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Artigo Original

Perfil epidemiológico dos pacientes vítimas de queimaduras no estado da Bahia no período de 2009 a 2018

Epidemiological profile of burn victims in the state of Bahia from 2009 to 2018

Lucas Lins Palmeira Ferreira1; João José Gomes Neto2; Rafael Andrade Alves3

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o perfil epidemiológico das vítimas de queimaduras no estado da Bahia entre 2009 e 2018.
MÉTODO: Estudo ecológico com levantamento de dados do período entre janeiro de 2009 e dezembro de 2018, por meio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), no ícone "Informações em saúde". A seleção nesta plataforma foi direcionada a "Epidemiológicas e Morbidade" e "procedimentos hospitalares do SUS". Os dados foram tabelados no programa Microsoft Excel, com posterior contagem absoluta e relativa utilizando estatística descritiva.
RESULTADOS: Foram analisados 18.490 pacientes, dos quais 630 (3,4%) foram a óbito. Dentre os pacientes internados, a maior parte era de adultos (43,0%), seguidos pelas crianças (36,2%). Quanto aos óbitos, 61,5% dos casos foram adultos, enquanto 5,5%, crianças. A maioria dos óbitos (96,3%) ocorreu nos pacientes que necessitaram de tratamentos cirúrgicos (90,4%). O somatório mensal de internamentos e óbitos, no período estudado, demonstrou picos de ocorrência nos meses de julho e setembro. No período estudado, o tempo médio de internamento foi de 6,9 dias no regime público e 5,6 dias no privado; já o valor médio de internamento de R$ 1.726,70 e R$ 666,80, respectivamente.
CONCLUSÃO: Observou-se, no presente estudo, grande prevalência de internamentos e óbitos por queimadura no estado da Bahia. Dada a magnitude dessa condição na Bahia, esse estudo poderá servir como planejamento de políticas de saúde pública direcionadas à região estudada, com enfoque na prevenção primária e na utilização de tratamento custo-efetivo.

Palavras-chave: Epidemiologia. Queimaduras. Traumatismo Múltiplo. Centros de Traumatologia. Hospitalização.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe the epidemiological profile of burn victims in the state of Bahia between 2009 and 2018.
METHODS: Ecological study with data collection for the period between January 2009 and December 2018, through the Department of Informatics of the Unified Health System (DATASUS), under the icon "Information in health". The selection on this platform was directed to "Epidemiological and Morbidity" and "SUS hospital procedures". The data were tabulated in the Microsoft Excel program, with subsequent absolute and relative counting using descriptive statistics.
RESULTS: 18,490 patients were analyzed, of which 630 (3.4%) died. Among inpatients, most were adults (43.0%), followed by children (36.2%). As for deaths, 61.5% of the cases were adults while 5.5% were children. Most deaths (96.3%) occurred in patients who needed surgical treatment (90.4%). The monthly sum of hospitalizations and deaths, in the studied period, showed peaks of occurrence in the months of July and September. During the studied period, the average length of stay was 6.9 days in the public regime and 5.6 days in the private regime; the average hospital stay was R$ 1,726.70 and R$ 666.80, respectively.
CONCLUSION: In the present study, there was a high prevalence of hospitalizations and deaths from burns in the state of Bahia. Given the magnitude of this condition in Bahia, this study may serve as a planning for public health policies aimed at the region studied, with a focus on primary prevention and the use of cost-effective treatment.

Keywords: Epidemiology. Burns. Multiple Trauma. Trauma Centers. Hospitalization.

INTRODUÇÃO

Conforme conceituado pela International Society of Burn Injuries, queimadura é uma lesão na pele ou em outro tecido orgânico causada, principalmente, por dano térmico (contato com líquidos quentes, sólidos quentes ou chamas) e culmina em respostas inflamatórias locais do organismo - em sua maioria - tendo repercussão sistêmica quando a lesão atinge mais que 30% da superfície corporal, devido à intensa liberação de citocinas e outros mediadores inflamatórios1.

A incidência de queimaduras vem diminuindo de forma constante nas últimas décadas a nível mundial, no entanto, essa taxa permanece impactando de forma significativa a qualidade de vida da população acometida, sendo uma problemática na saúde pública1. Em 2016, a Global Health Estimate, da Organização Mundial da Saúde (OMS), estimou que ocorram, aproximadamente, 153 mil mortes e 10 milhões de incapacitações por ano decorrentes de queimaduras, sendo que cerca de 80% de ambas as condições aconteçam em países de baixa e baixa-média renda2.

