871
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Sentimentos e dúvidas do paciente queimado em uma unidade de referência em Fortaleza-CE

Feelings and questions on a burned patient unit reference in Fortaleza-CE

Ana Neile Pereira de Castro1; Denise Maia Alves da Silva2; Viviane Mamede Vasconcelos3; Edmar Maciel Lima Júnior4; Maria Nilcineide de Sousa Camurça5; Mariana Cavalcante Martins6

RESUMO

OBJETIVO: Identificar os sentimentos e dúvidas do paciente queimado em uma unidade de referência em Fortaleza, CE.
MÉTODO: Estudo descritivo com abordagem qualitativa, realizado em um Centro de Tratamento de Queimados referência no município de Fortaleza, CE. Os dados foram coletados no mês de maio de 2013, mediante entrevista semiestruturada com 12 pacientes internados no referido centro. Foram utilizadas as seguintes questoes norteadoras: Quais os sentimentos vividos diante da queimadura? O que você sabe acerca do tratamento e do cuidado da queimadura durante a internaçao? Quais suas dúvidas e anseios diante do ocorrido? Conhece as atribuiçoes dos profissionais da unidade? Os dados colhidos foram agrupados e categorizados por temas de acordo com a similaridade emergindo as seguintes categorias: Sentimentos diante da queimadura; Desconhecimento da terapêutica do cuidado individual e por parte da equipe multidisciplinar.
RESULTADOS: Os pacientes expressaram sentimentos de dor, ansiedade, sofrimento, medo da morte, culpa e saudade durante o tempo de internaçao. Estes apresentaram desconhecimento em relaçao às rotinas e procedimentos realizados, onde atribuíram o tratamento e o cuidado apenas ao banho diário e troca de curativos. O desconhecimento dos pacientes em relaçao ao papel dos profissionais também foi encontrado como resultado no estudo.
CONCLUSAO: Faz-se necessária a elaboraçao de materiais educativos a fim de promover orientaçoes ao paciente queimado enfocando as rotinas hospitalares, terapêutica, cuidados e papel dos profissionais, proporcionando um período de internaçao menos traumático.

Palavras-chave: Queimaduras. Hospitalização. Enfermagem.

ABSTRACT

OBJECTIVE: This study aimed to identify the feelings and doubts burn patient in a reference unit in Fortaleza, CE.
METHOD: A descriptive qualitative approach, performed in a Center Burn Treatment reference in Fortaleza, CE. Data were collected in May 2013 by means of semistructured interviews with 12 inpatients in that center. We used the following guiding questions: What are the feelings experienced on the burn? What do you know about the treatment and care of the burn during hospitalization? What are your doubts and anxieties before this occurred? Know the duties of the unit staff? The collected data were grouped and categorized by themes according to the similarity emerging the following categories: Feelings on the burn; Lack of treatment of individual care and by the multidisciplinary team.
RESULTS: The patients expressed feelings of pain, anxiety, grief, fear of death, guilt and longing for the time of admission. They had known about the routines and procedures, where the treatment and care given to only daily bathing and dressing changes. The lack of patients in relation to the role of professionals has also been found as a result of the study.
CONCLUSION: It is necessary to the development of educational materials to promote the burned patient guidelines focusing on hospital routines, treatment, care and role of professionals, providing a hospital stay less traumatic.

Keywords: Burns. Hospitalization. Nursing.

INTRODUÇAO

Queimaduras sao lesoes dos tecidos orgânicos em decorrência de trauma de origem térmica resultante da exposiçao ou contato com chamas, líquidos quentes, superfícies quentes, eletricidade, frio, substâncias químicas, radiaçao, atrito ou fricçao1.

A gravidade da queimadura está diretamente relacionada com sua extensao e profundidade da lesao gerada no organismo, ocasionando um comprometimento fisiológico, como perda de volume de líquidos, mudança metabólica, deformidades corporais e risco de infecçao, gerando maiores complicaçoes no estado de saúde do paciente, causando um grande aumento na taxa de morbidade e mortalidade2.

No Brasil, as queimaduras constituem um problema grave de saúde pública. Estima-se que ocorram no país em torno de 1 milhao de acidentes com queimaduras por ano. Destes,100 mil pacientes irao procurar atendimento hospitalar e cerca de 2.500 irao a óbito direta ou indiretamente por suas lesoes. As lesoes por queimaduras nao sao apenas problemas de países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, as queimaduras sao a quarta causa de morte por trauma. Aproximadamente 1,25 milhoes de pessoas sofrem queimaduras todos os anos3.

