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Artigo Original

Efeitos da terapia nutricional enteral em pacientes queimados atendidos em hospital público de Joinville/SC

Effects of enteral nutritional therapy in burned patients treated at a public hospital in Joinville/SC

Neiva I. Medeiros1; Eloise Schott2; Rafaela da Silva2; Sandra A. Czarnobay2

RESUMO

Objetivo: Avaliar a evoluçao do estado nutricional do paciente queimado submetido a terapia nutricional enteral atendidos em hospital público de Joinville/SC. Método: Estudo clínico prospectivo observacional de pacientes na faixa etária de 15 a 49 anos, do Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Municipal Sao José. Foi realizada avaliaçao nutricional contendo dados antropométricos e bioquímicos e a oferta calórica de macronutrientes. Resultados: Foram incluídos 9 pacientes no estudo, prevalecendo os pacientes do sexo masculino, com 70% da amostra. A causa das queimaduras caracterizou-se por 60% substâncias químicas, 20% elétrica e 30% chamas. A média da necessidade calórica foi de 2800 kcal, sendo que 50% dos pacientes receberam inicialmente a média de 1200 kcal via sonda nasoenteral e outros 50% a média de 3350 kcal por via oral (dieta hiperproteica + suplementaçao via oral). Após a quarta semana de internaçao, a média de calorias de todos os pacientes foi de 2930 kcal (dieta hiperproteica + suplementaçao via oral) acima da média recomendada. Ao longo de 4 semanas, 66% dos indivíduos apresentaram aumento nos níveis de albumina, e em 34% houve reduçao desses valores. Em relaçao ao peso, 100% da amostra evidenciaram reduçao de peso. Conclusao: Ao analisarmos a oferta calórica e a evoluçao do estado nutricional observa-se que, apesar da prescriçao dietoterápica ter sido acima das necessidades recomendadas, os pacientes apresentaram alteraçoes nos níveis de albumina juntamente com perda de peso significativa no período dos primeiros 30 dias, demonstrando assim um quadro de hipercatabolismo extremo.

Palavras-chave: Queimaduras. Terapia nutricional. Nutrição enteral.

ABSTRACT

Objective: To evaluate the nutritional status of burned patients undergoing enteral nutritional therapy seen in public hospital in Joinville / SC. Methods: Prospective observational clinical study of patients aged 15 to 49 years, the Center for Burn Treatment, Hospital Municipal Sao José evaluation was performed containing nutritional anthropometric data and biochemical and caloric intake of macronutrients. Results: We included 9 patients in the study, 70% male. The cause of burns was characterized by 60% chemicals, 20% and 30% electrical fire. The average caloric requirement was 2800 kcal, and 50% of patients received an average of 1200 kcal via a nasogastric tube and 50% of average 3350 kcal orally (dietary protein levels and supplementation orally). After the fourth week of hospitalization, the average calories of all patients was 2930 kcal (high-protein diet and supplementation orally) above the recommended average. Over 4 weeks, 66% of patients had increased levels of albumin, and 34% decreased these values. Regarding the weight, 100% of the sample showed weight reduction. Conclusion: The analysis of energy intake and changes in nutritional status is observed that despite the limitation dietotherapeutic have been above the needs of the patients had recommended changes in albumin levels with a severe weight loss during the first 30 days, thus demonstrating a framework hypercatabolism extreme.

Keywords: Burns. Nutrition therapy. Enteral nutrition.

Queimaduras sao lesoes dos tecidos orgânicos em decorrência de trauma de origem térmica, resultante da exposiçao às chamas, líquidos e superfícies quentes, frio extremo, substâncias químicas, radiaçoes, atrito ou fricçao1.

Apesar do prognóstico dos pacientes queimados apresentarem melhora com o desbridamento precoce e o emprego de novas técnicas de curativos, as queimaduras ainda configuram importante causa de mortalidade, na maioria das vezes relacionadas a infecçao, septicemia e demais complicaçoes2.