No Brasil, estima-se que ocorram em torno de 1.000.000 de acidentes com queimaduras por ano. Destes, 100.000 pacientes procuram atendimento hospitalar e cerca de 2.500 podem falecer direta ou indiretamente de suas lesões3. Dentre todas as hospitalizações por causas externas contabilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no ano de 2000, a exposição ao fogo e outras fontes de calor foram responsáveis por 23.550 internações, equivalente a 3,39% do total. Já no ano de 2018, esse número foi reduzido para 14.399, correspondendo a 1,20% das internações por causas externas4. Essa situação ainda resulta em custos elevados para saúde pública, visto que, de acordo com a Sociedade Brasileira de Queimados, um paciente "grande queimado" representa uma despesa entre R$ 1.200,00 e R$ 1.500,00 por dia durante sua internação5,6.

O sexo masculino é o mais acometido por acidentes com queimaduras, tendo o álcool como a principal fonte em todas as faixas etárias. A exceção ocorre em crianças entre 0 e 4 anos, que são as mais acometidas por queimaduras, tendo como principal agente etiológico a escaldadura em cozinha doméstica3.

Os fatores de risco para queimaduras são multivariados e interrelacionados, e grande parte do impacto das queimaduras é emocional, psicológico e espiritual. Poucas são as doenças que trazem sequelas tão importantes como a queimadura. Mesmo com a sobrevivência física, as cicatrizes e as contraturas culminam, com frequência, na distorção da imagem, que poderá ser permanente3,7.

Sabe-se que a lesão por queimadura é considerada impacto não somente na qualidade de vida da população afetada, mas também na utilização efetiva dos recursos financeiros da rede de assistência à saúde, o SUS. Diante desse cenário e levando em consideração a escassez de dados acerca do tema em diversas localidades do país, principalmente na Região Nordeste, o presente estudo tem como objetivo descrever o perfil epidemiológico dos pacientes vítimas de queimaduras na Bahia entre o período de 2009 a 2018.


MÉTODO

Trata-se de estudo ecológico com levantamento de dados do período entre janeiro de 2009 e dezembro de 2018, realizado em ambiente virtual, no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), a partir do ícone "Informações em saúde".

A seleção nesta plataforma foi direcionada aos tópicos "Epidemiológicas e Morbidade" e a "Procedimentos hospitalares do SUS". No primeiro, foi selecionado "Morbidade Hospitalar do SUS - Geral, por local de internação, a partir de 2008". No último, na seção de procedimentos disponíveis, foram selecionados "tratamento de queimaduras, corrosões e geladuras" e "tratamento de pequenos, médio e grandes queimados".

Os dados obtidos são referentes a todos os pacientes vítimas de queimaduras no estado da Bahia que tiveram registro de atendimento hospitalar no período. Não foram aplicados critérios de exclusão sobre a população do estudo.

Foram consideradas como variáveis características individuais como sexo, faixa etária e cor/raça. Além disso, foram levantados os regimes (público ou privado) de atendimento, o valor médio (VM) por Autorização de Internação Hospitalar, o tempo médio de internamento (TM), o tipo de tratamento empregado (cirúrgico ou não cirúrgico) e a quantidade absoluta de internamentos e de óbitos.

Com relação à faixa etária, os dados foram divididos em cinco grupos: lactentes (menor que 1 ano), crianças (1 a 9 anos), adolescentes (10 a 19 anos), adultos (20 a 59 anos) e idosos (mais de 60 anos).

As informações obtidas foram tabeladas no programa Microsoft Excel, no qual foi feita a contagem dos dados em números absolutos e relativos utilizando estatística descritiva.

Este estudo utilizou dados secundários, disponíveis no ambiente virtual de domínio público, não apresentando risco ao sigilo e anonimato dos indivíduos envolvidos no trabalho, sendo, portanto, dispensada aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Salvador - UNIFACS.


RESULTADOS

No presente estudo foram analisados registros de 18.490 pacientes vítimas de queimadura no estado da Bahia no período de 2009 a 2018. A população estudada foi estratificada quanto ao sexo, faixa etária, cor/raça e o tipo de tratamento (clínico ou cirúrgico) dentro dos eventos internamento e óbito, como é observado na Tabela 1.




Dessa forma, pode-se notar uma maior prevalência de internamentos e óbitos no sexo masculino, 60,7% e 59,8% do total de casos, respectivamente. Com relação à faixa etária, observou-se maior prevalência de internamentos entre os adultos, com 43,0% dos casos (7.966 internados), seguidos das crianças, com 36,2% (6.704). Entretanto, em relação à quantidade de óbitos, a faixa etária entre 1 e 9 anos representa apenas 5,5% do total de casos, enquanto os adultos são responsáveis por 61,5% do total de 630 óbitos (Tabela 1).

