1783
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo de Revisao

Terapia ocupacional em queimados: pesquisa bibliográfica acerca da reabilitação física junto a indivíduos com queimaduras

Occupational therapy in burned: a literature search about physical rehab near the individuals with burns

Jorge Lopes Rodrigues Júnior1; Natália de Nazaré Albuquerque Bastos2; Paula Andressa Silva Coelho2

RESUMO

O presente artigo aborda a atuaçao terapêutica ocupacional junto ao paciente queimado, bem como as possíveis causas, consequências e tratamento, seja esta a curto e longo prazo, de uma queimadura. Este artigo de revisao bibliográfica tem por objetivo geral averiguar como a atuaçao terapêutica ocupacional na reabilitaçao física de queimados contribui para a promoçao da melhora funcional e reduçao de danos nas áreas de ocupaçao desses indivíduos, e como objetivos específicos realizar um estudo bibliográfico abrangendo as variáveis: queimaduras, seus tipos, suas consequências e seu tratamento clínico; bem como identificar os principais recursos e técnicas terapêuticos ocupacionais na reabilitaçao física de queimados. Trata-se de uma revisao bibliográfica de abordagem qualitativa considerando-se os aspectos descritivos. Desse modo, espera-se que esta produçao científica possa, entao, enriquecer o arcabouço teórico de seus leitores e, assim, disseminar conhecimentos acerca do tema referido.

Palavras-chave: Queimaduras. Reabilitação. Terapia Ocupacional.

ABSTRACT

This article discusses occupational therapy performance in the burned patient as well as possible causes, consequences and treatment this is the short and long of a burn.This literature review article has the objective to ascertain how the occupational therapy role in physical rehabilitation of burned contributes to the promotion of functional improvement and harm reduction in the areas of occupation of these individuals, and as perform a bibliographic study specific objectives covering the following variables: burns, their types, their consequences and their clinical treatment, as well as identifying the key features and technical occupational therapy in physical rehabilitation of burned. This is a literature review of qualitative approach considering the descriptive aspects. Thus, it is expected that this scientific production can then enrich the theoretical framework of its readers, and thus disseminate knowledge on the subject said.

Keywords: Burns. Rehabilitation.Occupational Therapy.

INTRODUÇAO

O presente artigo apresenta as queimaduras, bem como suas possíveis causas e consequências e ainda a frequência com que este fato ocorre na atualidade. Entretanto, nao apenas isto, mas as mudanças ocorridas no cotidiano do indivíduo afetado e, também, as diversas formas de intervençao da terapia ocupacional junto ao mesmo, seja em aspectos físicos, psíquicos ou sociais.

As queimaduras consistem em lesoes que se caracterizam pela destruiçao do tecido epitelial e, mais profundamente, de capilares e regiao vascular podendo até chegar aórgaos, variando com a intensidade da exposiçao ao fator responsável pela queimadura1.

No Brasil, 1 milhao de casos de queimaduras ocorrem a cada ano, sendo 200 mil atendidos em serviços de emergência e 40 mil demandam hospitalizaçao. Queimaduras, como causa de morte no Brasil, perdem apenas para acidentes de trânsito e homicídios2.

As lesoes por queimaduras nao sao um problema apenas de países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, as queimaduras sao a quarta causa de morte por trauma. Aproximadamente 1,25 milhoes de pessoas sofrem queimaduras todos os anos, cerca de 1 milhao de pessoas requerendo tratamento. Dessas, 100.000 queimaduras sao de moderadas a grave3.

As consequências deixadas pela queimadura geralmente nao sao apenas sequelas físicas, mas psíquicas também, uma vez que as cicatrizes podem ocasionar deformidades nas áreas atingidas, afetando, assim, a autoestima do indivíduo queimado, podendo desencadear novas consequências, como o comportamento depressivo, a clausura e a nao socializaçao, dentre outros4.

Com base nisto, a terapia ocupacional possui diversas vertentes de atuaçao no que concerne à reabilitaçao física do indivíduo queimado, seja ele criança, adulto ou idoso5.

A partir disto, o interesse dos autores pelo tema surgiu da percepçao das mesmas acerca da necessidade de conscientizar a populaçao sobre as implicaçoes de uma queimadura, bem como da importância de um tratamento adequado e ágil a partir do momento que esta ocorre, e ainda acerca da atuaçao terapêutica ocupacional neste processo, a qual é bastante efetiva no processo de reabilitaçao a curto e longo prazo.

