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Apoio social e qualidade de vida na perspectiva de pessoas que sofreram queimaduras

Social support and quality of life in the perspective of people that suffered burns

Lisiane Pinto Moraes1; Maria Elena Echevarría-Guanilo2; Caroline Lemos Martins3; Thaís Mirapalheta Longaray4; Larissa do Nascimento5; Dione Lima Braz3; Luciara Fabiane Sebold2; Liliana Antoniolli6

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer, a partir da perspectiva do paciente, o apoio social e fatores que interferem na qualidade de vida durante a recuperaçao após queimadura.
MÉTODO: Estudo de abordagem qualitativa, do tipo descritivo exploratório. Participaram pacientes adultos internados em um Centro de Referência em Assistência a Queimados, de janeiro a dezembro de 2011. A coleta de dados ocorreu em novembro de 2012 por meio da realizaçao de entrevista semiestruturada. Os dados foram submetidos à análise temática, emergindo duas categorias: 1) A presença do apoio social e sua importância na recuperaçao; 2) Mudanças, necessidade de cuidados e suas implicaçoes na qualidade de vida dos sujeitos após a queimadura.
RESULTADOS: O apoio social ofertado pela rede de relaçoes dos pacientes e pela equipe de saúde contribui com a recuperaçao e sua ausência dificultou a vivência deste período. A qualidade de vida, após o trauma, é afetada pela percepçao de mudanças e a perda de autonomia.
CONCLUSAO: A fase de recuperaçao pós-queimadura é marcada pela dificuldade de adaptaçao às mudanças, evidenciando a importância do apoio social para minimizar o sofrimento e otimizar a recuperaçao.

Palavras-chave: Apoio Social. Qualidade de Vida. Queimaduras. Enfermagem.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To know the social support and factors that interfere in the quality of life experienced during the recovery of burns from patient's perspective.
METHODS: It is a qualitative, descriptive and exploratory study. Adult patients, who were hospitalized in the Reference Center of Burn Care, from January to December 2011, participated. Data collection was carried out in November 2012 through semistructured interview. Later on, data was submitted to thematic analysis, emerging two categories: 1) The presence of social support and its importance in recovery; 2) Changes, need for care and its implications on the quality of life of the subjects after the burn.
RESULTS: The social support offered by the network of patients' relationship, and by the health team contributes to the recovery, and its absence complicates the experience in this period. The quality of life, after the trauma, is affected by the perception of changes and the loss of autonomy.
CONCLUSION: The phase of recovery post-burn is marked by the difficulty of adaptation of changes, which highlights the importance of social support, in order to minimize the suffering and optimize the recovery.

Keywords: Social Support. Quality of Life. Burns. Nursing.

INTRODUÇAO

As queimaduras constituem um trauma de alta complexidade, com importante repercussao em aspectos sociais, econômicos e de saúde pública. Mundialmente, as queimaduras apresentam alta taxa de morbidade e mortalidade, acometendo aproximadamente 1 milhao de indivíduos por ano, envolvendo um cenário de baixas condiçoes socioeconômicas1.

A ocorrência de queimaduras, entre a populaçao adulta, é mais frequente no sexo masculino e no ambiente laboral, porém, dentre a populaçao feminina, é maior no ambiente doméstico. Para ambos os sexos, os agentes causais identificados com maior frequência sao a chama direta e os líquidos superaquecidos1.

A pessoa vítima de queimadura sofre importantes alteraçoes funcionais, sistêmicas e emocionais que repercutem negativamente, tanto nos relacionamentos sociais quanto nos laborais, e, consequentemente, na qualidade de vida2. Considerando que o conceito de qualidade de vida da Organizaçao Mundial da Saúde engloba cinco dimensoes, sendo estas saúde física, saúde psicológica, nível de independência, relaçoes sociais e meio ambiente3, torna-se imprescindível uma intervençao integral e multidisciplinar que contemple os distintos aspectos afetados pelo agravo, nao se restringindo às limitaçoes físicas2,3.

