1177
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Prevalência e fatores associados a queimaduras de terceiro grau no município de Natal, RN - Brasil

Prevalence and factors associated with third degree burns in the city of Natal, RN - Brazil

Paulo Roberto Queiroz1; Kenio Costa de Lima2; Izabel Calixta de Alcântara3

RESUMO

INTRODUÇAO: A queimadura é a lesao dos tecidos decorrente de um trauma causado por um agente térmico. Pode ser provocada por chama, escaldadura, eletricidade e substâncias químicas ácidas ou álcalis, dentre outros.
OBJETIVO: Este estudo teve como objetivo identificar a prevalência e os fatores associados da queimadura de 3º grau das vítimas internadas com o diagnóstico de queimadura no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, Natal/RN.
MÉTODO: Realizou-se um estudo retrospectivo, no qual foram analisados os prontuários de 164 pacientes entre janeiro e dezembro de 2009 quanto às seguintes variáveis: sexo, idade, renda familiar, escolaridade, local geográfico do trauma, zona geográfica acometida, local físico do trauma, agente agressor, regiao do corpo afetada, profundidade da lesao e mês do trauma.
RESULTADOS: A prevalência da queimadura de 3º grau (23,4%), embora tenha sido inferior quando comparada as de 1º e 2º graus, foi considerada elevada. Dos fatores associados à queimadura de 3º grau, a idade, renda familiar, local físico do trauma e o agente agressor formam os que apresentaram significância estatística.
CONCLUSAO: O estudo demonstrou uma alta prevalência de queimadura de 3º grau. Ressaltase, ainda, a importância dos estudos epidemiológicos e de políticas de educaçao continuada visando à prevençao.

Palavras-chave: Queimaduras/epidemiologia. Serviço hospitalar de emergência. Prevalência. Prevenção de acidentes.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Burning is the injury of fabrics decurrent of a trauma caused for a thermal agent. It can be provoked by flame, scalding, electricity, and acid or álcalis chemical substances, amongst others.
OBJECTIVE: This study it had as objective to identify to the prevalence and the factors associates of the third degree burn, of the victims interned with the diagnosis of burning in the Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, Natal/RN.
METHODS: A retrospective study was become fulfilled where had been analyzed the handbooks of 164 patients between January and December of 2009 how much to the following variable: sex, age, familiar income, instruction level, geographic place of the trauma, geographic zone attack, physical place of the trauma, aggressive agent, region of the affected, depth of the injury and month of the trauma.
RESULTS: The prevalence of the burning of 3º degree (23.4%), even so has been inferior when compared of 1º and 2º degrees, were considered raised. Of the factors associates to the burning of 3º degree, the age, familiar income, local physicist of the trauma and the aggressive agent presented the statistical significance.
CONCLUSION: The study demonstrated high prevalence of burning of 3º degree. It is noteworthy the importance of the studies epidemiologists and education policies continued aiming at to the prevention.

Keywords: Burns/epidemiology. Emergency service, hospital. Prevalence. Accident prevention.

INTRODUÇAO

As queimaduras sao um grave problema de saúde pública mundial, apesar dos avanços no seu tratamento. Mock et al.1 revelam uma estimativa de cerca de 300 mil mortes por ano no mundo, apenas por fogo, fora as vítimas por escaldaduras, queimaduras elétricas, por produtos químicos, entre outras formas, para os quais os dados globais nao estao disponíveis.

A gravidade da lesao por queimadura pode ser baseada principalmente em relaçao à sua extensao e profundidade. As queimaduras de terceiro grau requerem maior atençao pelo fato de ocasionar a desfiguraçao permanente, podendo levar o paciente a óbito. Sao definidas como lesoes que envolvem todas as estruturas da pele, perfazendo da epiderme à derme, sendo caracterizada por coloraçao esbranquiçada ou negra e seca2.

Em funçao da gravidade e do possível tratamento a ser realizado, há uma grande dificuldade em se obter números precisos de pacientes queimados anualmente3. Apesar disso, Gimenes et al.4 apresentam dados coletados de diversos centros hospitalares norte-americanos que mostram uma estimativa de 500.000 casos de lesoes por ano recebendo tratamento médico nos EUA, sendo 40.000 internaçoes e mortalidade aproximada de 4.000 pacientes. No Brasil, mesmo observada a inexistência de dados estatísticos globais que demonstrem a gravidade do problema, tanto em números de acidentes como em internaçoes hospitalares, estimase que esses valores sejam ainda maiores4,5.

