A prática baseada em evidências (PBE) tem sido considerada nas últimas décadas como pedra angular do que é definido como cuidado de alta qualidade em saúde. A PBE apoia-se no emprego de diretrizes de boa prática clínica, construídas a partir de resultados de análises de revisao abrangente e rigorosa da literatura disponível, originados majoritariamente de ensaios clínicos randomizados (ECR).
Tem-se constatado, no entanto, que o rigor que caracteriza o ECR, ao mesmo tempo em que garante sua força científica do ponto de vista de validade interna, contribui para a falta de validade externa, ou seja, da capacidade de generalizar os seus resultados para uma populaçao ampliada e, ainda, de garantir sua incorporaçao no contexto real da prática clínica.
Os rigorosos critérios de seleçao dos ECR resultam em amostras da populaçao muito mais homogêneas do que a populaçaodo mundo real; o elevado controle na manipulaçao da variável independente e do ambiente torna o contexto nao representativo da complexidade do mundo clínico e, também importante, o processo de aleatorizaçao resulta nao raramente no descontentamento de participantes e de profissionais e, por conseguinte, à autosseleçao, à descontinuidade e à nao adesao à intervençao.
Um dos meios que têm sido propostos para superar o hiato entre os resultados de pesquisa e a prática clínica é o estudo pragmático, o qual tem como finalidade verificar a efetividade do tratamento ou de intervençoes no mundo real, isto é, verificar o quao essas estratégias comprovadas como eficazes no mundo ideal da pesquisa sao reproduzíveis e eficazes quando aplicadas no mundo real da prática clínica1.
Porém, antes de chegarmos à etapa do estudo pragmático é importante que o novo tratamento ou nova intervençao em teste tenham sido concebidos com vistas à sua transferabilidade à prática clínica. Este aspecto é ponto central do paradigma do cuidado em saúde de alta qualidade centrado no paciente2 e que é fundamental, sobretudo, quando falamos de intervençoes complexas do tipo multicomponentes e multinível, por exemplo, aquelas que combinam estratégias educacionais, de apoio à modificaçao de um ou vários comportamentos relacionados à saúde em diferentes momentos do continuum do cuidado, como sao caracterizadas muitas das intervençoes planejadas ao grande queimado.
O potencial translacional de uma intervençao começa a se delinear na etapa de seu planejamento2, no qual a inclusao da abordagem experencial é fortemente recomendada para garantir a apreensao do que o paciente e os profissionais de saúde potencialmente envolvidos na intervençao pensam sobre o problema e sobre os elementos que devem compor a intervençao.
Esta abordagem é fundamental para a proposiçao de uma intervençao que, elaborada a partir de conceitos teóricos e dados empíricos, tenha maior potencial de aceitabilidade tanto pelo paciente como pelos profissionais de saúde que aplicá-la-ao no futuro, assim como de adequaçao ao contexto visado e, consequentemente, de incorporaçao no cotidiano clínico. Nessa perspectiva, os estudos pilotos sao essenciais para os ajustes da intervençao, antes de dar início à fase do ECR, no qual a eficácia da intervençao será testada em contexto ideal de pesquisa com o maior controle possível dos fatores intervenientes.
Uma vez demonstrada a eficácia da intervençao, passa-se à fase dos estudos pragmáticos que terao maior probabilidade de obter resultados que reforcem a factibilidade e a eficácia dos novos modos de tratamento no mundo real da prática clínica. A partir desses resultados, sao entao elaboradas as diretrizes de prática clínica, tendo-se claro o problema a ser tratado, a intervençao mais adequada e de como a resposta à sua implementaçao pode variar segundo características particulares do paciente e do contexto.
É imperioso quea prática clínica possa avançar em paralelo ao avanço na produçao do conhecimento, para que a populaçao possa se beneficiar desses avanços. Novas formas de planejamento de intervençao, estudos de efetividade sob a forma de estudos pragmáticos, assim como a utilizaçao de estratégias mais inclusivas e participativas de integraçao dos resultados de pesquisa à prática clínica constituem uma estratégia essencial para tornar acessível e incorporável à populaçao o tratamento que melhor responda às suas necessidades em saúde.
REFERENCIAS
1. Patsopoulos NA. A pragmatic view on pragmatic trials. Dialogues Clin Neurosci. 2011;13(2):217-24.
2. Sidani S, Braden CJ. Design, Evaluation, and Translation of Nursing Interventions. Ames: Wiley-Blackwell; 2011. 320 p.