A percepçao de uma "boa" qualidade de vida pelos pacientes que sofreram queimaduras estaria relacionada à ideia de "normalidade", isto é, quando o indivíduo consegue dar continuidade ao desempenho do seu papel social dentro da família e da sociedade. Logo, indivíduos que nao se apresentam satisfeitos em relaçao à capacidade funcional, imagem corporal, retorno ao trabalho, desempenho nas atividades de lazer e relaçoes interpessoais podem apresentar uma percepçao negativa da qualidade de vida3.

Dentre as relaçoes interpessoais, o apoio social define-se como aquilo que leva a pessoa a acreditar que é amada, cuidada e valorizada. Sentimento que surge a partir de uma relaçao de confiança mútua, entre duas ou mais pessoas, na qual sentimentos e informaçoes sao compartilhados em qualquer circunstância4.

Frente a isto, o apoio social, provindo dos familiares, amigos e de pessoas próximas, torna-se um aspecto psicossocial que influencia diretamente na reabilitaçao dos indivíduos que sofreram queimaduras5, pois oferece suporte emocional, afetivo e material6. A valorizaçao da família na prestaçao do cuidado constitui um importante aliado da equipe de saúde na busca pela melhoria da assistência da pessoa acometida por condiçao crônica, pois, além de proporcionar a continuidade dos cuidados terapêuticos no ambiente domiciliar, ainda transcende a técnica, constituindo uma oportunidade de interaçao entre familiares e pacientes7.

Por outro lado, o período de internaçao pós-queimadura pode ser extenso, e muitas vezes o indivíduo queimado sente-se fragilizado por permanecer longe da família e vivenciar novas rotinas de cuidados8. Neste processo, a equipe de enfermagem desempenha suas atividades buscando melhorar as condiçoes de reabilitaçao destes pacientes. De forma geral, durante a hospitalizaçao, além da equipe de saúde, a presença da rede de apoio social é considerada um aspecto importante para a reabilitaçao, por se tratar de uma opçao particular e de atributos sinceros, e a ausência de tal suporte dificultaria a vivência e superaçao desta experiência9.

A relevância deste trabalho está pautada na identificaçao de aspectos que subsidiem os profissionais de enfermagem a compreender a importância do apoio social na promoçao da qualidade de vida do paciente que sofreu queimaduras. Desta maneira, esta investigaçao visou responder a seguinte questao norteadora: Como as pessoas que sofreram queimaduras percebem sua qualidade de vida e a rede de apoio durante sua recuperaçao?

O objetivo do estudo foi conhecer, a partir da perspectiva do paciente, o apoio social e fatores que interferem na qualidade de vida durante a recuperaçao após queimadura.


MÉTODO

Estudo de abordagem qualitativa, do tipo descritivo e exploratório. Realizado no Centro de Referência em Assistência a Queimados (CRAQ) de um hospital da regiao sul do estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

Participaram do estudo indivíduos que sofreram queimaduras e foram atendidos, sob regime de internaçao hospitalar, no CRAQ obedecendo aos seguintes critérios de inclusao: maiores de 18 anos de idade; atendidos no período de janeiro a dezembro de 2011, independentemente do sexo, agente etiológico e superfície corporal queimada. Foram excluídos os indivíduos que nao apresentavam capacidade de se comunicar em português e/ou nao fossem moradores da cidade de Rio Grande ou de cidades com no máximo 50 quilômetros de distância, impedindo o deslocamento das pesquisadoras até o domicílio para entrevista.

Para a coleta de dados, foram consultados os registros de internaçao do CRAQ, possibilitando a identificaçao dos pacientes que estiveram internados no período pré-estabelecido. Após a análise dos registros, identificaram-se 19 possíveis participantes, os quais foram contatados por meio de ligaçao telefônica, sendo realizadas até três tentativas. Aos indivíduos que foi possível o contato, foi explicado o objetivo da pesquisa e realizado o convite de participaçao. Foram entrevistados os indivíduos que, além de aceitar participar do estudo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e permitiram a gravaçao da entrevista por meio de material eletrônico-digital.

