5 recordatórios, 1 paciente (4,16%) preencheu 4 recordatórios e 3 pacientes (12,5%) preencheram 3 dias de recordatório.


Dentre as causas, 62,5% (N=15) da queimaduras foram ocasionadas por chamas, seguidas de 8,33% por eletricidade (N=2), e demais causas: gasolina, queimadura por cimento, ferro de solda, asfalto quente, óleo quente, fenitoína e soda cáustica (representando N=1 cada ocasião citada).


Na pesquisa, analisando o grupo de pacientes que sofreram queimaduras, observamos a extensão dessas em cada paciente. Alguns pacientes tiveram queimaduras de menor gravidade, afetando menos de 10% de sua superfície corporal, o que incluiu 14 pacientes na amostra, com percentagens variando de 1% a 10% de Superfície Corporal Queimada (SCQ).


Outros pacientes apresentaram queimaduras um pouco mais extensas, afetando de 10% a 20% de sua superfície corporal, abrangendo 6 pacientes na amostra com SCQ de 12%, 14%, 15%, 16% e 20% (2 pacientes). Por fim, um grupo de pacientes com queimaduras mais graves, afetando mais de 20% de sua superfície corporal. Esses pacientes foram classificados como "grandes queimados" e consistiram em 4 casos, com SCQ de 25%, 28%, 36% e 50%.


Na análise do percentual de aceitação das refeições dentre esses dias, a maioria dos pacientes 60,1% (N=68) apresentou ingestão 0% no café da manhã e na colação, porém no restante das refeições, a aceitação de grande parte foi de 100%, conforme o Quadro 1.


 



 


Analisando os motivos que esclarecessem a baixa ingestão das refeições durante todo o dia, foram padronizadas justificativas para esses pacientes, conforme rotina da clínica e quantos apresentaram aceitação 100%, conforme o Quadro 2.


 



 


Após a suplementação, o percentual de adequação de calorias aumentou conforme classificações, sendo que a maioria 39,8% (N=45) conseguiu atingir mais de 100% das recomendações e 29,2% (N=33) conseguiram permanecer dentro de 75-100% da necessidade energética diária, como mostrado no Quadro 3.


 



 


Foram analisados consumo das calorias totais do dia, vitaminas A, E, C, selênio e zinco, comparados ao uso e sem o uso de suplemento, para verificar a diferença que ocasiona. Esses nutrientes foram separados em ingestão de até 25%; 25-50%; 50-75%; 75-100% e >100%, considerando recomendações de suplementação, conforme os Quadros 4 e 5.


As recomendações diárias para pacientes queimados são valores citados na literatura mais recorrente5,8,13.


 



 


 



 


DISCUSSÃO


É relevante neste estudo a constatação da ausência de algumas refeições, principalmente do café da manhã, e o consumo alimentar inadequado nos pacientes queimados hospitalizados. Estes dados estão de acordo com os resultados encontrados na literatura. Não houve cálculo amostral para realização da pesquisa.


Um estudo que discorre sobre a percepção de um paciente cirúrgico queimado em relação à sede e seu manejo no período pré e pós-operatório imediato cita que a finalidade do jejum pré-operatório é garantir o esvaziamento gástrico, evitando a broncoaspiração associada à diminuição dos reflexos protetores do esfíncter esofágico ocasionada pela indução anestésica15.


No entanto, neste mesmo estudo a American Society of Anesthesiologists (ASA) recomenda até duas horas de jejum para líquidos claros sem resíduos, seis horas para refeições leves e oito horas para refeições com maior quantidade de gordura. Mas o período de jejum pré-anestésico acima do recomendado ainda é frequentemente encontrado na prática clínica15, como no presente estudo, em que a maioria dos pacientes não consumiu o café da manhã e nem a colação devido a este jejum prolongado.


Estudo de Braga et al.8, realizado com 25 indivíduos, analisou o consumo alimentar de macro e micronutrientes e mostrou, em relação ao tipo de queimadura, uma predominância de fatores térmicos (óleo ou líquido escaldante e chama direta), comprometendo 19 pacientes (76%); seguidos de queimadura elétrica - 6 (24%). Isso é demonstrado também em outro estudo, cujo objetivo foi avaliar a probabilidade de adequação do consumo alimentar de cobre e zinco de pacientes queimados hospitalizados na cidade de Fortaleza; os agentes lesivos do tipo térmico alcançaram percentual maior (61,90%) do que o tipo elétrico na população total16, resultado semelhante ao ser comparado com o presente estudo.


