1152
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Perfil epidemiológico de crianças vítimas de queimaduras no Município de Niterói - RJ

Epidemiological profile of children burn victims of burning in Niterói - RJ

Victor Bruno Rodrigues Lopes de Santana

RESUMO

Introduçao: As queimaduras constituem um traumatismo grave, que é muito frequente na criança, representando um grande problema na saúde pública. Método: Este é um estudo retrospectivo, com análise de 150 prontuários, de 2008 a 2009, onde o objetivo foi verificar o perfil epidemiológico de crianças, na faixa etária de 0 a 6 anos, queimadas e internadas em um hospital da rede pública, do Município de Niterói (RJ). Resultados: Os resultados indicam que a maioria das crianças queimadas era do sexo masculino, sendo que 41,3% encontravam-se na faixa etária de 1 ano de vida, onde houve a prevalência de queimaduras de 2º grau (56%), ocasionadas, em 48% dos casos, por líquido aquecido. O tronco foi a superfície corporal mais atingida (37,3%). Dos 150 prontuários observados, em 63,3% constava o atendimento fisioterapêutico, o que sugere uma diminuiçao sutil nas complicaçoes clínicas dos pacientes, bem como a reduçao do tempo de internaçao hospitalar, que foi de 6 a 11 dias, representando 56% dos casos, e a diminuiçao da taxa de mortalidade.

Palavras-chave: Queimaduras. Epidemiologia. Criança.

ABSTRACT

Introduction: The burns are a severe trauma, which is very common in children, representing a major public health problem. Methods: This is a retrospective study with analysis of 150 medical records from 2008 to 2009, where the objective was to evaluate the epidemiological profile of children aged 0-6 years, burned and hospitalized in a public hospital, the City of Niteroi (RJ). Results: The results indicate that most burned children were male, 41.3% were aged 1 year old, where there was a prevalence of 2nd degree burns (56%), caused in 48% of cases, fluid heating. The trunk was the most affected body surface area (37.3%). Of the 150 medical records found in 63.3% included physical therapy, suggesting a subtle decrease in clinical complications of patients, as well as reducing the length of hospital stay, which was 6 to 11 days, representing 56% of cases, and low mortality rate.

Keywords: Burns. Epidemiology. Child.

As queimaduras instauram um traumatismo grave que é muito frequente na criança. Em todo o mundo, elas continuam constituindo graves problemas, quais sejam: clínicos, econômicos, psicológicos e sociais1; portanto, representam um grande problema na saúde pública, por provocarem sequelas permanentes ou de longa duraçao, de ordem física e/ou psicológica.

A criança, no seu desenvolvimento psicomotor, adquire habilidades que irao auxiliar em seu crescimento. Na faixa etária de 0 a 6 anos, as crianças buscam explorar a si mesmas e o mundo ao seu redor, tornando-se mais suscetíveis às lesoes térmicas2. Para a criança que sofreu queimaduras e necessita de internaçao hospitalar, essa é uma fase complicada, pois ela será atingida por uma variedade de estressores físicos, tais como acidose, perda de fluidos, alteraçoes no equilíbrio endócrino, potencial para a infecçao, dor, além dos estressores psicológicos decorrentes de situaçoes como separaçao da família, mudanças corporais, despersonalizaçao, dependência extrema de cuidados, tensao constante, entre outros3. Além disso, devido à imaturidade músculo-esquelética e imunológica, as crianças ficam vulneráveis ao óbito4.

As lesoes térmicas ocupam o segundo lugar nos acidentes que ocorrem mundialmente, somente perdendo para as fraturas5. Por essa razao, é de fundamental importância a prevençao de acidentes com crianças que provoquem queimaduras, devendo a queimadura ser encarada como um trauma que pode ser evitado também por meio da aplicaçao de princípios epidemiológicos, realizaçao de campanhas de conscientizaçao e medidas legislativas6.

O propósito deste estudo é relatar os resultados da análise das características epidemiológicas de crianças queimadas e internadas em um hospital da rede pública, do Município de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, visando ao desenvolvimento de programas de conscientizaçao social e de prevençao.