De acordo com o governo brasileiro, cerca de R$ 63 milhoes sao gastos na rede do Sistema Unico de Saúde - SUS. Dados recentes do Ministério da Saúde apontam que 27% dos acidentes com queimaduras tem como vítimas crianças de zero a nove anos e (91,6%) desses acidentes ocorreram dentro de suas residências, tendo como principais causas o contato com substâncias quentes, tais como: líquidos, alimentos ou água quente; responsáveis por fogo ou chama (16,8%) e os demais por objetos quentes (13,7%), o que evidencia a magnitude do problema, uma vez que na maioria das situaçoes pode ser evitada pelo cuidador da criança e nao o é, ou seja, falta prevençao4.

Dentre os fatores de risco encontrados para essas injúrias, destaca-se o uso excessivo de álcool e fumo, costumes locais como festas com fogueiras, baloes e fogos de artifícios, fator socioeconômico, violência contra mulheres e crianças, assim como a epilepsia, na qual o paciente se queima durante uma crise convulsiva5.

Desta forma, a queimadura continua ocorrendo de forma grave, necessitando, na maioria das vezes, de hospitalizaçoes em centro especializados e alguns critérios sao necessários para uma internaçao em um Centro de Tratamento de Queimados (CTQ), como pacientes com lesao de terceiro grau atingindo Superfície Corporal Queimada (SCQ) mais de 2% na criança ou mais de 5% de SCQ no adulto. Queimaduras em locais como face, pés, maos ou pescoço queimaduras de regiao perineal ou genitália; queimaduras por descarga elétricas, inclusive as causadas por raios; lesao por inalaçao; queimaduras e traumas concomitantes nos quais a queimadura apresenta maior risco de morbidade ou mortalidade ou doenças preexistentes que venham a agravar o quadro clínico6.

Para o paciente queimado estar hospitalizado em um ambiente estranho, com pessoas desconhecidas, o afastamento do lar, familiares e amigos e especialmente submeter-se a procedimentos muitas vezes desconhecidos gera sentimentos de dor, ansiedade, repulsa e medo, nao colaborando com a rotina do CTQ e nem com o tratamento dado a eles, cujas consequências poderao agravar ainda mais o seu estado, aumentando o tempo de hospitalizaçao.

É interessante ressaltar que em qualquer atendimento na área da saúde, incluindo a hospitalar, existe hoje a consciência de que nao sao necessários ao sucesso apenas os aspectos técnicos ou terapêuticos envolvidos. Cabe ao paciente e ao acompanhante interagir com a equipe interdisciplinar, possibilitando uma recuperaçao física, psicológica e social o mais precoce possível.

O profissional de enfermagem tem um papel importante na reabilitaçao do paciente queimado, quando por meio das intervençoes de enfermagem procuram reduzir a ansiedade, minimizar o sofrimento e distúrbios de padrao do sono, bem como administraçao de medicamentos e dor. Cabe, também, a este profissional ficar atento ao paciente, a fim de esclarecer dúvidas e também estimulá-lo a falar sobre o que está sentindo, mantendo uma comunicaçao efetiva tanto com o doente, como também com seus familiares7.

O interesse pelo assunto surgiu mediante a experiência da pesquisadora em um Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) no qual, em seu cotidiano, foi possível perceber alguns pacientes angustiados, ansiosos e com dúvidas diante da rotina de atendimento na unidade de queimados. Mediante isso, surgiram os seguintes questionamentos: Quais os sentimentos vivenciados pelo paciente queimado? O que o paciente sabe acerca do tratamento da queimadura durante a internaçao? Quais suas dúvidas e anseios diante do ocorrido? Conhece as atribuiçoes dos profissionais da unidade?

Diante do exposto, a presente pesquisa se justifica pela necessidade da equipe de conhecer as dúvidas e anseios dos pacientes, a fim de buscar estratégias de cuidado, bem como fornecer subsídios para o manejo e recuperaçao de pacientes vítimas de queimaduras. Assim, o presente estudo é de extrema relevância para o profissional que lida com pacientes queimados, pois ajudará na compreensao dos sentimentos e dúvidas diante do momento no qual este se encontra buscando aprimorar estratégias de cuidado.

O presente estudo teve como objetivo descrever os sentimentos e dúvidas dos pacientes queimados em uma unidade de referência em Fortaleza-CE.


MÉTODO

Pesquisa descritiva com abordagem qualitativa. O estudo descritivo tem como principal objetivo a descriçao das características de determinada populaçao ou fenômeno8. A abordagem qualitativa trabalha com um universo de significados, motivos, aspiraçoes, crenças, valores e atitudes, correspondendo a um espaço mais profundo das relaçoes, dos processos e dos fenômenos que nao podem ser reduzidos à operacionalizaçao de variáveis9.