Apesar do conhecimento da alta morbimortalidade da queimadura de 3º grau e o alto custo mensal com a internaçao de queimados no Brasil, em torno de 1 milhao de reais, o número real de vítimas por queimaduras no país nao está registrado em nenhum estudo nacional6. Nao existem dados estatísticos reais que indiquem a quantidade de acidentes por queimaduras e os fatores associados a estas, tampouco o número de internaçoes hospitalares e mortes por este mesmo motivo7.

Diversos fatores estao associados aos traumas por queimaduras graves, entre eles figuram, principalmente, a faixa etária e o sexo dos indivíduos, os fatores socioeconômicos, os agentes causais, local do acidente e a procedência8.

Tal como em todo o país, o município de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, nao foge a essa regra. A inexistência de dados estatísticos principalmente no que se refere a queimaduras de 3º grau dificulta a implementaçao de programas de prevençao. A importância de se coletar dados estatísticos das lesoes de 3º grau, relacionados aos seus fatores associados, está em poder se fundamentar o que de melhor se descobriu até os dias de hoje no tratamento do paciente acidentado com queimaduras e à prevençao. Além disso, o levantamento destes fatores associados também é importante para a organizaçao de unidades especializadas no tratamento de pacientes acometidos por queimaduras.

Estes dados sao importantes para que se possam identificar as populaçoes mais atingidas e as circunstâncias nas quais as queimaduras de 3º grau ocorrem, de maneira tal que se faz necessária a caracterizaçao socioeconômico-demográfica dos pacientes (idade, sexo, procedência, renda familiar e escolaridade), bem como a caracterizaçao da queimadura (tipo de agente causal e local geográfico do trauma).

Assim, este trabalho objetivou identificar a prevalência e os fatores associados às queimaduras de 3º grau e, também, nortear a realizaçao de programas de prevençao e medidas que visem à reduçao deste agravo no município de Natal/RN.


MÉTODO

Estudo observacional do tipo seccional, utilizando os dados dos prontuários dos pacientes atendidos no Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel (HMWG) para tratamento de queimaduras, entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2009.

O HMWG é um hospital público municipal de grande porte localizado na cidade de Natal-RN, especializado no atendimento de urgência e emergência às vítimas de trauma. O Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do HMWG possui infraestrutura moderna e bem equipada.

Inicialmente, a equipe técnica do CTQ efetuou uma avaliaçao prévia, durante dois meses, do número de queimados. Com base nestes dados, foi realizado o cálculo do tamanho da amostra, cujo resultado determinou uma amostra de 164 prontuários de pacientes internados. Os prontuários foram analisados por meio de questionário construído com base no "Estudo clínicoepidemiológico multicêntrico dos pacientes com queimaduras agudas atendidos nos centros de tratamento de queimados no Brasil".

Para caracterizar a amostra dos pacientes arrolados para o estudo, foi realizada uma análise descritiva pela distribuiçao das variáveis independentes e dependentes em termos de frequência absoluta e relativa (variáveis categóricas), além das medidas de tendência central e dispersao para as variáveis quantitativas. Em relaçao aos fatores associados à queimadura de terceiro grau, estes foram cruzados com o fato dos pacientes possuírem ou nao tal tipo de queimadura com o uso dos testes do qui-quadrado ou exato de Fisher, quando tais fatores eram categóricos, e Mann-Whitney, quando estes eram quantitativos. Neste trabalho foi adotado um nível de significância de 5%.

O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN e autorizado sob o registro no SISNEP de nº 247/2007.


RESULTADOS

Caracterizaçao dos pacientes queimados e das queimaduras


A partir da análise dos registros dos pacientes internados no Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do HWG, durante o período de janeiro a dezembro de 2009, foram coletados dados de 164 pacientes. Os sujeitos do estudo foram caracterizados tanto quanto à condiçao socioeconômico-demográfica dos pacientes queimados (idade, sexo, local geográfico do trauma, zona acometida, local físico da queimadura, renda familiar e escolaridade) quanto à queimadura (tipo de agente causal, profundidade, extensao da lesao, regiao do corpo afetada -tronco, membros superiores, membros inferiores e face e o mês da queimadura (Tabelas 1 e 2).