Deste modo, é possível observar que o presente artigo justificase pela necessidade disseminar informaçoes referentes ao tema abordado, bem como apresentar as diferentes atuaçoes voltadas à reabilitaçao física que a terapia ocupacional pode desempenhar com indivíduos queimados.

O objetivo geral do presente trabalho foi averiguar como a atuaçao terapêutica ocupacional na reabilitaçao física de queimados contribui para a promoçao da melhora funcional e reduçao de danos nas áreas de ocupaçao desses indivíduos e, como objetivos específicos, realizar um estudo bibliográfico abrangendo as variáveis: queimaduras, seus tipos, suas consequências e seu tratamento clínico; bem como identificar os principais recursos e técnicas terapêutico ocupacionais na reabilitaçao física de queimados.


MÉTODO

Trata-se de uma revisao bibliográfica, que consiste relacionar, avaliar e investigar os pontos mais relevantes de todas as publicaçoes no que se refere às variáveis clínicas, tratamento e reabilitaçao de queimados. A busca de artigos foi realizada nas bases de dados SciELO (Scientific Eletronic Library Online); LILACS (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde); Revista Brasileira de Queimaduras (RBQ); Ministério da Saúde (MS) e Conselho Federal de Medicina (CFM). Utilizou-se como fonte de busca para livros acerca do tema a biblioteca da Universidade do Estado do Pará - Campus II.

Foram utilizados os seguintes descritores: pacientes queimados; reabilitaçao; terapia ocupacional. Como critério de inclusao, foram selecionados artigos que abordassem queimaduras, atendimento a queimados, tipos e grau de queimaduras e atuaçao terapêutica ocupacional junto a pacientes queimados publicados no idioma português, nos anos de 2008 a 2013.

Como método de exclusao, foram eliminados trabalhos que nao se referiam ao tema do artigo, também aqueles que, embora tivessem como temas as queimaduras, nao abordavam os seguintes aspectos: atendimento a queimados, tipos e grau de queimaduras e atuaçao terapêutica ocupacional junto à pacientes queimados. Foram excluídos também todos os referenciais publicados no período antecedente ao ano de 2008.


RESULTADOS

Queimadura: Conceito


As queimaduras sao atualmente um grande problema de saúde pública, nao só quanto à gravidade de suas lesoes e ao grande número de complicaçoes, mas também quanto às sequelas relevantes que marcam o paciente queimado. Podem ser provocadas por fatores térmicos, químicos ou elétricos, sendo os primeiros os mais frequentes, enquanto os últimos sao os mais graves, além de ser uma afecçao muito frequente nos centros hospitalares6.

A fisiopatologia da lesao por queimadura se dá pela destruiçao da integridade capilar e vascular, em razao de seus efeitos serem locais e sistêmicos. O comprometimento do tecido vai depender da intensidade da exposiçao térmica, das características da área queimada e das reaçoes locais e sistêmicas1.

A queimadura é definida como uma lesao dos tecidos orgânicos em decorrência de um trauma de origem térmica, o qual o agente causador pode ser térmico (calor ou frio), elétrico, químico ou radioativo7.

Classificaçao das queimaduras

As queimaduras podem ser classificadas de acordo com a extensao da superfície corpórea queimadas, calculada em porcentagem total da área queimada (ATSQ). É possível, ainda, classificar queimaduras quanto à profundidade destas, as quais podem ser de primeiro, segundo ou terceiro grau8.

Quanto à extensao, o indivíduo pode ser classificado em: pequeno queimado, ou de pequena gravidade; médio queimado ou de média gravidade e grande queimado ou de grande gravidade9.

E quanto à profundidade, as queimaduras podem ser de 1º grau, isto é, quando dolorosas, duram de 48 a 72 horas e nao há comprometimento hemodinâmico. Podem ser ainda de 2º grau, as quais podem ser superficiais ou profundas10.

Já na queimadura de 3º grau, a pele é geralmente destruída (epiderme e derme), com danos profundos, levando à alteraçao hemodinâmica na dependência da ATSQ, necessitando tratamento com intervençao cirúrgica para aproximaçao das bordas das feridas ou de enxertia cutânea11.

Alguns autores ainda classificam as queimaduras até 4º grau. Desse modo, classificam-se como queimaduras capazes de ultrapassar as camadas da pele e atingir tecido adiposo, músculos, ossos ou até órgaos internos subjacentes, sendo esta a de maior gravidade12.