Na fase imediata após uma queimadura, há aumento acentuado da taxa de metabolismo basal (TMB), que pode chegar a 50% acima do normal. Essa taxa atinge o pico entre o 2º e 5º dia de pós-queimadura, e tende a se normalizar após 10 a 15 dias, dependendo do processo de cicatrizaçao das feridas e de intercorrências, como a infecçao3.

Pacientes queimados sao considerados imunodeprimidos, pois após o trauma ocorre uma série de alteraçoes orgânicas que modificam seu mecanismo de defesa contra infecçoes, portanto, com a perda da integridade da pele e o desequilíbrio da regulaçao do pH cutâneo, facilita-se a colonizaçao por microorganismos oportunistas, como S. Aureos, S. Epidermidis, Enterococcus faecalis, Aspergillus, entre outros4.

Pacientes submetidos à injúria térmica se beneficiam com a administraçao precoce de terapia nutricional, apresentando reduçao da resposta hipercatabólica, diminuiçao da translocaçao bacteriana e da taxa de morbidade séptica. O início da administraçao de dieta enteral durante as primeiras 6 horas pós-injúria é relatado como seguro e efetivo, revertendo rapidamente as alteraçoes metabólicas e hormonais das queimaduras5.

O hipermetabolismo é acompanhado pelo catabolismo exagerado de proteínas e excreçao de nitrogênio urinário aumentado (acima de 40 g/dia), sendo que a proteína também é perdida por meio do exsudato da ferida da queimadura6.

Pacientes com queimaduras apresentam níveis aumentados de catecolaminas, cortisol e glucagon, enquanto os níveis de insulina estao normais ou elevados. Essas modificaçoes hormonais levam ao aumento da proteólise e lipólise, com liberaçao de grandes quantidades de aminoácidos, principalmente alanina e glutamina, glicerol e ácidos graxos livres na circulaçao sistêmica. Desde que os indivíduos queimados apresentem aumento maior de glucagon do que de insulina, a metabolizaçao de ácidos graxos livres para corpos cetônicos está prejudicada, e os aminoácidos e o glicerol sao utilizados para a produçao de glicose por meio da gliconeogênese5.

Nas grandes queimaduras, além da resposta local, o dano térmico desencadeia ainda uma reaçao sistêmica do organismo, em consequência da liberaçao de mediadores pelo tecido lesado. Ocorre extenso dano à integridade capilar, com perda acelerada de fluidos, seja pela evaporaçao através da ferida ou pela sequestraçao nos interstícios, que é agravada por subprodutos da colonizaçao bacteriana. Além disso, nas queimaduras extensas, superiores a 40% da área corporal, o sistema imune é incapaz de delimitar a infecçao nesses casos2.

Os pacientes queimados necessitam de suporte nutricional com grandes quantidades de energia e de nitrogênio, bem como suporte nutricional individualizado, instalado precocemente, e utilizar o trato gastrointestinal, evitando assim translocaçao bacteriana. Os nutrientes mais frequentemente utilizados para nutriçao farmacológica de pacientes queimados sao a glutamina, a arginina e os ácidos graxos ômega-3. Estes componentes, quando fornecidos em quantidades 2 a 7 vezes maiores que as habitualmente ingeridas por pessoas saudáveis, parecem ter um efeito farmacológico benéfico nas alteraçoes fisiopatológicas induzidas pelas queimaduras5.

O estado nutricional individual possui um papel primordial na prevençao e no tratamento de feridas. A reparaçao e a reconstruçao de tecidos humanos requerem quantidades adequadas de energia, proteínas, vitaminas e minerais, para alimentar os seus mecanismos fisiológicos7.

A terapia nutricional tem como objetivos: oferecer condiçoes favoráveis para o estabelecimento do plano terapêutico; oferecer energia, fluidos e nutrientes em quantidades adequadas para manter as funçoes vitais e a homeostase; recuperar a atividade do sistema imune; reduzir os riscos da hiperalimentaçao; garantir as ofertas protéica e energética adequadas para minimizar o catabolismo protéico e a perda nitrogenada8.