Em relação aos micronutrientes, foi observado em Braga et al.8 que os valores de zinco, selênio, vitamina C e vitamina E apresentaram médias inferiores ao recomendado, entretanto, a vitamina A excedeu o valor de recomendação. O resultado foi similar comparando a ingestão de vitamina E no presente estudo, porém divergente quando se observa a vitamina C, que atingiu ingestão entre 75-100% e >100%, e vitamina, A que conseguiu atingir entre 50-75% da recomendação com suplementação8.


Nesta mesma análise, também observou-se que a média da ingestão de zinco estava abaixo do recomendado. Resultado semelhante no presente estudo, porém com uma melhora após a suplementação (alguns pacientes conseguiram atingir entre 50-75%). O consumo de selênio mostrou-se bastante reduzido quando comparado com a referência (500mg/dia), em ambos os estudos8.


A vitamina A demonstra ser benéfica no processo de cicatrização de feridas, sendo mais evidente o impacto negativo quando há deficiência desse nutriente durante a fase de fechamento das lesões. Durante situações de lesões graves ou estresse, as demandas por vitamina A aumentam significativamente. Lesões como queimaduras, fraturas e até mesmo cirurgias eletivas podem resultar na redução dos níveis séricos de vitamina A, proteína ligadora de retinol (RBP), ésteres de retinil e β-caroteno17.


A deficiência de vitamina A manifesta-se como um retardo no processo de reparo de feridas, especialmente em pacientes gravemente feridos, como aqueles vítimas de queimaduras17.


Quanto à dosagem recomendada, a ingestão diária de vitamina A conforme a dose dietética recomendada (RDA) é de 800RAE ou 2.700UI. Sugere-se evitar doses a longo prazo superiores a 3.000-4.000UI. A toxicidade aguda pode ocorrer com uma dose única acima de 300.000UI, enquanto a toxicidade crônica está associada à ingestão prolongada de doses 10 vezes superiores à RDA (33.000UI ou 10.000μg) diariamente por alguns meses. É importante destacar que doses diárias de 10.000 UI ou 3.000μg podem resultar em efeitos teratogênicos17.


A média da ingestão de vitamina A (9167,26UI/dia) esteve de acordo com o valor referencial (5000UI/dia) em um estudo com pacientes queimados, o que contraria os resultados apresentados, pois nenhum paciente conseguiu alcançar entre 50-100% da recomendação antes da suplementação no estudo atual. Já a média da ingestão de vitamina C neste mesmo estudo (125mg/dia), mostrou-se abaixo do valor recomendado (1000mg/dia), divergente da atual análise. O consumo médio de vitamina E (14,42mg/dia) do mesmo artigo citado anteriormente, mostrou-se bastante reduzido em relação ao que deveria ser ingerido (100mg/dia), confirmando resultados apresentados8.


A suplementação de até 500mg de selênio/dia, durante três semanas, pareceu segura e eficaz em queimados graves, segundo Aguiar et al.18, resultando em maior número de leucócitos e redução da IL-6. Observou-se, também, redução do catabolismo proteico associada à melhora na cicatrização de feridas e reduzida necessidade de cirurgia, diminuindo, assim, o tempo de UTI e internação hospitalar, mas a incidência de infecções na pele não foi alterada18.


Rehou et al.19 observaram redução nos marcadores inflamatórios, menor resposta hipermetabólica e menor tempo de internação quando ofertada suplementação via oral, com suplemento hipercalórico, com densidade calórica de 1,5Kcal/ml.


Um estudo, cujo objetivo era descrever a trajetória da construção de um protocolo de terapia nutricional para pacientes queimados em um centro de tratamento de referência, mostrou que a análise das estimativas das necessidades energéticas também permitiu observar que, em alguns casos, a dieta oral padrão ofertada na unidade, considerando a consistência normal/branda (utilizadas com maior frequência e de mesmo valor calórico e proteico), não supriria as necessidades nutricionais do paciente ainda que houvesse aceitação plena da dieta20. Isso contraria o presente estudo, que mostra que a maioria conseguiu atingir a necessidade nutricional calórica, mesmo sem a suplementação, correspondendo a 61% (N=69), com ingestão entre 75% a mais de100% do recomendado.