O presente estudo realizou-se em um Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) referência no município de Fortaleza, CE. Participaram do estudo 12 pacientes internados na referida unidade. Os seguintes critérios de inclusao foram adotados: apresentar quadro de estabilidade clínica no momento da coleta de dados; idade superior a 18 anos; internados na unidade há mais de 24 horas; ausência de problemas mentais ou cognitivos.

Os dados foram coletados nos mês de maio de 2013 por meio de uma entrevista semiestruturada, contendo as seguintes questoes norteadoras:

  • Quais os sentimentos vividos diante da queimadura?
  • O que você sabe acerca do tratamento e do cuidado da queimadura durante a internaçao?
  • Quais suas dúvidas e anseios diante do ocorrido?
  • Conhece as atribuiçoes dos profissionais da unidade?


  • A análise dos dados foi realizada com base em Minayo, em que ocorre a descriçao e documentaçao das falas dos informantes; a identificaçao e categorizaçao das falas; descoberta da saturaçao de ideias e os significados similares e diferentes e, por última síntese do pensamento, análise da configuraçao, interpretaçao dos achados e formulaçao criativa dos achados.

    O termo "categoria" possui uma conotaçao classificatória, pois trabalhar com categorias significa agrupar ideias, expressoes em torno de um conceito abrangente. As categorias estabelecidas antes sao conceitos mais gerais e mais abstratos, mas as que sao formuladas a partir da coleta de dados sao mais específicas e mais concretas9. Obteve-se, assim, uma visao abrangente e individualizada de cada experiência mencionada pelas entrevistadas articulando com o posicionamento dos pesquisadores. Portanto, foram agrupados e estabelecidas categorias para discussao segundo a literatura pertinente.

    Por se tratar de uma coleta de dados que teve uma abordagem qualitativa, nao houve, a priori, a delimitaçao de número de pacientes que iriam responder a entrevista semiestruturada, visto que a coleta de dados foi interrompida quando houve a saturaçao de informaçoes, ou seja, nao existiram novos dados a serem acrescentados8. Ressaltamos que foi esclarecido para o informante que a qualquer momento poderia ter a liberdade de recusarse ou retirar seu consentimento, sem penalizaçao, em qualquer etapa da pesquisa. Para manutençao do anonimato, os mesmos foram identificados pela letra P (P1... P12). Os depoimentos foram gravados e transcritos na íntegra.

    Os aspectos éticos estiveram presentes no decorrer da pesquisa, baseados na Resoluçao nº196/96 do Conselho Nacional de Saúde, incluindo a abordagem dos princípios da Bioética10. Foi explicitado o objetivo do estudo, seguido da apresentaçao e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE), por meio da Plataforma Brasil, tendo sido aprovado sob o parecer de Nº 299.969.


    RESULTADOS E DISCUSSAO

    Caracterizaçao dos participantes


    Participaram do estudo 12 pacientes vítimas de queimaduras. Desses pacientes, oito eram do sexo masculino e quatro do sexo feminino. Estes se concentravam na faixa etária de 19 a 62 anos, com idade média de 35 anos. Dos pacientes inseridos na pesquisa, sete apresentavam baixo nível de escolaridade, possuindo apenas o ensino fundamental. Quanto à atividade laboral, a maioria (nove) exercia atividades comerciais ou domésticas.

    Em relaçao aos tipos de queimaduras, sete dos pacientes apresentaram lesoes térmicas provocadas por líquidos inflamáveis; quatro sofreram lesao por choque elétrico e apenas um queimouse por contato com substância química. Estudos demonstram que o agente térmico é o maior causador de queimaduras3,11. Os eventos desencadeados por eletricidade e por substâncias químicas sao menos frequentes, porém, em virtude da agressividade desses agentes, sao sempre considerados mais graves2,3.

    Analisando-se a profundidade da lesao, constatou-se que cinco dos pacientes apresentavam lesoes de 2º grau e sete apresentavam lesoes de 2º e 3º graus com um maior número de sequelas. O mesmo ocorre por elas serem mais graves e de difícil cicatrizaçao, exigindose longo período de internaçao, além de múltiplos procedimentos cirúrgicos. A gravidade da queimadura está diretamente relacionada com sua extensao e profundidade da lesao gerada no organismo2.

    A média do tempo de internaçoes dos pacientes entrevistados foi de 30 dias, porém, pacientes com internaçoes prolongadas, resultante de queimaduras graves e complicaçoes hospitalares, elevaram a média para 53 dias. Essa média é compatível com outro estudo realizado em nosso país, envolvendo queimaduras de 2º grau e de 2º e 3º graus associados, no qual a média de tempo de tempo de internaçao foi de 30 dias e em pacientes que apresentaram complicaçoes de queimaduras elevaram-se para mais de 54 dias6.

