RESUMO
OBJETIVO: Mapear as evidências disponíveis a respeito da atuação da equipe multiprofissional no atendimento ao paciente queimado.
MÉTODO: Revisão de escopo em que foram consultadas as bases de dados: PubMed (n=60), LILACS (n=8), Embase (n=10), SciELO (n=1), Web of Science (n=3), CINAHL (n=14), Scopus (n=20), Bdenf (n=2) e COCHRANE Library (n=0). Foram incluídos artigos disponíveis na íntegra, em português, inglês e espanhol, publicados entre 2010 e 2020. Os estudos foram analisados por dois revisores independentes.
RESULTADOS: Foram incluídos 13 estudos nesta revisão, que geraram três categorias: Gestão do cuidado para integração dos saberes e práticas assistenciais da equipe multidisciplinar; A equipe multidisciplinar na avaliação e identificação das causas de queimaduras em crianças; Manejo clínico do paciente queimado à luz da equipe multidisciplinar e impactos na mortalidade.
CONCLUSÕES: A abordagem multidisciplinar tem ampliado a sobrevivência e melhorado os resultados a longo prazo entre os pacientes queimados, fornecendo assistência integral e qualificada.
Palavras-chave:
Queimaduras. Equipe de Assistência ao Paciente. Gestão em Saúde. Enfermagem. Revisão.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To map the available evidence regarding the performance of the multidisciplinary team in the care of burn patients.
METHODS: Scope review in which the following databases were consulted: PubMed (n=60), LILACS (n=8), Embase (n=10), SciELO (n=1), Web of Science (n=3), CINAHL (n=14), Scopus (n=20), Bdenf (n=2), and COCHRANE Library (n=0). Articles were available in full, in Portuguese, English and Spanish, published between 2010 and 2020 were included. The studies were analyzed by two independent reviewers.
RESULTS: Thirteen studies were included in this review, which generated three categories: Care management for the integration of knowledge and care practices of the multidisciplinary team; The multidisciplinary team in the assessment and identification of causes of burns in children; Clinical management of the burned patient in the light of the multidisciplinary team and impacts on mortality.
CONCLUSIONS: The multidisciplinary approach has increased survival and improved long-term outcomes among burn patients, providing comprehensive and qualified care.
Keywords:
Burns. Patient Care Team. Health Management. Nursing. Review.
INTRODUÇÃONa perspectiva de um problema de saúde pública global, as queimaduras são responsáveis por cerca de 180.000 mortes anualmente, sendo a maioria em países de baixa e média renda, dos quais quase dois terços ocorrem nas regiões da África, Ásia e América Latina
1. No Brasil, cerca de um milhão de indivíduos sofrem alguma queimadura anualmente
2,3.
Apesar do elevado índice de casos e de mortalidade, até o ano 2000 não havia uma política nacional de assistência às pessoas queimadas editada pelo Ministério da Saúde (MS). Nesse contexto, os atendimentos eram realizados em hospitais gerais, sem uma definição ajustada de tratamento e encaminhamento, comprometendo, assim, a sobrevida dos mais gravemente atingidos
4.
Muitos foram os desafios enfrentados com relação à prevenção, tratamento e reabilitação de queimaduras no nosso país. A partir disso, a implantação de Redes Estaduais de Assistência a Queimados via MS ocorreu por meio da Portaria GM/MS Nº. 1273, de 21 de novembro de 2000
4, em que a mesma destaca que o quadro de recursos humanos em um Centro de Referência em assistência a queimados deve ser composto por cirurgião plástico, intensivista, clínico geral, anestesista, enfermeiro, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo, assistente social, farmacêutico, técnicos de enfermagem e auxiliar administrativo.
Diante desse contexto, é expressa a necessidade de um atendimento multiprofissional, sendo assim, a rede prioriza o diagnóstico epidemiológico, estratificação da demanda, ordenamento do acesso, um sistema referenciado e regulado com uma rede integrada de assistência, e responsabilidade territorial. A portaria estabelece uma estreita relação com os Sistemas Estaduais de Referência Hospitalar em Atendimento de Urgências e Emergências seguindo os princípios da universalidade e integralidade das ações
4. Em consonância, no mesmo ano, foi publicada a Portaria GM/MS Nº 1274, de 22 de novembro de 2000, a qual inclui procedimentos relativos a pessoas queimadas na tabela do SUS
5.