No presente estudo, 39,8% dos pacientes apresentaram um consumo energético maior que 100% da recomendação após a suplementação, porém outros estudos citam que, por mais que apresentem média de oferta e de consumo superior ao recomendado, não se observou nenhuma contraindicação, sintomas ou sinais que demonstrassem prejuízos aos pacientes, já que o estado hipercatabólico permitia este consumo elevado3.


Segundo Berger & Chiolero21, grandes queimaduras induzem a uma severa depressão nos níveis de cobre, zinco e selênio, especialmente na primeira semana após o acidente. Estudos têm mostrado que os níveis séricos podem ser restaurados com a suplementação de elementos traços em quantidades de 6 a 8 vezes acima daquela recomendada pela RDA (Recommended Dietary Allowances) e associados com a diminuição significativa de infecções pulmonares e menor tempo de internação22.


No presente estudo foram mostrados motivos que descrevem que a maioria dos dias analisados, 60,1% (N=68) apresentaram ingestão 0% no café da manhã, devido procedimentos rotineiros na clínica. Estudos mostram que ingerir carboidratos até 2 horas antes da operação diminui a resistência à insulina relacionada a trauma cirúrgico, determina melhor satisfação do paciente, reduz irritabilidade, ansiedade, sensação de sede e fome, aumenta o pH gástrico, reduz a resposta catabólica ao estresse cirúrgico, náuseas e vômitos no pós-operatório23.


Uma dificuldade em comum encontrada em vários estudos é a falta de consenso sobre quando e como suplementar vitaminas e oligoelementos. Apesar da reconhecida importância das vitaminas e dos oligoelementos durante o processo de cicatrização, e das perdas que ocorrem após o trauma por queimadura, dados sobre como e quando suplementá-los de forma adequada no paciente queimado ainda não são consenso na literatura científica20.


Em um estudo24, quando as concentrações de proteína C reativa ultrapassaram os 80mg/L, ocorreu uma diminuição significativa, com mais da metade da redução nas vitaminas C e A, 48% de diminuição no selênio, 41% na vitamina D e 20% no zinco. A combinação de ingestão inadequada e aumento nas perdas resulta em deficiências que podem ter impactos adversos na cicatrização de feridas, na função imunológica e na resposta inflamatória24.


Vários trabalhos publicados até o momento evidenciam a participação dos antioxidantes e imunomoduladores como a glutamina, arginina, ômega-3, vitamina A, vitamina C, vitamina E, zinco e o selênio, sendo que todos auxiliam na recuperação da injúria, reduzindo o tempo de cicatrização da ferida, fortalecendo o sistema imunológico e, no caso da glutamina, evitando a translocação bacteriana e sepse, e reduzindo, também, o tempo de internação. Não houve estudos que evidenciaram contraindicações na suplementação desses nutrientes6.


A terapia nutricional deve ser ajustada e programada para suprir as necessidades diárias de nutrientes, considerando não só o momento metabólico, mas também a programação cirúrgica durante o período de internação do paciente, já que são vários os procedimentos de balneoterapia, desbridamento e enxertia22. Essa programação pode proporcionar menos tempo de jejum e assim maiores adequações nas necessidades nutricionais dos pacientes queimados hospitalizados.


Do ponto de vista clínico, a administração de alimentação enteral geralmente apresenta menor risco de complicações infecciosas, é mais alinhada com os processos fisiológicos do corpo e, em muitos casos, é economicamente mais viável em comparação com o suporte parenteral. Além disso, é bem tolerada pela maioria dos pacientes queimados. O processo de decisão para a terapia nutricional demanda uma abordagem criteriosa, considerando a segurança do uso de nutrição enteral ou parenteral, bem como a intensidade na oferta de nutrientes, levando em conta a gravidade da condição do paciente e sua resposta ao tratamento25.


Conforme o consenso unânime de especialistas, recomenda-se a administração de nutrição enteral a pacientes com queimaduras que apresentam tratos gastrointestinais em pleno funcionamento e cuja ingestão voluntária é insuficiente para suprir as necessidades energéticas estimadas. A opção por nutrição parenteral deve ser reservada para pacientes queimados nos quais a nutrição enteral não é viável ou é mal tolerada. A introdução precoce da alimentação enteral demonstra uma associação positiva com a melhoria da estrutura e função do trato gastrointestinal26.


