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Artigo Original

Avaliação dos custos de um Centro de Tratamento de Queimados

Cost assessment of a Burn Treatment Center

Lize Zanchetin Hosoume França1; Danielly Negrão Guassu Nogueira2; Elisangela Flauzino Zampar3; Leticia Coutinho de Oliveira4; Marli de Carvalho Jericó5; Cibele Cristina Tramontini Fuganti6

DOI: 10.5935/2595-170X.20230003

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o custo operacional do Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) e calcular o custo paciente-dia.
MÉTODO: Estudo transversal, com análise retrospectiva, quantitativa. Optou-se pelo sistema de microcusteio por absorção como método de apuração de custos através do sistema de informação de Compras Gerenciamento de Recursos Materiais e Serviço de Arquivo Médico no CTQ nos anos de 2019 e 2020.
RESULTADOS: 824 internações incluindo enfermaria e Unidade Terapia Intensiva, com uma média de taxa de ocupação 73,4% e 91,4%, respectivamente. O perfil predominante foi do sexo masculino, de 0-9 anos, a maior taxa de mortalidade foi entre 60-80 anos, custo operacional R$15.547.698,81 e R$ 15.114.274,03, que gera um custo operacional mensal da unidade de R$ 1.277.582,21; os custos diretos representaram 58% e 54% nos anos de 2019 e 2020, respectivamente. Sendo assim, em média, o paciente-dia custou R$ 3.274,46 e uma taxa média de permanência de 13 dias de internação, portanto, pode-se fazer uma projeção de custos do tratamento de R$ 42.567,98, incluindo os custos indiretos e diretos.
CONCLUSÕES: O custo operacional médio mensal foi de R$ 1.277.582,21 e paciente-dia teve um custo médio de R$ 3.274,46 para 13 dias de internação, projeta-se o custo total do tratamento R$ 42.567,98, incluindo os custos diretos e indiretos.

Palavras-chave: Queimaduras. Unidades de Queimados. Custos e Análise de Custo.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the operating cost of the Burn Treatment Center (CTQ) and to calculate the patient-day cost.
METHODS: Cross-sectional study, with retrospective, quantitative analysis. The micro absorption costing system was chosen as a method of calculating costs through the Purchasing information system Material Resource Management and Medical Archive Service at the CTQ in 2019 and 2020.
RESULTS: 824 hospitalizations including ward and Therapy Unit Intensive, with an average occupancy rate of 73.4% and 91.4%, respectively. The predominant profile was male, aged 0-9 years, the highest mortality rate was between 60-80 years, operating cost R$15,547,698.81 and R$15,114,274.03, which generates a monthly operating cost of unit of BRL 1,277,582.21, direct costs represented 58% and 54% in 2019 and 2020, respectively. Therefore, on average, the patient-day cost BRL 3,274.46 and an average hospital stay of 13 days, therefore, a treatment cost projection of BRL 42,567.98, including indirect and direct costs.
CONCLUSIONS: The average monthly operating cost was R$ 1,277,582.21 and patient-day had an average cost of R$ 3,274.46 for 13 days of hospitalization, the total cost of treatment is projected to be R$ 42,567.98 including direct and indirect costs.

Keywords: Burns. Burn Units. Costs and Cost Analysis.

INTRODUÇÃO


As queimaduras são traumas que causam um importante impacto sobre a vida das pessoas e sobre os sistemas de saúde1. São lesões provocadas pela transferência aguda de energia mecânica, térmica, elétrica, química ou de radiação. Nos últimos anos, essa definição foi ampliada, integrando os danos psicológicos e os prejuízos econômicos que acompanham os pacientes de maneira aguda e crônica, suas famílias e a sociedade2.


O tratamento multidisciplinar do paciente queimado é recomendado que aconteça em um Centro de Tratamento de Queimados (CTQ), por ser um paciente crítico, que demanda um alto nível de cuidado especializado, visando uma qualidade assistencial integrada3.


Mundialmente, constatou-se um aumento de ocorrências por queimaduras, de forma que os tratamentos demandados têm gerado custos crescentes que impactam na gestão das organizações hospitalares4. A verificação dos custos auxilia os enfermeiros em tomadas de decisões para ações gerenciais e assistenciais, evitando a ocorrência de desperdícios e, quando possível, indicando estratégias de contenção ou minimização de custos, sem prejuízos à qualidade da assistência de enfermagem4.