Nos últimos anos o conhecimento nas áreas de prevenção, tratamento, técnicas cirúrgicas para tratamento e reabilitação de pessoas que sofreram queimaduras evoluiu muito, permitindo um aumento significativo da sobrevida destes pacientes e melhoria na qualidade de vida. Em paralelo, é reconhecida a necessidade de abordagens sob uma ótica multidisciplinar, a qual tem como atribuição e responsabilidade abarcar as diferentes áreas comprometidas, buscando a reabilitação do paciente
6,7.
Sendo assim, entre os aspectos que precisam ser considerados, no cuidado ao paciente queimado, destacam-se os impactos relacionados ao tempo de hospitalização, efeitos psicológicos decorrentes do afastamento social, incapacidade funcional e o custo financeiro. Impactos que requerem a participação de múltiplas especialidades até a reinserção biopsicossocial
1,8.
A gestão do cuidado é um aspecto essencial na abordagem multidisciplinar em uma unidade de queimados, buscando o desenvolvimento de protocolos e a otimização de recursos, para que o paciente receba um tratamento adequado. A clara definição das ações de cada componente da equipe permite uma análise de toda a estruturação do atendimento ao queimado, desde o atendimento inicial até a reabilitação
6,9.
A complexidade que envolve articular saberes e práticas assistenciais no atendimento a pacientes queimados por uma equipe multiprofissional, associada à incursão na literatura mencionada, apresenta vantagens à evolução do tratamento do paciente. Nesse sentido, instigou a seguinte questão de pesquisa: Como tem sido abordada na literatura científica, nacional e internacional, a atuação da equipe multiprofissional no atendimento do paciente queimado?
OBJETIVOMapear as evidências disponíveis a respeito da atuação da equipe multiprofissional no atendimento ao paciente queimado.
MÉTODOTrata-se de uma revisão de escopo (
scoping review), na qual foram percorridos os passos recomendados pelo Instituto Joanna Briggs, cujo intuito é analisar a qualidade metodológica dos estudos e encontrar melhores evidências científicas, mapeando os principais conceitos que sustentam a área de pesquisa
10: 1) Identificação da questão e objetivo de pesquisa; 2) Identificação de estudos relevantes; 3) Seleção de estudo, conforme os critérios predefinidos; 4) Mapeamento de dados; 5) Sumarização dos resultados, por meio de uma análise temática qualitativa em relação ao objetivo e pergunta; e 6) Apresentação dos resultados.
A composição da estratégia de busca foi elaborada com apoio de uma bibliotecária, sendo utilizados os operadores Booleanos
AND e
OR, nos idiomas português, inglês e espanhol, e as combinações entre os seguintes descritores consultados no Descritores em Ciências de Saúde (DeCS) e
Medical Subject Headings (MeSH): Equipe de Assistência ao Paciente/
Interdisciplinary Health Team/
Grupo de Atención al Paciente; Queimaduras/
Burns/
Quemaduras; e Assistência ao Paciente/
PatientCare/
Atención al Paciente.
A busca dos estudos ocorreu no mês de novembro de 2020, e os critérios de inclusão dos estudos foram: artigos disponíveis na íntegra em português, inglês e espanhol, publicados entre 2010 e 2020, período destacado como marco no desenvolvimento de estudos sobre a atuação da equipe multiprofissional no atendimento ao paciente queimado.
Foram consultados os bancos e bases de dados a seguir:
United States National Library of Medicine (PubMed) (n=60), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) (n=8),
Embase Indexing and Emtree (Embase) (n=10),
Scientific Electronic Library Online (SciELO) (n=1),
Web of Science (n=3),
CINAHL Complete (CINAHL) (n=14),
Elsevier’s Scopus (SCOPUS) (n=20) e Base de dados em Enfermagem (BDENF) (n=2). Ainda, foi consultada a COCHRANE Library, porém não se obtiveram resultados.
Essas bases foram selecionadas por serem abrangentes, com ampla cobertura das publicações na área da saúde. A partir da definição da estratégia de busca, a seleção dos estudos foi conduzida seguindo as recomendações do
checklist PRISMA, o qual é subdividido em: artigos identificados, selecionados, elegíveis e incluídos
11 (Figura 1).
Figura 1 - Fluxograma de identificação e seleção de estudos elaborados a partir da recomendação PRISMA. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2021.