Tratamento da queimadura e suas implicaçoes na vida do indivíduo queimado

Ainda que o prognóstico para o tratamento da queimadura tenha melhorado nos últimos anos, ela ainda configura importante causa de mortalidade, além de resultar em morbidade pelo desenvolvimento de sequelas como: a incapacidade funcional, principalmente quando atinge os membros superiores e inferiores; as deformidades, sobretudo da face; as sequelas de ordem psicossocial; e, dependendo da localizaçao, as queimaduras podem ainda causar danos neurológicos, oftalmológicos e geniturinários2.

As principais sequelas motoras desenvolvidas durante o atendimento hospitalar sao as cicatrizes hipertróficas, queloides, rigidez articular, contraturas de tecidos moles e/ou articulares1.

Já do ponto de vista psicossocial, o paciente queimado se vê condicionado pela exigência da beleza física exterior e pela sua própria exigência interna, inconformado com a cicatriz na sua pele interferindo em sua autoimagem e, deste modo, pode-se imaginar o que uma pessoa queimada espera encontrar na retomada de suas atividades cotidianas10.

As pessoas que sofreram queimaduras consideram que as modificaçoes decorrentes do trauma resultam em prejuízo à qualidade de vida, devido às desvantagens experimentadas no cotidiano, como dificuldade para conseguir um trabalho, ou adaptar-se a trabalho desenvolvido anteriormente ou, ainda, porque nao está mais em condiçoes para trabalhar13.

Logo, pode-se inferir que as sequelas das queimaduras constituem um grande desafio, tanto no que se refere à prevençao quanto ao tratamento, incluindo os aspectos relacionados à fase de reabilitaçao8.

A despeito do prognóstico ter melhorado dramaticamente, graças aos avanços no tratamento dos pacientes queimados, em especial ao reconhecimento da importância do debridamento precoce e ao progresso no emprego de substitutos biológicos da pele, as queimaduras ainda configuram importante causa de mortalidade. Decorre daí o fato da correta abordagem inicial do queimado ser essencial para o prognóstico a curto e longo prazos14.

O tratamento inicial das queimaduras se dá em duas fases: a primeira é imediata, no instante em que ocorreu a queimadura, e a segunda ocorre na sala de emergência, com a equipe preparada e munida de equipamentos adequados.

Desta forma, o tratamento imediato corresponde primeiramente à interrupçao da queimadura, em seguida à retirada das roupas e demais pertences, como anéis, pulseiras, cordoes, brincos e outros, do indivíduo que sofreu queimaduras e, por fim, o isolamento térmico a partir de um tecido limpo15.

Já quanto à segunda fase, que ocorre em nível hospitalar em uma sala de emergência, ressalta-se que deve se avaliar primeiramente as vias aéreas, a fim de observar a presença de obstruçoes; a seguir, na suspeita de intoxicaçao, administrar máscara de oxigênio 100% e umidificada; enfatiza, ainda, que todo o procedimento de urgência deve ser feito com a inclinaçao cervical de 30º.

Faz parte ainda desta fase de tratamento avaliar se há queimaduras no tórax, membros superiores e inferiores, verificar se ocorreu perfusao distal e ainda o aspecto circulatório do sistema vascular do indivíduo. Cabe, também, neste momento, avaliar a existência de traumas associados, bem como o tipo de queimadura quanto à sua extensao e profundidade9.

Destaca-se, ainda, que o tratamento mais decisivo é o inicial, capaz de prevenir sequelas mais graves. No entanto, há o tratamento posterior, ou ambulatorial, o qual se trata da reabilitaçao das sequelas deixadas pela queimadura seja em nível motor, sensorial e outros16.

Terapia ocupacional na reabilitaçao física de pacientes queimados

Uma vez que a sobrevivência do paciente queimado tenha sido assegurada, as funçoes físico-funcionais, estéticas e emocionais se convertem nos maiores fatores para a subsequente qualidade de vida. Diante disso, a terapia ocupacional atua na prevençao de deformidades, manutençao da mobilidade articular e restituiçao da funçao.

Essas abordagens, alcançadas por meio de um programa de tratamento que envolve posicionamento adequado, a estimulaçao da movimentaçao ativa precoce, o uso de órteses e adaptaçoes, quando necessário, o controle da cicatrizaçao e do edema, a estimulaçao da funçao mediante atividades terapêuticas; reeducaçao sensitiva e o treinamento da independência nas Atividades da Vida Diária e Atividades de Vida Prática norteiam as metas do tratamento terapêutico ocupacional na reabilitaçao do paciente queimado17.