Na estratificação pela cor/raça, foi notada maior quantidade de eventos entre os indivíduos da raça parda, 16,6% para internamentos e 6,1% para óbitos, contudo, 79,4% dos dados de internamentos e 92% dos óbitos não apresentavam informação quanto à cor/ raça dos indivíduos. Em relação ao tipo de tratamento empregado, a maior quantidade de óbitos ocorreu em pacientes que necessitaram de tratamentos cirúrgicos (96,3%), sendo esta forma aplicada à grande maioria dos pacientes internados (90,4%).

Quanto à sazonalidade dos eventos, o somatório mensal no período estudado demostrou picos de ocorrência nos meses de julho, com 1.745 internamentos e 66 óbitos, e setembro, com 1.783 casos e 60 óbitos (Gráfico 1).


Gráfico 1 - Quantidade absoluta de internamentos e óbitos por queimadura no estado da Bahia no período de 2009 a 2018 estratificada por mês de ocorrência do evento.



No que se refere ao tempo médio de internamento e ao valor médio de internamento, foram observados valores mais elevados no regime público, tendo a maior discrepância no ano de 2009 no qual correspondem a, respectivamente, 14,6 dias e R$ 1998,10, sendo que no regime privado os dados encontrados correspondem a 6,2 dias e R$ 659,50, respectivamente. A média do TM no regime público foi de 6,9 dias, enquanto no regime privado foi de 5,6 dias. Em relação à média do VM, dentro do período, no regime público e no privado corresponde a R$ 1726,70 e R$ 666,80, respectivamente, como observado na Tabela 2. Os dados relativos ao TM e ao VM apresentaram-se sem estratificação por regime a partir do ano de 2017, tornando a análise desta variável limitada ao período de 2009 a 2016.




DISCUSSÃO

O presente estudo evidencia o sexo masculino como o mais acometido, como mostra a literatura8-12. Nesse sentido, a maior ocorrência de lesões acometendo essa população provavelmente está relacionada à exposição a atividades de risco, seja ocupacional pelo manuseio de equipamentos com potencial lesivo (térmico, elétrico ou químico), por meio de acidentes automobilísticos ou violência interpessoal.

Em relação à faixa etária, nesse estudo foi notada maior prevalência de adultos (43,0%), seguidos das crianças (36,2%). Diversas pesquisas6,9,13 apontam os adultos (20-59 anos) como sendo as principais vítimas. No entanto, também há trabalhos que evidenciam outras faixas etárias como as mais acometidas. Um estudo retrospectivo descritivo realizado em uma Unidade de Tratamento de Queimados em Sergipe em 201114 observou prevalência de 45,2% das vítimas tendo entre 0 e 6 anos, seguida de 42,83% das vítimas entre 13 e 59 anos. A comparação de prevalência por faixa etária apresenta uma limitação, visto que não há uma padronização para as divisões de faixa etária nos trabalhos epidemiológicos.

Apesar de tais divergências, é notável que duas populações são as mais acometidas. Os adultos com força produtiva, que pode estar relacionado com o ambiente laboral por maior exposição a substâncias quentes, químicas e a redes elétricas e tem como reflexo um impacto socioeconômico negativo8,9. Além disso, as crianças de menor idade também representam prevalência importante, podendo estar relacionada a uma maior vulnerabilidade a acidentes devido a sua natureza em desenvolvimento, avidez por novas descobertas e a não correspondência à capacidade de entender o potencial perigo nem de responder a ele. Associado a isso, há uma possível supervisão negligente dos responsáveis, facilitando o acesso a ambientes de risco como a cozinha, visto que líquidos quentes (água, café e óleo) são agentes etiológicos de destaque para essa população7,9,15,16. Acidentes nessa fase de desenvolvimento podem resultar em danos físicos, funcionais e estéticos, e psicológicos mais graves.

Nesse estudo, também foi analisado o tipo de tratamento empregado - cirúrgico ou clínico/suporte - às vítimas de queimaduras, podendo-se inferir, indiretamente, a gravidade das lesões e seu impacto no estado de saúde do indivíduo, uma vez que o desbridamento cirúrgico precoce (24 a 72h após o trauma) tem drástica influência na redução do risco de infecções, tempo de permanência hospitalar e mortalidade17. Foi encontrada uma quase totalidade do emprego de tratamento cirúrgico, contra apenas 9,6% do emprego de tratamento clínico ou de suporte aos pacientes internados. Este dado reflete a complexidade dos casos atendidos, por alta prevalência de tratamento cirúrgico no estado da Bahia. A falta de notificação dos pacientes tratados ambulatorialmente limita a análise do tipo de tratamento empregado.