Uma revisão bibliográfica pontuou que os estudos de gestão de custo de paciente queimados acontecem mais em países desenvolvidos, porém, a maior parte dos acidentes com queimadura são em países em desenvolvimento ou pobres. Isso evidencia a deficiência de dados e a menor priorização desse tipo de estudo, nesses países1.


Os CTQs são considerados centros de altos custos e de grande importância gerencial e social nos hospitais públicos, que têm tido dificuldade de gerenciar os custos pelo alto nível de agregação de informações e muitas vezes trabalham com custos reais desconhecidos, portanto, é essencial tornar conhecidos os custos operacionais, para avaliar os recursos humanos, físicos, materiais, medicamentos e financeiros utilizados ao longo do cuidado multidisciplinar integrado para o tratamento do paciente queimado, durante a hospitalização.


Assim, os enfermeiros poderão liderar a transformação do terceiro milênio de suas instituições, propondo estratégias gerenciais baseadas nas informações de custos com foco com desempenho econômico, com responsabilidade social e ambiental, melhorando a alocação de seus recursos financeiros, sendo essa a justificativa deste estudo.


O objetivo é avaliar o custo operacional referente aos custos diretos e indiretos do paciente internado no Centro de Tratamento de Queimados e calcular o custo paciente-dia da unidade em estudo.


 


MÉTODO


Trata-se de uma pesquisa quantitativa, exploratório-descritiva com avaliação econômica parcial dos custos de um centro de tratamento de queimados.


Para o desenvolvimento desta pesquisa, optou-se pelo sistema de microcusteio por absorção como método de apuração de custos. O sistema de custeio por absorção apura os valores dos custos por bens ou serviços, tomando como base todos os que se relacionam à produção, sendo estes: custos diretos; custos indiretos; custos fixos e custos variáveis5.


O local do estudo foi o Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) de um Hospital Universitário terciário do norte do Paraná, que conta com 512 leitos com atendimento exclusivo para o Sistema Único de Saúde. É referência para trauma, gestação de alto risco e queimaduras, conta com o CTQ que atende à macrorregião norte, oeste e sudoeste do Paraná, abrangendo 45 municípios. Os pacientes são admitidos via pronto-socorro/SAMU e central estadual de regulação de leitos de alta complexidade que podem ter o acesso ao serviço por via transporte terrestre ou aéreo6.


O CTQ em estudo conta 10 leitos de enfermaria, um centro cirúrgico exclusivo com duas salas de cirúrgicas e uma sala de balneoterapia, o qual tem uma série histórica de 63 cirurgias e 128 atendimentos/mês, respectivamente, e seis leitos na Unidade de Terapia Intensiva de Queimados (UTIQ). O ambulatório de reabilitação dá continuidade ao tratamento dos pacientes pósalta hospitalar no mesmo espaço físico.


A equipe transdisciplinar que atua diretamente no CTQ é composta de 10 cirurgiões plásticos e 8 médicos intensivistas com escala distribuída nas 24 horas por dia, 11 enfermeiros, 48 técnicos de enfermagem, 18 fisioterapeutas, 1 psicóloga, 1 assistente social e 4 técnicos administrativos.


Os dados referentes ao custo operacional foram tabulados de acordo com os centros de custo padronizados pelo hospital. Os Custos Diretos foram expressos pelas saídas da conta hospitalar faturada do paciente incluindo: Mão de Obra; Materiais; Medicamento; Soluções, Serviços terceirizados e gerais e Custos Indiretos, pelas saídas pela conta do setor (Enfermaria-CTQ e UTIQ) com as devidas unidades e rateios, sendo incluídos: Setor de Nutrição e Dietética, Exames, Gasoterapia, Serviço Social, Higiene hospitalar, Centro Cirúrgico Geral, Compra, Diretorias, Lavanderia, Manutenção e Zeladoria, Serviço de Arquivo Médico, Setores de apoio e administrativos, Transporte e Almoxarifado.