O primeiro passo do terapeuta ocupacional junto ao indivíduo com queimadura é a avaliaçao inicial, a qual tem por objetivo determinar o comprometimento inicial das áreas queimadas, sendo de suma importância para o planejamento do tipo ideal de tratamento para um determinado paciente.

A avaliaçao inicial consiste na determinaçao da extensao, da profundidade, e do local comprometido pela queimadura. Nela, sao realizadas também medidas de goniometria, força muscular, avaliaçao de sensibilidade, avaliaçao de edema e quantificaçao subjetiva da dor18.

Em relaçao à prevençao de deformidades e sequelas físicas e funcionais, descreve-se como cuidados de reabilitaçao da queimadura, o posicionamento adequado, por meio de posturas antideformantes; a imobilizaçao por meio da indicaçao de órteses; controle da cicatrizaçao e do edema; reeducaçao sensitiva e a mobilizaçao, por meio de exercícios passivos e ativos, até que cheguem as atividades terapêuticas mais elaboradas, culminando, por fim, com o treino das atividades de vida diária e vida prática19.

No que concerne o posicionamento adequado, uma equipe experiente orientará o tratamento do queimado para a prevençao das atitudes viciosas. A terapia ocupacional também estará dirigida à máxima reabilitaçao. Busca-se evitar as más posiçoes tanto quanto as pressoes excessivas por meio de uma imobilizaçao que incomode o menos possível a manutençao da musculatura17.

O propósito do posicionamento adequado é reduzir edemas, mantendo as partes envolvidas em uma posiçao antideformidades. O posicionamento adequado é crítico porque a posiçao de maior conforto para o paciente é geralmente a posiçao de contratura20.

A postura antideformante é oposta à direçao de traçao do tecido cicatricial, podendo ser, ou nao, a posiçao funcional. O pescoço deve ser posicionado em moderada extensao, quando o paciente apresentar queimadura na regiao cervical anterior ou em circunferência. Travesseiros nunca devem ser utilizados, pois favorecem a flexao, levando a retraçoes incapacitantes. O ombro deve ser posicionado em abduçao de 90º e em rotaçao externa, quando a queimadura for na regiao axilar. Essa posiçao pode variar de acordo com a tolerância do paciente, sendo mantida mediante o uso de braçadeiras acolchoadas.

Já o cotovelo, deve ser mantido em extensao total, quando o paciente apresenta queimadura na face anterior. O antebraço deve ser mantido em posiçao neutra. O punho deve ser posicionado em extensao entre 20º e 30º. Atençao deve ser dada às queimaduras na face dorsal, que têm grande tendência às retraçoes cicatriciais em hiperextensao, e na face ventral, que propiciam as retraçoes em flexao. A mao deve ser posicionada com as articulaçoes metacarpofalângicas em flexao de 70º, as interfalângicas em extensao e o polegar em abduçao21.

No que concerne à intervençao ortótica,trata-se de um recurso importante no tratamento das afeçoes musculoesqueléticas, uma vez que auxilia na obtençao de resultados mais precoces, abrevia o tempo de tratamento, reduz o estresse sobre os tecidos e restaura e aumenta a funçao dos mesmos22.

Para pacientes queimados, o uso de órteses funciona como um coadjuvante da terapia. Temos, com sua indicaçao, os seguintes objetivos: impedir a formaçao de retraçao cicatricial, prevenir deformidades, manter ou ganhar amplitude de movimento, evitar posiçoes viciosas, proteger regioes operadas21.

Os horários de uso de órteses sao ajustados à capacidade do indivíduo de participar de programas de exercício e posicionamento. Por exemplo, se um paciente consistentemente emprega um cotovelo afetado para se alimentar e durante a AVD no período diurno, é apropriado adaptar o tempo de uso da órtese de cotovelo para a noite e períodos de descanso.

Mas se, por outro lado, um paciente que nao consiga acompanhar um programa de exercícios e posicionamento por causa de limitaçao durante a vigília ou motivaçao deficiente, deverá usar a órtese continuamente, exceto durante a troca de curativos e exercício terapêutico23.