Quando analisado o número total de internamentos por tipo de tratamento (14.784), é observado que não está de acordo com o total de internamentos (18.490). Diante disso, pode-se perceber que há falhas no registro de dados dos pacientes no Sistema de Informação Hospitalar - SIH/SUS e um certo comprometimento do entendimento epidemiológico acerca das condições de diversas enfermidades no Brasil, dificultando o planejamento de ações efetivas para prevenção de doenças e acidentes.

Em relação à taxa de mortalidade, nesse estudo foi observada uma taxa de 3,4% ao longo do período analisado, com porcentagem máxima de 4,2% no ano de 2014 e mínima de 2,3% em 2018. Essa variável evidencia uma taxa de óbito baixa de acordo com outras pesquisas nacionais14, apesar de alguns estudos evidenciarem taxas de mortalidade com variações bem amplas, chegando até 16,3%8,13.

Ainda nesse âmbito do estudo, o sexo masculino, assim como em outras pesquisas no Brasil18, também apresentou a maior parte da taxa de mortalidade dos pacientes vítimas de queimaduras, correspondendo a 59,8% do total de óbitos. No que se refere ao tipo de tratamento empregado às vítimas, foi observado que, em 96,3% dos óbitos, o tratamento cirúrgico foi o de escolha, evidenciando assim a gravidade dos casos.

No que tange à variável cor/raça, os resultados mostram-se insuficientes para fazer qualquer inferência, visto que, aproximadamente, 80% dos internamentos e 92% dos óbitos não apresentavam tais informações. Essa adversidade se deve, provavelmente, à negligência e ao descaso por parte dos profissionais responsáveis no preenchimento completo dos dados dos pacientes no Sistema de Informação Hospitalar - SIH/SUS, que tem por finalidade fornecer subsídios para o planejamento de políticas públicas para prevenção de enfermidades e promoção de saúde.

Quanto à sazonalidade dos internamentos e óbitos por queimaduras no período analisado, foi notada a presença de dois picos de ocorrência nos meses de julho e setembro. Em acordo com outro estudo19, para o mês de julho pode ser considerado reflexo dos festejos juninos, fator cultural importante na região, em que há maior número de acidentes com a queima de fogueiras e fogos de artifício utilizados de forma indiscriminada, sem a utilização de equipamentos de proteção. Por outro lado, a alta prevalência no mês de setembro é dissonante com outras pesquisas14, que o apontam como o mês de menor ocorrência, em outras regiões do Nordeste, sem justificativa plausível para tal discordância.

No levantamento feito no atual trabalho acerca do tempo médio de internamento e o valor médio por AIH, comparando o regime público e o privado conveniado ao SUS, foram observadas uma diferença de 23,2% (1,3 dia) a mais no tempo médio de internamento no regime público e de 158,9% (R$ 1.059,90) a mais no valor médio por AIH no regime público.

Essa disparidade entre o público e o privado sugere que pode haver uma utilização menos eficiente dos recursos disponíveis por parte do primeiro setor, levando a maior tempo e custo de tratamento, o que reflete a necessidade de estudos que analisem custoefetividade.

Verificou-se que o tempo médio de internamento dos pacientes vítimas de queimadura na Bahia é de 6,25 dias. Essa situação revela um tempo de internamento pequeno e difere de outros trabalhos na literatura, que apontam tempo médio de internamento em torno de 12 a 17 dias9-11 e em outros foi superior a 20 dias8,13.


CONCLUSÃO

Observou-se no presente estudo grande prevalência de internamentos e óbitos por queimadura no estado da Bahia, principalmente, em adultos e crianças do sexo masculino. Houve grande discrepância entre o valor médio de internamento e o tempo médio de internamento ao comparar os regimes público e privado. Dada a magnitude dessa condição na Bahia, esse estudo de prevalência poderá servir como planejamento de políticas de saúde pública direcionadas à região estudada, com enfoque na prevenção primária e na utilização de tratamento custo-efetivo.


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Recebido em 21 de Novembro de 2019.
Aceito em 18 de Dezembro de 2019.

Local de realização do trabalho: Universidade Salvador, Salvador, BA, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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