Quanto ao método de terapia nutricional, a nutriçao enteral (NE), por meio de suplementos orais, sondas nasogástricas, nasojejunais ou de gastrostomia/jejunostomia, e a nutriçao parenteral (NPT), por via periférica ou central, sao os métodos comumente utilizados. A escolha do método mais adequado dependerá da situaçao que envolve o paciente8.

A desnutriçao, frequente em pacientes hospitalizados, deve ser prevenida e tratada, pois o estado nutricional prejudicado aumenta o risco de complicaçoes e piora a evoluçao clínica dos pacientes. Portanto, a terapia nutricional (TN) constitui parte integral do cuidado ao paciente9.

Este estudo teve como objetivo avaliar a evoluçao do estado nutricional dos pacientes queimados submetidos à terapia nutricional enteral, atendidos em um hospital público de Joinville/SC, bem como analisar o estado nutricional, considerando dados clínicos, antropométricos e bioquímicos.


MÉTODO

Trata-se de estudo de caso clínico transversal com o objetivo de avaliar a evoluçao do estado nutricional dos pacientes queimados submetidos à terapia nutricional enteral, atendidos em um hospital público de Joinville/SC, bem como analisar o estado nutricional considerando a evoluçao de dados clínicos, antropométricos e bioquímicos.

A amostra foi selecionada por meio da inclusao de todos pacientes com > 40% de superfície corporal queimada (SCQ), de 2º e 3º graus, internados no Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do Hospital Municipal Sao José (HMSJ).

Para a avaliaçao do estado nutricional, foram coletados dados antropométricos, como altura e peso, e determinado o Indice de Massa Corporal (IMC), no início e durante a evoluçao da internaçao. Para classificaçao do IMC utilizou-se classificaçao de Quetelet (OMS, 1997). Os parâmetros bioquímicos utilizados foram hemograma completo e albumina sérica.

Para a avaliaçao do consumo alimentar, foi utilizado registro alimentar de 24 horas. Para cálculo do valor nutricional de macronutrientes foi utilizado o software Diet Win versao 2007.

Essa pesquisa seguiu todos os parâmetros éticos de acordo com Resoluçao 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (Ministério da Saúde, 1997).


RESULTADOS E DISCUSSAO

Foram avaliados nove pacientes, com idade entre 15 a 47 anos, prevalecendo os pacientes do sexo masculino, com 70% da amostra. A causa das queimaduras caracterizou-se por 60% substâncias químicas, 20% elétrica e 30% chamas.

A média das necessidades calórica foi de 2800 kcal, sendo que 50% dos pacientes receberam inicialmente a média de 1200 kcal/dia, evoluindo para 2500 kcal/dia via sonda nasoenteral, os outros 50% dos pacientes receberam a média de 3350 kcal por via oral (dieta hiperproteica mais suplementaçao enteral via oral). Após a quarta semana de internaçao, a média de calorias de todos os pacientes foi de 2930 kcal (dieta hiperproteica mais suplementaçao via oral) acima da média recomendada.

Com frequência, pacientes queimados recebem nutriçao inadequada, justificada inicialmente pela dificuldade de alimentaçao pela instabilidade hemodinâmica e pelo íleo paralítico, sendo que é evidente que a terapia nutricional é um fator decisivo para o prognóstico de pacientes queimados5.

Em relaçao ao peso, 100% da amostra evidenciaram reduçao de peso. Sendo que, de acordo com Blackburn (1977), 78% dos indivíduos apresentaram perda significativa de peso (Figura 1). A rápida degradaçao da massa magra corporal para fornecer substrato para a gliconeogênese pode provocar perda de massa muscular diafragmática e intercostal, de tal maneira que a capacidade ventilatória fica prejudicada, sendo que muitas vezes o consumo da massa muscular fica evidente nos pacientes queimados, a despeito da terapia nutricional10.


Figura 1 - Distribuiçao dos pacientes de acordo com a evoluçao de peso no período do estudo.