Por meio dos relatórios do sistema de informação de Compra e Gerenciamento de Recursos Materiais denominado de POSTOS® foram obtidos os dados sobre os centros de custos, sendo quadro técnico administrativo, quadro docente assistencial, previsões e encargos com pessoal, serviço de terceiros, materiais e medicamentos, gerais, custos variáveis, custos indiretos, custo médio unitário.


A amostra do estudo foi os pacientes internados no CTQ no período referente aos meses de janeiro a dezembro de 2019 e 2020, independentemente do diagnóstico.


Os dados clínicos, sexo, idade, taxa de ocupação, paciente/ dia mensal foram captados pelo Serviço de Arquivo Médico e Estatístico (SAME) baseados no sistema MEDVIEW® de prontuário eletrônico.


A variável dependente foi custos total (R$) e (US$) e as independentes foram paciente dia, taxa de permanência, sexo, idade e custo parcial direto e indireto.


Os dados coletados foram tabulados no programa Excel, do Microsoft Office®, no qual foi feita a contagem dos dados em números absolutos e relativos utilizando estatística descritiva.


Os custos foram mensurados na perspectiva do gestor e incluídos nos cálculos os diversos centros de custos, sendo adicionados os custos diretos e indiretos, totalizando o custo operacional do CTQ. O custo paciente/dia foi o quociente da média de custo mensal operacional (dividendo) pela média de paciente dia mensal (divisor). Para a estimativa do custo do tratamento, baseou-se no custo do paciente dia, multiplicando-se pela média do número de dias de internação da Enfermaria e Terapia Intensiva do CTQ nos anos de 2019 e 2020.


Os valores em reais foram convertidos em dólar segundo a cotação do Banco Central do Brasil - 1 Dólar dos Estados Unidos/USD (220) = 5,69 Real/BRL (790) na data de 17 de dezembro de 20217.


Esse estudo está aninhado a um projeto de pesquisa em andamento intitulado, “Gestão de Custos em Centro de Tratamento de Queimados”, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa pelo parecer número: 4.295.274.


 


RESULTADOS


O Centro de Tratamento de Queimados em estudo apresentou 824 internações, sendo 479 no ano de 2019 e 345 no ano de 2020, média mensal de 34 pacientes. Da amostra total, 69 pacientes foram internados neste setor pela necessidade de outras clínicas do hospital, 148 pacientes ficaram internados apenas 1 dia para a realização de algum procedimento cirúrgico ambulatorial, de reabilitação, como curativo com analgesia e colocação de malha cirúrgica, conformo característica rotineira do setor.


O ano de 2019 apresentou uma taxa de ocupação de 74,5%, com média de 7,5 pacientes/dia na unidade de internação, e na UTI-Queimados a taxa ocupacional foi de 89,8% e 5,4% média de paciente/dia mensal. Em 2020, na enfermaria uma taxa de ocupação de 72,3% para 7,2 paciente/ dia mensal, já na UTI-Queimados a taxa de ocupação média foi 93,0%, com 5,6 pacientes/dias mensal.


A caracterização dos pacientes do estudo pode ser visualizada na Tabela 1.


 



 


A apuração de custo foi realizada por meio de centros de custos. Os Custos Diretos foram expressos pelas saídas da conta hospitalar faturada do paciente, incluindo: Mão de Obra; Materiais; Medicamento; Soluções, Serviços terceirizados e gerais e, Custos Indiretos, pelas saídas pela conta do setor (Enfermaria-CTQ e UTIQ) com as devidas unidades e rateios, sendo incluídos: Setor de Nutrição e Dietética, Exames, Gasoterapia, Serviço Social, Higiene hospitalar, Centro Cirúrgico Geral, Compra, Diretorias, Lavanderia, Manutenção e Zeladoria, Serviço de Arquivo Médico, Setores de apoio e administrativos, Transporte e Almoxarifado.


Durante esse período de internação para o tratamento do paciente, foram consumidos itens lançados como custos diretos e indiretos, sendo no ano de 2019 R$ 15.547.698,81 (US$ 2.729.629,8759) e 2020 R$ 15.114.274,03 (US$ 2.653.535,7064).