As órteses devem ser empregadas tao precocemente quanto possível na evoluçao pós-queimadura e sao utilizadas continuamente durante o período de recuperaçao. O membro deve ser envolvido com uma camada de Rayon ou compressas, para proteçao da pele. A inspeçao diária, apesar da completa adequaçao da órtese, é absolutamente necessária, visto que a colocaçao inadequada pode causar edemas ou pontos de pressao21.

Durante a fase aguda, utilizam-se as órteses estáticas como um recurso terapêutico importante no posicionamento adequado e antideformante. Já na fase crônica, a indicaçao de órteses estáticas visando, principalmente, manter a amplitude articular obtida com os exercícios, ainda permanece. Pode-se, também nessa fase, lançar mao das órteses dinâmicas, desde que as regioes envolvidas estejam isentas de feridas abertas. O objetivo com esse tipo de órtese é exercer um força de traçao para estirar o tecido cicatricial e, concomitantemente, ganhar amplitude de movimento17.

Quanto ao controle de edema, o mesmo é realizado por meio da elevaçao do membro queimado acima do nível do coraçao do paciente, com o posicionamento adequado do membro em questao. Além disso, é fundamental a realizaçao de exercícios ativos e passivos para mobilizaçao articular, os quais auxiliam na drenagem dos fluidos.

Normalmente, o edema do paciente queimado cede entre duas e três semanas. Entretanto, em alguns casos, após longos períodos de imobilizaçao, o edema do membro pode persistir, sendo necessário prolongar a terapia para controlá-lo18.

Outra abordagem da terapia ocupacional é o controle cicatricial. A formaçao de tecido cicatricial é uma resposta natural para o fechamento da ferida. Uma cicatriz hipertrófica é vermelha, elevada e inelástica, contém um número aumentado de fibroblastos, quando comparada à pele normal. Além de nao ser esteticamente atraente, a cicatriz hipertrófica pode limitar a competência funcional ao restringir a amplitude de movimento da articulaçao.

Deste modo, o terapeuta ocupacional tenta prevenir ou limitar o desenvolvimento de cicatrizes hipertróficas. Os métodos de tratamento incluem uma combinaçao de técnicas, incluindo terapia por pressao e massagem23.

A finalidade de roupas de compressao, tais com bandagens, luvas ou malhas compressivas sobre as lesoes em amadurecimento, é aplicar pressao perpendicular que se aproxime da pressao capilar, porque se postulou que as lesoes amadurecem mais rapidamente, com cicatrizes menores, quando privadas de circulaçao e oxigênio.

O terapeuta ocupacional inicia a aplicaçao de pressao discreta via Tubigrip, envoltórios de bandagem elástica, Coban ou luvas Isotoner. De início, as bandagens compressivas sao usadas por duas horas. O tempo de uso é gradualmente aumentado, com acréscimo de duas horas até que seja tolerado o uso por 24 horas. A tolerância é determinada pela ausência de bolhas ou áreas abertas24.

As malhas compressivas também constituem um método prático e eficiente. Elas devem ser feita sob medida para cada paciente, envolvendo e comprimindo a regiao comprometida pela queimadura. Devem ser utilizadas 24 horas por dia e retiradas apenas para higiene18.

É difícil propiciar os movimentos normais enquanto se mantém o controle adequado da cicatriz. Criatividade, habilidade, perseverança e questionamento contínuo do que pode ser feito constituem as qualidades necessárias para o terapeuta ocupacional. Nenhum dispositivo ou roupa de pressao é perfeito, sendo necessária a reavaliaçao frequente para garantir a pressao e a adequaçao apropriadas24.

Cabe também ao terapeuta ocupacional a reeducaçao sensitiva. A grande destruiçao cutânea lesa terminaçoes nervosas e os receptores de sensibilidade. A reeducaçao sensitiva é um método ou uma combinaçao de técnicas para ajudar um paciente com alteraçoes de sensibilidade a aprender a reinterpretar uma informaçao que atinge seu córtex cerebral após um estimulo à pele queimada. O processo de reeducaçao é baseado no conceito de treinar o córtex cerebral para interpretar corretamente o estímulo alterado.

O processo de reeducaçao sensitiva pode ser iniciado assim que o paciente tiver algum nível de sensibilidade de proteçao na pele queimada. Em uma etapa inicial, o objetivo do processo é ensinar o paciente a diferenciar as sensaçoes de movimento das de toque constante e pressao. Outro objetivo importante é aprender a localizaçao e a intensidade de um estímulo conhecido.