A relevância dos artigos incluídos na revisão foi analisada por dois revisores independentes, com base nas informações fornecidas no título e no resumo. Foi realizada a extração dos dados usando um instrumento projetado pelos pesquisadores de acordo com o objetivo e questão norteadora da revisão, no qual se contemplaram informações relacionadas a: atuação da equipe multiprofissional no atendimento de paciente queimado.
Dos 118 estudos identificados, 19 foram excluídos por duplicidade. Após avaliação dos artigos pelo título e resumo, foram excluídos 68 que não atendiam ao tema da pesquisa. Assim, 31 artigos foram salvos no formato
Portable Document Format (PDF) para análise a partir da leitura na íntegra. Após esta etapa, 18 artigos foram descartados por ambos os revisores, por não responderem à questão de norteadora da pesquisa. No total, 13 artigos foram incluídos no presente estudo (Figura 1).
As informações dos 13 estudos selecionados para fazer parte desta revisão foram organizadas por meio de uma planilha no programa Excel
®. Durante a leitura na íntegra, foram consideradas as seguintes informações: autor(es), ano de publicação, base de dados, título, população/participantes, campo de estudo, país de origem, resultados, conclusão e uma síntese dos principais pontos de interesse desta revisão.
RESULTADOSConsiderou-se que os estudos selecionados conferem informações sobre como tem sido abordada na literatura científica, nacional e internacional, a atuação da equipe multiprofissional no atendimento de pacientes queimados. Dos 13 estudos, nove seguiram delineamentos de abordagem quantitativa e quatro qualitativa. Quanto à origem, quatro foram realizados no Reino Unido
12-15, dois estudos na Austrália
16,17, dois na Argentina
7,18 e dois nos Estados Unidos
19,20, respectivamente; e um estudo desenvolvido na China
21, México
22 e África do Sul
23. Os estudos foram publicados entre 2010 e 2020, com destaque para 2016, com três publicações.
A partir da revisão compreende-se que alguns aspectos devem ser considerados na organização do trabalho multiprofissional, no que diz respeito ao atendimento da pessoa que sofreu queimaduras, conforme apresentado na Figura 2.
Figura 2 - Aspectos que devem ser trabalhados na equipe multiprofissional. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2021.
Os estudos incluídos evidenciaram que o atendimento ao paciente vítima de queimaduras pela equipe multiprofissional circunscreve-se nos seguintes aspectos: 1) Competências organizacionais de gestão; 2) Desenvolvimento de processos comunicacionais assertivos e; 3) Identificação de possíveis causas para os acidentes com crianças. A união dessas competências converge para um atendimento integral, qualificado e com melhores perspectivas da morbimortalidade dos pacientes queimados, favorecendo o tratamento desde o período agudo até o tardio, incluindo a reinserção social.
DISCUSSÃOEssa revisão de escopo possibilitou conhecer como a atuação da equipe multiprofissional no atendimento do paciente queimado tem sido abordada na literatura nacional e internacional. Os estudos identificados abordaram três áreas de fundamental importância nessa perspectiva de atendimento, quais sejam: a gestão do cuidado, o manejo clínico e a colaboração com outras áreas de atuação, com vistas à integração efetiva da equipe, ao alcance de melhores desfechos assistenciais, à proteção da integridade do indivíduo e o respeito aos seus direitos.
Com relação à gestão da estrutura física, destacam-se aspectos estruturais para o atendimento de pacientes queimados, como unidade de tratamento especializada, equilíbrio entre demanda de trabalho e necessidades de cuidados dos pacientes, bem como um sistema de referência multiprofissional que abarque o âmbito físico, mental e emocional dos pacientes
23.
Pesquisa que abordou aspectos relacionados à gestão, no que tange à avaliação de experiências relatadas por pacientes que sofreram queimaduras, evidencia que as avaliações realizadas por meio de instrumentos qualificam, entre outros aspectos, a atuação das equipes multiprofissionais com vista a planejar e implementar melhorias no serviço de atendimento oferecido
12.
Ainda, em relação ao uso de protocolos assistenciais, estudos identificam como importantes mecanismos para a definição de aspectos que abrangem desde a terapia a ser implementada até o tempo de hospitalização por unidade de atendimento com tratamento intensivo e internação com equipe multiprofissional especializada em queimaduras, destacando a tomada de decisão compartilhada
14.