MÉTODO

Este é um estudo retrospectivo para análise de crianças, na faixa etária de 0 a 6 anos, vítimas de queimaduras e internadas em um hospital da rede pública, do Município de Niterói, identificadas nos prontuários de internaçao, entre os anos de 2008 e 2009.

No setor de arquivo médico, foram levantados prontuários de 150 crianças vítimas de queimaduras.

Um formulário elaborado pelo autor foi utilizado para a coleta de dados. Neste, constavam variáveis como: sexo, idade, agentes causais (etiológicos), área da superfície corporal queimada, grau de profundidade da queimadura, tempo de permanência hospitalar (internaçao), complicaçoes, realizaçao ou nao de condutas fisioterapêuticas e mortalidade.


RESULTADOS

Dos 150 prontuários estudados, encontraram-se 84 (56%) pacientes do sexo masculino e 66 (44%) do sexo feminino.

Quanto à idade, 62 (41,33%) eram crianças de 1 ano, 30 (20%), de 2 anos, 18 (12%), de 3 anos, 13 (8,6%), de 4 anos, 10 (6,6%), de 5 anos, 10 (6,6%), de 6 anos, e 7 (4,6%), menores de 1 ano (Tabela 1).




Com relaçao ao agente causador, 72 (48%) queimaduras foram ocasionadas por líquidos aquecidos, 33 (22%) por chamas, 25 (16,6%) por choque elétrico e 20 (13,4%) por contato com área aquecida (Figura 1).


Figura 1 - Agente causador das queimaduras.



A área em que prevaleceram as queimaduras foi o tronco, representado por 37,3%, correspondentes a 56 pacientes, seguido por cabeça e pescoço (31,3%), membros superiores (14,6%), membros inferiores (12%) e genitália (4,6%) (Tabela 2).




Em relaçao ao grau de profundidade das queimaduras, observou- se que 84 (56%) casos apresentaram lesoes de 2º grau, seguidos por 59 (39,4%) apresentando lesoes de 1º grau e 7 (4,6%) correspondendo às queimaduras de 3º grau (Figura 2).


Figura 2 - Grau de profundidade da queimadura.



Verificou-se que 56% das crianças permaneceram hospitalizadas de 6 a 11 dias; 19,3% de 0 a 5 dias; 9,3% de 18 a 23 dias; 8,6% de 12 a 17 dias; 3,3% de 24 a 29 dias e 3,3% com internaçoes acima de 30 dias.

Embora a inexistência de complicaçoes clínicas representasse 71,3% dos casos, as mais frequentes foram a infecçao da ferida, com 15,3% dos casos, as complicaçoes pulmonares com 8% e as complicaçoes renais com 5,3%.

Observou-se que 95 (63,3%) crianças realizaram fisioterapia, enquanto 55 (36,7%) nao foram submetidas a tal procedimento.

O índice de óbito foi baixo (1%).


DISCUSSAO

As queimaduras sao acidentes frequentes em nosso meio, sendo predominantemente no sexo masculino7. Neste estudo, foi observado que 56% dos casos eram pacientes do sexo masculino. Estes valores podem estar relacionados, provavelmente, às diferenças de comportamento de cada sexo e, ainda, aos fatores culturais, que determinam maior liberdade aos meninos8.

Devido ao seu desenvolvimento neuropsicomotor normal, as crianças de 0 a 6 anos exploram o ambiente em excesso, o que é muito importante. Entretanto, elas ainda nao têm desenvolvimento motor e intelectual suficientes para evitar o perigo9, fato que pode explicar as crianças de um ano terem sido as mais atingidas nesta pesquisa. Isto é perfeitamente explicado pelas próprias características da criança: curiosa, inquieta, exploradora, inexperiente, muito ativa e desconhecedora do perigo10. Tudo isto associado à negligência dos adultos, que banalizam os acidentes por queimaduras.

Em relaçao ao agente causador, foram encontrados com maior frequência os líquidos aquecidos, em todas as suas formas, como: água, café, leite, mingau, caldos, sopas, entre outros semelhantes. O primeiro agente mais comum em queimaduras sao os líquidos superaquecidos5. A situaçao socioeconômica precária de grande parte da populaçao brasileira e a necessidade de moradia em pequenas residências, com a consequente falta de espaço para brincadeiras, faz com que as crianças pequenas se aglomerem na cozinha, junto à mae11. As queimaduras por líquido aquecido, também conhecidas como "síndrome da chaleira quente", ocorrem quando a criança puxa uma panela ou chaleira com água fervente que se encontra sobre o fogao. Em tais casos, as lesoes apresentam localizaçoes geralmente típicas, tais como: braço, antebraço, pescoço e parede torácica12.

