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CARTA AO EDITOR

Política estruturada para queimaduras no âmbito do SUS

Cesar Augusto Soares Nitschke1; José Adorno2; Kelly Danielle de Araújo3; Mario Frattini Gonçalves Ramos4; Rogério Mendonça de Noronha5; Sérgio Eduardo Soares Fernandes6

Dr. André Oliveira Paggiaro
Editor da Revista Brasileira de Queimaduras

Senhor Editor,

A Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ) tem contribuído, desde sua fundação, em 1995, na busca de melhorias no atendimento às queimaduras no Brasil. É sua vocação profissional e estatutária se dedicar a este tema como exclusivo de sua atuação. Entendendo ser este o objetivo principal, trazemos para agenda de discussão nacional questões estratégicas envolvendo avanços necessários nesta política. De maneira colaborativa e com intuito de acelerar a discussão buscamos influenciar decisões acerca de prevenção e atendimentos aos queimados e principalmente propor sugestões para implementação de progressos no atendimento em nosso país. Há necessidade de uma agenda em favor da política estruturada das queimaduras no âmbito do SUS. Assim como outras patologias, deve ter atendimento em linha de cuidado e todos os componentes que isso envolve. Desde a prevenção, com pontos de atenção organizados em complexidade, integrados com protocolos clínicos terapêuticos, reabilitação e continuidade do cuidado com referência e contrarreferência centrados no melhor cuidado ao usuário do sistema público e gratuito de saúde com igualdade, integralidade e equidade. Além de ambicioso, torna-se necessário avançar no tema queimaduras em nosso país.

Somos um país com rica diversidade e inquietantes diferenças socioeconômicas que exigem capilaridade de assistência mapeando regiões, suas necessidades, características territoriais e rede de atenção colaborativa, integrada e regulada, considerando o tamanho do país. À complexidade do sistema de saúde tem sido agregada a perspectiva, em seu bojo, do conceito ampliado sobre ser integral, ofertando o cuidado em todas as suas necessidades. E de forma igualmente equânime para combater as iniquidades, além de ofertar cuidado universal de qualidade e oportuno, que implica atenção no tempo adequado. Assim como para outras situações epidemiológicas, também as queimaduras necessitam de novo modelo tecnológico de organização para atender as necessidades dos usuários acometidos pelo trauma e que deles necessitam para sobreviver e receber tratamento de qualidade1.

Saavedra et al.2, analisando as 170.000 admissões hospitalares no SUS, entre 2008 e 2017, verificaram taxa de internação de 8,4 pacientes com queimadura por 10.000 habitantes. Observam ainda tendência, dentro do período, de queda nestes anos estudados, em que os autores não concluíram que seja diminuição de incidência, mas diminuição de internação. No entanto, permanece ainda percentual de mais de 90% dos casos de moderado a grave que requer internação em cuidados hospitalares2.

As unidades de internação estão definidas como Centros de Alta e Média Complexidade, conforme Portaria Ministerial nº 1.273, de novembro de 2000, que definiu número de centros especializados para este fim em todo o Brasil3. Até este momento, foi um progresso em oferecer dentro do SUS centros específicos e com algum delineamento de estrutura e recursos humanos necessários para o tratamento.

Em busca ativa por serviço e centros de referência para tratamento de queimados em todo o país, pesquisa da SBQ, em 2021, identificou mais de 60 unidades hospitalares com alguma referência para tratamento desta patologia4. Novo instrumento de avaliação adequado deve diagnosticar e reclassificar estes serviços junto ao Ministério da Saúde. Devemos ressaltar que a pandemia de COVID-19 desestruturou muitos serviços de saúde, e não foi diferente nestas unidades. Houve perda de leitos, profissionais e desorganização de serviços pelo país conforme relatado em outros países e registrado em publicação recente5.