Adotou-se a modalidade de entrevista semiestruturada, contemplando questoes norteadoras referentes à perspectiva do apoio social e dos fatores que interferem na qualidade de vida para o paciente, após a queimadura. As entrevistas foram realizadas no mês de novembro de 2012, no domicílio de três sujeitos e uma entrevista foi realizada no CRAQ, todas agendadas previamente conforme a disponibilidade dos participantes. De maneira a garantir o anonimato, os mesmos foram identificados pela letra "E" de Entrevistado, seguido do respectivo número de entrevista.

Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo, modalidade temática10, tendo sido primeiramente transcritos na íntegra e após minuciosa leitura foram agrupados em núcleos temáticos de acordo com a proposta operativa, que se caracteriza por dois momentos operacionais10. No primeiro momento, ou fase exploratória, os dados foram mapeados e organizados. Em seguida, na fase interpretativa, foi realizada a ordenaçao e classificaçao dos dados, seguida da leitura horizontal e transversal dos textos, culminando com a análise final e elaboraçao do relatório de pesquisa.

O estudo recebeu aprovaçao do Comitê de Ética em Pesquisa da instituiçao envolvida, sob protocolo nº 004/2011 e obedeceu aos princípios éticos em vigência11.


RESULTADOS

Formaram parte do grupo de participantes três sujeitos do sexo feminino e um do sexo masculino, com idades entre 19 e 63 anos. Quanto ao local dos acidentes, todos ocorreram em ambiente domiciliar. Dois sujeitos sofreram queimaduras durante a manipulaçao de líquidos inflamáveis, um por líquido quente durante o preparo de alimentos e um por agressao.

As informaçoes obtidas por meio das entrevistas foram agrupadas em dois núcleos temáticos: A presença do apoio social e sua importância na recuperaçao; e Percepçao das mudanças, necessidade de cuidados e suas implicaçoes na qualidade de vida dos sujeitos após a queimadura, os quais sao apresentados a seguir:

A presença do apoio social e sua importância na recuperaçao

O apoio da família ou pessoas consideradas próximas revelou-se como um aspecto que contribuiu para a reabilitaçao dos participantes, sendo considerado pelos sujeitos como um aspecto positivo durante todo o processo.

[...] foi importante, a minha mae [...] o apoio da família, da ala de queimados. (E1)

[...] minha mae, sogra, amigos, minha amiga que estava sempre lá e o meu marido [...] foi essencial! [...] Se eles nao tivessem me dado força, acho que eu tinha entrado em depressao e nao teria tido forças para me recuperar. (E2)

[...] foi fundamental! Se nao fossem essas pessoas (vizinhos) e a professora ter vindo aqui (casa), eu nao teria resistido. [...] Foram fundamentais todas as pessoas na minha vida. (E3)

[...] Minha família, meu pai, avó e amigos. Eles iam todos os dias no hospital. [...] Nao faltaram um dia. [...] Me deram força, [...] falavam que eu ia sair bem, conversavam comigo e nao me deixavam ficar para baixo. As vezes, eles chegavam e eu estava meio [...] ansioso, querendo ir embora [...] e aí eles vinham, conversavam comigo e me davam ajuda. E eu fui indo. (E4)

Nas narrativas dos entrevistados também foi possível observar sentimentos relacionados à falta da presença de pessoas próximas e consideradas importantes para os sujeitos.

[...] em todo esse tempo senti falta do meu pai! [...] Porque ele só me viu uma vez. (E1)

Eu senti falta do meu namorado, porque eu fiquei 45 dias internada e nao podia receber visita, por causa da infecçao. (E2)

A ausência de pessoas consideradas importantes no convívio social, sejam elas parentes, namorados ou vizinhos, foi salientada nos depoimentos como aspectos dificultadores na vivência do processo de recuperaçao pós-queimaduras.