    Categorias temáticas

    Ao término da leitura das falas dos pacientes, realizou-se agrupamento dos dados mediado pelos relatos e observaçoes da pesquisadora. Após descriçao, documentaçao e classificaçao das falas, estas foram destacadas e aglomeradas de acordo com a similaridade, identificando-se as seguintes categorias: Sentimentos diante da queimadura; Desconhecimento da terapêutica do cuidado individual e por parte da equipe multidisciplinar.

    Sentimentos diante da queimadura

    As queimaduras acarretam danos físicos, afetando habilidades e capacidade funcional dos indivíduos para a realizaçao de tarefas12. Estas podem provocar, ainda, prejuízos emocionais, expressados por sentimentos de depressao, negaçao, medo, ansiedade, bem como comprometimentos da autonomia e da imagem corporal. Quando indagados acerca dos sentimentos diante do ocorrido, alguns sentimentos foram expressados, no entanto, a dor foi o mais citado pelos entrevistados.

    [...] é terrível e dependendo do grau sao insuportáveis, dói demais. (P1)

    [...] me sinto impotente, sem forças...nao sei explicar, mas só sei

    que é uma coisa que dói muito, arranca o couro da gente. (P4)

    [...] sinto uma tristeza profunda...fico ansioso além da dor, dói

    muito e isso me machuca...(P5)

    [...] só sei que dói muito. (P7)

    [...] é uma dor que você pensa que nao tem mais fim. (P3)

    [...] é algo que queima demais, sem falar na dor cruel que causa.(P12)


    De acordo com a International Association for the Study of Pain (IASP, fundada em 1973), "dor é uma desagradável experiência sensorial e emocional associada a um dano atual e potencial do tecido, ou descrita em termos deste dano"13. A pessoa que sofre um trauma térmico passa a viver uma série de experiências diariamente que, fatalmente, provocarao dor.

    O tipo de lesao e queimadura, dependendo da regiao e do percentual atingido, leva a dores de altos graus, podendo chegar, inclusive, à perda de consciência. Geralmente, dor do paciente queimado está relacionada às atividades rotineiras e específicas do tratamento, tais como processo de limpeza da ferida, desbridamento, enxertos, troca de curativos e fisioterapia14.

    Pacientes queimados sofrem danos corporais, muitas vezes irreversíveis, e, diante de sua autoimagem lesionada, apresentam medo da desfiguraçao, separaçao de familiares, insegurança e receio de retomar seu cotidiano anterior ao trauma térmico. Apresentam desordem de sentimentos como medo da morte e possíveis sequelas.

    [...] me sinto bem agora, mas já tive muito ruim e tive muito medo de morrer. Pensei que iria morrer quando eu vi que meu corpo estava todo inchado. Eu nao conseguia respirar direito, fiquei muitos dias na UTI. (P1)

    [...] doía muito aqui dentro de mim. Teve uma vez que falaram que eu iria perder meu braço, chorei muito e senti muito medo porque eu nao queria perder meu braço, eu nao queria morrer, eu nao queria que isso estivesse acontecendo comigo. (P3)

    [...] tenho saudades de todos da minha casa...é muito ruim tudo que está acontecendo (P4)


    O sofrimento consiste numa dor física ou mental prolongada, estado mental experimentado pelo indivíduo, podendo ser avaliado por meio de critérios objetivos, tais como as condiçoes fisiológicas, o comportamento e o estado geral de saúde15. Assim, o apoio ao doente queimado e aos seus familiares é importante na assistência emocional ao paciente16.

    [...] eu nao queria estar nessa situaçao, é muito sofrimento estar assim e ver os outros na minha mesma situaçao. Preciso conseguir forças para lutar e vencer tudo que estou passando. (P4)

    [...] me sinto muito mal e isso causa para mim muito sofrimento. Tenho tido muitas dores, nao posso andar agora e por causa da minha queimadura e da cirurgia que fiz agora tenho que ficar o tempo todo numa cama. É ruim. Queria estar melhor para poder fazer tudo que eu gosto. (P5)


    Estar queimado representa uma experiência que fatalmente provocará sofrimento. As interrupçoes bruscas das atividades do dia-a-dia perdem a importância frente à luta pela sobrevivência no primeiro momento. O cuidado ao paciente que sofreu um trauma térmico envolverá mudanças diárias de curativos, debridamentos e enxertos. Se por um lado, o enxerto representa uma esperança de cura da ferida, por outro, pode implicar na realizaçao de outra ferida muito dolorosa. Com isso, o sofrimento vivenciado por eles os acompanhará diariamente durante todo o seu tratamento. Como forma de apoio psicológico ou emocional, os familiares devem estimular o paciente a levar uma vida normal, ouvindo e conversando com ele para que nao se sinta inferior.