Das 164 vítimas de queimaduras incluídas no estudo, a maioria foi do sexo masculino. Em relaçao à renda familiar, mais da metade de todos os pacientes possuía renda de até 1 (um) salário mínimo. Quanto à procedência e ao local físico do trauma, a maior frequência das queimaduras ocorreu no interior, na zona urbana e em ambiente domiciliar. Sobre os agentes, a maioria das queimaduras foi produzida por líquido aquecido.

A faixa etária encontrada dos 164 pacientes hospitalizados foi de adolescentes. No tocante à escolaridade, o nível escolar correspondeu ao ensino fundamental incompleto. Já a mediana da superfície corporal queimada determinou a classificaçao de médio queimado.

Evidencia-se que a maior parte da extensao das queimaduras foi de médio a grande queimado, assim como a maioria das queimaduras atingiu os membros superiores e tronco (Figuras 1 e 2).Nos meses de junho e julho foram maior quantidade de atendimentos por queimaduras, seguidos por março, novembro e dezembro; porém, observou-se que aconteceram acidentes por queimaduras durante todo ano com variaçao expressiva (Figura 3).


Figura 1 - Distribuiçao porcentual de casos de queimadura de acordo com a extensao da queimadura encontrada nos 146 pacientes atendidos no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, no período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2009. Natal, RN, Brasil.


Figura 2 - Distribuiçao porcentual de casos de queimadura de acordo com a regiao do corpo afetada encontrada nos 146 pacientes atendidos no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, no período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2009. Natal, RN, Brasil.


Figura 3 - Ocorrência das queimaduras, segundo o mês encontrado nos 146 pacientes atendidos no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, no período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2009. Natal, RN, Brasil.



Prevalência da queimadura de 3º grau.

Dentre as queimaduras, houve um predomínio de lesoes de primeiro e segundo grau que correspondeu a 76,2% de toda a amostra. Embora a elevada representatividade das lesoes de 1º e 2º grau, a prevalência da queimadura de 3º grau foi considerada elevada, representando 23,8% do total.

Fatores associados à queimadura de 3º grau

Os dados dos fatores associados e o mês do acidente por queimadura foram cruzados com a profundidade da lesao (queimadura de 1º e 2º graus x queimadura de 3º grau (Tabela 3).




De acordo com os resultados encontrados, dentre os fatores associados à queimadura de terceiro grau, a renda familiar, o local físico do trauma, extensao da queimadura e o agente agressor da queimadura apresentaram significância estatística (p<0,05). Em relaçao ao sexo, renda familiar, local geográfico do trauma, zona geográfica acometida, SCQ e regiao do corpo afetada (tronco, membros superiores e inferiores e face), o teste estatístico indicou que nao houve diferença significativa entre as queimaduras de 1º e 2º graus e a queimadura de 3º grau.

Quanto à distribuiçao das vítimas de queimadura, segundo a profundidade da lesao (queimadura de 1º e 2º graus e queimadura de 3º grau) relacionada com os meses de 2009, o teste estatístico apontou que nao houve diferença significativa entre a ocorrência das queimaduras de 1º e 2º e a queimadura de 3º grau.

Os fatores escolaridade, idade e superfície corporal queimada, associados à queimadura de 3º grau sao demonstrados na Figura 4.


Figura 4 - Fatores associados a queimaduras de 3º grau encontrada nos 146 pacientes atendidos no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, no período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2009. Natal, RN, Brasil.



Quanto à idade, os pacientes adultos foram os mais acometidos por queimaduras de 3º grau, enquanto as crianças e adolescentes sofreram mais lesoes de 1º e 2º graus. Em relaçao à escolaridade e à superfície do corpo queimada (%), o teste estatístico indicou que nao houve diferença significativa entre os grupos.


DISCUSSAO

Caracterizaçao dos pacientes queimados e das queimaduras


É relevante o conhecimento da prevalência e os fatores associados de pacientes com queimaduras, pois estes traumas sao considerados um grave problema de saúde pública em todo o país. Tais dados estatísticos fornecem subsídios para programas de prevençao e tratamento da queimadura, bem como definem um paralelo entre as experiências de centros nacionais e internacionais9.