Já as queimaduras ocasionadas por chamas, que vêm secundariamente aos líquidos aquecidos, podem ser explicadas pelo fato do álcool, querosene e gasolina serem de uso doméstico e facilmente comercializados.

A profundidade da lesao é dependente da temperatura e duraçao da energia térmica aplicada à pele. O contato da pele com o calor, substâncias químicas ou eletricidade resulta na destruiçao do tecido em graus variáveis13. Indivíduos com idade inferior a 4 anos nao suportam as queimaduras, pois apresentam pele mais sensível que a de um adulto. Queimaduras superficiais nesses pacientes podem rapidamente transformar-se em profundas14. O líquido aquecido como agente causal em contatos rápidos ocasiona queimaduras de 2º grau15. Cerca de 60% das crianças avaliadas apresentaram queimadura de 2º grau.

O tempo médio de internaçao hospitalar, em funçao dos acidentes envolvendo queimaduras, foi de 10 dias, abaixo do encontrado em outras estatísticas verificadas.

Nas lesoes provocadas por queimaduras, o órgao mais afetado é a pele, que participa do equilíbrio e da regulaçao de temperatura. Possui ainda importantes fatores de defesa contra infecçoes. As queimaduras fazem com que o indivíduo perca sua primeira linha de defesa, a pele íntegra. O tecido queimado representa entao um excelente meio de cultura para bactérias e fungos. As complicaçoes mais frequentes encontradas foram a infecçao da área queimada (15,3%), seguida por complicaçoes pulmonares (8%) e renais (5,3%).

O fisioterapeuta está ativamente envolvido no tratamento precoce e pode desenvolver um programa de recuperaçao em conjunçao com o processo de cicatrizaçao. A reabilitaçao pós-cicatrizaçao poderá ser muito menos traumática e mais bem-sucedida7. Em média, em 63,3% dos prontuários verificados, constavam a realizaçao do trabalho fisioterapêutico. Muitos estudos apontam que o atendimento precoce e contínuo é fundamental para a reabilitaçao, proporcionando a diminuiçao das sequelas, do tempo de internaçao e da mortalidade. O exercício é essencial durante a cicatrizaçao das lesoes por duas razoes: pelo fato de estimular a circulaçao, aumentando o fornecimento de oxigênio; e pelo fato de promover a tensao no tecido, direcionando assim a reorganizaçao do colágeno7.

O fisioterapeuta também atuará nas áreas de broncodesobstruçao, desinsuflaçao pulmonar, reexpansao pulmonar, reduçao da funçao muscular respiratória, prevençao das deformidades torácicas subsequentes à lesao, manutençao da amplitude de movimento, da mobilidade cutânea, da reduçao do edema, da manutençao da força e da resistência muscular, impedindo as complicaçoes e reduzindo as contraturas cicatriciais, que, em consequência, proporcionarao uma boa cicatrizaçao pelo melhor alinhamento das fibras cicatriciais, antecipando, assim, a alta hospitalar. Porém, vale ressaltar que, pacientes crianças sao pouco colaborativos. Portanto, o terapeuta deverá incentivar os aspectos lúdicos dos exercícios, e jamais coagir a criança a submeter-se à sessao pela força. Isso provê melhor resposta em médio e longo prazos5.

A fisioterapia respiratória também tem importância no tratamento de pacientes vítimas de queimaduras, pois o pulmao e a funçao pulmonar do paciente queimado necessitam de observaçao e monitorizaçao por parte do fisioterapeuta, pois é neste sistema, quer tenha sido atingido ou nao pela injúria térmica, que vao se localizar as alteraçoes clínicas importantes como indicadores da instabilidade ou estabilidade do paciente16.