Estudo chinês desenvolvido a partir de uma experiência de atendimento a 19 vítimas de queimaduras de um atentado em massa, destacou a importância das conferências multidisciplinares diárias, com equipes especializadas intimamente envolvidas, apoio logístico, materiais adequados, medicamentos, equipamentos, instrumentos
21. Outro estudo, desenvolvido em um hospital de trauma na Austrália após incêndios florestais no ano de 2009, concluiu que as vítimas de eventos em massa têm necessidades que extrapolam o tratamento médico, muitos pacientes perderam familiares, a residência e meios de subsistência, apresentando problemas significativos de perda e luto
24.
Neste sentido, além do tratamento médico, alocação de recursos humanos e de infraestrutura, o apoio psicológico e social passa a ser essencial para atender às necessidades sociais dos pacientes e seus familiares
24. Pesquisadores corroboram o fato de ser necessária uma abordagem holística que incorpore o aspecto físico, psicológico, social e emocional do indivíduo
23.
Destaca-se a recomendação sobre as equipes multidisciplinares, proposta para a formação de equipes que contemplem intensivistas, cirurgiões, enfermeiros, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, nutricionista e farmacêutico para o atendimento de pacientes queimados
13. Esses profissionais são citados como essenciais no atendimento ao paciente queimado, acrescentando a importância da atuação do anestesista e do assistente social
15. A atuação da equipe multiprofissional, tanto na fase aguda quanto crônica de pacientes queimados, é realçada pela abordagem holística no atendimento, em estudo desenvolvido na Austrália
15.
É abordada também a relevância, na impossibilidade de equipes completas, de um número mínimo de profissionais de categorias consideradas imprescindíveis para o cuidado, por exemplo a enfermagem, psicologia e medicina, e evidencia-se uma lacuna importante nesse estudo, sobre a atuação do fisioterapeuta, a qual não foi citada, mesmo com o elevado número de alterações funcionais e respiratórias que esses pacientes apresentam
18.
Os estudos também apontaram como benefícios do atendimento multidisciplinar, com abordagens integrais, considerando a totalidade do paciente e a integração dos vários saberes, o impacto na mortalidade em unidades que dispõe de fluxos assistenciais
15-17,20.
Outro aspecto abordado nos estudos, em unidades especializadas para atendimento de pacientes queimados, refere-se à importância de processos organizacionais que atendam às demandas assistenciais, com logística de fluxos, para demandas de cirurgia e de leitos intensivos e internação, além de insumos e equipamentos
21, os quais remetem para desfechos clínicos favoráveis e mais rápida reintegração social
15.
Dentre as competências essenciais da equipe multiprofissional, os estudos destacaram o processo de comunicação, como caminho por onde perpassam os diálogos, as discussões, os registros, enfim, todos os aspectos envolvidos no processo de cuidado. Ainda foi evidenciado que uma comunicação assertiva e efetiva reforça a integração entre os vários profissionais da saúde, e favorece a adesão do paciente e seus familiares ao tratamento proposto. Ademais, como ferramenta no trabalho em saúde, favorece a segurança e a continuidade do cuidado oferecido
25.
A comunicação é considerada uma competência imprescindível para que haja efetividade no trabalho da equipe multiprofissional. Isso por oportunizar o compartilhamento de ideias, troca de informações e tomada de decisão clínica mais acertada
7. Da mesma forma, ruídos comunicacionais podem gerar conflitos e perdas assistenciais por processos de gestão desarticulados
23.
No que tange à integração dos saberes por meio de discussões e
rounds multidisciplinares, estudo realizado em 13 unidades de cuidados intensivos na Inglaterra e no País de Gales entre 2005 e 2011, com 1.759 pessoas que sofreram queimaduras, sinalizou o processo comunicacional como possibilidade para maximização da eficiência com custos adicionais mínimos, melhora do quadro clínico, dos resultados e dos desfechos, além de menor mortalidade associada
13.
Sobre o manejo clínico, estudo desenvolvido com 240 fonoaudiólogos, em 37 países, apresentou o manejo de diversas desordens como deglutição, contratura orofacial, traqueostomia e comunicação por equipe multiprofissional em seis continentes do globo, mostrando os benefícios de incluir diferentes profissionais na composição da equipe multiprofissional
17.
Em estudo desenvolvido na África do Sul, a partir das percepções de fisioterapeutas que atuam em equipes multidisciplinares, os mesmos relataram limitações no atendimento de pacientes que sofreram queimaduras nas mãos, em razão da atenção da equipe estar voltada para grandes queimados, gerando encaminhamento tardio para reabilitação, por falta de comunicação entre a equipe
23.