No levantamento do presente estudo, os pacientes hospitalizados do sexo masculino corresponderam a 63,4% e do sexo feminino, a 36,6%. Foi observada prevalência semelhante aos dados encontrados nas pesquisas no Brasil, havendo predominância do sexo masculino4,9,10. Sobre a maior frequência de acidentes por queimaduras entre os homens, Martins & Andrade11 justificam os altos percentuais encontrados ao fato dos homens exercerem atividades de maior risco. A maior frequência de queimaduras foi encontrada entre os adolescentes. Todavia, a maioria dos trabalhos descritos na literatura aponta as crianças como sendo as principais vítimas por queimaduras10,12,13.

Segundo a escolaridade, a maior parte dos queimados possui o ensino fundamental incompleto, com apenas quatro anos de estudo. Diversos estudos têm demonstrado que o nível de instruçao é inversamente proporcional ao risco de queimaduras14-16. A exemplo disso, Park et al.17 analisaram o efeito do grau de instruçao relacionado ao risco de trauma térmicos. Os autores concluem que o risco aumenta à medida que o grau de instruçao decresce e ainda reiteram que a gravidade das lesoes também segue essa mesma relaçao.

Em relaçao à renda, 65% dos pacientes queimados possuíam renda inferior a 1 (um) salário mínimo, mais da metade dos casos. Isto demonstra a necessidade de maior atençao às vítimas de menor poder aquisitivo, tanto no tratamento quanto na prevençao. Segundo dados de Reimers & Laflamme18, o salário dos pacientes apresenta relaçao inversa quanto às taxas de ferimentos por queimaduras.

Quanto ao local geográfico e a zona acometida do trauma, resultados apontam maior número de pacientes advindos de cidades interioranas do estado (61,6%) e da zona urbana (79,3%). Sobre o local geográfico, estes dados sao contrários aos estudos realizados em Fortaleza, CE, por Barreto et al.10, que evidenciam a maior incidência de acidentes por queimaduras na Grande Fortaleza.

Já no tocante à zona acometida, os dados corroboram os de Fernandez-Morales et al.19, que encontraram uma maior frequência de acidentes na zona urbana (89,5%) contra apenas (10,5%) para a zona rural. Esses autores explicam que pode ser a facilidade do acesso ao atendimento de saúde da populaçao residente em áreas urbanas. Por sua vez, Vidal-Trecan et al.20 encontraram que os acidentes por queimaduras foram mais frequentes em áreas rurais do que urbanas, e justificam a predisposiçao dos acidentes devido ao risco oferecido pelas atividades diárias nas zonas rurais.

Segundo o local físico do trauma, no presente estudo, 132 (80,5%) dos acidentes por queimadura foram em ambiente domiciliar. Estes dados estao de acordo com estudos anteriores4,10,19. Esses autores enfatizam que o domicílio é um ambiente potencialmente inseguro se precauçoes básicas de segurança nao forem consideradas.

Dentre os agentes agressores da queimadura, a escaldadura (queimadura por líquidos aquecidos) foi a mais prevalente, somando 53,07% dos casos, seguida por lesao por chama (15,2%) e por álcool (6,1%). Estes achados sao similares aos resultados encontrados na literatura pesquisada10,19,21.

Em 69 pacientes (42,1%), as queimaduras foram de média extensao, seguidas por pequena extensao em 52 pacientes (31,7%). A mediana da SCQ atingida foi de 15%, sendo que, em 75% dos casos, a SCQ nao ultrapassou os 20%, o que é também relacionado à alta incidência de queimaduras por líquidos aquecidos. Estes dados estao em desacordo com os resultados encontrados no estudo realizado no Centro de Tratamento de Queimados do Conjunto Hospitalar de Sorocaba por Gimenes et al.4, onde 57% das vítimas apresentaram queimadura de pequena extensao, comprometendo menos de 10% da SCQ.

A maior frequência de queimaduras ocorreu nos meses de junho e julho, perfazendo uma percentagem de 11,6% e 11%, respectivamente.

Em relaçao à regiao do corpo acometida, tronco (68,9%) e membros superiores (62,8%) foram os principais alvos, sendo semelhante aos resultados encontrados por Gimenes et al.4, em que as regioes do tronco (62,7%) e membros superiores (60,4%) foram as mais atingidas.