CONCLUSAO

As queimaduras infantis constituem um importante problema de saúde pública, sendo necessários esforços para reduçao dos acidentes e o grande número de vítimas. É sabido que muitos avanços ocorrem na área da saúde, entretanto a principal forma de "tratamento" para a queimadura é a prevençao. Sao causas previsíveis, uma vez que apresentam uma epidemiologia própria, facilmente identificável e que se repete em todas as classes sociais. Sobretudo, cabe frisar que a epidemiologia de queimaduras em nosso meio nao terá valores palpáveis se ficar como mero interesse estatístico, entretanto será de grande importância na elaboraçao de programas preventivos.


REFERENCIAS

1. Cruvinel SS, Queiroz DM, Recife FED, Markus J. Epidemiologia de pacientes queimados atendidos no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia no período de 2000-2001. Biosci J. 2005;21(1):9-13.

2. Oliveira KC, Penha CM, Macedo JM. Perfil epidemiológico de crianças vítimas de queimaduras. Arq Med ABC. 2007;32(2):55-8.

3. Carlucci VDS, Rossi LA, Ficher AMFT, Ferreira E, Carvalho EC. A experiência da queimadura na perspectiva do paciente. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(1):21-8.

4. Deos MFS, Burd E. Reposiçao volêmica na criança queimada. Rev HPS. 1990;36(1):3-5.

5. Ultra RB. Fisioterapia intensiva. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan;2009.

6. Siqueira FMB, Juliboni EPK. O papel da atividade terapêutica na reabilitaçao do indivíduo queimado em fase aguda. Cad Ter Ocup UFSCAR. 2000;8(2):79-91.

7. Guirro E, Guirro R. Fisioterapia dermato-funcional. Sao Paulo:Manole;2004.

8. Martins CBG, Andrade SM. Queimaduras em crianças e adolescentes: análise da morbidade hospitalar e mortalidade. Acta Paul Enferm. 2007;20(4):464-9.

9. Chadová L, Bouska I, Mateju E. Epidemiologia das queimaduras fatais em crianças de 1964 a 2003. Rev Bras Queimaduras. 2003;3(3):45-8.

10. Machado THS, Lobo JA, Pimentel PCM, Serra MCVF. Estudo epidemiológico das crianças queimadas de 0-15 anos atendidas no Hospital Geral do Andaraí, durante o período de 1997 a 2007. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):3-8.

11. Mello JL. Queimaduras em crianças: análise de 71 pacientes hospitalizados. Momento Pespectiv Saúde. 1989;3(1-2):11-6.

12. Damasceno AKC, Barroso MGT. Diagnóstico epidemiológico de queimaduras em crianças. Nursing (Sao Paulo). 2004;7(68):23-7.

13. Duffy BJ, McLaughlin PM, Eichelberger MR. Assessment, triage, and early management of burns in children. Clin Ped Emerg. 2006;7(1):82-93.

14. Tibola J, Pereima MJL, Franzoni MB, Guimaraes FSV, Dias M, Barbosa E, et al. Assistência à criança vítima de queimaduras na Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmao. Rev Bras Queimaduras. 2004;4(1):18-24.

15. Costa DM, Lemos ATO, Lamounier JA, Cruvinel MGC, Pereira MVC. Estudo retrospectivo de queimaduras na infância e adolescência. Rev Med Minas Gerais. 1994;4(2):102-4.

16. Maciel E, Serra MC. Tratado de queimaduras. Sao Paulo:Atheneu;2004.










Fisioterapeuta / Pós-graduando em Ergonomia - COPPE / Universidade Federal do Rio de Janeiro, Niterói, RJ, Brasil.

Correspondência:
Victor Bruno Rodrigues Lopes de Santana
Travessa Olaria, 18 - Barreto
Niterói, RJ, Brasil
E-mail: victorbrunodesantana@yahoo.com.br

Recebido em: 17/8/2010
Aceito em: 10/11/2010

Trabalho realizado como pré-requisito para conclusao do curso de Fisioterapia junto à Universidade Estácio de Sá, Niterói, RJ, Brasil.
Trabalho apresentado no V Congresso Internacional de Fisioterapia, realizado no Centro de Convençoes do Ceará (Fortaleza, CE, Brasil), 2010.

© 2024 Todos os Direitos Reservados