Em uma fase mais tardia, quando o paciente já diferencia bem a sensaçao de movimento de pressao constante, o treinamento passa a ter o objetivo de desenvolver estereognosia e capacidade de identificaçao de texturas e de objetos com a mao. O processo de reabilitaçao sensitiva está indicado apenas para casos de queimaduras graves em que ocorre grande destruiçao da pele, ou em traumas elétricos graves, com lesao de nervos periféricos25.

Ainda fazem parte da atuaçao terapêutica ocupacional a mobilizaçao, atividades terapêuticas (cinesioterapia) e o trino das atividades de vida diária e vida prática. A posiçao de conforto para o paciente favorece a instalaçao de deformidades; por essa razao, a mobilizaçao precoce das articulaçoes é essencial.

A movimentaçao ativa deve ser estimulada e executada várias vezes ao dia, de forma lenta e suave, completando todo o arco articular do movimento. É importante nao apenas prevenir a imobilizaçao, mas também de cada segmento, individualmente. As articulaçoes de todas as extremidades devem ser movimentadas regularmente, a menos que haja alguma contraindicaçao formal, como, por exemplo, quando houver exposiçao de tendoes.

A movimentaçao passiva só é indicada quando nao houver possibilidade de realizaçao do movimento ativo ou quando este nao for suficiente para atingir a completa amplitude articular18.

A mobilidade das articulaçoes e a preservaçao das funçoes muscular e manual sao obtidas com a realizaçao de exercícios específicos e instituiçao de atividades terapêuticas. Os exercícios básicos utilizados sao os ativos livres, os ativos assistidos, os isométricos, os de estiramento e os de coordenaçao, todos tendo como objetivo a prevençao de deformidades24.

No que concerne às atividades terapêuticas, a atividade é um recurso terapêutico empregado para a estimulaçao funcional do membro acometido, devendo ser instituída o mais precocemente possível.

Por meio das atividades terapêuticas, estimula-se a movimentaçao ativa global, trabalhando, portanto, a mobilidade articular, a resistência, a força e a funçao. Exercícios utilizando, por exemplo, cones plásticos, argolas, polias e planos elevados favorecem o alcance e constituem uma fase preparatória para a independência nas atividades de vida diária.

Quanto à funçao manual, quando houver possibilidade, todos os tipos de preensao (desde a preensao de força até a de precisao) devem ser exercitados e estimulados. Quando o paciente já está recebendo atendimento ambulatorial, certamente nao apresenta nenhuma ferida aberta. Essa condiçao permite o uso de maior variedade de atividades terapêuticas. É fundamental que o terapeuta explique ao paciente os objetivos de cada atividade. Quanto maior a conscientizaçao dele, maior a eficácia do tratamento21.

Outro aspecto a ser enfatizado é a independência nas atividades de vida diária. As habilidades para alimentar-se, vestir-se, arrumarse e banhar-se devem ser reforçadas, como parte da rotina diária normal.

A identificaçao inicial de movimentos anormais ajuda os pacientes a entender suas necessidades e traz oportunidades para reaprender padroes normais de movimento. Praticar AVD com itens de cuidado pessoais trazidos de casa pode alimentar uma atitude positiva em relaçao aos sentimentos sobre as capacidades pessoais17.

As lesoes maiores por queimadura podem, inicialmente, exigir adaptaçoes para independência. A avaliaçao da necessidade de cuidados pessoais deve distinguir entre uma limitaçao cicatricial que pode ser reabilitada e um resultado incapacitante mais permanente20.

As limitaçoes neuromusculares impedem de realizar tarefas funcionais. O terapeuta poderá oferecer equipamento adaptado, tal como engrossadores confeccionados para compensar a preensao limitada ou utensílios com prolongamento de cabo para flexao de cotovelo diminuída.

Também poderá melhorar o desempenho o ensino de técnicas de adaptaçao, tal como usar as duas maos para apoio extra. É importante esclarecer o paciente de que as adaptaçoes nesse momento sao necessárias, mas podem ser transitórias e serao substituídas ou eliminadas, de acordo com sua necessidade ou desempenho23.

Além dos cuidados pessoais, também deve-se incentivar e realizar o treino das atividades instrumentais de vida diária, como, por exemplo, o treino relacionado com tarefas de administraçao doméstica. A experiência tem demonstrado que medos de água quente, do fogao ou do ferro de passar roupa podem prejudicar a recuperaçao funcional.