Prevalência da queimadura de 3º grau

A prevalência da queimadura de 3º grau foi de 23,8%. Apesar de o porcentual encontrado ter sido inferior em relaçao ao da queimadura de 1º e 2º graus (76,2%), este dado foi elevado quando comparado a estudo conduzidos por Fernandez-Morales et al.19 e Mendes et al.22, os quais encontraram porcentuais de 2% para queimados com lesoes de 3º grau. No entanto, Silva et al.9 , evidenciaram em seu estudo um percentual de 17% para queimados com lesoes de 3º grau, apresentando, portanto, um percentual mais aproximado do encontrado no presente trabalho. Por outro lado, é importante destacar que embora as vítimas por queimaduras de 3º grau representem um número menor, como demonstram diversos trabalhos anteriores; estes necessitam de uma assistência médica e internaçao hospitalar, visto a possibilidade do desencadeamento de uma infecçao que, persistindo e dependendo da intensidade, irá provocar a falência de múltiplos órgaos e/ou sistemas que, quase sempre, leva ao óbito23 .

Fatores associados à queimadura de 3º grau

A predominância das lesoes de 3º grau ocorreu entre os pacientes adultos, com idade na faixa de 18 a 39 anos, diferentemente das lesoes de 1º e 2º graus, que apresentaram sua maior frequência entre as crianças e adolescentes. Estudos realizados em Curitiba, PR, no período de 1 ano, demonstram que os pacientes adultos foram mais acometidos por queimaduras de 3º grau (66%)24. Por outro lado, a maioria dos trabalhos aponta as crianças e jovens como sendo o grupo mais afetado por lesoes de 1º e 2º graus10,25,26.

A prevalência da queimadura de 3º grau foi diretamente associada à renda familiar. Os indivíduos pertencentes à faixa de menor renda (<1SM) tiveram a menor prevalência por lesoes de 3º grau, aumentando a frequência à medida que relativamente aumentava a renda (de 1SM a mais). Os resultados do presente estudo nao foram de encontro ao evidenciado nos estudos de Bell et al.25 e Park et al.17, que indicam o risco maior de acidentes por queimaduras graves às classes mais baixas.

Edelman8 também associa os salários baixos como fator de risco para queimaduras. Em nosso estudo, tal fato pode ser explicado por esses indivíduos trabalharem em locais de risco. Quando analisadas as queimaduras de 1º e 2º graus, o achado é consistente com os trabalhos mencionados anteriormente, ou seja, há uma relaçao inversa da renda com o risco de acidentes por queimaduras.

Segundo o local físico do trauma, a maior prevalência das lesoes de 3º grau ocorreu em ambiente ocupacional (42,9%). Hemeda et al.27 relatam que as queimaduras em adultos ocorrem em domicílio, rua e em lugares de trabalho aproximadamente em proporçoes iguais.

Diversos trabalhos têm mostrado que a maior parte dos acidentes por queimaduras acontecem em ambiente domiciliar4,10,19. Entretanto, os autores citados anteriormente chamam a atençao do percentual considerável de acidentes de trabalho e enfatizam a necessidade de investimento em equipamentos de proteçao e incentivos ao seu uso, uma vez que os acidentes profissionais ocorrem frequentemente devido à falta de medidas de segurança e à indisponibilidade do equipamento apropriado. Vale ressaltar que os estudos anteriores encontrados nao correlacionam o local físico do trauma quanto à profundidade da lesao.

No que se refere ao agente etiológico, dentre os agentes agressores, a gasolina foi a causa mais frequente da queimadura de 3º grau (75%), seguida pelo choque elétrico (44,4%), por outras causas (42,9%) e álcool (40,0%). De-Souza et al.28 reforçam que trabalhadores que se expoem aos líquidos inflamáveis e fogos devem receber vestuários protetores apropriados e orientaçao sobre o impedimento de queimaduras acidentais.

Os dados encontrados para as queimaduras elétricas também se assemelham com os estudos de Fernández-Morales et al.19 e Panayotou et al.29, que relatam as queimaduras por choque elétrico como uma das causas mais frequentes entre os agentes agressores.

Na presente pesquisa, álcool e gasolina foram os mais frequentes líquidos inflamáveis envolvidos. Todavia, a maioria dos estudos reporta os líquidos aquecidos como principal causa de queimaduras5,10,30, os quais corroboram os achados para o caso das queimaduras de 1º e 2º graus do atual trabalho. Por sua vez, Franco et al.21 explicam que o agente etiológico varia de acordo com as condiçoes socioeconômicas e os fatores culturais de cada regiao.