Mudanças, necessidades de cuidados e suas implicaçoes na qualidade de vida

Após a queimadura, os sujeitos referiram mudanças físicas e sociais significativas, principalmente abdicaçao de diversas atividades de lazer e de sua rotina, após a alta hospitalar, por conta da presença de cicatrizes e dos cuidados diários com as lesoes. Tais mudanças foram relacionadas com aspectos que interferem na qualidade de vida.

Fui menos à praia, [...] por causa da minha barriga que está queimada. Eu tenho vergonha, [...] é feia. (E1)

Eu fui para casa cheia de curativos, passei um tempo [...] quase uns seis meses com curativo na orelha. Nao prendia o cabelo. Até agora, nao prendo, por causa da cicatriz. [...] Depois de uns seis meses, comecei a sair aos pouquinhos. (E2)

Eu ia para o centro, caminhava, ia para a praia. [...] Eu gosto muito da praia, [...] agora, eu nao posso ir [...] nao posso pegar sol. (E3)

Em seguida que eu saí do hospital, eu tranquei meu curso de inglês, porque eu ainda tinha curativos. Entao, eu tinha que vir fazer curativo. Eu estava com uma marca e tinha vergonha de sair na rua. Eu só saía de casa para vir no hospital e voltava para casa [...]. E depois que acabaram os curativos, era temporada de verao, calor e eu nao tinha vontade nenhuma de ir para a praia. [...] Eu nao posso ir na praia, fico chateado por causa disso. Nao posso pegar sol, nao posso ficar muito tempo exposto no sol, andar de camiseta, também nao dá. [...] Eu usava malha, nao podia sair. [...] (E4)

Os participantes referiram que sua percepçao sobre a qualidade de vida, após a queimadura, está relacionada ao fato de poder retomar as atividades cotidianas que exerciam antes do acidente, como por exemplo: retornar ao ambiente domiciliar, familiar e ocupacional.

Viver bem [...] sair, ir para festas [...] fazer atividades físicas, entrar na internet [...] brincar com meu cachorro [...] estar com minha família, meus amigos. (E1)

[...] poder sair. Agora estou podendo voltar a trabalhar. Poder sair no sol um pouquinho [...] estou podendo sair de casa, porque antes eu nao podia fazer nada, estava completamente presa, só saía de noite [...]. Aproveitar, poder levar uma vida normal [...] trabalhar, estudar [...]. (E2)

[...] poder andar, caminhar e ir aonde eu quero. Estar com meus filhos [...] cuidar da minha casa. Isso é uma qualidade de vida boa. [...] Hoje, eu gostaria de sair mais, passear mais. (E3)

[...] Qualidade de vida é fazer a rotina que eu fazia antes. É trabalhar, estudar, ver meus amigos, praticar esportes, coisas que eu gosto de fazer [...] a praia que eu gosto de ir, [...] brilhava o sol no céu e eu já estava na praia e, agora, nao vou mais, procuro nao ir. (E4)

Outro fato apontado pelos participantes foi de acreditar em si mesmo (força de vontade) e na sua recuperaçao (ter fé) e seguir as recomendaçoes para o cuidado das lesoes (tratamento) como aspectos relevantes para a recuperaçao, contribuindo para a promoçao da qualidade de vida.

Me recuperei, pelos medicamentos que usei e o cuidado que eu tive. (E1)

[...] Botei na cabeça que precisava me recuperar e fiz tudo que precisava fazer! Fiz dez cirurgias, tomei toda medicaçao que tinha que tomar. (E2)

A força de vontade de viver é tudo! Me curar! Eu consegui me curar. [...] A enfermeira dizia para mim: "a senhora tem tanta fé". (E3)


DISCUSSAO

Nos relatos, percebe-se que o apoio emocional provindo de pessoas próximas, com relaçao de consanguinidade ou amizade, ou de profissionais dos serviços de saúde, durante o processo de internaçao e após alta, foi um aspecto importante para recuperaçao dos sujeitos, uma vez que a sua presença favorece a adesao ao tratamento e a reduçao de sentimentos de solidao e ansiedade.