Para indivíduos que sofreram a lesao durante atividades domésticas, deve-se organizar orientaçao, apoio e prática das habilidades ou da atividade durante os atendimentos.

O retorno aos estudos ou ao trabalho também se torna um objetivo do terapeuta ocupacional durante a reabilitaçao do paciente queimado. Muitos sobreviventes de queimaduras em recuperaçao sao capazes de reassumir as rotinas diárias normais antes de concluída a maturaçao de suas cicatrizes. A maioria dos pacientes ainda estará usando malhas de compressao e inserçoes, tendo que evitar exposiçao prolongada ao sol e realizando cuidados na pele enquanto estiverem na escola ou no trabalho20.

De maneira geral, um programa de terapia ocupacional elaborado de acordo com as necessidades de cada paciente tem como objetivos proporcionar melhor funçao dos membros superiores, maior independência nas atividades de vida diária e prática e, sempre que possível, o retorno do paciente a sua atividade profissional. O objetivo final do tratamento é devolver o indivíduo à sociedade reabilitado funcional e esteticamente21.

A terapia ocupacional desempenha um papel fundamental nesse processo. Provavelmente, o terapeuta ocupacional é o profissional que tem contato mais prolongado com o paciente: ele atua logo nos primeiros dias de atendimento hospitalar após a admissao e prossegue até o final do processo de remodelaçao cicatricial, no segmento ambulatorial.

Trata-se de uma batalha diária para a recuperaçao funcional e estética do paciente, aliada à prevençao de sequelas indesejáveis. Desse trabalho depende o sucesso do trabalho multidisciplinar18.


CONCLUSAO

Diante do arcabouço teórico revisado para esta pesquisa, percebe-se que o processo terapêutico ocupacional funciona como potencializador e facilitador de autonomia e independência do sujeito, pois a terapia ocupacional tem como objeto de intervençao a ocupaçao humana.

Dessa forma, afirma-se que a especificidade do processo terapêutico pode ser entendida como: trabalho com atividades da vida diária, atividades da vida prática, criaçao de projetos práxicos, avaliaçao, reorganizaçao, ressignificaçao, instrumentalizaçao e fortalecimento da vida ocupacional do sujeito nas suas dimensoes de trabalho, lazer, automanutençao, etc.

Esse processo terapêutico funciona como catalisador para os processos de mudança da vida ocupacional do sujeito em todas as fases de seu tratamento, desde a chegada no hospital até a reabilitaçao ambulatorial21.

Ressalta-se a importância de novas pesquisas voltadas à atuaçao terapêutica ocupacional junto à temática abordada, uma vez que foram encontrados poucos periódicos relacionando a terapia ocupacional a pacientes queimados, utilizando-se, portanto, em sua maioria, capítulos de livros.

Quanto à relaçao ensino-aprendizagem das acadêmicas, destaca-se o enriquecimento do arcabouço teórico das mesmas, bem como a contribuiçao para a comunidade científica de uma produçao com o referido tema, haja vista sua escassez em indexadores e revistas oficiais de publicaçao.


REFERENCIAS

1. Medeiros NI, Schott E, Silva R, Czarnobay SA. Efeitos da terapia nutricional enteral em pacientes queimados atendidos em hospital público de Joinville/SC. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(3):97-100.

2. Oliveira FPS, Ferreira EAP, Carmona SS. Crianças e adolescentes vítimas de queimaduras: caracterizaçao de situaçoes de risco ao desenvolvimento. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2009;19(1):19-34.

3. Herson MR, Teixeira Neto N, Paggiaro AO, Carvalho VF, Machado LCC, Ueda T, et al. Estudo epidemiológico das sequelas de queimaduras: 12 anos de experiência da Unidade de Queimaduras da Divisao de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(3):82-6.

4. P Júnior GF, Vieira ACP, Alves GMG. Avaliaçao da qualidade de vida de indivíduos queimados pós-alta hospitalar. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(4):140-5.

5. Imamura AY, Kota JI, Sime MM, Fontana C. Ortese para correçao de microstomia: estudo de caso. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4):263-5.

6. Dornelas MT, Ferreira APR, Cazarim DB. Tratamento das queimaduras em áreas especiais. HU Rev. 2009;35(2):119-26.

7. Lira RA, Silva VTBL, Soanégenes M. Intervençao terapêutica ocupacional a paciente vítima de queimadura elétrica na fase aguda. Rev Bras Queimaduras. 2013;12(1):37-41.