Sobre a extensao da queimadura, nas lesoes de 3º grau, 69,8% das vítimas foram considerados como grandes queimados, face a uma maior frequência de pequeno queimado (92,2%) entre as lesoes de 1º e 2º graus. Em seus estudos, Silva et al.9 também encontraram predominância nas queimaduras de 3º grau, de ferimentos de grande queimado.

É importante ressaltar que no desenvolvimento do presente estudo foram identificadas algumas limitaçoes, tais como: o número de prontuários que pode nao corresponder à realidade dos atendimentos do setor, visto que existe a possibilidade de alguns dos registros terem sidos extraviados ou perdidos, em funçao das condiçoes obsoletas do Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME) do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, Natal/RN.


CONCLUSAO

O estudo demonstrou uma prevalência alta da queimadura de 3º grau (23,8%) no CTQ -HWG e nao compatível com outros centros especializados neste tipo de tratamento.

Os fatores associados às queimaduras de 3º grau foram a renda familiar, local físico do trauma, agente agressor da queimadura, extensao da queimadura, e a idade.

Este estudo evidencia a necessidade do conhecimento dos dados estatísticos sobre queimaduras como ferramentas imprescindíveis para a populaçao que se pretende tratar, possibilitando o desenvolvimento de estratégias em prol da prevençao deste grande mal e reduçao progressiva de sua prevalência.


REFERENCIAS

1. Mock C, Peck M, Krug E, Haberal M. Confronting the global burden of burns: a WHO plan and a challenge. Burns. 2009;35(5):615-7.

2. Macedo JLS, Rosa SC. Estudo epidemiológico dos pacientes internados na Unidade de Queimados: Hospital Regional da Asa Norte, Brasília, 1992-1997. Brasília Med. 2000;37(3/4):87-92.

3. Burd A, Yuen C. A global study of hospitalized paediatric burn patients. Burns. 2005;31(4):432-8.

4. Gimenes GA, Alferes FCBA, Dorsa PP, Barros ACP, Gonella HA. Estudo epidemiológico de pacientes internados no Centro de Tratamento de Queimados do Conjunto Hospitalar de Sorocaba. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):14-7.

5. Wasiak J, Spinks A, Ashby K, Clapperton A, Cleland H, Gabbe B. The epidemiology of burn injuries in an Australian setting, 2000-2006. Burns. 2009;35(8):1124-32.

6. Brasil. Ministério da Saúde. Biblioteca Virtual em Saúde. Alcool líquido vai desaparecer dos supermercados em seis meses. Informe Saúde2002 [capturado 15 maio 2010]; 6(152):[2 telas].Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/informesaude/informe152.pdf.

7. Macedo JLS, Rosa SC, Macedo KCS, Castro C. Risk factors of sepsis in burned patients. Rev Col Bras Cir. 2005;32(4):173-7.

8. Edelman LS. Social and economic factors associated with the risk of burn injury. Burns. 2007;33(8):958-65.

9. Silva GPF, Olegario NBC, Pinheiro AMRS, Bastos VPD. Estudo epidemiológico dos pacientes idosos queimados no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Instituto Doutor José Frota do município de Fortaleza-CE, no período de 2004 a 2008. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(1):7-10.

10. Barreto MGP, Bellaguarda EAL, Burlamaqui MPM, Barreto RP, Oliveira PRT, Lima Júnior EM. Estudo epidemiológico de pacientes queimados em Fortaleza, Ceará: revisao de 1997 a 2001. Rev Pediatr. 2008;9(1):23-9.

11. Martins CBG, Andrade SM. Queimaduras em crianças e adolescentes: análise da morbidade hospitalar e mortalidade. Acta Paul Enferm. 2007;20(4):464-9.

12. Chirinos M, Hernández M, Hernández Z, Lopes P, Sue E, Tomat M. Epidemiologia de las queimaduras que requieren hospitalizacion em pacientes menores de 13 años atendidos em el Hospital Central de Valencia. Rev Centr Policlin Valencia. 1996;4(2):195-206.

13. Smith ML. Pediatric burns: management of thermal, electrical, and chemical burns and burn-like dermatologic conditions. Pediatr Ann. 2000;29(6):367-78.

14. Delgado J, Ramírez-Cardich ME, Gilman RH, Lavarello R, Dahodwala N, Bazán A, et al. Risk factors for burns in children: crowding, poverty, and poor maternal education. Inj Prev. 2002;8(1):38-41.