Para o ano de 2019, o custo médio de um único paciente foi de R$ 32.458,66, enquanto, para o ano de 2020, o custo médio de um único paciente foi de R$ 43.809,48. Com esses dados, infere-se que o custo médio do paciente em 2020 foi em média 35% superior a 2019.


Os custos diretos representaram 58% e 54% nos anos de 2019 e 2020 respectivamente, como mostra a Figura 1.


 




Figura 1 - Distribuição dos cálculos de custo diretos e indiretos (R$) do Centro de Tratamento de Queimados em 2019 e 2020. Londrina, PR, 2020. Fonte: Autor.

 


A Tabela 2 apresenta o detalhamento da distribuição dos custos diretos do setor. O custo com mão de obra mensurado referente ao ano de 2019 foi de R$ 5.420.853,69 (US$ 951.711,5276) e referente a 2020 foi de R$ 5.664.695,16 (US$ 994.521,526), sendo essa a maior despesa anual, que contempla os centros de custos técnicos-administrativos, ou seja, os funcionários estatutários do setor, independentemente do cargo, docentes assistenciais, residentes e quadro funcional da modalidade de chamamento público. No ano de 2019, os materiais representaram o segundo centro de custo (24,90%) do custo direto e os medicamentos o terceiro (13,50%), sendo que, inversamente, no ano de 2020 os medicamentos representaram 17,08% e os materiais 14,42%.


 



 


Os custos indiretos foram mensurados através dos serviços prestados com baixa no sistema para o setor do CTQ, com base nas unidades de rateio padronizados pelo setor de contabilidade do hospital, mesmo que consumido pelo paciente. A distribuição dos dados teve similaridade nos dois anos analisados, sendo os setores de apoio: Centro de Controle de Infecção Hospitalar, Central de Tratamento Dialítico, Farmácia, Hemocentro e Hemodinâmica, com a maior representatividade de custo em 2019 R$ 2.278.780,09 (US$ 400.073,7531) e 2020 R$ 2.524.710,13 (US$ 443.250,431).


No ano de 2019 a segunda maior representatividade de custo foi relacionada a exames de eletro diagnósticos, endoscopia, radiologia, laboratório de anatomia patológica e análises clínicas, gerando um valor R$ 907.346,41 (US$ 159.298,1636), porém em 2020, a maior representatividade de custo R$ 1.178.879,96 (US$ 206.969,9187) foi relacionada às diretorias administrativas, clínica, de enfermagem, superintendente e gestão de pessoas, conforme a Tabela 3.


 



 


Quando analisado o custo médio operacional, mensal, nos 2 anos de estudo e a média paciente/dia, o paciente custa R$ 3.274,46 (US$ 574,8802) conforme exposto na Tabela 4.


 



 


DISCUSSÃO


O avanço do conhecimento dessa pesquisa é usar a metodologia de microcusteio por absorção, ou seja, considerar os custos diretos e indiretos, para apropriá-los ao custo operacional do serviço, expondo os custos diretos, que foram de R$ 6.542.305,16 em 2019 e R$ 6.786.562,55 em 2020, e os custos indiretos, que em 2019 foram de R$ 2.278.780,09 (US$ 400.073,7531) e em 2020 R$ 2.524.710,13 (US$ 443.250,431), atribuídos ao seu centro de custos com as devidas unidades de rateio, evidenciando um custo médio operacional mensal de R$1.277.582,21 para o CTQ em estudo.


Analisando os estudos dos custos do tratamento hospitalar do paciente queimado, evidenciou-se uma heterogeneização dos estudos de gestão de custo, tanto pelas diferenças econômicas, falta de descrição dos protocolos de tratamentos oferecidos nos hospitais e o detalhamento da metodologia de custo utilizada1 como limitadores de comparação entre os valores encontrados e a impossibilidade de replicação dos estudos em outras realidades.


Com relação à permanência hospitalar dos pacientes queimados, um estudo no período de 2008 a 2017 concluiu que a média de tempo de permanência nacional manteve-se estável (r=0,141; p =0,698), com variação entre 7,5 e 8,5 dias ao longo dos anos estudados, totalizando mais de um milhão e trezentos mil dias de permanência em hospital1.