    Além de todos esses sentimentos, alguns pacientes relataram culpa por terem sido os causadores dessas injúrias tanto pelo autoextermínio quanto por descuido.

    [...] me sinto muito culpada. Eu nao devia ter feito isso comigo, agora estou aqui sofrendo as consequências das minhas atitudes. (P5)

    [...] eu nao consigo entender como isso aconteceu comigo. Sou um profissional dedicado e nao entendo como esqueci de desligar o registro. Nao consigo entender e nem me perdoar por isso. Sinto muita saudade dos meus filhos, da minha família, dos meus amigos, da minha casa...e do meu trabalho.(P8)


    Diante da fragilidade imposta pela situaçao de estar queimado, o sofrimento é evidenciado pelas mudanças que ocorrem diante do acidente, como a perda de um membro, por exemplo, bem como pela separaçao de um ente querido ocasionado pelo processo de hospitalizaçao.

    [...] me sinto um vitorioso, devido à gravidade do meu acidente. Sei que perdi um braço, que estou sequelado, mas eu podia ter perdido minha vida. Agora tudo que eu quero é voltar para casa e recomeçar. (P3)


    A autoestima reflete o julgamento implícito da nossa capacidade de lidar com os desafios da vida, sentindo-nos confiantemente adequados a ela. Desenvolver a nossa autoestima é expandir nossa capacidade de ser feliz e quanto maior ela for maiores serao as nossas possibilidades de manter relaçoes saudáveis, em vez de destrutivas. Alguns pacientes buscam por meio da esperança um resgate a autoestima, a fim de seguir em frente e recomeçar uma nova vida17 .

    Desconhecimento da terapêutica do cuidado individual e por parte da equipe multidisciplinar

    Como em qualquer tipo de lesao tecidual, após a ocorrência da queimadura, o organismo responde com uma série de eventos fisiológicos, numa tentativa de restabelecer a continuidade epitelial18. O tratamento de uma lesao por queimadura é um procedimento eminentemente cirúrgico que deve ser realizado diariamente, sendo uma etapa necessária e fundamental no controle da infecçao da ferida, e que tem que ser adotada por qualquer profissional ou instituiçao interessado no tratamento correto de uma lesao por queimaduras19.

    Com base na terapêutica dada aos pacientes queimados internados com o intuito de curar suas lesoes, estes desconhecem a importância de cada procedimento e resumem o tratamento como apenas o banho diário.

    [...] eu sei que o principal tratamento é o banho, em que sao retiradas as células mortas para deixar as feridas limpas.(P6)

    [...] sao banhos para limpar as feridas e botar remédio. (P2)

    [...] banho e remédio e só. (P4)

    [...] a gente toma banho todo dia de manha e tem dia que é com anestesia e em todos os banhos eles botam pomada para ajudar a cicatrizar. (P11)

    [...] tratamento principal é banho em que é feita a limpeza dos ferimentos, mas também é muito doloroso.(P9)


    Porém, como rotinas nos centros de queimados, o banho apresenta-se apenas como um dos vários cuidados dispensados ao paciente. O paciente queimado, independentemente da causa, possui um tratamento diferenciado e específico que ultrapassa o campo da clínica ou mesmo da cirurgia. O simples banho mencionado pelos entrevistados consiste numa terapêutica complexa denominada balneoterapia (terapêutica por meio de banhos) que pode ser realizada com ou sem anestesia, cujo principal objetivo é a limpeza por meio da aplicaçao de água corrente e clorada. Conjuntamente à balneoterapia, é também realizado o desbridamento mecânico do tecido desvitalizado, assim como a desinfecçao da área queimada por meio da aplicaçao de antissépticos, contribuindo para a prevençao da infecçao do doente, reduzindo ou eliminando agentes patógenos nas feridas20.

    Outro tratamento dispensado aos grandes queimados denominase escarotomia, que consiste numa incisao do tecido queimado para aliviar a pressao aumentada, estando indicada em lesao de espessura total que atinja algum segmento do corpo21.

    Outro recurso utilizado no tratamento das queimaduras extensas e de difícil cicatrizaçao que causam comprometimento da espessura total da pele acometida é a enxertia, em que há a necessidade de preencher com enxertos de pele para cobertura dessas feridas. Os tipos de enxertos disponíveis atualmente no setor do estudo incluem um autoenxerto retirado de áreas nao queimadas da pele do próprio paciente22.

