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Relato de Caso

Abordagem de queimadura elétrica em membro superior. Relato de Caso

Approach in electrical burn upper limb. Case Report

Ricardo Araújo de Oliveira1; Marzo Luis Bersan2; Ana Elisa Dupin1; Dangelo Odair Viel1; Patrícia Veloso Silva1; Carlos Eduardo Guimarães Leão3

RESUMO

INTRODUÇAO: A popularizaçao da eletricidade, na era moderna, levou ao aparecimento de um novo agente etiológico de queimadura, com suas particularidades, fisiopatologia e tratamento específico. O trauma elétrico causado por alta voltagem envolve uma extensa gama de injúrias que pode variar desde lesoes localizadas superficiais até extensas lesoes de partes moles, neuromusculares e vasculares, sendo comum a amputaçao em membros.
OBJETIVO: Discorrer sobre várias abordagens cirúrgicas e suas complicaçoes no tratamento de lesao complexa causada por trauma elétrico em membro superior direito num paciente vítima de queimadura por alta voltagem.
RELATO DE CASO: Relatamos um caso de queimadura elétrica por alta voltagem com extensa necrose tecidual em punho direito, submetida em primeiro momento a cobertura com matriz dérmica associada a curativo a vácuo (sem sucesso por desenvolvimento de infecçao local) e nova tentativa posterior de cobertura com retalho muscular de reto abdominal e enxertia de pele subsequente. A evoluçao foi favorável e o paciente se manteve com o membro funcionante.
DISCUSSAO: A sutura é uma excelente opçao, devido a sua factibilidade, baixo custo e os bons resultados obtidos. O retalho do reto abdominal apresenta extensao suficiente para cobertura circular do 1/3 distal do braço e durante a autonomizaçao fica coto suficiente para ser fixado à altura da arcada de Douglas, prevenindo-se a formaçao de abaulamentos do 1/3 inferior do abdome.
CONCLUSAO: A abordagem cirúrgica de lesoes por queimadura elétrica em alta voltagem se traduz em grandes desafios para a equipe de cirurgia plástica, sendo a cobertura com retalho muscular uma tentativa bem sucedida de preservaçao do membro acometido evitando a amputaçao.

Palavras-chave: . Queimaduras por Corrente Elétrica. Membro superior. Retalhos Cirúrgicos.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The popularization of electricity in the modern age, had as a consequence the appearing of a new etiologic agent of burning, with its peculiarities, pathophysiology and specific treatment. The trauma caused by electric high voltage involves a wide range of injuries that can vary from superficial lesions to extensive soft-tissue injuries, neuromuscular and vascular, amputation is also common in the limbs.
OBJECTIVE: This article airms a disccision about various surgical approaches and complications in the treatment complex injury caused by electric trauma in the right upper limb in a patient burn victim by high voltage.
CASE REPORT: We report a case of a high-voltage electrical burn with extensive tissue necrosis in the right wrist, put in first the coverage artificial skin associated with vacuum-dressing (unsuccessfully for the development of local infection) and retry later cover flap of rectus abdominal muscle and subsequent skin grafting. The evolution was favorable and the patient remained with good movement capacity.
DISCUSSION: The suture is an excellent choice due to its feasibility, low cost and good results obtained. The rectus abdominal flap has sufficient length to cover the circular distal 1/3 of the arm and for the autonomization muscles is enough to set the height of the arcuate line (arch of Douglas) preventing the formation of bulges the lower third abdomen.
CONCLUSION: Surgical management of burn injuries in high voltage electrical is a big challenge for the team of plastic surgery, considering muscle flap coverage with a successful attempt to preserve the affected limb avoiding amputation.

Keywords: Burns, Electric. Upper Limb.Surgical Flaps.

INTRODUÇAO

A popularizaçao da eletricidade, na era moderna, levou ao aparecimento de um novo agente etiológico de queimadura, com suas particularidades, fisiopatologia e tratamento específico. Quando associada a outros traumas, é denominada como trauma elétrico.

A queimadura por eletricidade ocorre quando existe passagem de corrente elétrica pelo corpo, se diferenciando por ser de alta ou baixa voltagem, e, quando associada a outros traumas, é denominada como trauma elétrico. As queimaduras de baixa tensao (com voltagem abaixo de 1.000 volts) ocorrem frequentemente em domicílios, acometendo principalmente crianças.

Já as queimaduras de alta voltagem (acima de 1.000 volts) ocorrem com mais frequência no ambiente de trabalho, visto que é neste setor que se concentram a maior parte dos equipamentos de alta tensao.

O trauma elétrico causado por alta voltagem envolve uma extensa gama de injúrias, que pode variar desde lesoes localizadas superficiais até extensas lesoes de partes moles, neuromusculares e vasculares, sendo comum a amputaçao em membros. A passagem da corrente elétrica pelo corpo pode causar lesoes fatais imediatas por tetanizaçao muscular e consequente parada respiratória, fibrilaçao ventricular, perda da consciência e parada cardíaca.