Evidências indicam que pacientes com queimaduras submetidos à nutrição enteral apresentam contratilidade significativamente superior, menor incidência de lesões por isquemia/reperfusão e menor permeabilidade intestinal quando comparados àqueles que recebem nutrição parenteral. Com base no consenso especializado, sugere-se a implementação muito precoce da nutrição enteral, idealmente iniciada dentro de um intervalo de 4 a 6 horas após a ocorrência da lesão em pacientes com queimaduras26.


O estado dos micronutrientes torna-se particularmente suscetível durante as fases ativas de cicatrização em casos de queimaduras, especialmente para os micronutrientes envolvidos nas vias antioxidantes. Durante a primeira semana pós-lesão, observam-se significativas perdas de oligoelementos, em particular de cobre, selênio e zinco, nos exsudados da ferida. Ensaios clínicos randomizados indicam que a reposição ativa desses oligoelementos com doses que compensam as perdas resulta na redução de complicações infecciosas, melhora na aceitação de enxertos de pele e diminuição do tempo de permanência na Unidade de Terapia Intensiva (UTI)27.


Propõe-se a administração segura de doses de reposição de selênio na faixa de 500 a 700 microgramas por dia via intravenosa, cobre em 4 miligramas por dia via intravenosa, e zinco em 40 miligramas por dia via intravenosa, mantendo essas doses por um período de 2 a 3 semanas em casos de queimaduras superiores a 20%. Não se requer monitoramento específico da concentração sanguínea durante esse período27.


 


CONCLUSÕES


Durante a internação, os pacientes queimados omitem as refeições, principalmente no período da manhã por ficarem em jejum para algum procedimento (balneoterapia, curativo ou cirurgia) e não conseguem atingir as necessidades recomendadas de vitaminas e minerais essenciais no processo de cicatrização. Após saírem dos curativos/banhos, eles apresentam inapetência e isso acaba prejudicando a aceitação das refeições no restante do dia. Embora mesmo com o jejum, o estudo mostrou que eles atingem as necessidades calóricas com ou sem a suplementação, mas com melhora dos micronutrientes apenas com a suplementação.


Indivíduos com queimaduras graves apresentam necessidades nutricionais complexas e frequentemente específicas para cada condição. Diversos elementos vinculados ao tratamento clínico desses pacientes, tais como intervenções cirúrgicas, suporte ventilatório e administração de medicamentos, exercem influência sobre o estado nutricional e a capacidade de fornecer alimentação adequada. Diante de cada alteração no quadro clínico, torna-se imprescindível reavaliar as exigências nutricionais, bem como o tipo e método de alimentação adequados para cada paciente.


Considera-se que os resultados encontrados neste estudo podem contribuir para o desenvolvimento de estratégias nutricionais para diminuição dos períodos de jejum e melhor aceitação das refeições após os banhos e curativos, ainda sendo necessário o desenvolvimento de mais estudos clínicos em relação ao assunto, pois não há evidências de dosagens exatas recomendadas para pacientes queimados em guidelines específicos de queimadura.


 


REFERÊNCIAS


1. Lima Junior EM, Picollo NS, Miranda MJB, Ribeiro WLC, Alves APNN, Ferreira GE, et al. Uso da pele de tilápia (Oreochromisniloticus), como curativo biológico oclusivo, no tratamento de queimaduras. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(1):10-7.


2. Pessoa LMB, Silva SDH, Pedrosa AK, Calheiros MSC, Soares ACO, Almeida DL. Internações hospitalares de pacientes queimados em hospital de referência do estado de Alagoas. Rev Bras Queimaduras. 2018;17(2):107-12.


3. Silva JP, Colombo-Souza P. Perfil alimentar de pacientes internados por queimaduras em hospital público especializado. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(1):3-9.


4. Mendonça ELSS, Albuquerque CG, Oliveira RC, Mello CS, Nascimento CQ, Neves SJS, et al. Condições de saúde e estado nutricional de pacientes queimados internados no hospital geral de Alagoas. Gep News. 2018;2(5):41-5.


5. Mariuzza SE, Machado L, Schwengber VP, Gonçalves JS. Terapia nutricional na recuperação de pacientes com queimaduras graves. Rev Dest Acad. 2020;12(3): 318-28.


6. Stein MHS, Bettinelli RD, Vieira BM. Terapia nutricional em pacientes grandes queimados - uma revisão bibliográfica. Rev Bras Queimaduras. 2013;12(4):235-44.


7. Rousseau AF, Losser MR, Ichai C, Berger MM. ESPEN endorsed recommendations: nutritional therapy in major burns. Clin Nutr. 2013;32(4):497-502. 