Quando avaliada a evoluçao de albumina, embora 100% dos pacientes tenham apresentado reduçao importante no início da internaçao, após a instituiçao da terapia nutricional enteral, 66% dos indivíduos exibiram aumento nos níveis de albumina, atingindo níveis normais, e 34% mantiveram-se com níveis abaixo do normal (Figura 2). A queda no nível de albumina plasmática causada pela diminuiçao da síntese, por um elevado catabolismo, ou pela combinaçao dos dois fatores, leva ao déficit oncótico, que ocasiona edema e diversas outras alteraçoes fisiológicas11.


Figura 2 - Distribuiçao dos pacientes de acordo com a evoluçao dos exames de albumina no período do estudo.



Ao analisarmos a oferta calórica e a evoluçao do estado nutricional, observamos que, apesar da prescriçao dietoterápica ter sido acima das necessidades recomendadas, os pacientes apresentaram reduçao nos níveis de albumina juntamente com perda de peso, demonstrando assim um quadro de hipercatabolismo extremo diante da injúria térmica.


CONCLUSAO

No sentido de minimizar tais complicaçoes, a terapia nutricional enteral em pacientes queimados desempenha papel importante na recuperaçao e na evoluçao do quadro clínico e nutricional.


AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos funcionários do Hospital Municipal Sao José, enfermeiros do CTQ e aos pacientes pelo apoio oferecido ao longo da pesquisa.


REFERENCIAS

1. Vinha PP, Cunha SFC. Nutriçao em pacientes queimados. Manual dos residentes de nutrologia do HCFM RP-USP. 1ª ed. v. I. Sao Paulo:Guanabara Koogan;2008. 55p.

2. Vale ECS. Primeiro atendimento em queimaduras: a abordagem do dermatologista. An Bras Dermatol. 2005;80(1):9-19.

3. Waitzberg DL. Nutriçao enteral e parenteral na prática clínica. 3ª ed. Rio de Janeiro:Atheneu;2006. p.457-8.

4. Ragonha ACO, Ferreira E, Andrade D, Rossi LA. Avaliaçao microbiológica de coberturas com sulfadiazina de prata a 1%, utilizadas em queimaduras. Rev Latino-am Enfermagem. 2005;13(4):514-21.

5. De-Souza DA, Greene LJ. Correlaçao entre as alteraçoes fisiopatológicas de pacientes queimados e o suporte nutricional. Revista Virtual de Medicina 1998;1(2). Disponível em: http://www.medonline.com.br/med_ed/med2/queimado.htm Acesso em: 23/6/2009.

6. Mahan LK, Escott-Stump S. Krause: Alimentos, nutriçao e dietoterapia. 11ª ed. Sao Paulo:Rocca;2005.

7. Mateus C. A nutriçao no tratamento de feridas. Disponível em: http://www.gaif.net/artigos/artrev4.doc Acesso em: 29/09/2007.

8. Garófolo A. Diretrizes para terapia nutricional em crianças com câncer em situaçao crítica. Rev Nutr. 2005;18(4):513-27.

9. Brito S. Avaliaçao da nutriçao enteral e/ou parenteral prescrita e da infundida em pacientes internados em um hospital universitário [Dissertaçao de mestrado]. Campinas:Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas;2002.

10. Vanucchi H, Marchini JS. Nutriçao e metabolismo: nutriçao clínica. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan;2007. p.348-65.

11. Matos GC, Rozenfeld S, Martins M. Albumina humana prescrita para casos de desnutriçao em hospitais do Rio de Janeiro. Rev Assoc Med Bras. 2008;54(3):220-4.










1. Docente Msc da Associaçao Educacional Luterana Bom Jesus.
2. Bacharel em Nutriçao.

Correspondência:
Sandra Ana Czarnobay
Rua Ituporaga, 365, apto. 501 - Bom Retiro
Joinville, SC, Brasil - CEP 89430-222
E-mail: anaczar@gmail.com

Recebido em: 2/10/2009
Aceito em: 13/11/2009

Trabalho realizado no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Municipal Sao José, Joinville, SC, Brasil.

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