A média de tempo de permanência observada nessa pesquisa foi de 13 dias, tempo superior a esse estudo. A maioria dos pacientes internados ficaram no máximo 20 dias, quando estratificada por faixa etária, a população pediátrica teve uma média menor do que a da população de idosos, de 8 a 10 dias e 7 a 19 dias, respectivamente. Tal achado pode ser atribuído com o prognóstico insatisfatório do idoso, uma vez que normalmente apresenta morbidades que prejudicam a evolução do tratamento contra a queimadura8.


Um estudo ecológico realizado no período de 2009 a 2018 com o objetivo de identificar o perfil epidemiológico das vítimas de queimaduras no estado da Bahia evidencia um tempo médio de internação de 6 dias, porém, ressalta a diversidade de referências, que apontam de 12 e 17 dias, podendo chegar em até 20 dias. Esse mesmo estudo aponta que a população pediátrica (0-14 anos) apresenta um tempo médio de internação de 7 dias e a população de idosos (acima de 60 anos) uma média de 16 dias9, similar ao estudo em análise.


Na análise dessa pesquisa quanto ao sexo, houve destaque para o sexo masculino e crianças na faixa etária até 9 anos como o perfil mais acometido. Essa evidência corrobora com outro estudo, que identifica esse sexo como o que se envolve mais frequente neste tipo de acidentes, com lesões causadas pelo contato com líquidos quentes ou álcool acometendo os membros superiores e principalmente em ambiente doméstico8.


Duas populações são as mais expostas ao risco de queimaduras, crianças (0 a 9 anos), tendo como fatores associados à negligência de adultos, e adultos em idade produtiva no ambiente laboral, devido à exposição às substâncias químicas, quentes e correntes elétricas9.


Comparando o serviço público e o privado no atendimento ao paciente queimado, foi observada uma divergência de 23,2% (1,3 dias) a mais no tempo médio de internamento e de 158,9% (R$ 1.059,90) a mais no valor médio no sistema público. Essa diferença entre o público e o privado sugere que pode haver uma utilização menos eficiente dos recursos disponíveis por parte do primeiro setor, apresentando uma maior geração de custo e um maior tempo de internação8.


Quanto aos custos diretos, o item de maior representatividade foi Mão de Obra, com 60,4% em 2019 e 67,3% em 2020, seguido dos Materiais de Medicamentos, com 38,4% e 31,5%. Esses valores já eram esperados e têm similaridade com estudo realizado anteriormente, visto que o uso de medicamentos em grande quantidade, durante a hospitalização de pacientes queimados, comumente faz parte do tratamento, demonstrando um custo significativo dentro do total10.


Um estudo na África Subsaariana mostra que 17,5% dos custos totais no tratamento de um paciente queimado no CTQ são mensalmente destinados a medicamentos. Essa porcentagem representa cerca de R$ 6.700,00, sendo o segundo maior custo do estudo. Além disso, as maiores despesas com medicamentos foram com analgésicos (54,7%), antibióticos (35,1%) e fluidos intravenosos (7,8%)11.


Um estudo de custos realizado em uma Unidade de Tratamento Intensivo, com vítimas de queimaduras de um hospital do sul do país, estimou a média de custo do tratamento em US$ 39.594 por paciente, porém foram incluídos apenas custos assistenciais diretos da hospitalização na UTI, não considerando os custos do tratamento realizado na enfermaria até alta hospitalar ou a continuidade da reabilitação12.


O custo global do tratamento, incluindo custos diretos, indiretos e intangíveis, é dificilmente mensurável, por isso, boa parte dos estudos dá enfoque aos custos diretos, representados por cerca de 19,6% dos custos totais11.


O custo total do paciente queimado é mensurado através dos custos diretos e dos custos indiretos, os quais são de fácil obtenção quando há utilização de um sistema informatizado de dados e interface das diferentes áreas dentro do hospital. Diante dessa dificuldade da informatização, são poucos os estudos que demonstram resultados de custos diretos e indiretos, podendo ser estratégicos para sustentabilidade financeira da instituição e assim poder melhorar o desempenho gerencial.


Neste estudo, por microcusteio por absorção, foram incluídos custos diretos e indiretos, a média do custo pacientedia foi de R$ 3.325,89 em 2019 e R$ 3.223,03 em 2020.