Indivíduos que sofreram queimaduras sentem-se incomodados pelas marcas físicas, devido à presença de cicatrizes e limitaçoes motoras provindas do trauma12. Isto pode produzir a necessidade do apoio dos familiares e amigos, passando a apresentar um efeito positivo no seu bem-estar e na sua saúde. Desta maneira, quanto maior for o apoio social, maior será o bem-estar psicológico do indivíduo durante a recuperaçao.

O apoio e o encorajamento da família e dos membros da equipe de saúde representam um papel relevante, já que, além de ser uma experiência nova, esta proporciona importantes alteraçoes de sentimentos e comportamentos8. As relaçoes estabelecidas entre os indivíduos e suas redes sociais durante o período de recuperaçao pós-queimadura influenciam positivamente o comportamento, habilidades e emoçoes13. Contudo, o afastamento do convívio social e das pessoas próximas pode contribuir na geraçao de sentimentos de solidao e dificuldade para a vivência deste período de incertezas.

A longa permanência no hospital representa a convivência constante com procedimentos causadores de dor, afastamento do convívio familiar e social e interrupçao da rotina diária. Dessa forma, a equipe de saúde deverá manter-se atenta às manifestaçoes/demandas dos pacientes a fim de garantir o bem-estar clínico, físico e emocional14.

Os entrevistados relataram que durante o período de recuperaçao, até entao vivenciado, a fé, o tratamento farmacológico e os cuidados realizados foram importantes para a melhoria e restabelecimento da sua saúde durante o período de recuperaçao. A crença em si mesmo, a coragem, a fé, e o pensamento positivo, aliados ao desejo de cura, sao referidos por indivíduos em processo de recuperaçao como aspectos positivos para o enfrentamento de situaçoes de perda ou comprometimento de saúde, contribuindo para sua recuperaçao15.

Em estudo que relatou a experiências de adolescentes com sequelas de queimaduras graves16, a fé foi referida como aspecto enaltecedor de esperança, de luta pela vida e de serenidade para aceitar a nova condiçao de saúde. A procura de um novo sentido para a vida, a força de vontade e as crenças pessoais direcionadas para o êxito do tratamento também se apresentaram como positivas na recuperaçao destes indivíduos.

Além das relaçoes afetivas e emocionais estabelecidas entre os indivíduos e suas redes sociais no período de recuperaçao, a saúde física e psicológica dos pacientes queimados também influencia na percepçao de qualidade de vida. Desta forma, é necessário que profissionais de saúde, principalmente a equipe de enfermagem e as pessoas próximas, compreendam a importância da formaçao das redes de apoio social dos pacientes que sofreram queimaduras e a influência que estas teriam no comportamento, habilidades e emoçoes nos mesmos13.

Nesse sentido, ressalta-se a importância do enfermeiro ter um olhar integral frente ao paciente queimado, tanto no período de internaçao quanto após a alta hospitalar, nao restringindo seu olhar apenas à lesao física, utilizando seus conhecimentos e habilidades para exercer suas atividades além da técnica, de forma holística17. Deve, portanto, observar nas açoes de cuidado todos os aspectos que facilitam ou dificultam o processo de recuperaçao, a partir da individualidade/particularidade de cada paciente.

Dessa forma, o apoio social pode facilitar o processo de recuperaçao ao contribuir para o nao aparecimento de alteraçoes psicológicas, tais como, ansiedade, depressao e estresse pós-traumático18.