Em relação à mortalidade intra-hospitalar, foi significativamente menor em pacientes internados em unidades especializadas. Sabe-se que o cuidado da pessoa que sofreu queimaduras é extraordinariamente complexo e multifatorial, envolvendo tratamento ideal para feridas, suporte respiratório, sedação, controle da dor, nutricional, demandando uma equipe multidisciplinar totalmente integrada
13.
As taxas de mortalidade por queimaduras em países desenvolvidos diminuíram devido ao atendimento pré-hospitalar. Controle de infecção, terapia intensiva, tratamento precoce/adequado da ferida e o gerenciamento de cicatriz podem minimizar a cicatriz final e reduzir a necessidade de reconstrução posterior
26.
Com relação à prevenção de queimaduras, os estudos revelam ser fundamental aperfeiçoar a qualidade e segurança do trabalho da equipe multiprofissional por meio de metas e indicadores que apontem caminhos multissetoriais a fim de alcançar e/ou atingir maior grupo possível de pessoas
1,9.
Estudo desenvolvido no México com 457 crianças concluiu que a definição das causas de queimaduras nesse nível de classificação só é possível mediante a integração da equipe multiprofissional, considerando os diferentes conhecimentos necessários para a avaliação de crianças vítimas de queimaduras, com determinação de padrões prévios, relacionados a conhecimento sobre as lesões para definir uma classificação com desfecho jurídico, de abuso ou negligência
22.
Paralelamente, em estudo desenvolvido nos Estados Unidos, os pesquisadores relataram uma incidência de abuso infantil de 16% e a negligência de até 60% das crianças de 3 a 6 anos admitidas em centros de queimaduras
27. Destaca-se que as linhas de demarcação entre a pele queimada e não queimada em uma queimadura de escaldadura e a ausência de queimaduras por respingo são sugestivas de lesão intencional
28.
Sobre a determinação das causas de queimaduras em crianças, para fins de proteção, extrapola a questão clínica, mas depende da avaliação multiprofissional que é capaz de identificar dentre os fatores causais da queimadura, se acidental ou decorrente de abuso.
A atuação da equipe multiprofissional é crucial, pois o cuidado a pessoas queimadas engloba processos específicos para alcançar melhores indicadores na redução de morbidade e mortalidade na queimadura, da fase aguda à reabilitação, condição que demanda um plano estratégico com incorporação de tecnologias no âmbito do cuidado. Demarca-se que o termo tecnologia remete para a complexidade em articular um conjunto de habilidades técnicas, equipamentos, insumos, processos estruturados de acolhimento, gestão do cuidado, comunicação, experiência translacional buscando oferta de serviço com qualidade e segurança
29,30.
A prevenção das queimaduras é primordial, visto sua evitabilidade, sendo primordial a atuação da equipe multiprofissional em campanhas e ações de prevenção. Alguns países desenvolvidos já atingiram progressos consideráveis na redução das taxas de mortes por queimaduras, por meio de combinações de estratégias que ampliam e melhoram o atendimento oferecido, bem como a prevenção e controle do agravo.
Limitações do EstudoEnquanto limitações do estudo, não foi realizada uma avaliação da qualidade dos estudos para sua inclusão, visto que não é preconizado pela revisão de escopo. Acrescenta-se que, apesar de ter sido desenvolvida uma estratégia de busca abrangente, é possível que algum estudo relevante não tenha sido acessado em decorrências dos critérios selecionados.
CONCLUSÕESOs estudos incluídos evidenciaram a importância das competências organizacionais de gestão e processos comunicacionais assertivos como elementos essenciais para o cuidado efetivo de pacientes queimados, porém identificou-se ser uma área do conhecimento que requer maior investimento de pesquisas e exploração.
Foi destacada a integração da equipe, mediante a liderança, a comunicação efetiva e a tomada de decisão compartilhada. Dessa maneira, além da integração dos diferentes saberes, para otimizar os recursos empreendidos no atendimento, apreende-se dos estudos analisados a necessidade de organização do serviço em uma estrutura exclusiva, como unidade de tratamento intensivo com leitos dedicados e unidade de internação especializada. Além dos aspectos gerenciais relacionados à centralização de custos, análise de processos com vistas à melhoria, essa condição facilita a implementação de protocolos por estágios de tratamento, padronização de cuidados e desenvolvimento da equipe de maneira contínua.