    Alguns pacientes relataram a orientaçao acerca da rotina dentro da unidade no momento da admissao, no entanto, quando indagados acerca dessa rotina os mesmos relataram dúvidas, principalmente envolvendo os cuidados diários e pós-alta.

    [...] quando cheguei me explicaram como era aqui...o que iam fazer comigo mas nao lembro mais de nada...

    [...] só queria entender porque dói tanto e será que um dia essas cicatrizes vao sair com o tempo? (P6)

    [...] porque é preciso trocar esse curativo todo dia, pra que essas cirurgias, se a gente já faz curativo? (P4)

    [...] como farei os curativos quando for embora? (P1)

    [...] tudo que eu quero é ir embora, e pela gravidade da minha queimadura, sei que ainda vou precisar de ajuda de vocês, como será depois? (P12)

    [...] porque a paciente do lado tem acompanhante e eu nao posso ter? (P10)


    Mesmo sendo submetidos diariamente ao banho e a troca de curativo, eles permanecem sem a devida compreensao do objetivo da realizaçao desses procedimentos. Essa rotina diária é importante, pois o paciente que sofreu queimadura é submetido à higiene corporal para remoçao da pomada do curativo anterior e dos tecidos desvitalizados, isso promove um ambiente que favorece

    o processo de cicatrizaçao e sao estimulados a realizar exercícios fisioterápicos. Apesar de ser bastante doloroso, há uma finalidade: fazer com que o paciente se recupere da melhor forma23.

    Alguns relataram que após a alta ainda irao continuar necessitando de curativos e cuidados específicos conforme a gravidade das lesoes surgidas. Todas essas orientaçoes sao esclarecidas e os pacientes sao encaminhados aos locais e especialistas para todas as necessidades. Atualmente, no estado do Ceará existe uma organizaçao nao governamental (ONG), chamada de Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ), que presta atendimento gratuito a esses pacientes carentes vítimas de queimaduras24,25).

    No CTQ do hospital em que foi realizada pesquisa, conta-se com uma equipe multiprofissional composta por médicos da clínica médica, cirurgiao plástico, psiquiatras, psicólogos, nutricionista, assistente social e uma grande equipe de enfermagem, exercendo cada um dentro das suas competências assistência aos pacientes queimados. A pessoa vítima de queimadura carece de um suporte especial, pois apresenta necessidades físicas e psicológicas.

    Quando indagados acerca do papel dos profissionais, os entrevistados nao souberam explicar acerca da importância dos diversos profissionais no seu tratamento. Todos eles só definiram como uma mao amiga, conforto e alívio das dores, conforme mostram os depoimentos.

    [...] nao sei. Mas dependendo da ajuda que eles nos dao, já serao maravilhosos comigo. (P6)

    [...] é muito importante porque eles se preocupam com a gente, perguntam se estamos bem, cuidam bem.(P10)

    [...] é tudo. Eles ajudam sempre que eu preciso. (P2)

    [...] nao sei dizer o que cada um faz, só sei dizer que nós precisamos muito da ajuda deles. (P8)

    [...] todos os profissionais daqui estao de parabéns, pois eles nos ajudam muito dando forças pra gente, perguntam se estamos com dores, dao remédio, cuidam bem das nossas feridas. (P9)

    [...] nao sei dizer o que cada um faz. (P3)


    A comunicaçao efetiva com a equipe é um alicerce fundamental no tratamento e na melhora do paciente queimado. O enfermeiro deve orientar os familiares a ofertar alimentos nutritivos para o doente, de acordo com o aconselhamento do nutricionista. Quando as necessidades nutritivas nao forem satisfatórias pela alimentaçao oral, o que acaba por comprometer o quadro clínico do paciente, o enfermeiro deverá introduzir uma sonda nasogástrica, conforme a prescriçao do médico, estando atento se a nutriçao prescrita está sendo adequada e eficaz, nao causando nenhum mal-estar ao doente. Esses cuidados sao de fundamental importância para ajudar no tratamento e cura do paciente26.

    Compete ao médico e ao enfermeiro executar medidas que controlem a dor do paciente queimado, atentando-se à causa e à intensidade, para que possam intervir, a fim de eliminar ou reduzir esse quadro com uso de medicaçao adequada. Em alguns casos, o paciente necessita de sedaçao, devido ao comprometimento corporal que sofreu. E, por sua vez, ao administrar o medicamento prescrito, o enfermeiro deve estar atento aos efeitos adversos e intercorrências ocasionadas pelo fármaco, comunicando ao médico e anotando os fatos presenciados27,28.