A queimadura traz como consequência diversas mudanças físicas e psíquicas para os pacientes, principalmente no período de recuperaçao e pós-alta hospitalar, gerando modificaçoes significativas na saúde, valores, estilo de vida, no papel social e nas relaçoes interpessoais destes indivíduos8. A rotina após o acidente é reorganizada conforme sua condiçao física e estética atual visando à retomada de seus afazeres rotineiros, que incluem a vida familiar, sexual e profissional, sendo necessária a reconstruçao de uma nova imagem19.

Revela-se nos depoimentos que as sequelas estéticas sao as principais "vilas" no afastamento do sujeito da sua rotina de vida durante o processo de recuperaçao. A presença de cicatrizes hipertróficas para o sobrevivente de queimaduras tem sido relatada como de grande significado, uma vez que estas alteram a fisionomia do indivíduo8,13.

Por originar descontentamento, desconforto ou vergonha frente aos olhares curiosos, quer seja de familiares, amigos ou desconhecidos, os indivíduos passam a realizar tentativas de ocultá-las13, sendo a principal estratégia a utilizaçao de roupas que cubram o local do corpo onde se encontram as marcas que o incomodam.

A integridade física e a beleza sao padroes estéticos que a sociedade impoe aos indivíduos. Aqueles que nao se encaixam nessas exigências podem ser vistos como "diferentes", fato que pode influenciar a qualidade de vida do sujeito que sofreu queimadura, visto que este apresenta com frequência comprometimento em sua capacidade funcional e estética, dificultando o retorno ao convívio social13.

Após a queimadura, os indivíduos, além de vivenciarem sentimentos de desmembraçao e desordem de identidade, também vivenciam ansiedade em relaçao a seu espaço no mundo social, ou seja, àquele que ocupava ou que passaria a ocupar após o trauma. Nesse contexto, a assistência de enfermagem nao deve se deter apenas na prática profissional, focada no desenvolvimento de técnicas, cumprimento de açoes e cuidados prescritos.

Torna-se importante que os profissionais ofertem apoio psicológico/emocional ao paciente e sua família, ajudando-os a compreender a atual situaçao, aceitar as mudanças vivenciadas devido às sequelas físicas e emocionais20,21 e a compreender a necessidade de cuidados contínuos, por exemplo, com a pele e movimentaçao física.

Nas falas, nota-se que as alteraçoes citadas pelos pacientes após a queimadura foram a presença de cicatrizes, curativos e o fato de nao poderem ficar expostos ao sol, levando os mesmos a evitar situaçoes ou locais públicos que frequentavam antes da ocorrência do acidente. Dessa forma, o apoio da rede social, especialmente da família ou pessoas consideradas próximas, pode auxiliar na forma como o paciente lida com estas mudanças, ajudando-o a aceitar sua nova realidade frente a sua imagem corporal, e a nao interpretar as mudanças como aspectos negativos a sua qualidade de vida após o trauma7.

A qualidade de vida, após queimadura, pode ser interpretada como o "estado de saúde relacionado à capacidade de resposta e adaptaçao do indivíduo às mudanças ocorridas após o acidente, no tangente a aspectos individuais (autopercepçao), familiares e sociais (percepçao dos outros)"22. A partir do acidente, os indivíduos passam a identificar aspectos importantes, tais como as mudanças estéticas e limitaçoes físicas, que interferem na construçao do conceito de qualidade de vida, construído a partir das necessidades e características individuais adquiridas ao longo da experiência de vida e após o trauma.

As dimensoes da qualidade de vida incluem vários aspectos importantes como retomar o trabalho, capacidade funcional, imagem corporal, lazer e o proveniente das relaçoes interpessoais3. Desta forma, a qualidade de vida está relacionada ao desempenho dos papéis sociais dentro da família e sociedade, e indivíduos que nao conseguem retomar a rotina de vida podem apresentar avaliaçao negativa da mesma.