O sistema de reembolso do SUS no Brasil é feito por meio de liberação de Autorização de Internação Hospitalar (AIH), que tem valores pré-definidos/disponíveis no sistema SIGTAB. No ano de 2020 as AIH aprovadas constaram que o pequeno queimado (n=12) tem um reembolso de R$ 482,52 para 3,6 dias de média de dias permanência; o médio queimado (n=102) um valor de reembolso foi de R$ 2.193,46 para 7,1 dias de permanência; e o grande queimado (n=332) um valor de reembolso de AIH de R$ 7.864,57 para 12,9 dias de internação sob cobertura13.


Em termos gerenciais, o déficit de cobertura da tabela SIGTAB com os custos reais fica mais evidente no curativo do grande queimado (n=332); em termos microeconômicos um paciente compensa o outro e ainda todos os registros e possibilidades de justificativas de cobrança não podem deixar de ser feitos e devem ser sistematizados e padronizados, como exemplos curativos realizados nos leitos ou ambulatoriais. Ainda algumas coberturas e membranas especiais são possível reembolso como material de alto custo.


Um estudo realizado em um hospital de emergência do Agreste de Alagoas contabilizou os serviços hospitalares no ano de 2019 através do DATASUS de 66 pacientes queimados e chegou a um custo médio da internação de R$ 28.198,93 para 5,5 dias. A comparação foi realizada pelo cruzamento de gastos X faixa etária X dias de internação, ainda apontou que o custo da internação não foi proporcional ao tempo de internação e sim à gravidade das lesões, comorbidades e curativos peculiares de cada paciente8.


Oitenta e cinco por cento das queimaduras ocorrem em países de baixo e médio rendimento econômico. O tratamento de queimaduras em unidades especializadas em queimados requer médicos e pessoal treinado, equipamentos especializados, instalações, bancos de tecidos especiais e curativos específicos e, portanto, é muito caro. No Marrocos foram analisados os custos diretos do tratamento de queimaduras agudas intra-hospitalares, e o tratamento de queimaduras para cada paciente teve custo de US$ 16.975. O custo direto médio para um dia de internação hospitalar foi de US$ 1.13114.


Um estudo realizado na China entre 2015 e 2021, com pacientes vítimas de queimaduras com lesões graves (superfície corporal queimada -SCQ ≥30%), mostrou que a experiência coloca em risco a vida e também pode levar a problemas financeiros devido aos altos custos. Foram identificados um total de 668 casos. A média de idade foi de 37,49±21,00 anos e 72,3% eram homens. A SCQ média foi de 51,35±19,49%. A mediana do tempo de permanência dos pacientes internados na Unidade de Tratamento Intensivo de Queimaduras foi de 14 dias, e a mediana do tempo de permanência foi de 41 dias, dados similares a este estudo. A taxa de mortalidade foi de 1,6%15.


O custo total médio foi de 212.755,45 yuans (CNY) por paciente, variando de 3.521,30 a 4.822.357,19 CNY. Os consumíveis médicos apresentaram a maior parcela dos custos totais, com um valor médio de 65.942,64 CNY. Esta variável difere deste estudo, em que foi mão de obra geral dos profissionais de saúde o item de maior representatividade. Os fatores de risco cruciais para variação dos custos médicos foram SCQ, a profundidade das lesões e a frequência de cirurgias realizadas15.


No Reino Unido foi realizada uma pesquisa com análise de coorte retrospectiva selecionada aleatoriamente, com 260 pacientes do banco de dados da The Health Improvement Network (THIN) que apresentavam 294 queimaduras avaliáveis; no geral, 70% de todas as queimaduras cicatrizaram em 24 meses e o tempo de cicatrização foi em média de 7,8 meses por queimadura. Sessenta e seis por cento das queimaduras foram inicialmente tratadas na comunidade e os outros 34% foram tratados em departamentos de emergências. Quarenta e cinco por cento das queimaduras não tinham curativos documentados nos prontuários dos pacientes. O diagnóstico estava incompleto em 63% dos prontuários dos pacientes, pois faltavam localização, profundidade e tamanho das queimaduras. O custo médio do tratamento de feridas no NHS na prática clínica ao longo de 24 meses a partir da apresentação inicial foi estimado em libras (£) em £16.924 por queimadura, variando de £ 12.002 a £ 40.577 para uma ferida cicatrizada e não cicatrizada, respectivamente16.