Estes centros especializados constituídos pela Portaria 1273, desde sua publicação, em novembro de 2000, não foram estruturados conforme previsto. Em algumas regiões do país a ausência de centros de referência de alta ou média complexidade caracteriza vazios assistenciais, em especial no Norte e Nordeste (Maranhão, Piauí, Acre, por exemplo). A falta de acesso, integração dos serviços, conhecimento seguro para tratamento, protocolos de transferência e capilaridade numérica e organizada de uma rede de atenção integrada dificultam o tratamento de casos agudos e continuidade do cuidado para os acometidos por sequelas. A ausência de classificação inicial adequada e o direcionamento equivocado deste paciente para serviços não habilitados para o tratamento do queimado, somada à negativa de outros setores para a transferência do paciente, pode prejudicar a chegada em tempo hábil em serviço especializado.

Desta forma, é premente a melhoria da qualidade da avaliação e estruturação de redes estaduais de atenção aos queimados, não apenas com as referências estabelecidas de alta complexidade mas igualmente com outros pontos de atenção hospitalar, estratificados e hierarquizados, com competências distintas. De maneira concordante, faz-se necessária a discussão ampla e inclusiva de uma política que guie a estruturação de protocolos nesta rede de atenção, e dos demais pontos tanto para o primeiro atendimento pré-hospitalar como para o atendimento pós-hospitalar, incluindo ambulatórios e serviços de reabilitação funcional e psicológica, garantido a continuidade do cuidado.

Uma rede estruturada de atendimento às queimaduras deve observar padrões recomendados para garantir qualidade e segurança6. A piora da qualidade de vida de muitos sobreviventes decorre da qualidade do resultado obtido no tratamento e/ou falta de reabilitação biopsicossocial7.

Com o estabelecimento de uma rede hierarquizada, regionalizada e com linhas de cuidado adaptadas às diversas regiões, observando protocolos e diretrizes de atendimento, os recursos regionais poderão ser melhor utilizados e a melhora dos atendimentos, com diminuição da morbimortalidade, será consequente a isto, diminuindo igualmente as sequelas físicas, emocionais e carga social advindas destes casos.

A crença na necessidade de criação de redes estaduais de atenção aos queimados levou-nos, entre os meses de setembro e dezembro de 2021, através de um grupo de especialistas em queimaduras e urgências assim como de redes de urgência, abaixo subscritos como autores desta carta, a estabelecermos uma primeira definição sobre níveis hospitalares distintos, assim como a uma estratificação dos tipos, graus e extensão das queimaduras que podem ser atendidas nos diversos pontos de atenção a serem propostos.

Como proposta inicial e seguindo o padrão de outras redes estabelecidas, como AVC e IAM, teríamos três portes hospitalares, de acordo com sua complexidade: Porte 1, Porte 2 e Porte 3.

O Porte 1, que poderíamos denominar de Hospital Geral de Atendimento aos Queimados, seria um hospital geral, com áreas para o atendimento a queimados e com UTI e que seriam as portas iniciais de entrada dos pacientes acometidos por queimaduras com necessidade de internação, realizando o atendimento e internação nas primeiras 48 a 72 horas do evento, em enfermarias ou UTI geral para acesso temporário até transferência para centro de maior porte nos casos em que se fizerem necessários. Este Porte 1 seria responsável neste período pela estabilização inicial destes pacientes, no período mais crítico, possibilitando também que, através das centrais de regulação de leito/assistenciais, haja um correto direcionamento e em tempo adequado, para os hospitais de maior complexidade (Porte 2 ou Porte 3).

O Porte 2, denominado de Centro Intermediário de Tratamento de Queimados, se desenvolveria o atendimento dos casos de gravidade intermediária, mas tendo condições de prover, para estes casos, o atendimento integral destas situações menos complexas mas com necessidade de internação e cuidados hospitalares específicos.

O Porte 3, denominado Centro Avançado de Tratamento de Queimados, seriam nossos Centros de Tratamento de Queimados atuais, com a ampliação para demais áreas que se fizerem necessárias. Este seria o hospital com maior capacidade de profissionais e de atendimento às situações mais complexas. Seria também o centro de difusão e manutenção da telemedicina para a região adscrita.

Como ponto de apoio a toda a rede, não apenas no âmbito hospitalar, mas igualmente no pré-hospitalar, para as centrais de regulação de leitos e do SAMU assim como no nível pós-hospitalar, introduzimos conceitualmente a estruturação de telemedicina, baseada no hospital Porte 3, o Centro Avançado de Tratamento de Queimados, de onde sairiam as principais medidas e providências a serem tomadas para estes pacientes em caso de dúvidas.