    O profissional de enfermagem deve ser capacitado para atuar em distintas áreas, com competência e habilidade. Participar da reabilitaçao do paciente queimado. Intervençoes de enfermagem durante essa fase devem incluir atividades destinadas a reduzir a ansiedade e minimizar o sofrimento frente à hospitalizaçao, ao ambiente estranho, aos distúrbios de padrao do sono, à administraçao de medicamentos e à dor7.

    Considera-se fundamental no processo de cuidar o esclarecimento de dúvidas, bem como estimulá-lo a falar sobre o que está sentindo, procurando manter uma comunicaçao efetiva. A participaçao de um profissional especializado na área de saúde mental, o qual possa dar suporte nessas situaçoes, para que a assistência se torne mais humana, e a hospitalizaçao nao pareça tao difícil para o paciente, pode se fazer necessária.


    CONSIDERAÇOES FINAIS

    Considerando a necessidade da equipe de conhecer os sentimentos, dúvidas e anseios dos pacientes vítimas de queimaduras a fim de buscar estratégias de cuidado, pode-se perceber, por meio dos relatos, que os pacientes expressam sentimentos de dor, ansiedade, sofrimento, medo da morte e culpa durante o tempo de internaçao. Estes apresentaram desconhecimento em relaçao às rotinas, procedimentos realizados, em que atribuíram o tratamento e o cuidado apenas ao banho diário e troca de curativos. O desconhecimento dos pacientes em relaçao ao papel dos profissionais também foi encontrado como resultado no estudo.

    Diante do exposto, faz-se necessária a elaboraçao de materiais educativos, como cartilhas, a fim de promover orientaçoes ao paciente queimado, enfocando as rotinas hospitalares, terapêutica, cuidados e papel dos profissionais na assistência ao queimado, proporcionando um período de internaçao menos traumático. Nesse contexto, ressalta-se o papel do enfermeiro, profissional educador, que, por meio de estratégias educativas, pode proporcionar assistência adequada, sabendo o momento que necessita de açoes simples e complexas, para que, assim, alcance resultado eficaz em tempo reduzido, nao deixando de ter uma visao holística e humanizada.


    REFERENCIAS

    1. Piccolo NS, Serra MCVF, Leonardi DF, Lima Jr EM, Novaes FN, Correa MD, et al. Queimaduras: diagnóstico e tratamento inicial. Projeto e Diretrizes. Assoc Med Bras Cons Fed Med. 2008.

    2. Oliveira TS, Moreira KFA, Gonçalves TA. Assistência de enfermagem com pacientes queimados. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(1):31-7.

    3. Albuquerque MLL, Silva GPF, Diniz DMSM, Figueiredo AMF, Câmara TMS, Bastos VPD. Análise de pacientes queimados com sequelas motoras em um hospital de referência na cidade de Fortaleza-CE. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(3):89-94.

    4. Brasil. Agência Brasileira de Notícias. 91% das queimaduras ocorrem em casa. Brasília: ABN; 2009. [citado em: 09 mar 2009]. Disponível em: http://www.abn.com.br/index.php

    5. Oliveira KC, Oliveira KC, Penha CM, Macedo JM. Perfil epidemiológico de crianças vítimas de queimaduras. Arq Med ABC. 2007;32(Supl. 2):S55-8.

    6. Souza AA, Mattar CA, Almeida PCC, Faiwichow L, Fernandes FS, A Neto EC, et al. Perfil epidemiológico dos pacientes internados na Unidade de Queimaduras do Hospital do Servidor Público Estadual de Sao Paulo. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(3):87-90.

    7. Carlucci, VDS Rossi LA, Ficher AMFT, Ferreira E, Carvalho EC. A experiência da queimadura na perspectiva do paciente. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(1):21-8.

    8. Bastos NMG. Introduçao à metodologia do trabalho acadêmico. 5a ed. Fortaleza: Editora Nacional; 2008.

    9. Minayo MCS. O Desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 4a ed. Sao Paulo: Hucitec - Abrasco; 2010.

    10. Brasil. Resoluçao CNS n° 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília: Diário Oficial da Uniao, n.201, p.21 082, 16 out. 1996. Seçao 1.

    11. Balan MAJ, Oliveira MLF, Trassi G. Características das vítimas de queimaduras atendidas em unidade de emergência de um hospital escola do noroeste do Paraná. Cienc Cuid Saúde. 2009;8(2):169-75.

    12. Ferreira LA. Ser mae no mundo com filho que sofreu queimaduras: um estudo compreensivo. [Tese de doutorado]. Ribeirao Preto: Universidade de Sao Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirao Preto; 2006.