Autores13,19 referem que as deficiências em habilidades sociais constituem um fator de vulnerabilidade para a baixa qualidade de vida e para o surgimento de sintomas como depressao. Isto é, a ausência de pessoas significativas poderia levar o indivíduo a desenvolver problemas psicológicos importantes, podendo retardar seu processo de reabilitaçao ou originar uma avaliaçao negativa de sua existência. Nesse pensar, os participantes do estudo também referiram, como aspecto que contribui para uma boa qualidade de vida, o apoio de amigos e familiares durante o período de recuperaçao.

A queimadura, além de expor o paciente ao estresse, tanto pelo trauma em si quanto pela ocorrência de dor, o distancia da rotina diária e do convívio com os familiares. Dois sujeitos referiram que a qualidade de vida foi afetada devido às modificaçoes na vida social, principalmente pela impossibilidade de realizar atividades ou frequentar lugares que costumavam frequentar antes do acidente. A retomada das atividades após a alta hospitalar também é um fator potencialmente estressor, pois poderao surgir dificuldades físicas e emocionais de adaptaçao à nova condiçao de saúde5.

Uma vez que a percepçao de qualidade de vida de quem sofre queimaduras pode ocasionar limitaçoes físicas e psíquicas18, identifica-se a necessidade dos enfermeiros buscarem minimizar os danos causados por esta injúria. A promoçao da qualidade de vida durante o processo de recuperaçao requer dedicaçao e perseverança na assistência prestada, assim como um olhar atento às particularidades do indivíduo queimado, tais como, a cultura, o meio no qual ele está inserido, seus desejos e suas percepçoes frente à vida e a morte.

Por fim, identifica-se a importância do apoio social na reconstruçao do significado de qualidade de vida para os sujeitos após queimadura, visto que a presença de familiares e amigos foi mencionada pelos participantes como essencial nesse processo de reabilitaçao.


CONSIDERAÇOES FINAIS

O apoio social de familiares e amigos foi identificado como importante para a recuperaçao da pessoa queimada, visto que se torna importante suporte durante o período de reabilitaçao e exerce influência positiva na promoçao de qualidade de vida destes indivíduos. Em contrapartida, a ausência deste apoio foi considerada um aspecto que dificulta a vivência deste período.

Em relaçao à visao de qualidade de vida dos entrevistados, a mesma encontrava-se desmotivada, devido à impossibilidade de desenvolver atividades anteriormente realizadas. Entre as principais mudanças, responsáveis pela modificaçao da rotina de vida após o trauma, foram apontadas a presença de cicatrizes, a continuidade da realizaçao de curativos e o fato de nao poder ficar exposto ao sol, contribuindo para a exacerbaçao de sentimentos, tais como, ansiedade, medo e vergonha.

O período de recuperaçao dos indivíduos que sofreram queimaduras é complexo e requer cuidados voltados às necessidades individuais. A equipe de enfermagem tem um papel essencial neste processo, visto que acompanha estes pacientes por mais tempo durante todo o período de recuperaçao e deve realizar cuidados voltados à recuperaçao e retorno às atividades sociais, familiares e laborais.

Espera-se que este estudo auxilie os profissionais de enfermagem a refletir acerca do papel da rede de apoio social em prol da qualidade de vida de indivíduos que sofreram queimaduras e que possam desempenhar suas atividades assistenciais envolvendo a presença da rede de apoio social do indivíduo tanto na internaçao quanto pós-alta hospitalar. Neste mesmo sentido, sugere-se aprofundar o estudo da temática utilizando-se diferentes abordagens metodológicas, a fim de sensibilizar os profissionais envolvidos e qualificar as orientaçoes e acompanhamento dos pacientes após alta hospitalar.


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Recebido em 19 de Novembro de 2016.
Aceito em 10 de Dezembro de 2016.

Local de realização do trabalho: Centro de Referência em Assistência ao Queimado, Associação de Caridade Santa Casa do Rio Grande, Rio Grande, RS, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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