Do ponto de vista econômico, os traumas elétricos sao considerados como tratamento de alto custo direto e indireto. As extensas lesoes sao um problema médico interdisciplinar envolvendo equipes clínica e cirúrgica, associadas a outras especialidades como anestesiologistas, psiquiatras, fisioterapeutas, enfermagem, medicina ocupacional, dentre outras. Além disso, existem os custos de afastamento do trabalho, substituiçao de mao-de-obra qualificada, danos a equipamentos, indenizaçoes, reabilitaçao e aposentadorias precoces.

Objetivo

O objetivo deste trabalho é discorrer sobre várias abordagens cirúrgicas e suas complicaçoes no tratamento de lesao complexa causada por trauma elétrico em membro superior direito numpaciente vítima de queimadura por alta voltagem.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 16 anos e sem comorbidades, foi vítima de trauma elétrico ao tocar barra de ferro em fio de alta tensao. Após duas horas do acidente, deu entrada no prontosocorro (PS) do Hospital Joao XXIII da rede FHEMIG (Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais), apresentando queimadura de III e IV grau em antebraço e mao direita e algumas lesoes menores de III grau em nádega e perna direita. Foi realizado desbridamento e fasciotomia ainda no PS, pois a queimadura no membro superior era circunferencial. Após isso, o paciente foi encaminhado à Unidade de Tratamento de Queimados Prof. Ivo Pitanguy.

Na primeira avaliaçao, a lesao apresentava sinais de isquemia e grande edema em membro superior (Figura 1), realizado desbridamento (Figura 2), seguido de sutura elástica nos 1/3 proximal do antebraço direito (Figura 3).


Figura 1 - Lesao elétrica em membro superior direito.


Figura 2 - Lesao elétrica após desbridamento


Figura 3 - Intraoperatório após sutura elástica no terço proximal do antebraço



Após quatro dias desse procedimento, foi feita nova sutura elástica no terço intermediário do antebraço e da mao direita e retirado o elástico anterior, substituindo-o por sutura simples com nylon 3.0 (Figura 4).


Figura 4 - Nova sutura elástica no terço intermediário do antebraço e da mao direita



A lesao mais grave foi a circunferencial do punho direito, pois, além das extensas áreas de necrose muscular superficial e profunda, havia acometimento vascular e tendinoso (Figura 5). O paciente foi submetido a várias etapas de debridamento cirúrgico até a retirada completa do tecido necrosado.


Figura 5 - Lesao circunferencial em punho direito



A primeira opçao de tratamento foi a colocaçao de matriz de regeneraçao dérmica cortada de acordo com as dimensoes da ferida e fixada ao bordo da área cruenta com agrafos. Foi efetuado um curativo moderadamente compressivo com gaze impregnada de PVPI (Figura 6). O curativo foi trocado a cada dois dias. E, a partir do segundo curativo, associamos a matriz de regeneraçao dérmica com um curativo a vácuo. Utilizamos uma pressao intermitente de 100 mmHg com o uso de um vácuo portátil (Figura 7). Após o quarto dia, foi observada infecçao na matriz de regeneraçao dérmica, que foi retirada e o paciente submetido a novo debridamento cirúrgico.


Figura 6 - Matriz de regeneraçao dérmica


Figura 7 - Curativo a vácuo



Devido à extensao e gravidade da lesao, com acometimento vascular importante, optamos como segunda opçao de tratamento um retalho a distância extenso o suficiente para recobrir toda a circunferência do punho em uma única etapa. Para isso, utilizamos o músculo reto abdominal direito com pedículo inferior baseado na artéria epigástriga inferior, com enxertia cutânea imediata (Figuras 8 e 9).


Figura 8 - Músculo reto abdominal direito com pedículo inferior baseado na artéria epigástriga inferior


Figura 9 - Músculo reto abdominal cobrindo a lesao do punho



O retalho foi autonomizado no 21º dia com enxertia cutânea complementar, apresentando boa cobertura das estruturas profundas. Apesar da importante atrofia muscular, em pós-operatório tardio, o resultado foi satisfatório pela gravidade da lesao inicial (Figuras 10 e 11).


Figura 10 - Pós-operatório após 1 ano


Figura 11 - Pós-operatório após 1 ano



DISCUSSAO

Há poucos relatos de sutura elástica em pacientes queimados, porém, nos últimos anos, seu uso tem se tornando muito frequente em nosso serviço, apresentando bons índices de sucesso. Essa sutura é uma excelente opçao, devido a sua factibilidade, baixo custo e os bons resultados obtidos. Além disso, com essa técnica poupa-se o paciente queimado de uma nova lesao com a área doadora1.

Os substitutos cutâneos resultantes da bioengenharia de tecidos ampliaram significativamente o número de opçoes reconstrutivas em diversas áreas (traumatologia, oncologia, feridas crônicas, etc.) e nos queimados em particular. A matriz de regeneraçao dérmica, com cerca de 30 anos de existência, é uma matriz dérmica de qualidade reconhecida e amplamente utilizada2-6.