Considera-se que o trabalho multiprofissional efetivo emana da integração e compartilhamento, o que remete a um modelo de gestão participativo. Portanto, tanto a identificação de pontos frágeis no processo como a busca por soluções de melhoria necessitam ser compartilhadas na equipe. Destaca-se como passo inovador a participação dos pacientes, que estão em tratamento e reabilitação de queimaduras, como possibilidade para avaliar o serviço assistencial recebido, com vistas a acessar a visão única de quem experienciou tal condição, para que as melhorias sejam efetivas também na visão dos pacientes.
Em virtude dos fatos mencionados e a seriedade das estatísticas de acometimento dessas injúrias, evidencia-se a necessidade de prevenção de sequelas e da reabilitação dos pacientes, sendo possível fortalecer o trabalho em equipe multiprofissional, dar visibilidade para a atuação em conjunto e promover a qualificação do processo de cuidado a partir desse estudo.
PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕESConsidera-se que identificar a atuação da equipe multiprofissional no atendimento ao paciente queimado é uma maneira importante para contribuir com o desenvolvimento de estratégias de cuidado, qualificação do mesmo e melhorias no quadro clínico do paciente. Além disso, essa pesquisa pode sensibilizar a integração multiprofissional para que se adote essa prática no cotidiano, com discussão de casos com todos os envolvidos no cuidado, bem como essa necessidade possa ser percebida pelos profissionais, para que divulguem em âmbitos assistenciais e educacionais.
REFERÊNCIAS1. World Health Organization (WHO). Burns. [Fact Sheet]. Genebra: WHO; 2018 [acesso 2020 Dez 20]. Disponível em:
http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs365/en/2. Gervasi LC, Tibola J, Schneider IJC. Tendência de morbidade hospitalar por queimaduras em Santa Catarina. Rev Bras Queimaduras. 2014;13(1):31-7.
3. Souza MT, Nogueira MC, Campos EMS. Fluxos assistenciais de médios e grandes queimados nas regiões e redes de atenção à saúde de Minas Gerais. Cad Saúde Colet. 2018;26(3):327-35.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 1.273, de 21 de novembro de 2000. Brasília: Diário Oficial da União; 2000 [acesso 2020 Dez 20]. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2000/prt1273_21_11_2000.html5. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 1.274, de 21 de novembro de 2000. Brasília: Diário Oficial da União; 2000 [acesso 2020 Dez 20]. Disponível em:
https://www.saude.mg.gov.br/index.php?option=com_gmg&controller=document&id=35456. Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ). Papel dos CTQ’s: inovações tecnológicas no tratamento do grande queimado - meek. In: Trilha do Conhecimento. Cap. 6. Brasília: SBQ; 2020. 16 p.
7. Faroni N, Fernandes CR, Tonegusso J, Ramos VL, Levy R, Taljame ML. Manejo interdisciplinario de pacientes quemados. Pilar fundamental para la reducción de secuelas funcionales. Rev Med Rosario. 2018;84(1):26-9.
8. Al-Mousawi AM, Mecott-Rivera GA, Jeschke MG, Herndon DN. Burn teams and burn centers: the importance of a comprehensive team approach to burn care. Clin Plast Surg. 2009;36(4):547-54.
9. Hultman CS, van Duin D, Sickbert-Bennett E, DiBiase LM, Jones SW, Cairns BA, et al. Systems-based Practice in Burn Care: Prevention, Management, and Economic Impact of Health Care-associated Infections. Clin Plast Surg. 2017;44(4):935-42.
10. Peters MDJ, Godfrey CM, McInerney P, Soares CB, Khalil H, Parker D. The Joanna Briggs Institute reviewers’ manual 2015: methodology for JBI scoping reviews [Internet]. Adelaide: The Joanna Briggs Institute; 2015. Disponível em:
https://repositorio.usp.br/item/00277559411. Liberati A, Altman DG, Tetzlaff J, Mulrow C, Gøtzsche PC, Ioannidis JP, et al. The PRISMA statement for reporting systematic reviews and meta-analyses of studies that evaluate health care interventions: explanation and elaboration. PLoS Med. 2009;6(7):e1000100.
12. Hodgkinson EL, Boullin P, Heary S, Grant B. Development and pilot of a burns-specific patient-reported experience measure. Burns. 2019;45(7):1600-4.