15. Daisy S, Mostaque AK, Bari TS, Khan AR, Karim S, Quamruzzaman Q. Socioeconomic and cultural influence in the causation of burns in the urban children of Bangladesh. J Burn Care Rehabil. 2001;22(4):269-73.

16. DiGuiseppi C, Edwards P, Godward C, Roberts I, Wade A. Urban residential fire and flame injuries: a population based study. Inj Prev. 2000;6(4):250-4.

17. Park JO, Shin SD, Kim J, Song KJ, Peck MD. Association between socioeconomic status and burn injury severity. Burns. 2009;35(4):482-90.

18. Reimers A, Laflamme L. Neighbourhood social and socio-economic composition and injury risks. Acta Paediatr. 2005;94(10):1488-94.

19. Fernández-Morales E, Gálvez-Alcaraz L, Fernández-Crehuet-Navajas J, Gómez- Gracia E, Salinas-Martínez JM. Epidemiology of burns in Malaga, Spain. Burns. 1997;23(4):323-32.

20. Vidal-Trecan G, Tcherny-Lessenot S, Grossin C, Devaux S, Pages M, Laguerre J, et al. Differences between burns in rural and in urban areas: implications for prevention. Burns. 2000;26(4):351-8.

21. Franco MA, Gonzáles NC, Díaz ME, Pardo SV, Ospina S. Epidemiological and clinical profile of burn victims Hospital Universitario San Vicente de Paúl, Medellín, 1994- 2004. Burns. 2006;32(8):1044-51.

22. Mendes CA, Sá DM, Padovese SM, Cruvinel SS. Estudo epidemiológico de queimaduras atendidas nas Unidades de Atendimento Integrado de Uberlândia-MG entre 2000 a 2005. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):18-22.

23. DeSanti L. Pathophysiology and current management of burn injury. Adv Skin Wound Care. 2005;18(6):323-32.

24. Freitas EDT, Lopes Junior SC, Bueno Netto RF, Scomaçao I, Piper PC, Machiavelli L, et al. Análise das características dos pacientes queimados que foram à óbito no hospital evangélico de Curitiba no período de julho 2007 a fevereiro de 2008. Arq Catarin Med. 2009;38(1):169-71.

25. Bell NJ, Schuurman N, Morad Hameed S. A small-area population analysis of socioeconomic status and incidence of severe burn/fire-related injury in British Columbia, Canada. Burns. 2009;35(8):1133-41.

26. Costa DM, Lemos ATO, Lamounier JA, Cruvinel MGC, Pereira MVC. Estudo retrospectivo de queimaduras na infância e adolescência. Rev Med Minas Gerais. 1994;4(2):102-4.

27. Hemeda M, Maher A, Mabrouk A. Epidemiology of burns admitted to Ain Shams University Burns Unit, Cairo, Egypt. Burns. 2003;29(4):353-8.

28. De-Souza DA, Manço AR, Marchesan WG, Greene LJ. Epidemiological data of patients hospitalized with burns and other traumas in some cities in the southeast of Brazil from 1991 to 1997. Burns. 2002;28(2):107-14.

29. Panayotou P, Alexakis D, Striglis C, Ioannovich J. Epidemiological data on burn injuries in Greece: a statistical evaluation. Burns. 1991;17(1):47-9.

30. Kut A, Tokalak I, Başaran O, Moray G, Haberal MA. Knowledge, attitudes, and behavior of occupational physicians related to burn cases: a cross-sectional survey in Turkey. Burns. 2005;31(7):850-4.










1. Graduado em Enfermagem pela Universidade Potiguar - UNP, Enfermeiro da Estratégia de Saúde da Família de Serrinha dos Pintos. Serrinha dos Pintos, RN, Brasil
2. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, e pós-doutor pela Agência de Saúde Pública de Barcelona. Natal, RN, Brasil
3. Professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN, e doutora em Ciências da Saúde pela UFRN. Natal, RN, Brasil

Correspondência:
Paulo Roberto Queiroz
Rua Eugênio Costa, Nº 51, Centro
Serrinha dos Pintos, RN, Brasil - CEP 59808-000
E-mail: pr_brahma@hotmail.com

Artigo recebido: 14/6/2013
Artigo aceito: 28/8/2013
O estudo nao apresenta conflitos de Interesse, bem como nao possui fontes de financiamento

Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte em parceria com o CTQ. Natal, RN, Brasil.

© 2024 Todos os Direitos Reservados