No âmbito pré-hospitalar, os pontos de atenção primária e a imprescindível participação do SAMU, com a elaboração de protocolos específicos, julgamos que igualmente trariam uma melhor qualidade e agilização destes atendimentos.

Ambulatórios especializados, assim como reabilitações, poderiam também contar com o apoio da telemedicina.

Para todos os pontos de atenção, onde se incluem as centrais de regulação, formações específicas e protocolos bem definidos seriam elaborados, facilitando o atendimento e melhorando a qualidade dos mesmos.

Estas propostas serão melhor detalhadas em artigos a serem publicados na sequência desta carta e solicitamos que seja dada a importância devida a estas proposições, não apenas pelo ineditismo das mesmas, mas igualmente pela possibilidade de melhorarmos muito a atenção ao paciente queimado, trazendo realmente uma maneira integral, organizada e em rede hierarquizada e regionalizada para o atendimento nestas situações.

Nesse sentido, solicitamos a esse valoroso periódico, a publicação da proposição acima descrita, com o objetivo de promover uma discussão aberta entre os leitores, para críticas e contribuições, bem como conclamar pesquisadores a estudar com mais profundidade os elementos temáticos envolvidos na proposta de uma política estruturada de queimaduras e no desenvolvimento de redes integradas de cuidados especializados.

Atenciosamente,


REFERÊNCIAS

1. Freire MP, Louvison M, Feuerwerker LCM, Chioro A, Bertussi D. Regulação do cuidado em redes de atenção: importância de novos arranjos tecnológicos. Saúde Soc. 2020;29(3):e190682. DOI: 10.1590/s0104-12902020190682

2. Saavedra PAEB, Brito ES, Areda CAA, Escalda PMF, Galato D. Burns in the Brazilian Unified Health System a review of hospitalization from 2008 to 2017. Int J Burns Trauma. 2019;9(5):88-98.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.273, de 21 de novembro de 2000. Brasília: Diário Oficial da União; 2000.

4. Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ). Unidades de Tratamentos de Queimados. Brasília: SBQ; 2020 [acesso 27 Jan 2023]. Disponível em: https://www.sbqueimaduras.org.br/unidades-tratamento-queimados

5. Laura P, José A, Nikki A, Khaled A, Barret JP, Jeffery C, et al. Impact of COVID-19 on global burn care. Burns. 2022;48(6):1301-10. DOI: 10.1016/j.burns.2021.11.0

6. Gus E, Almeland SK, Barnes D, Elmasry M, Singer Y, Sjöberg F, et al. Burn Unit Design-The Missing Link for Quality and Safety. J Burn Care Res. 2021;42(3):369-75. DOI: 10.1093/jbcr/irab011

7. Stavrou D, Weissman O, Tessone A, Zilinsky I, Holloway S, Boyd J, et al. Health related quality of life in burn patients--a review of the literature. Burns. 2014;40(5):788-96. DOI: 10.1016/j. burns.2013.11.014











1. Expert e consultor em SAMU e Redes de Urgência. Membro da Sociedade Brasileira de Queimaduras, Florianópolis, SC, Brasil
2. Coordenador de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital Santa Lúcia Sul - HSLS – Brasília, DF. Membro da Sociedade Brasileira de Queimaduras, Brasília, DF, Brasil
3. Médica do CTQ professor Ivo Pitanguy do Hospital João XXIII- FHEMIG - Belo Horizonte, MG. Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Queimaduras, Belo Horizonte, MG, Brasil
4. Médico do CTQ Hospital Regional da Asa Norte. Membro da Sociedade Brasileira de Queimaduras, Brasília, DF, Brasil
5. Médico Regulador de Cirurgia Plástica da Secretaria Municipal de Belo Horizonte, Membro da Sociedade Brasileira de Queimaduras, Belo Horizonte, MG, Brasil
6. Coordenação de Pesquisa e Comunicação Científica da Escola Superior de Ciências da Saúde, Brasília, DF, Brasil


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