    13. Classification of chronic pain. Descriptions of chronic pain syndromes and definitions of pain terms.Prepared by the International Association for the Study of Pain, Subcommittee on Taxonomy. Pain Suppl. 1986;3:S1-226.

    14. Guimaraes MA, Silva FB, AA. A atuaçao do psicólogo junto a pacientes na Unidade de tratamento de queimados. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(3):128-34.

    15. Doron R, Parot F. Dictionnaire de psychologie. Paris: PUF; 1991.

    16. Carvalho FL, Rossi LA. Impacto da queimadura e do processo de hospitalizaçao em uma unidade de queimados sobre a dinâmica familiar: revisao de literatura. Ciênc Cuid Saude. 2006;5(2):234-54.

    17. Silva MF, Silva MJP. A auto-estima e o nao-verbal dos pacientes com queimaduras. Rev Esc Enferm USP. 2004;38(2):206-16.

    18. Rossi LA, Menezez MAJ, Gonçalves N, Ciofi-Silva CL, Farina-Junior JA, Stuchi RAG. Cuidados locais com as feridas das queimaduras. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(2):54-9.

    19. Gomes DR, Serra MC. Grau de Hidrataçao. In: Gomes DR, Serra MC, Macieira Junior L, eds. Condutas atuais em queimaduras. Rio de Janeiro: Revinter; 2001.

    20. Pellon MA. Queimaduras elétricas. In: Lima Júnior EM, Serra MCVF, eds. Tratado de queimaduras. Sao Paulo: Atheneu; 2004. p.283-91.

    21. Coelho M, Moura F, Karilma J. A atuaçao fisioterápica na reabilitaçao de paciente queimado: estudo de caso. 2008 [Acesso em: 6 de junho de 2013]. Disponível em: http//www.wgate.com.br/conteúdo/medicinaesaude/fisioterapia/variedades/queimado_bianca.html

    22. Bezerra TCR, Coutinho VS, Mugunba MC. Terapia ocupacional. In: Lima Junior EM, Barreto MGP, eds. Rotina de atendimento ao queimado. 2a ed. Fortaleza: Intergráfica; 2006. p.68.

    23. Costa ECFB, Rossi LA. As dimensoes do cuidado em uma unidade de queimados: um estudo etnográfico. Rev Escol Enferm USP. 2003;37(3):72-81.

    24. Instituto Doutor José Frota. Manual de rotinas do Serviço Social do IJF. Fortaleza: IJF, 2012 [Acesso em 16 de junho de 2013]. Disponível em: http://www.ijf.ce.gov.br

    25. Instituto de Apoio ao Queimado. Estatuto Social do IAQ. Fortaleza, Ceará. IJF, 2012 [Acesso em 16 de junho de 2013]. Disponível em: http://www.iaq.org.br/estatuto.html

    26. Silva RMA, Castilhos APL. A identificaçao de diagnósticos de enfermagem em paciente considerado grande queimado: um facilitador para implementaçao das açoes de enfermagem. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(2):60-5.

    27. Martins CBG, Andrade SM. Queimaduras em crianças e adolescentes: análise da morbidade hospitalar e mortalidade. Act Paul Enferm. 2007;20(4):464-9.

    28. Jardim DER, Baia EC, Souza KPT, Ferraz OG. Cuidado de enfermagem ao paciente grande queimado no ambiente hospitalar [Projeto de pesquisa]. Belo Horizonte: Centro Universitário UNA, Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde;2009.p.13.










    1. Enfermeira. Graduanda pela Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF). Fortaleza, CE, Brasil
    2. Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva. Professora do Curso de Graduaçao em Enfermagem da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF). Fortaleza, CE, Brasil
    3. Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva. Professora do Curso de Graduaçao em Enfermagem da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF). Fortaleza, CE, Brasil
    4. Médico do Centro de Queimados do Instituto Dr. José Frota e Presidente do Instituto de Apoio ao Queimado. Fortaleza, CE, Brasil
    5. Enfermeira. Especialista Saúde da Família. Professora do Curso de Graduaçao em Enfermagem da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF). Fortaleza, CE, Brasil
    5. Enfermeira, Doutora em Enfermagem,UFC. Fortaleza, CE, Brasil

    Trabalho realizado no Instituto Dr. José Frota - Fortaleza, CE, Brasil.

    Correspondência:
    Ana Neile Pereira de Castro
    Rua 2, nº 150. Apto. 204, Presidente Kennedy
    Fortaleza, CE, Brasil - CEP: 60355-634
    E-mail: neilecastro@gmail.com

    Artigo recebido: 17/7/2013
    Artigo aceito: 21/8/2013

    © 2024 Todos os Direitos Reservados