13. Win TS, Nizamoglu M, Maharaj R, Smailes S, El-Muttardi N, Dziewulski P. Relationship between multidisciplinary critical care and burn patients survival: A propensity-matched national cohort analysis. Burns. 2018;44(1):57-64.
14. Jackson PC, Hardwicke J, Bamford A, Nightingale P, Wilson Y, Papini R, et al. Revised estimates of mortality from the Birmingham Burn Centre, 2001-2010: a continuing analysis over 65 years. Ann Surg. 2014;259(5):979-84.
15. Butler DP. The 21st century burn care team. Burns. 2013;39(3):375-9.
16. D’Cruz R, Martin HC, Holland AJ. Medical management of paediatric burn injuries: best practice part 2. J Paediatr Child Health. 2013;49(9):E397-404.
17. Rumbach AF, Clayton NA, Muller MJ, Maitz PK. The speech-language pathologist’s role in multidisciplinary burn care: An international perspective. Burns. 2016;42(4):863-71.
18. Carballo ML, Piraino L, Ardiles R, León H. Tratamiento interdisciplinario en paciente con quemadura eléctrica de alto voltaje. Rev Hosp El Cruce. 2017(21):71-6.
19. Rosado N, Charleston E, Gregg M, Lorenz D. Characteristics of accidental versus abusive pediatric burn injuries in an urban burn center over a 14-year period. J Burn Care Res. 2019;40(4):437-43.
20. Evans HL, McNamara E, Lynch JB, Chan JD, Taylor M, Dellit TH. Infection control for critically ill trauma patients: a systematic approach to prevention, detection, and provider feedback. Crit Care Nurs Q. 2012;35(3):241-6.
21. Hang H, Jianan W, Chunmao H. Experience in managing an urban massive burn incident: The Hangzhou bus attack on 5 July 2014. Burns. 2016;42(1):169-77.
22. Dissanaike S, Wishnew J, Rahimi M, Zhang Y, Hester C, Griswold J. Burns as child abuse: risk factors and legal issues in West Texas and Eastern New Mexico. J Burn Care Res. 2010;31(1):176-83.
23. Dunpath T, Chetty V, Van Der Reyden D. Acute burns of the hands - physiotherapy perspective. Afr Health Sci. 2016;16(1):266-75.
24. Cleland HJ, Proud D, Spinks A, Wasiak J. Multidisciplinary team response to a mass burn casualty event: outcomes and implications. Med J Aust. 2011;194(11):589-93.
25. Schorr V, Sebold LF, Santos JLG, Nascimento KC, Matos TA. Shift turn in a hospital emergency service: perspectives of a multiprofessional team. Interface (Botucatu). 2020;24:e190119.
26. Douglas HE, Dunne JA, Rawlins JM. Management of burns. Surgery (Oxford). 2017;35(9):511-8.
27. Toon MH, Maybauer DM, Arceneaux LL, Fraser JF, Meyer W, Runge A, et al. Children with burn injuries--assessment of trauma, neglect, violence and abuse. J Inj Violence Res. 2011;3(2):98-110. 28. Biasini A, Biasini M, Stella M. Intensive care of children with burn injuries and the role of the multidisciplinary team. Nurs Child Young People. 2014;26(9):27-30.
29. Silva DCD, Alvim NAT, Figueiredo PA. Light technologies in health and its relation with the hospital nursing care. Esc Anna Nery. 2008;12(2):291-8.
30. Porto e Silva MC, Salomé GM, Miguel P, Bernardino C, Eufrásio C, Ferreira LM. Avaliação dos sentimentos de impotência e imagem corporal em pacientes com queimaduras. J Nurs UFPE. 2016;10(6):2134-40.
1. Universidade Federal de Santa Catarina, Pós-Graduação em Enfermagem, Florianópolis, SC, Brasil
2. Universidade Federal da Fronteira Sul, Departamento de Enfermagem, Chapecó, SC, Brasil
Correspondência: Alexsandra Martins da Silva
Campus Universitário – Trindade BLOCO I (CEPETEC) – Centro de Ciências da Saúde – Piso Térreo
Florianópolis, SC, Brasil – CEP: 88040-900
E-mail:
alexsandrams.enf@gmail.comArtigo recebido: 18/8/2022
Artigo aceito: 3/3/2023
Local de realização do trabalho: Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Enfermagem, Florianópolis, SC, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.