8. Braga MS, Pantoja LD, Scerni FM, Vasconcelos FC. Análise do consumo alimentar e das alterações bioquímicas de pacientes queimados internados em hospital de referência. Rev Bras Queimaduras. 2015;14(2):125-32.


9. Prins A. Nutritional management of the burn patient. S Afr J Clin Nutr 2009;22(1):9-15.


10. Castro ANP, Silva DMA, Vasconcelos VM, Lima Júnior EM, Camurça NS, Martins MC. Sentimentos e dúvidas do paciente queimado em uma unidade de referência em Fortaleza-CE. Rev Bras Queimaduras. 2013;12(3):159-64.


11. NEPA/UNICAMp. Tabela brasileira de composição de alimentos. 4. ed. rev. e ampl. Campinas: NEPA-UNICAMP; 2011.


12. Philippi ST. Tabela de composição de alimentos: suporte para decisão nutricional. Barueri: Manole; 2012.


13. Lima MN, Barros RC, Cavalcanti RAS. Conduta nutricional no tratamento de pessoas que sofreram queimaduras graves. Rev Saúde. 2019;13(1/2):45-53.


14. Lipschitz DA. Screening for nutritional status in the elderly. Prim Care. 1994;21(1):55-67.


15. Faggion RPA, Ferreira REB, Garcia AKA, Pierotti I, Conchon MF, Fonseca LF. Manejo da sede: perspectiva do paciente cirúrgico queimado. Semin Cienc Biol Saude. 2022;43(1):177-84.


16. Souza ALB. Avaliação da adequação do consumo de cobre e zinco de pacientes queimados. Saúde Coletiva (Barueri). 2021;11(63):5444-55.


17. Polcz ME, Barbul A. The Role of Vitamin A in Wound Healing. Nutr Clin Pract. 2019;34(5):695-700.


18. Aguiar AO, Oliveira BBR, Carnib LPA. Efeito dos antioxidantes vitamina C e selênio em pacientes queimados: uma revisão bibliográfica. Rev Bras Queimaduras. 2014;13(2):62-6.


19. Rehou S, Shahrokhi S, Natanson R, Stanojcic M, Jeschke MG. Antioxidant and Trace Element Supplementation Reduce the Inflammatory Response in Critically III Burn Patients. J Burn Care Res. 2018;39(1):1-9.


20. Oliveira JMAS, Silva TGB, Santos RR, Lemos CBS. Elaboração de um protocolo de terapia nutricional para pacientes queimados em um centro de tratamento de referência: Relato de experiência. Rev Bras Queimaduras. 2021;20(1):75-82.


21. Berger MM, Chiolero R. Relations between cooper, zinc and selenium intakes and malondialdehyde excretion after major burns. Burns. 1995; 21(7): 507-12


22. Barbosa E, Moreira EAM, Faintuch J, Pereima MJL. Suplementação de antioxidantes: enfoque em queimados. Rev Nutr (Campinas). 2007;20(6):693-702.


23. Togo HYA. Redução do jejum pré-operatório em pacientes queimados [Trabalho de Conclusão de Curso]. Brasília: Centro Universitário de Brasília; 2020.


24. Nordlund MJ, Pham TN, Gibran NS. Micronutrients after burn injury: a review. J Burn Care Res. 2014;35(2):121-33.


25. Prelack K, Dylewski M, Sheridan RL. Practical guidelines for nutritional management of burn injury and recovery. Burns. 2007;33(1):14-24.


26. McClave SA, Taylor BE, Martindale RG, Warren MM, Johnson DR, Braunschweig C, et al.; Society of Critical Care Medicine; American Society for Parenteral and Enteral Nutrition. Guidelines for the Provision and Assessment of Nutrition Support Therapy in the Adult Critically Ill Patient: Society of Critical Care Medicine (SCCM) and American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (A.S.P.E.N.). JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2016;40(2):159-211.


27. Blaauw R, Osland E, Sriram K, Ali A, Allard JP, Ball P, et al. Parenteral Provision of Micronutrients to Adult Patients: An Expert Consensus Paper. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2019;43(Suppl 1):S5-23.











Recebido em 27 de Janeiro de 2023.
Aceito em 30 de Dezembro de 2023.

Local de realização do trabalho: Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), Brasília, DF, Brasil.

Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.


© 2024 Todos os Direitos Reservados