A matriz dérmica biossintética quando aplicada é acelular e, portanto, "nao viável", sendo posteriormente incorporadae vascularizada pelo tecido circundante. Dada a ausência de células vivas na matriz, nao há necessidades metabólicas a suprir, contrariamente ao enxerto de pele, que depende integralmente da vascularizaçao do leito onde é aplicado. Em média, sao necessários 21 dias para que a matriz biossintética se torne vascularizada, no entanto, em situaçoes de maior adversidade (queimaduras profundas, com grave destruiçao tecidual), à semelhança dos casos apresentados, o processo pode ser mais prolongado, sem prejuízo do sucesso e do resultado final7-9.

No nosso caso, nao obtivemos sucesso com essa matriz, possivelmente, devido a uma infecçao do leito receptor, mesmo tendo sido tomados todos os cuidados na troca de curativos.

A associaçao de curativo a vácuo com a matriz de regeneraçao dérmica tinha como objetivo potencializar a velocidade de maturaçao da matriz e diminuir as chances de complicaçoes, conforme os trabalhos de Wunderlich et al. Entretanto nao foi isso que observamos, pois houve infecçao no 8º dia de colocaçao da matriz.

O retalho do músculo reto abdominal é geralmente indicado nas reconstruçoes do tronco anterior, 1/3 proximal dos membros inferiores e regiao pubiana ou como retalho microcirúrgico.

Optamos por utilizá-lo como retalho à distância por falta de opçao de retalhos locais e pela lesao vascular importante causada pela corrente elétrica que contraindica os retalhos microcirúrgicos.

Este retalho apresenta extensao suficiente para cobertura circular do 1/3 distal do braço e, durante a autonomizaçao, fica coto suficiente para ser fixado à altura da arcada de Douglas, prevenindose a formaçao de abaulamentos do 1/3 inferior do abdome.


CONCLUSAO

Lesoes complexas provocadas por trauma elétrico continuam um grande desafio para o cirurgiao plástico. Aqui expusemos algumas das abordagens cirúrgicas que jugamos eficientes na melhoria estética e funcional do paciente, evitando, dessa forma, a amputaçao do membro. Vale ressaltar que a proteçao por meio de adequados equipamentos de proteçao e exaustivas campanhas educacionais continuam sendo a melhor forma de evitar sequelas.


REFERENCIAS

1. Oliveira RA, Nigri EL. Sutura elástica no tratamento de escarotomias e fasciotomias de pacientes queimados. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(2):63-6.

2. Moiemen NS, Vlachou E, Staiano JJ, Thawy Y, Frame JD. Reconstructive surgery with Integra dermal regeneration template: histologic study, clinical evaluation, and current practice. Plast Reconstr Surg. 2006;117(7 Suppl):160S-174S.

3. Chou TD, Chen SL, Lee TW, Chen SG, Cheng TY, Lee CH, et al. Reconstruction of burn scar of the upper extremities with artificial skin. Plast Reconstr Surg. 2001;108(2):378-84.

4. Suzuki S, Shin-ya K, Kawai K, Nishimura Y. Application of artificial dermis prior to fullthickness skin grafting for resurfacing the nose. Ann Plast Surg. 1999;43(4):439-42.

5. Abai B, Thayer D, Glat PM. The use of a dermal regeneration template (Integra) for acute resurfacing and reconstruction of defects created by excision of giant hairy nevi. Plast Reconstr Surg. 2004;114(1):162-8.

6. Komorowska-Timek E, Gabriel A, Bennett DC, Miles D, Garberoglio C, Cheng C, et al. Artificial dermis as an alternative for coverage of complex scalp defects following excision of malignant tumors. Plast Reconstr Surg. 2005;115(4):1010-7.

7. Lee LF, Porch JV, Spenler W, Garner WL. Integra in lower extremity reconstruction after burn injury. Plast Reconstr Surg. 2008;121(4):1256-62.

8. Jeng JC, Fidler PE, Sokolich JC, Jaskille AD, Khan S, White PM, et al. Seven years' experience with Integra as a reconstructive tool. J Burn Care Res. 2007;28(1):120-6.

9. Yannas IV. Studies on the biological activity of the dermal regeneration template.Wound Repair Regen. 1998;6(6):518-23.










1. Médico residente do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Joao XXIII pertencente à FHEMIG. Belo Horizonte, MG, Brasil
2. Cirurgiao plástico, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Belo Horizonte, MG, Brasil
3. Cirurgiao plástico, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Joao XXIII pertencente à FHEMIG. Belo Horizonte, MG, Brasil

Trabalho realizado no Hospital Joao XXIII - FHEMIG (Fundaçao Hospitalar do estado de Minas Gerais)

Correspondência:
Ricardo Araújo de Oliveira
Av.do Contorno, 2250/408
Belo Horizonte, MG, Brasil - CEP:30110-012
E-mail: ricardo0707@hotmail.com

Artigo recebido: 5/5/2013
Artigo aceito: 29/7/2013

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