8. Almeida JWF, Santos JN. Assistência de enfermagem em grupos de riscos a queimadura. Rev Bras Queimaduras. 2013;12(2):71-6.

9. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Efeito da cirurgia plástica em pacientes queimados. [Acesso 13 set 2013]. Disponível em: http://www2.cirurgiaplastica.org.br/#!/artigos-e-galerias

10. Souza TJA. Qualidade de vida do paciente internado em uma unidade de queimados. Rev Bras Cir Plást. 2011;26(1):10-5.

11. Guimaraes IBA, Martins ABT, Guimaraes SB. Qualidade de vida de pacientes com queimaduras internados em um hospital de referência no nordeste brasileiro. Rev Bras Queimaduras. 2013;12(2):103-7.

12. Yoshimura CA. A importância do atendimento pré-hospitalar nas queimaduras químicas no Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4):259-62.

13. Reis IF, Moreira CA, Costa ACSM. Estudo epidemiológico de pacientes internados na unidade de tratamento de queimados do hospital de urgência de Sergipe. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(4):114-8.

14. Bernz LM, Mignoni ISP, Pereima MJL, Souza JA, Araújo EJ, Feijó R. Análise das causas de óbitos de crianças queimadas no Hospital Infantil Joana de Gusmao, no período de 1991 a 2008. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):9-13.

15. Brasil. Ministério da Saúde. Cartilha Para Tratamento de Emergência das Queimaduras. Brasília, 2012. [Acesso 21 out 2012]. Disponível em: http://www.portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/cartilha_queimaduras.pdf

16. Castro RJA, Leal PC, Sakata RK. Tratamento da dor em queimados. Rev Bras Anestesiol. 2013;63(1):154-8.

17. Arruda C. Tratamento de queimados. In: Cavalcanti A, Galvao C, eds. Terapia ocupacional: fundamentaçao e prática. 1ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007.

18. Busnardo APVL, Scaravelli TMG. Terapia ocupacional com pacientes queimados. In: De Carlo MMRP, Luzo MCM. Terapia Ocupacional: Reabilitaçao Física e Contextos Hospitalares. Sao Paulo: Roca; 2009.

19. Siqueira FMB, Juliboni EPK. O papel da atividade terapêutica na reabilitaçao do indivíduo queimado em fase aguda. Cad Ter Ocup UFSCAR. 2000;8(2):79-91.

20. Reeves SU. Queimaduras e reabilitaçao de Queimaduras. In: Pedretti LW, Early MB. Terapia ocupacional capacidades práticas para as disfunçoes físicas. 5ª ed. Sao Paulo: Roca; 2008.

21. Antoneli MRMC. Queimaduras. In: Teixeira E, Sauron FN, Santos LSB, Oliveira MC. Terapia ocupacional na reabilitaçao física. Sao Paulo: Roca; 2010.

22. Luzo MCM, Mello MAF, Capanema VM. Recursos tecnológicos em terapia ocupacional: órteses e tecnologia assistiva. In: De Carlo MMRP, Luzo MCM. Terapia Ocupacional: reabilitaçao física e contextos hospitalares. Sao Paulo: Roca; 2009.

23. Pessiana MA,Orroth AC. Lesoes por queimaduras. In:Trombly CA,Radomski MV. Terapia ocupacional para as disfunçoes físicas. 5ª ed. Sao Paulo: Santos; 2008.

24. Rivrs EA, Jordan CL. Disfunçao do sistema cutâneo: queimaduras. In Neistadt ME, Crepeau EB. Willard & Spackman - Terapia ocupacional. 9ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.

25. Bessa JKM, Silva TEO, Rosa SM. Mulheres vítimas de queimaduras: um olhar sobre as atividades de vida diária. Cad Ter Ocup UFSCar. 2011;19(2):153-64.










1. Docente da Universidade do Estado do Pará e Especialista em Reabilitaçao Neurológica, Belém, PA, Brasil
2. Acadêmica do 4º ano de Terapia Ocupacional da Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil

Correspondência:
Natália de Nazaré Albuquerque Bastos
Travessa Timbó, 2370
Belém, PA, Brasil - CEP: 66095-531
E-mail: natbastos_10@hotmail.com

Artigo recebido: 18/9/2013
Artigo aceito: 21/11/2013

Trabalho realizado na Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil.

© 2024 Todos os Direitos Reservados