Devido à documentação incompleta nos prontuários dos pacientes do estudo acima, é difícil dizer se o tempo para a cicatrização foi excessivo ou que outros fatores de confusão podem ter contribuído para o atraso na cicatrização, problema que se repete em diversos cenários. Este estudo colabora com discussão mundial da necessidade de melhorar a educação dos clínicos gerais sobre o manejo e cuidado de queimaduras.


Além disso, cabe à comunidade da área de queimados determinar como as baixas taxas de cura, traduzidas por longos períodos de tratamento podem ser melhoradas. São necessárias estratégias para melhorar a documentação nos registos dos pacientes, a integração dos cuidados entre diferentes profissionais, as taxas de cicatrização de feridas a redução de infecções e a consequente redução de custos.


A definição de centro de custos, critérios de rateios, uso de estoques, definição de escalas de dimensionamento, controle de horas extras e tudo que gere dados de custos específicos para cada unidade, ou seja, CTQ Enfermaria e UTIQ, é uma forma mais estratégica para disponibilizar as informações sobre os gastos hospitalares. As instituições hospitalares necessitam de um sistema de informação integrado, porém com possibilidade de departamentalização para individualizar o gerenciamento, que ainda considere a disponibilidade de dados já existentes, para que o processo de apuração do custeio esteja alinhado com os protocolos assistenciais de qualidade e segurança do paciente, e possam refletir a política institucional e os processos gerenciais e assistenciais, com as suas devidas particularidades17.


A limitação deste estudo é a indisponibilidade de dados para utilizar metodologia completa de avaliação econômica em saúde, levando a resultados que refletem a realidade de um único centro de queimados e ainda a falta de parâmetros de valores de referência para análise do custo operacional direto e indireto em um CTQ, relacionado ao valor de repassado do SUS versus o valor operacional, custo paciente/dia e a estimativa de custo do tratamento, impossibilitando análises mais robustas sobre se o processo está adequado ou oferece oportunidade de melhoria.


 


CONCLUSÕES


Conclui-se que por meio do microcusteio por absorção que o custo operacional do CTQ ano de 2019 e 2020 foi R$ 15.547.698,81 (US$ 2.729.629,8759) e R$ 15.114.274,03 (US$ 2.653.535,7064) para atender 824 pacientes vítimas de queimaduras, que nos fornece um custo operacional mensal da unidade de R$ 1.277.582,21; os custos diretos representaram 58% e 54% nos anos de 2019 e 2020, respectivamente. O item de maior representatividade foi Mão de Obra, com 60,4% em 2019 e 67,3% em 2020, seguido dos Materiais de Medicamentos, com 38,4% e 31,5%.


Sendo assim, o paciente-dia teve um custo de R$ 3.274,46 (US$ 574,8802) e uma taxa média de permanência de 13 dias de internação, portanto, fez-se uma projeção de custos do tratamento de R$ 42.567,98 (US$ 7.473,4423) incluindo os custos diretos e indiretos.


Ressalta-se o papel central da enfermagem no tratamento multidisciplinar do paciente queimado e ainda como a categoria profissional mais representativa nos recursos humanos e que mais consome os recursos materiais e tem uma atuação estratégica na tomada de decisão gerencial, em eliminação de desperdício, redefinição de fluxo e otimização de processo. Recomendase passar a incluir as informações de custos no seu processo decisório, como mais uma ferramenta gerencial essencial no atual cenário econômico.


O avanço do conhecimento desse estudo é tornar conhecido o custo operacional total do tratamento do paciente queimado, por meio do microcusteio por absorção, ou seja, inclusão dos custos diretos e ainda mais os indiretos de difícil mensuração em um Centro de Tratamento de Queimados, podendo direcionar tomadas de decisões gerenciais e assistenciais mais assertivas, direcionando as ações para alocação de recursos orçamentárias e financeiras.


 


REFERÊNCIAS


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Recebido em 21 de Novembro de 2022.
Aceito em 31 de Agosto de 2023.

Local de realização do trabalho: Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Universitário de Londrina, Londrina, PR, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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